Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B1286
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CUSTÓDIO MONTES
Descritores: ELABORAÇÃO DO ACÓRDÃO
REMISSÃO
Nº do Documento: SJ2007051712867
Data do Acordão: 05/17/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. A faculdade de proferir acórdão por remissão pelo Supremo Tribunal de Justiça, prevista no art. 713.º, 5 do CPC, tem plena aplicação, mesmo no caso de o acórdão da Relação já ter usado dessa faculdade.
2. Ter entendimento contrário seria subalternizar o STJ, impondo-lhe um ónus – fundamentação própria repetitiva – que se não impõe ao Tribunal hierarquicamente inferior.
Decisão Texto Integral:

Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA e esposa, BB, Intentaram contra CC e marido, DD

Acção declarativa de condenação,

Pedindo

Se decrete a resolução do contrato de arrendamento do prédio que identificam, com fundamento na falta de pagamento das rendas, pedindo ainda a condenação dos RR. no pagamento das rendas vencidas e das que se vencerem na pendência da acção até entrega efectiva do arrendado, e juros de mora.

Os RR. contestaram, invocando a excepção de não cumprimento do contrato por parte dos AA., ao não efectuarem as obras no arrendado, que descrevem, necessárias ao licenciamento do arrendado, o que, aliás, lhes provocou prejuízos que indicam e cujo montante peticionam, formulando o respectivo pedido reconvencional.

Os AA. contestaram o pedido reconvencional, na réplica que apresentaram.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que declarou resolvido o contrato, condenando os RR. a restituírem-no aos AA. e condenou ainda, parcialmente, os RR. no pagamento de rendas vencidas e juros de mora.

Inconformados, estes interpuseram recurso de apelação que foi julgado improcedente, tendo-se remetido para os fundamentos e decisão recorrida, nos termos do art. 713.º, 5 do CPC.

Novamente inconformados, interpõem recurso de revista que finalizam com conclusões em tudo iguais às formuladas para a Relação, pretendendo se revogue o acórdão recorrido e seja proferida decisão que julgue improcedente a acção e procedente a reconvenção.

As conclusões são as seguintes:

1. Resulta da matéria dada como provada que face ao disposto no Decreto - Lei nO 168/97 de 4 de Julho regulamentado pelo Decreto - Regulamentar nO 38/97 de 25 de Setembro e Decreto - Regulamentar de 4/99 de 1 de Abril que o arrendado não possuía licença camarária que permitisse o funcionamento do estabelecimento dos Recorrentes. Na verdade,

2. Terá existido uma licença de utilização do arrendado para o fim em causa, todavia, e segundo o artigo 2°, n.º 1 do Decreto Lei n.º 57/2002, de 11 de Março, e porque não foi requerida nova licença, a que existia caducou ( artigo 18° do Decreto Lei n. ° 168/97, de 4 de Julho ).

3. Tal licença é necessária para atestar da aptidão do arrendamento para o fim pretendido, fundada em vistoria realizada há menos de oito anos (artigo 9°, n.º l do RAU).

4. Era aos Recorridos que competia a realização das obras de adaptação do arrendado e respectivo licenciamento (artigos 8, alínea c) e 9 do RAU e artigo 11 do Dec. Lei 168/97 de 4 de Julho), sendo para eles um facto notório enquanto proprietários que o arrendado necessitava das obras. Assim,

5. Face à não realização daquelas obras e respectivo não licenciamento do arrendado, segundo o artigo 428 do C. Civil, estamos perante uma situação de cumprimento defeituoso ou incompleto, por parte dos Recorridos o que legitima a falta de pagamento das rendas, desde Junho de 2003, por parte dos Recorrentes - excepção de não cumprimento.

6. A ausência de licenciamento determina para os Recorrentes danos que da matéria dada como provada ascendem ao montante de € 35.000, 00 (trinta e cinco mil euros)

Não foram oferecidas contra alegações.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

Matéria de facto

Porque não impugnada a matéria de facto, remete-se para a respectiva decisão proferida na 1.ª instância, nos termos do art. 713.º, 6, referido.

O direito

Há quem entenda que esta forma de alegar, reproduzindo as conclusões formuladas para a Relação, se traduz numa omissão conclusiva, ónus que o art. 690.º do CPC impõe, sob pena de deserção do recurso.

Isto porque a decisão recorrida é a da Relação e não a da 1.ª instância.

Há quem entenda também que esta forma de alegar mais não exige ao STJ do que usar da faculdade de remissão a que alude o art. 713.º, 5 do CPC, a menos que a Relação tenha utilizado idêntica faculdade(1)..

Pensamos, no entanto, que este último entendimento mais restritivo não é de manter.

É que a faculdade de remeter para os fundamentos e para a decisão recorrida não pode deixar de ser utilizada pelo STJ mesmo quando a Relação faz uso da mesma faculdade, porque o art. 726.º do CPC ao remeter para as disposições relativas ao julgamento da apelação, apenas excepciona os arts. 712.º e o n.º 1 do art. 715.º.

Por isso, a norma do art. 713.º, 5 tem plena aplicação mesmo no caso de o acórdão da Relação já ter usado dessa faculdade.

Não faz sentido que, quando a Relação assim proceda, se imponha ao STJ explicitar por palavras suas os fundamentos da sentença da 1.ª instância, se com eles se concordar inteiramente.

Seria exigir ao STJ, em casos de evidente falta de fundamento do recurso, o que não se exige ao tribunal inferior.

