Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3812
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
ACÇÃO DECLARATIVA
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
CONCURSO DE CREDORES
CREDOR PREFERENCIAL
FALTA DE CITAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ200711220038127
Data do Acordão: 11/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Na acção declarativa destinada a exigir indemnização do prejuízo derivado da omissão de citação do credor com garantia real de que derivou a perda desta é aplicável a versão do artigo 864º do Código de Processo Civil que vigorava ao tempo da instauração da acção executiva em que ocorreu aquela omissão.
2. No regime do nº 3 do artigo 864º do Código de Processo Civil - redacção anterior - a responsabilidade do exequente pela indemnização do prejuízo sofrido pelo credor com garantia prioritária, por virtude da perda de garantia patrimonial do direito de crédito, a que se reporta aquele normativo, apenas depende da omissão da sua citação para o concurso.
3. No domínio da vigência do mencionado regime, recai sobre o exequente a aludida responsabilidade, independentemente de algum outro credor ter aproveitado, no concurso de credores, do produto da venda do bem penhorado.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I
A AA intentou, no dia 15 de Junho de 2004, contra BB-Sociedade Financeira para Aquisição de Crédito, SA, a que sucedeu o Interbanco, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação, a título de indemnização relativa aos danos causados, a quantia de € 81.933,31 e juros moratórios.
Fundamentou a sua pretensão em ter mutuado, em 19 de Setembro de 1999, a CC e DD, 9 500 000$, com garantia de hipoteca sobre identificada fracção predial autónoma, haver intentado acção executiva contra eles, indicando-a à penhora, e haver constatado a inscrição da propriedade na titularidade de terceiro em virtude de venda em acção executiva intentada pela ré contra CC, sem a sua citação para reclamar o seu direito de crédito hipotecário, imputável aquela, perdendo por isso a garantia de hipoteca.
A ré em contestação impugnou a pretensão da autora ao abrigo do artigo 864º do Código de Processo Civil e requereu o chamamento de CC, do credor reclamante Banco Espírito Santo SA e dos compradores da fracção predial, EE e FF.
O Banco Espírito Santo, SA afirmou a sua ilegitimidade e negou o direito invocado pela autora, CC desistiu da sua intervenção, e EE e FF alegaram a sua ilegitimidade e negaram o direito invocado pela autora.
Interbanco, SA apresentou articulado superveniente no qual expressou que a autora, por via da encarregada da venda, conheceu estar a fracção predial à venda, o que a primeira negou em resposta, sob o argumento de não ter recebido a invocada carta.
Na fase da condensação do processo, no dia 11 de Julho de 2006, foi proferida sentença, por via da qual o réu e os referidos intervenientes foram absolvidos do pedido.
Apelou autora, e a Relação, por acórdão proferido no dia 22 de Maio de 2007, dando provimento ao recurso, condenou o Interbanco, SA a pagar à autora 7 500 000$, deduzido o valor relativo à custas.

Interpôs o Banco Santander Consumer Portugal, SA, sucessor do Interbanco, SA, recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- não foram considerados factos essenciais provados e errou-se na aplicação do nº 3 do artigo 864º do Código de Processo Civil resultante do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro.
- é aplicável nesta acção a redacção actual do nº 10 do artigo 864º, porque a lei processual é imediatamente aplicável, nos termos do artigo 142º, ambos do Código de Processo Civil;
- a responsabilidade civil prevista no artigo 864º, nº 10, do Código de Processo Civil apura-se de acordo com a conduta processual de quem aproveitou da venda do imóvel e da falta de citação do credor hipotecário, pressupondo uma actuação dolosa ou negligente, o que não ocorreu com o recorrente, porque cumpriu o que devia;
- o exequente e qualquer outro credor poderiam efectivamente indemnizar o credor não citado se fosse passível de responsabilidade civil, de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, restituindo o que recebeu indevidamente;
- o recorrente não enriqueceu sem causa, esta é o processado na execução e as decisões judiciais nela proferidas, nem sequer enriqueceu, porque só foi pago pelo seu crédito, pelo que inexiste a sua responsabilidade civil;
- a recorrida foi citada editalmente e notificada por carta datada de 10 de Janeiro de 2001, na qualidade de credora hipotecária, da proposta para venda judicial do imóvel, podendo arguir logo a nulidade processual, evitando a venda do imóvel sem que o seu crédito estivesse acautelado;
- a interpretação meramente literal da lei feita no acórdão ofende os princípios gerais do direito, da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa, ignorando o que os intervenientes receberam em virtude da venda do imóvel;
- o acórdão desconsiderou ter o antecessor do recorrido junto certidão com todos os ónus e encargos em vigor, haver requerido o cumprimento do artigo 864º do Código de Processo Civil e ter havido citação edital;
- a falta de citação do recorrido é imputável ao tribunal, porque o antecessor do recorrente juntou a certidão de ónus e encargos, requereu a citação dos credores e publicou anúncios para citação dos desconhecidos;
- a recorrida é responsável pelo levantamento da hipoteca porque não arguiu a sua falta de citação nos seis meses que decorreram entre a notificação para venda pelo seu encarregado e a outorga da escritura;
- a ser responsável, só teria de indemnizar a recorrida pela quantia que recebeu, não por enriquecimento, porque o recebido era-lhe devido;
- a recorrida foi notificada para se pronunciar quanto à respectiva modalidade, e, como não invocou a nulidade por falta de citação deve considerar-se sanada, nos termos do artigo 196º, sem prejuízo do disposto no artigo 202º, ambos do Código de Processo Civil.

