Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
216/14.2TTVRL.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: DESPEDIMENTO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA. REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL RECORRIDO
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / ILICITUDE DO DESPEDIMENTO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 665.º, 679.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): -ARTIGO 77.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 381.º, 389.º, 390.º E 391.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/10/2009, PROCESSO N.º 272/09.5YFLSB, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 20/03/2014, PROCESSO N.º 435/11.3TTEVR-B.E1.S1.
Sumário :

1 - O despedimento traduz-se na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação de vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, sendo um ato de caráter recetício, pois, para ser eficaz, implica que o atinente desígnio seja levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa) ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita).

2 - Essa declaração tem sempre de ser dotada do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário e que, como tal seja entendida pelo trabalhador.

3 - Esta exigência de inequivocidade visa evitar tanto o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova para o trabalhador como obstar ao desencadear das suas consequências legais quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal.

4 - Não consubstancia um despedimento a comunicação escrita dirigida pela entidade empregadora a um trabalhador que na sequência de um acidente de trabalho sofrido cerca de um ano antes, deixou de se apresentar, sem motivo conhecido, no local de trabalho para desempenhar as suas funções, comunicando-lhe que «encontrando-se a faltar ao serviço desde 04/05/2012, sem que para o facto tenha apresentado qualquer justificação ou feito qualquer comunicação sobre o motivo da ausência (…) presumimos que tenha decidido abandonar o trabalho» e «caso não apresente, com a maior brevidade possível, prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono».

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA intentou a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra BB, LDA., pedindo o reconhecimento da existência de justa causa na resolução do contrato de trabalho individual que o ligava à Ré, por sua iniciativa, em 11/02/2014, ou, em alternativa, que se considere sem justa causa o despedimento efetuado pela ré em 19/06/2013, e, em consequência, que se condene a ré no pagamento da quantia de € 21.336,86, a título de créditos salariais e subsídios em atraso, caso prevaleça a resolução do contrato por iniciativa do Autor, ou, caso venha a considerar-se ilícito o despedimento promovido pela ré, na quantia de € 15.512,86 e na quantia de € 17.280,00 a título de indemnização, bem como na quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais.

A ré apresentou contestação, impugnando os factos alegados pelo autor e peticionou, em reconvenção, a condenação daquele no pagamento da quantia de € 939,66, a título de indemnização por falta de aviso prévio.

A ação prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 8 de abril de 2015, nestes termos:

«1. - Julgar parcialmente procedente, por provada, a presente ação que AA move à ré “BB, Lda”, e, em consequência, condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.114,92 (mil, cento e catorze euros e noventa e dois cêntimos), relativa a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;

2. - Julgar parcialmente improcedente, por não provada, a presente ação quanto ao mais peticionado, absolvendo nessa parte do pedido a ré “BB, Lda.;

3. – Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional deduzido pela ré contra o autor e, consequentemente, absolver este do respetivo pedido.

Custas da ação a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, nºs 1 e 2 do C.P.C.), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário com que litiga o Autor».

Inconformado com esta decisão, dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Guimarães, que veio a conhecer do recurso por acórdão 22 de maio de 2015, que integra o seguinte dispositivo:

«5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, em alterar a sentença recorrida e declarar a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 26/06/2013, condenando-se a ré a pagar àquele as retribuições (à razão de € 832,00 por mês) que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das importâncias mencionadas no n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, e uma indemnização em substituição de reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 832,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, tudo a liquidar no incidente processual próprio.

No mais, confirma-se a sentença de primeira instância.

Custas pelas partes na proporção do decaimento.»

Irresignada com esta decisão, dela recorre a Ré, de revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Ao decidir que "o autor logrou demonstrar, como lhe competia por força do artigo 342.°, n.º 1 do Código Civil, que em 26/06/2013 foi objeto de despedimento pela ré", o Tribunal da Relação extrapola inadmissivelmente a causa de pedir enunciada na petição e extrapola as conclusões recursivas da apelante.

