Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
108/10.4TBPTG.1.E1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
SERVIDÃO DE PASSAGEM
CASO JULGADO
FACTOS SUPERVENIENTES
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
FUNDAMENTOS
FACTO EXTINTIVO
FACTO MODIFICATIVO
Data do Acordão: 02/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DO OBJECTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / DEDUÇÃO DA DEFESA NA CONTESTAÇÃO / SENTENÇA ( EFEITOS ) / FACTOS JURÍDICOS SUPERVENIENTES / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO - PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO DE SENTENÇA / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO NEGATIVO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, in R.L.J., Ano 76.º, 162.
- J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, 676 e 677.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 571.º, N.ºS 1 E 2, 573.º, N.ºS 1 E 2, 611.º, N.º 1, 619.º, Nº 2, 629.º, N.º 2, A), 672.º, 729.º, G), 876.º, N.ºS 1, 2 E 4.
Sumário :
I - A inexistência ou insubsistência da obrigação exequenda, em matéria de oposição à execução fundada em sentença ou equiparada, restringe-se aos factos não precludidos pelo caso julgado, isto é, aos factos modificativos ou extintivos da obrigação, desde que posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, que se provem por documento, a menos que se trate da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada, por qualquer meio, pelo que, sendo anteriores, mesmo que o executado deles não tenha conhecimento ou não disponha do documento necessário para os demonstrar, não podem servir de fundamento de oposição à execução.

II - Tratando-se de oposição à execução baseada em sentença ou outro título judicial, não podem invocar-se, em oposição à execução, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas ou extintivas do direito do exequente, toda a defesa que ao executado era lícito apresentar na ação declarativa, ou seja, defesa por impugnação e defesa por exceção, sob pena de violação do princípio da autoridade do caso julgado.

III - Admitindo ter deixado de ocorrer a situação de facto subjacente à decisão judicial transitada e que agora é objeto de execução, verifica-se a adaptação do título executivo, por via da procedência da ação de alteração da servidão de passagem, hipótese em que inexiste violação do caso julgado, por motivo de erro de previsão ou por desaparecimento dos pressupostos em que assentou a decisão exequenda.

IV - Porém, a adaptação do título executivo ao facto superveniente, entretanto, surgido, não demanda o recurso à oposição à execução, por embargos de executado, que só se justificaria quando o facto posterior tenha provocado a cessação definitiva da situação duradoura nele reconhecida, o que não acontece quando a servidão predial continua a existir, e os executados, apenas, pretendem alterar o seu modo de exercício, e ainda quando tal facto não atinge os efeitos futuros da situação duradoura, mas, tão só, os seus efeitos passados.

V - A faculdade do executado, nas execuções para prestação de facto negativo, em oposição à execução mediante embargos, impugnar o pedido de demolição, fundado no facto de esta representar para si prejuízo, consideravelmente, superior ao sofrido pelo exequente, hipótese em que a execução é logo suspensa, após a realização da perícia, independentemente de caução, nos termos do disciplinado pelo art. 876.º, n.os. 2 e 4, do CPC, constitui uma resposta no sentido de permitir aos réus-executados, em nova ação, suscitar factos supervenientes, respeitantes a necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída, sem que tal implique a violação do princípio do caso julgado.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA[1]:

Na execução para prestação de facto que AA e marido, BB, movem a CC e marido, DD, os executados deduziram oposição por embargos.

Por despacho, datado de 16 de abril de 2015 (com a ref.ª 25999180), foi decidido que “Verificando-se que a oposição à execução, mediante embargos, foi recebida, importa proferir despacho no que concerne à suspensão ou prosseguimento da presente execução considerando o disposto nos artigos 868.º, n.º 3 e 733.º, ambos do NCPC.

Em requerimento dirigido ao processo os exequentes requerem o prosseguimento da execução alegando que esta não pode ser suspensa com base na existência de uma causa prejudicial.