Respondeu a recorrida, em síntese de conclusão:
- é aplicável ao caso o regime jurídico que vigorava ao tempo dos factos, pelo que se pode sindicar a negligência do antecessor do recorrente, a quem incumbia diligenciar e de estar atento ao cumprimento das citações previstas no artigo 864º do Código de Processo Civil, sendo sua a responsabilidade por falta de citação da recorrida;
- não tomou conhecimento da venda por via da carta, porque não a recebeu, não foi citada na sua qualidade de credora hipotecária, não era credora desconhecida, não tinha que o reclamar o seu crédito por via da citação edital;
- levantada a hipoteca, distribuído o produto da venda pelo reclamante Banco Espírito Santo, SA e por CC, se tivesse sido citada, seria graduada em primeiro lugar;
- sofreu, por isso, prejuízo, devendo ser indemnizada pelo recorrente, nos termos do nº 3 do artigo 864º do Código de Processo Civil.

II
É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que relevam no recurso:
1. BB – Sociedade Financeira Para Aquisição a Crédito, SA intentou, no dia 7 de Abril de 1997, contra CC, no 1º Juízo Cível da Comarca de Oeiras, a que foi atribuído o nº 185/97, acção executiva para pagamento de quantia cerca, a fim de haver dele 268 855$, com base em livrança subscrita por aquele, com o valor inscrito de 265 797$, vencida no dia 31 de Julho de 1997.
2. O executado, citado por funcionário no dia 30 de Junho de 1997, apenas constituiu mandatário forense no dia 6 de Fevereiro de 2002, não deduziu embargos, e não resultou a deprecada para penhora de bens móveis dirigida ao Tribunal da Comarca de Sintra.
3. No dia 22 de Setembro de 1998, a exequente requereu a penhora da fracção autónoma do prédio descrito sob o nº .........../..........- -- na Conservatória do Registo Predial de Queluz, Freguesia de Agualva, Cacém, inscrita na titularidade de CC, casado com DD, segundo o regime de comunhão de adquiridos, desde 11 de Agosto de 1994.
4. A deprecada penhora efectuou-se no dia 21 de Dezembro de 1998, tendo sido nomeado fiel depositário GG, foi notificado o executado nos termos do artigo 838º do Código de Processo Civil e registou-se definitivamente a penhora, no dia 22 de Fevereiro de 1999 a favor de Interbanco, SA.
5. No dia 8 de Fevereiro de 2000 foi despachado: Cumpra o disposto no artigo 864º do CPC, mas não foi cumprido esse despacho em relação à autora, credora hipotecária.
6. Talvez por lapso, cumpriu-se o referido despacho em relação à Caixa Geral de Depósitos, SA, que tinha uma hipoteca a seu favor registada sobre o prédio, no confronto do construtor do edifício, mas que fora cancelada em relação à fracção em causa no dia 29 de Dezembro de 1994, cujos anúncios para a citação dos credores desconhecidos estão insertos a folhas 103.
7. O Banco Espírito Santo, SA reclamou, no dia 29 de Novembro de 2000, um direito de crédito no montante de 686 478$89, nos termos do artigo 871º do Código de Processo Civil, com base em penhora realizada no dia 29 de Julho de 1999, posterior à penhora feita na execução.
8. A autora não reclamou, no referido apenso de reclamação, algum direito de crédito.
9. O crédito do Banco Espírito Santo, SA foi, depois de admitido, reconhecido e graduado, por sentença de 21 de Dezembro 2001, em primeiro lugar, pelo produto do imóvel penhorado, mandou pagar-se o crédito do Interbanco SA e em segundo lugar o crédito do Banco Espírito Santo, SA, não se referindo na sentença o crédito hipotecário da autora, o qual consta no registo predial.
10. No dia 13 de Junho de 2000, o Interbanco SA requereu a venda da fracção predial por negociação particular, por deprecada, pelo preço base constante do auto de penhora, mas no respectivo termo não constava qualquer avaliação nem atribuição de valor.
11. HH, Ldª juntou a folhas 152 e 153 cópia de uma alegada carta, alegadamente enviada ao autora, dirigida ao " Departamento de Assuntos Jurídicos e Contencioso”, registada, alegadamente sob o nº 01368, datada de 10 de Janeiro de 2001, onde dá conhecimento à destinatária, na qualidade de credora hipotecária que tem o bem penhorado para venda, indicando alegadamente que o valor é de 17 712 500$ e pede que a destinatária querendo, em 5 dias, ofereça mais.