2. Às partes cabe alegar e provar os factos que integram a causa de pedir, e aqueles em que se baseiam as exceções, só podendo o Juiz, por via de regra, servir-se dos factos articulados para fundar a decisão.

3. E, embora não esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito, tem de lidar com essa forte limitação, sem prejuízo da abertura condicionada prevista no artigo 5.° do CPC.

4. Além disso, não pode, também por via de regra, condenar em objeto diverso do que se pedir - 'ex vi' do n.º 1 do artigo 609.º do CPC - exceção feita, concretamente neste foro, à possibilidade de condenação 'extra vel ultra petitum', consagrada no artigo 74.º do CPT.

5. Nos termos desta norma, todavia, só deve condenar em objeto diverso do pedido "quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art. 514.° do C.P.C.,  de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho".

 6. Ora, 'in casu', no douto acórdão não só não se fundamenta minimamente a solução eleita, como não vemos que a mesma seja juridicamente sustentável.

7. Com efeito, versando a causa de pedir (ínsita nos artigos 34.°, 35.° e 36.° da petição) e o respetivo pedido (veiculado na parte final da alínea A) do Pedido) sobre um alegado despedimento, operado de forma verbal em 19.6.2013, o que, aliás, o autor reitera no ponto 5 das conclusões das suas alegações de recurso, nada explica ou justifica por que haverá de condenar-se a ré com base num alegado despedimento ilícito operado em 26/06/2013, que o autor nunca alegou - porque nem quiçá imaginaria subsistente - e que não tem qualquer repercussão no seu pedido e na sua apelação.

8. Em suma, o acórdão recorrido, em desrespeito pelo princípio consignado no artigo 609.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, condenou em objeto diverso do que foi sempre pedido, uma vez que a causa de pedir invocada na ação era um despedimento ilícito, operado de forma verbal em 19/06/2013, e não um alegado despedimento ilícito consistente numa comunicação da ré de 26/06/2003.

9. Repete-se, nem o autor quiçá imaginou sequer subsistente um despedimento operado pela referida missiva, porquanto nunca isso alegou nos autos: nem junto do tribunal a quo nem junto do tribunal de recurso.

10. Apenas podem, eventualmente, ser considerados na ação laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.

11. Em consonância com os ensinamentos colhidos do Acórdão do STJ de 6 de fevereiro de 2008 (em www.dgsi.pt. Documento n.º SJ200802060028984), vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (ato ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo autor.

12. No caso vertente temos que o autor alicerçou o seu reivindicado direito no despedimento, operado de forma verbal, em 19/06/2013.

13. Jamais o autor reivindicou nestes autos - nem poderia fazê-lo - que foi despedido por via da missiva que lhe foi endereçada pela ré em 26/06/2013.

14. Por isso, face à inexistência de qualquer alegação nesse sentido, não teve a ré oportunidade de oferecer contraditório sobre esse hipotético despedimento (que só agora a Relação descortinou).

15. Bem andou, pois, o douto tribunal a quo no segmento em que concluiu que óbvio se afigura, assim, não ter existido da parte da ré uma declaração apta a traduzir o despedimento verbal do autor, nem, por parte deste, tal declaração ter sido entendida como um despedimentos verbal, o que determina, quanto a nós, a improcedência dos pedidos formulados pelo autor que tinham como fonte jurídica o despedimento ilícito, baseado nessa declaração verbal.

 16. A condenação proferida pela Relação tem por fundamento uma situação de facto não compreendida na causa de pedir.

17. O artigo 74.° do Código de Processo do Trabalho não permite ao tribunal, ainda que esteja em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, alterar ou substituir os factos jurídicos invocados como fundamento de uma pretensão, de modo a resolver um litígio, apreciando e decidindo um pedido com fundamento numa causa de pedir que não foi submetida à sua decisão.

18. O douto acórdão de que se recorre extrapolou a causa de pedir enunciada na petição inicial e que tem eco nas conclusões recursivas, considerando um despedimento, operado em 26/06/2013, que nunca o autor alegou e sobre o qual não foi nunca exercido o contraditório.