Em resposta, os executados opõem-se a tal pretensão pugnando pela suspensão da instância com base nos fundamentos no despacho de 24/02/2015 prolatado no âmbito da oposição à execução.

Vejamos.

Dispõe o artigo 733.º, n.º 1, aplicável com as devidas adaptações a partir da remissão contida no n.º 3 do artigo 868.º, ambos do NCPC, o seguinte:

«1 - O recebimento dos embargos só suspende o prosseguimento da execução se:

a) O embargante prestar caução;

b) Tratando-se de execução fundada em documento particular, o embargante tiver impugnado a genuinidade da respetiva assinatura, apresentando documento que constitua princípio de prova, e o juiz entender, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução;

c) Tiver sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução.».

Ora, considerando que os executados impugnaram, no âmbito da oposição à execução deduzida, a exigibilidade da obrigação exequenda, mormente a destruição dos muros de vedação e a retirada do portão de entrada, e os fundamentos do último despacho prolatado a 24/02/2015 nessa oposição, justifica-se indubitavelmente a suspensão da presente execução sem prestação de caução pelos executados, ora embargantes nos termos da supra citada alínea c).

Efectivamente, não se justifica a prestação de caução, tendo em conta que os exequentes, ora embargados recusam terminantemente o recebimento da chave de entrada do portão, pelo qual entram e saem pessoas e qualquer tipo de veículos face à sua dimensão, visível nas fotografias juntas a fls. 150/151 ao dito processo, insistindo na destruição dos muros e arranque do portão, o que significa que a suspensão da execução não lhes acarreta qualquer prejuízo que importe acautelar com uma caução.

Por outro, e como se decidiu em sede de oposição à execução, a lei concede aos embargantes o direito irrenunciável e incondicionado de exigir a alteração do modo de exercício da servidão, e verificando-se que estes alegaram, em sede de oposição, factos que preenchem todos os pressupostos previstos no artigo 1568.º, n.º 3 do Código Civil, caso os mesmos se venham a apurar, existe uma alta probabilidade de procedência da sua pretensão, pelo menos no que respeita ao reconhecimento do direito de vedação do seu prédio mediante a manutenção do portão e dos muros actualmente existentes desde que facultem a chave do cadeado do portão aos exequentes e que estes recusam, considerando para além do mais a jurisprudência constante do Acórdão do STJ de 06B1480 (Proc. 08-06-2006), in dgsi.pt.

Com efeito, negar a suspensão da execução ou condicioná-la à prestação de uma caução e obrigar os embargantes a prestar o facto exequendo com os custos para pessoas e bens que tal implica, designadamente com a destruição do portão e dos muros que vedam a propriedade tornando a mesma vulnerável à sua devassa por terceiros, sendo visível nas fotografias de fls. 151 do apenso A que à frente da propriedade encontra-se uma paragem de autocarro, para posteriormente verificar-se a inutilidade de tal execução ao reconhecer-se o direito de alteração do modo de exercício da servidão mediante a entrega das chaves do portão, é contrário aos ditames da boa fé constituindo assim abuso de direito.

Não estamos aqui em presença de nenhuma causa prejudicial como ocorre na oposição à execução como alegam os exequentes, pois que o fundamento da suspensão da execução é a dedução da oposição à execução, os termos em que esta foi apresentada, e o seu recebimento.

Termos em que, verificando-se o preenchimento de todos os requisitos legais, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 733.º aplicável ex vi artigo 868.º, n.º 3, ambos do NCPC, determino a suspensão da execução até ser prolatada decisão final, com trânsito em julgado, na oposição à execução que corre os seus termos no apenso A.

Notifique e comunique ao Sr.(a) Solicitador(a) de Execução.”.

Desta decisão, os exequentes interpuseram recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado a apelação improcedente, confirmando a decisão impugnada.

Do acórdão da Relação de ..., os exequentes interpuseram agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que ordene o prosseguimento da execução, formulando as seguintes conclusões, que, integralmente, se transcrevem:

1ª – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso com o fundamento na ofensa de caso julgado, é no que se funda o presente recurso de revista (cfr. Artigo 629.º, n.º 2, al. a) do CPC).