12. A venda foi deprecada ao Tribunal da Comarca de Sintra, este Tribunal pediu cópia das inscrições registrais do imóvel a vender, que o tribunal deprecante satisfez, no primeiro dos referidos tribunais procedeu-se à avaliação da fracção predial a vender, no montante de 17 712 500$, o último Tribunal ordenou a venda por negociação particular pelo valor mínimo referido, foi encarregada de tal, HH Ldª, que, no dia 6 de Fevereiro de 2001, apresentou como melhor proposta conseguida a de 7 500 000$.
13. O Tribunal deprecante não se opôs à venda do bem pelo montante de 7 500 000$, a qual veio a realizar-se por esse valor, por escritura de 21 de Junho de 2001, no 13º Cartório Notarial de Lisboa.
14. O adquirente da fracção predial informou que a destinava à revenda e pediu o levantamento dos ónus e encargos existentes, que especificou, mas, no tocante à hipoteca da titularidade da autora apenas pedia o cancelamento da cota C2 provisória, esquecendo que está convertida em definitiva no registo.
15. O magistrado lavrou despacho a levantar todos os ónus e encargos ainda existentes sobre o imóvel, sem os especificar, a execução foi à conta, resultando € 1 951,41 de custas para o secretário judicial, € 1 805,93 para Interbanco SA, € 4 321,80 para o reclamante Banco Espírito Santo, SA e o remanescente de € 29 581 para o executado, a execução foi julgada finda pelo pagamento no dia 25 de Janeiro de 2002, e o processo foi arquivado.
16. Os mutuários CC e DD incumpriram para com a autora, esta intentou contra eles execução que corre ou correu termos no 2º Juízo Cível de Sintra, sob o nº 156/98, aí nomeou à penhora a fracção dada em garantia, a penhora ocorreu no dia 28 de Maio de 2002 e foi registada provisoriamente no dia 23 de Julho de 2002, porque o titular inscrito era terceiro.
17. A referida fracção predial estava onerada com uma hipoteca voluntária a favor da autora para garantia de empréstimo no montante de capital 9 500 000$, juros remuneratórios à taxa anual de 13,52% e moratórios de 4%, montante máximo de 14 493 200$, com inscrição definitiva no registo predial em Agosto de 1994.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se a recorrida tem ou não direito a exigir do recorrente indemnização no montante de € 37 409,84 e respectivos juros moratórios.
A resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável no caso-espécie;
- regime legal de convocação dos credores;
- garantia real da titularidade da recorrida sobre a fracção predial penhorada.
- há ou não falta de citação da recorrida para o concurso de credores?
- o regime da indemnização derivado da perda da garantia patrimonial;
- deve ou não a recorrida ser indemnizada pelo recorrente?
- síntese da solução para o caso decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva aplicável no caso-espécie.
Ao invés do que o recorrente alegou, não está em causa a aplicação da lei no tempo relativamente à acção declarativa em apreciação, mas sim a aplicação da lei no tempo no que concerne ao concurso de credores que correu por apenso à execução para pagamento de quantia certa que deu origem àquela acção declarativa.
Está, sobretudo, em causa a aplicação do que se prescreve no artigo 864º do Código de Processo Civil, resultante da reforma da lei de processo que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, ou da reforma da acção executiva implementada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Com efeito, a actual redacção do artigo 864º do Código de Processo Civil resultou da reforma da acção executiva implementada pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Todavia, a referida reforma, no que concerne a títulos executivos não derivados de sentenças, como ocorre no caso vertente, só é aplicável as acções executivas instauradas a partir de 15 de Setembro de 2003 (artigo 21º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março).
Ora como a acção executiva em causa foi instaurada no dia 7 de Abril de 1997, a conclusão é no sentido de ser aplicável no caso-espécie a anterior versão do artigo 864º do Código de Processo Civil.