19. O douto acórdão enferma, por isso, de nulidade por violação dos artigos 609.° e 615.°, n.º 1 al. d) e e) do CPC.

Sem prescindir,

20. Como decorre do teor da missiva referida em 17 dos factos provados, a ré limitou-se a comunicar uma presunção de abandono do trabalho, decorrente da lei, concretamente do artigo 403.° n.º 2 do Código do Trabalho, onde se diz que se presume o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço, durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.

21. A ré teve, aliás, o cuidado de condicionar a procedência dessa presunção à apresentação de prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência por parte do trabalhador, como decorre do n.º 4 do citado normativo.

22. Perante isto, transformar uma missiva com os dizeres sobreditos num despedimento ilícito constitui, com o devido respeito, um passo de todo desarrazoado e imprudente.

23. Como se disse, não sendo demais repeti-lo, nem o autor encarou essa carta como um despedimento nem, quiçá, imaginou sequer subsistente essa possibilidade, porquanto nunca isso alegou nos autos: nem junto do tribunal a quo nem junto do tribunal de recurso

24. Como, bem, observou o Exmo. Magistrado do Ministério Público, no douto parecer que exarou nos autos "à luz da factualidade provada não parece emergir, com toda a probabilidade, que os comportamentos posteriores à conduta da recorrida consignada nomeadamente nos pontos 15 e 16, quer dela própria, quer do recorrente, sejam compatíveis com o entendimento por este agora defendido de que a relação laboral existente entre ambas as partes tenha cessado nesse momento, por equiparação a um despedimento ilícito".

25. As observações do Exm.º Magistrado do Ministério Público incidiam sobre a causa de pedir invocada pelo autor, com eco nos pontos 15 e 16 dos factos provados, ou seja, o despedimento, operado de forma verbal, em 19/06/2013, não deixando de ser válidas, todavia, perante o (agora) descortinado despedimento.

26. Com efeito, os comportamentos do autor posteriores à referida missiva, consignados nomeadamente nos pontos 18 e 19 dos factos provados, não são compatíveis com o entendimento agora defendido pela Relação de que a relação laboral existente entre ambas as partes tenha cessado na sequência dessa missiva de 26/06/2013, por equiparação a um despedimento ilícito.

No mais,

27. Qualquer homem médio, colocado na concreta posição do autor, saberia que estava clinicamente curado e apto para o trabalho ao fim de poucos dias, com a particularidade, repete-se, de o autor ter rececionado o documento da Clínica que o acompanhou, onde se assinalava o término do período de ITA em 12-06-2012.

28. Se dúvidas houvesse, insistimos, constam dos autos os documentos 1 e 2 juntos com a contestação, o primeiro uma declaração emitida pela clínica que o acompanhou, que refere o término da ITA a 12-06-2012 (documento que o autor conhecia), e o segundo o relatório pericial elaborado pelo INML no âmbito do processo n.º 377/12.5TTVRL - processo em que se apuraram e liquidaram as responsabilidades emergentes do acidente de trabalho - que estabeleceu a data da alta em 04-06-2012.

29. Se o sinistrado já não estava numa situação de ITA, o máximo que se poderia verificar era estar numa situação de ITP, que ocorre, como todos sabemos, quando o sinistrado/doente fica parcialmente incapacitado para o desempenho das suas funções profissionais, durante um dado tempo, mas pode exercer, dentro da sua profissão, tarefas menos exigentes.

30. Se o autor já não estava com ITA, é, pois, evidente que podia exercer a sua profissão, ainda que eventualmente com tarefas menos exigentes, adequadas ao seu estado de convalescença.

31. Comparecer ao trabalho, ainda que para desempenhar essas tarefas menos exigentes, seria, pois a atitude normal e sensata de um qualquer trabalhador colocado na concreta posição do autor.