2ª - A presente acção executiva para prestação de facto tem como título executivo acórdão do Tribunal da Relação de ..., confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferidos na fase declarativa, transitado em julgado.

3ª - Em oposição à presente execução, os executados, por não aceitarem a decisão exequenda, vieram pedir a extinção das servidões exequendas ou que a decisão dada à execução fosse "interpretada" de forma a alterar o modo de exercício dessas servidões [Oposição à execução que, não obstante não assentar em nenhum dos fundamentos taxativamente previstos no artigo 729.º do CPC foi liminarmente recebida].

4ª - Posteriormente, os executados propuseram contra os exequentes acção declarativa, na qual peticionam a extinção ou a alteração do modo de exercício das servidões exequendas, de forma a destruir ou impedir os efeitos da decisão dada à execução.

5ª - E carrearam essa nova acção declarativa à presente lide executiva, pedindo a apensação, que lhe foi concedida em primeira instância, por decisão já revogada pela Relação.

6ª - Com fundamento na interposição dessa nova acção declarativa, a Sra. Juiz do processo ordenou a suspensão da oposição à execução até que a nova acção seja definitivamente decidida.

7ª - E, ordenou a suspensão da execução até que fique decidida a oposição.

8ª - Ou seja, com a acção nova, os executados conseguiram suspender a oposição à execução e com a suspensão da oposição conseguiram suspender a execução.

9ª - Na prática, os recorrentes têm uma sentença transitada em julgado que não podem executar à espera de que seja proferida decisão noutra acção de sinal contrário entretanto interposta pelos recorridos contra os recorrentes.

10ª - A Relação confirmou a decisão de manter suspensa a execução até que seja decidida a acção nova e, nessa sequência, até que seja decidida a oposição à execução.

11ª - Assim fazendo, negou exequibilidade imediata à sentença exequenda e, nisso violou o princípio da autoridade do caso julgado.

12ª - O princípio da autoridade do caso julgado dá, a quem dele pode prevalecer-se, o direito de poder executar uma decisão dos Tribunais que tenha transitado em julgado.

13ª - Esse direito foi negado pelo acórdão recorrido.

14ª - Por isso, há que revogar o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que ordene a prossecução da execução para que seja dado cumprimento a uma legitima decisão judicial transitada em julgado, porquanto:

15ª - A decisão exequenda é certa, liquida e exigível - reconheceu e condenou os executados a reconhecer as servidões constituídas por destinação de pai de família, definiu, de forma clara e precisa, a localização, extensão e modo de exercício dessas servidões e condenou os executados a desobstruir e a não impedir as mesmas.

16ª - A decisão exequenda é perfeitamente válida e eficaz, pois existe, versa sobre situação real, foi tomada por quem tinha legitimidade para a proferir e o seu conteúdo não é contraditório, nem impossível.

17ª - Não padecendo, de nenhuma nulidade que a inquine, nomeadamente das previstas no artigo 615.º, n.º 1 do CPC.

18ª - Transitada em julgado, a sentença que decida do mérito da causa fica a ter força obrigatória dentro e fora do processo e constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga, o que implica o direito dos autores a executá-la.

19ª - Os direitos de defesa dos executados contra a pretensão dos exequentes plasmada na decisão exequenda ficaram precludidos na acção onde esta foi proferida.

20ª - A dedução de oposição à execução, bem como os factos nela alegados não são susceptíveis de permitir a suspensão da execução, à luz do disposto no artigo 733.º do CPC.

21ª - Portanto, ao confirmar a decisão da primeira instância de suspensão da execução até à prolação das decisões no processo declarativo proposto pelos executados e na oposição à execução, o acórdão recorrido viola o caso julgado formado pela decisão exequenda, bem como o disposto nos artigos 564.º, al. c), 580.º, 581.º, 615.º, 619.º a 625.º, 628.º, 704.º, 729.º, 733.º, n.º 1 Código de Processo Civil, bem como os artigos 1568.º, n.º 4 e 1569.º, n.º 3 do Código Civil.