A razão que o legislador invoca, no preâmbulo do DL 329-A/95, de 12.12, para permitir a fundamentação por remissão, é a simplificação dos acórdãos, se a decisão recorrida for confirmada inteiramente e por unanimidade; em tais casos, estando bem decididas as questões, não faz sentido, aos olhos do legislador, estar o tribunal superior a repetir por palavras suas o que está bem dito na instância inferior: é uma perda de tempo por a argumentação ser, necessariamente, repetitiva, embora com novo estilo.

Tais considerações são mais prementes ainda no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.

Ter entendimento contrário é subalternizar o Supremo Tribunal de Justiça, impondo-lhe um ónus – fundamentação própria repetitiva – que se não impõe ao tribunal hierarquicamente inferior.

Só assim não será se o recorrente, no recurso de apelação, tiver suscitado questão ou questões a que a decisão por remissão não deu resposta, havendo, nessas circunstâncias, omissão de pronúncia(2)..

Ou, então, naqueles casos em que o recorrente argumente e conclua de tal forma que leve à demonstração de que o uso da faculdade de remissão foi, de todo, desadequado.

No caso dos autos, os recorrentes reproduzem textualmente as conclusões que formularam na apelação, sem terem a mínima preocupação em demonstrar que a faculdade remissiva foi usada de forma imprópria, fora do contexto em que a lei a prevê.

Por isso, a decisão da Relação é de manter, com a fundamentação da decisão da 1.ª instância, para a qual se remeteu, por não ter sido posta em causa no remate conclusivo dos recorrentes.

Estes invocam a excepção de não cumprimento do contrato(3) por os AA., como senhorios, não terem efectuado obras no arrendado que permitisse o seu uso para o fim a que se destina, justificando, assim, a falta de pagamento das rendas, com base na qual os AA. pediram o despejo do arrendado.

Depois de ter analisado as obrigações do senhorio de assegurar o gozo(4) do prédio arrendado para o fim a que se destina e de ter feito considerações teóricas sobre as questão de saber se a exceptio opera nos casos em que apenas há deficiências num único compartimento do arrendado e/ou se as obras exigíveis poderão ocorrer nos casos de evidente desproporcionalidade entre a prestação do arrendatário e as obras a realizar, a sentença passa a descrever a matéria de facto provada, concluindo que originariamente, aquando do arrendamento, o arrendado tinha licença para o fim a que se destinava.

Vindo lei posterior exigir novas condições ao arrendado para nele se continuar a exercer a mesma actividade, conclui-se na sentença, e bem, que teoricamente a lei permitiria a resolução do contrato ao arrendatário se nele não fossem efectuadas as obras necessárias pela nova legislação, por ocorrer alteração anormal das circunstâncias.(5).

Mas para que tal acontecesse, seria necessário demonstrar que a alteração legislativa superveniente não permitia a utilização do arrendado como casa de pasto, a cuja finalidade o mesmo se destinou inicialmente(6).

E, analisada de forma pormenorizada e correcta a questão jurídica e depois de percorrer a matéria de facto provada, referindo aqui e ali a omissão de alegação de factos, por parte dos RR., para a configuração de direitos que agora reivindicam, a decisão da 1.ª instância concluiu que “o estabelecimento dispõe de licença de funcionamento válida e eficaz (art. 51.º do DL 168/97, de 4.7, na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 57/2002, de 11.3), e as suas concretas características não permitem concluir que, face ao regime jurídico introduzido pelo DL. n.º 168/97, de 4.7 e DL n.º 57/2002, de 11 de Março, e pelo Decreto Regulamentar n.º 38/97, de 25 de Setembro e Decreto Regulamentar n.º 4/99, de 1 de Abril, não reúne os requisitos legais para se manter em funcionamento.

Não se detecta, pois, incumprimento pelo senhorio da obrigação de realizar obras no locado.

Daí que se tenha concluído, e bem, pela não verificação da alegada excepção de não cumprimento do contrato por parte do senhorio para justificar o não pagamento das rendas por parte dos RR.

E, ocorrendo o fundamento invocado para o despejo – a falta de pagamento das rendas -, outra solução se não vislumbrava que não fosse decretar a resolução do contrato e ordenar o despejo do arrendado, bem como o pagamento das rendas em dívida e respectivos juros.

Por isso, a decisão da 1.ª instância, confirmada pela Relação, não merece qualquer censura, designadamente as que os recorrentes lhe emprestam nos seus recursos, nem a lei exige que novamente e por palavras nossas, se volte a dizer e concluir o mesmo, por concordarmos inteiramente com a decisão e respectiva fundamentação.

Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida que, manteve a decisão da 1.ª instância pelos fundamentos nela expressos, o que se nos apresenta como inequívoco.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 17. 5.07

Custódio Montes (relator)

Mota Miranda

Alberto Sobrinho


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(1) Ver, entre muitos outros, os acs do STJ de 22.6.2006, de 11.12.2003, de 21.12.2005, de 14.9.06, todos in dgsi, respectivamente, processos 06B1346, 03A3797, 05B2188, 06B2645

(2)Neste sentido, ver Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, 2.ª ed., pág. 612

(3)Art. 428.º do CC.

(4)Art. 1031.º, b) do CC.
(5)Art. 437.º do CC.
(6)Para além de a nova permitir ainda a dispensa de realização de obras se excessivas, o que nem sequer foi alegado.