32. O autor pugnou nestes autos que o alegado despedimento verbal operado pela ré em 19/06/2013 - que não se confunde, como vimos, com qualquer hipotético despedimento operado em 26/06/2013 - é ilícito, daí derivando as legais consequências indemnizatórias,

33. Porém, em 28/01/2014 (vide ponto 19 dos factos provados), mais de meio ano depois, enviou uma missiva à ré a comunicar a intenção de resolução do contrato de trabalho com justa causa, cujo teor é incompatível com a tese do alegado despedimento verbal operado em 19/06/2013, sendo igualmente incompatível o despedimento (agora) descortinado pela Relação. 

34. Pois, se o autor pretendeu resolver um contrato em 28/01/2014, é porque, obviamente não se considerou despedido em 19/06/2013 ou em 26/06/2013.

35. O autor efetuou, por conseguinte, pedidos alternativos que são manifestamente incompatíveis entre si.

36. A ré/recorrente já foi condenada em pesada coima pelo facto de não ter a apólice de acidentes de trabalho do autor devidamente regularizada; já pagou ao aqui autor o capital de remição e demais despesas, no âmbito do processo n.º 377/12.5TTVRL, em que se apuraram e liquidaram as responsabilidades emergentes do acidente de trabalho, pelo que, com o devido respeito, a ré já expiou as suas faltas, nenhuma outra responsabilidade lhe podendo ser assacada.»

Termina referindo que «deve ser dado provimento ao presente recurso, em consonância com as conclusões que antecedem, revogando-se o douto acórdão recorrido, com o que se fará habitual JUSTIÇA».

O Autor respondeu ao recurso interposto integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A - Nos termos do disposto no artigo 77.° n.º 1 do C. P. Trabalho: a arguição de nulidade de sentença, no caso presente nulidade do Acórdão da Relação "é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso".

B - A arguição da nulidade do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, no presente recurso de Revista, teria de ser feita no requerimento da interposição desse recurso, face ao disposto no artigo 666° do C.P.C., devendo considerar-se que a remissão para o artigo 613.° e 615.° constante desse artigo, é também realizada para o artigo 77.º n.º 1 do C. P. Trabalho.

C - A arguição de eventuais nulidades do douto Acórdão da Relação em crise, efetuada nas alegações de recurso, como fez o recorrente, é extemporânea, acarretando o seu não conhecimento pelo Tribunal.

D - Como a própria recorrente descreve e, como, aliás, consta claramente da matéria dada como provada, os factos em que o tribunal "a quo" se baseou para considerar verificado o despedimento ilícito (causa de pedir) foram todos amplamente discutidos nos autos e, a carta enviada pela A. em 26/6/2013, foi alvo de prova, discussão e até de qual o seu sentido uma vez que, só após ter sido dito ao A. pelo gerente da Ré que não havia mais trabalho para ele é que, como resposta, o A. recebeu a tal missiva que mais não foi que um despedimento ilícito.

E - Ao contrário do referido pela recorrente, toda esta matéria foi amplamente discutida nos autos e não se percebe, como pode a recorrente considerar que o Tribunal da Relação extrapolou a causa de pedir (despedimento ilícito) exaustivamente descrita e invocada na petição inicial e reafirmada nas conclusões de recurso interposto.

F- Ao A. competia, como fez, alegar que foi alvo de um despedimento ilícito (porque ocorreu sem qualquer processo disciplinar, ou por qualquer outra causa lícita invocada pelo empregador) por parte da Ré.

G - Com base nessa causa de pedir (facto jurídico causador da ilegalidade) o A. fez o seu pedido ou pretensão judicial de obter indemnização nos termos legais

H - Nestes autos o que está em causa, é saber se o contrato de trabalho entre A. e Ré, foi ou não extinto, terminou, por qualquer causa que lhe tenha dado fim e, em caso afirmativo, se essa extinção, ocorreu por resolução do trabalhador com justa causa ou por resolução unilateral por parte do empregador.