Os executados não apresentaram contra-alegações.

A factualidade a relevar é aquela que, sucintamente, consta do antecedente relatório.

                                                    *

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.

As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objeto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nºs 4 e 5, 639º e 679º, todos do Código de Processo Civil (CPC), são as seguintes:

I – A questão da violação do princípio da autoridade do caso julgado.

II – A questão da suspensão da execução.

I. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTORIDADE DO CASO JULGADO

I. 1. Alegam os exequentes que o acórdão recorrido, ao confirmar a decisão da primeira instância de suspensão da execução, até à prolação das decisões no processo declarativo proposto pelos executados, e na oposição à execução, negou exequibilidade imediata à sentença exequenda e, portanto, violou o princípio da autoridade do caso julgado formado pela mesma.

Baseando-se a execução em sentença ou decisão equivalente, a oposição do executado só pode ter como fundamento, designadamente, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, e se prove por documento, a menos que se trate da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada, por qualquer meio, nos termos do preceituado pelo artigo 729º, g), do CPC.

É, por isso, que o facto extintivo ou modificativo que ocorrer antes do encerramento da discussão, mas de que o réu não teve conhecimento ou não dispôs do documento necessário para o provar, não pode servir de fundamento de oposição à execução, porque não ocorreu, posteriormente, aquele encerramento[2].

A dupla exigência deste fundamento de oposição à execução, ou seja, a sobrevivência de facto extintivo ou modificativo da obrigação que se executa e a sua ocorrência posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, tem como razão de ser a necessidade de respeitar o caso julgado.

Baseando-se a execução em sentença, e não em título executivo extrajudicial, existindo, portanto, uma apreciação jurisdicional anterior, aliás, reforçada pela singularidade de ter sido realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode o executado opor à execução toda a defesa que lhe era lícito apresentar na ação declarativa, ou seja, defesa por impugnação e defesa por exceção, nos termos do estipulado pelo artigo 571º, nºs 1 e 2, do CPC, sendo necessário preservar a autoridade do caso julgado.

Não podem, por isso, quando se trata de oposição à execução baseada em título judicial, invocar-se, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas ou extintivas do direito do exequente, sob pena de violação do princípio da autoridade do caso julgado.

I. 2. O acórdão recorrido, que incorporou a decisão da 1ª instância, considerou que “tendo os executados impugnado, no âmbito da oposição à execução deduzida, a exigibilidade da obrigação exequenda, mormente a destruição dos muros de vedação e a retirada do portão de entrada, e os fundamentos do último despacho prolatado a 24/02/2015 nessa oposição, justifica-se indubitavelmente a suspensão da presente execução sem prestação de caução pelos executados, ora embargantes nos termos da alínea c), do nº 1, do artigo 733º, e 868º, nº 3, ambos do NCPC, por ter sido impugnada, no âmbito da oposição deduzida, a exigibilidade ou a liquidação da obrigação exequenda e o juiz considerar, ouvido o embargado, que se justifica a suspensão sem prestação de caução”, para além de que “a lei concede aos embargantes o direito irrenunciável e incondicionado de exigir a alteração do modo de exercício da servidão, e verificando-se que estes alegaram, em sede de oposição, factos que preenchem todos os pressupostos previstos no artigo 1568.º, n.º 3 do Código Civil, caso os mesmos se venham a apurar, existe uma alta probabilidade de procedência da sua pretensão”.

I. 3. A presente execução para prestação de facto negativo, a que alude o artigo 876º, nº 1, do CPC, baseada em sentença, destinada à destruição dos muros de vedação e à retirada do portão de entrada do prédio dos executados, conheceu a oposição destes, que a pretendem ver suspensa, com a propositura de uma ação de mudança de servidão.