2.
Prossigamos como uma breve análise do regime de convocação de credores.
É ao exequente que incumbe a junção ao processo da execução do certificado do registo da penhora e dos ónus e encargos sobre a fracção predial objecto do acto de penhora, pressuposto do seu prosseguimento (artigo 838º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Feita a penhora, e junta a certidão dos direitos, ónus e encargos inscritos, quando for necessário, são citados para a execução, por um lado, os credores com garantia real sobre os bens penhorados, e, por outro, os credores desconhecidos (artigo 864º, nº 1, alíneas b) e d), do Código de Processo Civil).
Os credores a favor de quem exista o registo de algum direito de garantia sobre os bens penhorados são citados no domicílio que conste do registo, salvo se tiverem outro domicílio conhecido (artigo 864º, nº 2, primeira parte, do Código de Processo Civil).
Os credores desconhecidos, por seu turno, são citados por éditos de vinte dias (artigo 864º, nº 2, última parte, do Código de Processo Civil).

3.
Atentemos agora na garantia real da titularidade da recorrida sobre a fracção predial penhorada.
No caso vertente, estamos perante a penhora de uma coisa imóvel, isto é, de uma fracção autónoma de um prédio urbano (artigo 204º, nº 1, alínea a), do Código Civil).
Entre as hipotecas contam-se as voluntárias, ou seja, as que resultam de contrato ou de declaração unilateral (artigo 712º do Código Civil).
Sobre o prédio misto em causa incidia um contrato de hipoteca objecto do registo predial a favor da recorrida para garantia de um direito de crédito equivalente a € 47 385,80 e juros.
A hipoteca consubstancia-se em garantia real de cumprimento de obrigações presentes ou futuras, condicionais ou incondicionais, conferindo ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686º do Código Civil).
Em consequência, penhorada a mencionada fracção predial, como a recorrida era titular de um direito de hipoteca sobre ela, podia reclamar, pelo produto da mesma, o pagamento do seu crédito (artigo 865º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O direito de crédito do credor hipotecário com prioridade de registo relativamente a determinado imóvel só cede perante o direito de crédito dos credores que disponham de algum privilégio imobiliário especial, direito de retenção ou de prioridade de registo.
Como o direito de crédito da antecessora do recorrente, como exequente, e o da titularidade do interveniente Banco Espírito Santo, SA só estavam garantidos por penhoras constituídas depois do registo do direito de hipoteca da titularidade da recorrida, certo é, que, se esta tivesse intervindo no concurso, o seu direito de crédito seria graduado em primeiro lugar.