A questão suscitada pelos exequentes da violação do princípio da autoridade do caso julgado formado pela sentença exequenda, contende com os limites temporais do caso julgado material, que se constitui com referência à situação de facto existente no momento do encerramento da discussão, de acordo com o prescrito pelo artigo 611.º, n.º 1, do CPC[3].

O caso julgado material que se forma nas acções contempla a defesa, efetivamente, apresentada pelo réu, de modo a impedir a reapreciação das questões que já tenham sido decididas, quanto ao mérito, mas, também, os factos que o réu teria podido deduzir, no processo declarativo, mas que, de facto, acabou por omitir.

Pode, assim, discutir-se se os executados deveriam ou não, na contestação da ação declarativa inicial, em que se formou o presente título executivo, ter deduzido toda a defesa, com base no disposto pelo artigo 573º, nº 1, do CPC, sob pena de, não tendo, então, invocado a exceção da mudança de servidão, ficar precludida a faculdade jurídica de a suscitar, ulteriormente, ou antes, se podem ainda, em nova ação, deduzir factos, objetivamente, supervenientes, respeitantes à necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída, cujos contornos e elementos técnico-científicos só tiveram conhecimento, em momento posterior ao encerramento da discussão, ou factos, subjetivamente, supervenientes, decorrentes da alteração da situação dos prédios, atento o preceituado pelo nº 2 do supracitado normativo legal.

Admitindo ter deixado de ocorrer a situação de facto subjacente à decisão judicial transitada e que agora é objeto de execução, verifica-se a adaptação do título executivo, por via da procedência da ação de alteração da servidão de passagem, hipótese em que inexiste violação do caso julgado, por motivo de erro de previsão ou por desaparecimento dos pressupostos em que assentou a decisão exequenda.

O âmbito da ação modificativa destinada a alterar a servidão, com vista a apurar se importa adaptar o título executivo às novas circunstâncias, confina-se, assim, à matéria relativa à determinação da alteração dessas circunstâncias.

Ora, nas sentenças que podem ser objeto de modificação, como acontece com as sentenças constitutivas de uma servidão predial, o surgimento de um facto posterior importa a aplicação do regime do artigo 619.º, nº 2, do CPC, em particular, da parte final da norma, e não do regime da oposição à execução da respetiva sentença condenatória, porquanto, nas mesmas, ainda que sub-repticiamente, formulou-se um juízo acerca da evolução futura da situação jurídica que reconheceram, ou seja, uma determinada conformação da servidão predial, sendo esse juízo que, devido ao surgimento de um facto novo, é perturbado ou confrontado.

Embora nestas situações se justifique a adaptação do título executivo ao facto superveniente, entretanto, surgido, o recurso à oposição à execução, por embargos de executado, só se justificaria, porém, quando o facto posterior tenha provocado a cessação definitiva da situação duradoura nele reconhecida, o que não acontece, no caso sub iudice, visto que a servidão predial continua a existir, sendo que, apenas, os executados pretendem alterar o seu modo de exercício, e ainda quando tal facto não atinge os efeitos futuros da situação duradoura, mas, tão-só, os seus efeitos passados.

De todo em todo, as instâncias admitiram, concordantemente, a oposição à execução, mediante embargos de executado, determinando a suspensão da execução, até ser prolatada decisão final, com trânsito em julgado, na oposição à execução, em termos de «dupla conformidade», que os exequentes não tentaram ultrapassar, através da via do recurso de revista excecional, nos termos do disposto pelo artigo 672º, do CPC.

Contudo, a faculdade do executado, nas execuções para prestação de facto negativo, como é a presente, em oposição à execução mediante embargos, impugnar o pedido de demolição, fundado no facto de esta representar para si prejuízo, consideravelmente, superior ao sofrido pelo exequente, hipótese em que a execução é logo suspensa, após a realização da perícia, independentemente de caução, atento o disciplinado pelo artigo 876º, nºs 2 e 4, do CPC, constitui uma resposta à questão levantada, no sentido de permitir aos réus-executados, em nova ação, suscitar factos supervenientes, respeitantes à necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída.