4.
Continuemos com a análise da subquestão de saber se há não falta de citação da recorrida para o concurso de credores.
Há falta de citação, além do mais, quando o acto é completamente omitido (artigo 195º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil).
A recorrida era credora do executado identificada no registo predial, pelo que a citação por via edital não lhe era destinada e, consequentemente, ao invés do alegado pelo recorrente, não pode ser considerada citada para o concurso de credores por via dela.
No caso vertente, como foi omitido pelo tribunal o acto de citação pessoal da recorrida para o concurso de credores, certo é que estamos perante uma situação de falta de citação.
O recorrente suscitou o conhecimento pela recorrida da penhora realizada no processo por via de carta que lhe foi remetida pela encarregada da venda antes de esta haver sido realizada, acrescentando que, por virtude disso, estava sanada a falta da citação.
Mas as partes não estão de acordo quanto à circunstância de a encarregada da venda haver efectivamente feito chegar à recorrida a informação da penhora para venda da referida fracção predial, pelo que as instâncias não a consideraram provada nem a consideraram relevante para efeito de integrar a base instrutória nos termos dos artigos 508º-A, nº 1, alínea e), 510º, nº 1, alínea b) e 511º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A omissão da citação do réu implica a anulação de todo o processado subsequente ao momento em que devia ter sido realizada (artigo 194º, alínea a), do Código de Processo Civil).
A referida falta de citação do réu é susceptível de ser suprida se ele intervier no processo sem logo a arguir (artigo 196º do Código de Processo Civil).
Tendo em conta a letra e o escopo finalístico deste normativo, a intervenção a que se reporta, pela sua natureza, deve revelar o conhecimento do réu do objecto essencial do processo.
A omissão da citação do réu implica a anulação de todo o processado, mas fica sanada se o réu interveio no processo depois daquela omissão e não a arguir (artigos 196º e 202º do Código de Processo Civil).
A falta de citação dos credores com garantia real sobre os imóveis penhorados inscrita no registo, arguida por algum interessado ou oficiosamente conhecida pelo tribunal, implica a anulação do processado realizado depois do momento em que a citação deveria ter ocorrido.
No caso espécie não ocorreu a anulação do mencionado processado, não tendo funcionado o princípio da oficiosidade nem o do pedido, e a recorrida instaurou execução contra CC e DD.
Todavia, a respectiva penhora, realizada três anos e meio depois da primeira, confrontou-se no registo com a aquisição por terceiro, em venda judicial, do direito de propriedade sobre a aludida fracção predial.
Mas, nessa altura, já estava consumada a venda da mencionada fracção predial, cuja beneficiária não foi apenas a antecessora da recorrente, certo que dela também beneficiaram o adquirente da fracção predial em juízo e o credor reclamante Banco Espírito Santo, SA.
Ora, no caso vertente, a recorrida não teve qualquer intervenção do processo, pelo que, ao invés do alegado pelo recorrente, não pode considerar-se suprida a falta da citação.
Em consequência, não releva nesta matéria a questão de saber se a recorrida recebeu ou não a carta emitida pela encarregada da venda da fracção predial penhorada mencionada sob II 11.

5.
Prossigamos com a análise do regime da indemnização derivado da perda da garantia patrimonial.
A regra quanto à falta de citações prescritas é no sentido, por um lado, de ter o mesmo efeito que a falta da citação do réu (artigo 864º, nº 3, primeira parte, do Código de Processo Civil).
E, por outro, que ela não importa a anulação das vendas, adjudicações, remições ou pagamentos já efectuados, dos quais o exequente não haja sido o exclusivo beneficiário (artigo 864º, nº 3, segunda parte, do Código de Processo Civil).
E, finalmente, ficar salvo à pessoa que devia ter sido citada o direito de ser indemnizada, pelo exequente, do dano que haja sofrido (artigo 864º, 3, última parte, do Código de Processo Civil).
Visa essencialmente o mencionado regime a protecção dos adquirentes estranhos à execução, a segurança das alienações e a protecção dos credores a quem já tenham sido pagos os montantes relativos aos seus direitos de crédito.
No caso vertente, o exequente não foi o único beneficiário da alienação da fracção predial em causa, sobre a qual a recorrida tinha um direito de hipoteca, certo que a mesma foi adquirida por uma pessoa estranha à execução e pelo seu produto foi pago o credor interveniente no concurso de credores, o Banco Espírito Santo, SA.
Ora, resulta do normativo em análise, ser o dever de indemnizar exclusivamente do exequente, desde que a pessoa cuja citação para o concurso de credores foi omitida teria obtido a graduação prioritária em relação a ele.
O exequente pode evitar esse efeito por via do controlo do processo de citação dos credores com garantia real conhecidos, suscitando oportunamente a respectiva omissão ao tribunal.
Não lhe basta para que se exima à referida responsabilidade o cumprimento da sua obrigação de junção ao processo de execução da certidão de ónus e encargos nem a circunstância de requerer o cumprimento do disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil.
O prejuízo dos credores cuja citação para o concurso foi preterida corresponde à perda resultante de não ter podido reclamar o seu direito de crédito e consequentemente realizar o seu direito de crédito por via da garantia que entretanto perdeu.

6.
Vejamos agora se a recorrida deve ou não ser indemnizada pelo recorrente nos termos considerados no acórdão recorrido.
Importa ter em conta que a primeira instância, sem alteração da Relação, considerou ter sido apurado que o executado CC não tinha bens penhoráveis.
Assim, por virtude da omissão de citação da recorrida para o concurso de credores, a sua esfera jurídica patrimonial foi negativamente afectada na medida em que ficou impedida de realizar o seu direito de crédito a montante de qualquer dos outros credores e perdeu a sua garantia real que lhe garantia a prioridade por virtude do funcionamento do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 824º do Código Civil.
Por conseguinte, a recorrida sofreu um prejuízo quantitativamente correspondente ao valor do crédito que realizaria se tivesse reclamado o pagamento pelo produto da alienação da fracção predial penhorada objecto mediato do contrato de hipoteca.
A solução da lei aqui aplicável não é fundada no enriquecimento sem causa, pelo que não releva a alegação do recorrente, por um lado, de que só eventualmente podia ser responsabilizada pelo pagamento daquilo que recebeu no âmbito da acção executiva em causa, e, por outro, no sentido de também o executado e o credor Banco Espírito Santo, SA, ambos chamados a intervir na acção em causa, deverem ser responsabilizados pelo referido pagamento.
Também não releva a argumentação do recorrente no sentido de que a sua antecessora cumpriu os deveres processuais que lhe assistiam. Com efeito, a sua responsabilidade pela indemnização em causa não depende da culpa dos seus agentes ou representantes, mas tão só da circunstância de haver sido omitida a citação da recorrida, na sua posição de credora garantida por direito de hipoteca, para o concurso de credores (ANSELMO DE CASTRO, “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, Coimbra, 1970, página 188).
De qualquer modo, a antecessora do recorrente, como exequente, através dos seus agentes ou representantes, podia controlar o procedimento de citação dos credores de modo a evitar o funcionamento sancionatório decorrente do aludido normativo.
Ademais, ocorre nexo de causalidade adequada entre a mencionada omissão de citação da recorrida e o prejuízo por ela sofrido em virtude de não ter sido citada para o concurso de credores.
A conclusão é, por isso, no sentido de que ocorrem, no caso espécie, os pressupostos da obrigação de indemnizar em dinheiro por parte do recorrente no quadro da responsabilidade civil (artigos 483º, nº 1, 562º, 566º, nº 1, do Código Civil e 864º, nº 3, do Código de Processo Civil).
O valor da indemnização corresponde àquele que a recorrida conseguiria, considerando o montante da alienação da fracção predial e as custas da execução e do concurso de credores, por virtude da sua posição de credora prioritária (artigos 686º, nº 1, do Código Civil e 455º do Código de Processo Civil).
Dir-se-á que o direito de indemnização da recorrida no quadro da responsabilidade civil se gerou, por virtude da omissão da sua citação para o concurso de credores, aquando da perda da garantia patrimonial na sequência da alienação da fracção predial.
Por isso, ao fixar o valor da indemnização devida pelo recorrente à recorrida, nos termos em que o fez, a Relação limitou-se a cumprir a lei aplicável no confronto dos factos provados.

7.
Finalmente, a síntese da solução para o caso decorrente dos factos provados e da lei.
Como a acção executiva para pagamento de quantia certa em causa, intentada pela antecessora do recorrente contra CC, a que se reporta a acção declarativa de condenação em apreciação, foi instaurada no dia 7 de Abril de 1997, é aplicável no caso espécie o disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil na redacção anterior à inserida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
Foi omitida ilegalmente a citação da recorrida para o concurso de credores na referida acção executiva porque ela dispunha de hipoteca, inscrita no registo predial na sua titularidade, sobre a fracção predial que foi penhorada, anteriormente ao acto de penhora.
A falta de citação da recorrida para o referido concurso de credores não foi sanada visto que ela não chegou a intervir, em algum momento, no processo de execução.
A responsabilidade do recorrente pela indemnização em causa não depende da culpa dos seus agentes ou representantes, mas tão só da circunstância de haver sido omitida a citação da recorrida, na sua posição de credora garantida por direito de hipoteca, para o concurso de credores.
Não exime o recorrente da referida responsabilidade o facto de haver juntado ao processo a certidão de ónus e encargos, requerido o cumprimento do disposto no artigo 864º do Código de Processo Civil e de ter havido publicação de anúncios para a citação de credores desconhecidos.
Impossibilitada à recorrida a reclamação do seu direito de crédito com garantia de hipoteca, perdida esta por virtude da alienação da fracção predial penhorada, em quadro de insuficiência patrimonial por parte do devedor, ela tem direito a ser indemnizada pelo recorrente relativamente ao prejuízo sofrido.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso e condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Novembro de 2007

Salvador da Costa (Relator)

Ferreira de Sousa
Armindo Luís