Assim sendo, não ocorre a exceção do caso julgado, nem a violação do princípio da autoridade do caso julgado, como causa de admissibilidade excecional da revista-regra, a que se reporta o artigo 629.º, n.º 2, a), do CPC, de que, consequentemente, se não conhece.
CONCLUSÕES:

I - A inexistência ou insubsistência da obrigação exequenda, em matéria de oposição à execução fundada em sentença ou equiparada, restringe-se aos factos não precludidos pelo caso julgado, isto é, aos factos modificativos ou extintivos da obrigação, desde que posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração, que se provem por documento, a menos que se trate da prescrição do direito ou da obrigação, que pode ser provada, por qualquer meio, pelo que, sendo anteriores, mesmo que o executado deles não tenha conhecimento ou não disponha do documento necessário para os demonstrar, não podem servir de fundamento de oposição à execução.

II - Tratando-se de oposição à execução baseada em sentença ou outro título judicial, não podem invocar-se, em oposição à execução, sem qualquer limite temporal, todas as causas impeditivas ou extintivas do direito do exequente, toda a defesa que ao executado era lícito apresentar na ação declarativa, ou seja, defesa por impugnação e defesa por exceção, sob pena de violação do princípio da autoridade do caso julgado.

III – Admitindo ter deixado de ocorrer a situação de facto subjacente à decisão judicial transitada e que agora é objeto de execução, verifica-se a adaptação do título executivo, por via da procedência da ação de alteração da servidão de passagem, hipótese em que inexiste violação do caso julgado, por motivo de erro de previsão ou por desaparecimento dos pressupostos em que assentou a decisão exequenda.

IV – Porém, a adaptação do título executivo ao facto superveniente, entretanto, surgido, não demanda o recurso à oposição à execução, por embargos de executado, que só se justificaria quando o facto posterior tenha provocado a cessação definitiva da situação duradoura nele reconhecida, o que não acontece quando a servidão predial continua a existir, e os executados, apenas, pretendem alterar o seu modo de exercício, e ainda quando tal facto não atinge os efeitos futuros da situação duradoura, mas, tão-só, os seus efeitos passados.

V - A faculdade do executado, nas execuções para prestação de facto negativo, em oposição à execução mediante embargos, impugnar o pedido de demolição, fundado no facto de esta representar para si prejuízo, consideravelmente, superior ao sofrido pelo exequente, hipótese em que a execução é logo suspensa, após a realização da perícia, independentemente de caução, nos termos do disciplinado pelo artigo 876º, nºs 2 e 4, do CPC, constitui uma resposta no sentido de permitir aos réus-executados, em nova ação, suscitar factos supervenientes, respeitantes à necessidade de mudança da servidão, anteriormente, constituída, sem que tal implique a violação do princípio do caso julgado.

DECISÃO[4]:
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não conhecer do objeto do recurso de revista interposto pelos exequentes, em virtude da verificação da situação da dupla conforme, não ressalvada, «in casu», nomeadamente, através da exceção ou do princípio da autoridade do caso julgado, e, em consequência, julgam extinta a instância recursiva.

                                                  *

Custas, a cargo dos exequentes, cuja taxa de justiça se fixa em duas UC´s, nos termos das disposições combinadas dos artigos 527º, nºs 1 e 2, 530º, nº 1 e 539º, nº 1, do CPC, 7º, nºs 4 e 8 e 27º, nº 1, do Regulamento das Custas Processuais, aplicáveis, e respetiva Tabela II, anexa.

                                                             *
Notifique.

Lisboa, 14 de fevereiro de 2017

Helder Roque – Relator

Gabriel Catarino

Roque Nogueira

_______________________________________________________
[1] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.
[2] Alberto dos Reis, RLJ, Ano 76º, 162.
[3] J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 2009, 676 e 677.
[4] Relator: Helder Roque; 1º Adjunto: Conselheiro Gabriel Catarino; 2º Adjunto: Conselheiro Roque Nogueira.