I - Ou seja, procura saber-se se houve ou não da parte de alguns dos contraentes - trabalhador e entidade patronal - qualquer atitude, por escrito, verbalmente, ou por uma atitude que revele, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho.

J - Ora, a recorrente, ao enviar ao trabalhador uma carta em que invoca cessação de contrato de trabalho por eventual abandono de trabalho por parte deste, contrariando todos os comportamentos e atitudes do trabalhador que ao longo do tempo sempre quis manter o contrato de trabalho, após acidente de que foi vítima, está claramente e inequivocamente a optar por um despedimento ilícito, como veio a acontecer.

K - Com essa missiva a empregadora fez saber, a sua vontade unilateral de que não mantém o contrato de trabalho porque considera que houve abandono de trabalho pelo trabalhador, sem que tal se venha a provar e, portanto sendo falsa, tal comunicação consubstanciou um despedimento ilícito.

L - Estes factos, alegados e provados pelo A. foram apreciados e discutidos nos autos.

M - Constituem, assim, uma das causas de pedir da ação, (pois esta pode ser complexa e não cingir-se a um único facto) uma vez que o A. invocou também, como causa de pedir, apreciação que ficou prejudicada pela verificação do despedimento ilícito, a resolução por sua iniciativa com justa causa.

N - Parece-nos que a recorrente confunde causa de pedir com descrição de um facto material, constante na petição inicial e nas conclusões de recurso, esquecendo que a causa de pedir é, nos termos do artigo 581.º do C. P. Civil: " O facto ou factos jurídicos que a verificarem-se conduzem à pretensão (pedido) que o A. formula"

O - Como lhe competia, o A. formulou, nesta ação diversos pedidos, pretensões, para o que foi indicando os diversos factos de que os fez depender. Assim, em concreto e resumidamente o A. pediu, especificamente, que a Ré fosse condenada a pagar-lhe uma indemnização porque o havia despedido ilicitamente.

P - O despedimento ilícito é a causa de pedir ou causa petendi, ou seja, "o facto jurídico de que decorre a pretensão deduzida em juízo"

Q - A pretensão deduzida em juízo de ser indemnizado é o pedido.

R - Improcede pois, em nosso entender, a invocada nulidade com base no artigo 615.º, nº.1 al. d) do C.P.Civil.

S - Com o devido respeito por opiniões contrárias, parece-me que, na apreciação da matéria de facto provada e seu enquadramento jurídico nada há a apontar ao douto Acórdão do Tribunal da Relação ao considerar: " ... não verificados os pressupostos de invocação pela ré de abandono do trabalho por parte do autor, uma vez que o comportamento deste - sucessivas cartas à empregadora a reclamar retribuições entretanto vencidas, comunicações à mesma e à ACT a suspender o contrato de trabalho (o que pressupõe a sua manutenção) e ação destinada a obter a resolução do contrato de trabalho, sendo a ré absolvida da instância (e não do pedido como refere a recorrente) em virtude da ineptidão da petição inicial por inexistente comunicação de resolução - retira ostensivamente à ausência de trabalho o sentido duma eventual intenção de o não retomar, conforme a empregadora foi sempre mantida a par, ilidindo à saciedade a presunção que daquele poderia derivar."

T - De forma simples e curta diremos que, sempre o trabalhador quis manter o contrato e retomar o trabalho, e, em reação a diversas solicitações e interpelações, sempre a empregadora manteve o silêncio, procurando o despedimento injustificado e ilícito.

U - A missiva de 26.6.2013, porque não consentânea com a realidade (não se provou que houvesse abandono de trabalho) é pois, uma verdadeira carta de despedimento, na medida em que nem precedida foi de marcação de faltas injustificadas ou de qualquer processo disciplinar.

V - Bem andou pois o douto Acórdão da Relação ao referir que: " ... Não tendo a Ré lançado mão da instauração de procedimento disciplinar com base em faltas injustificadas, como se impunha, e tendo antes optado pela invocação da cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador através de abandono de trabalho, que veio a revelar-se não ter fundamento legal, tal invocação não pode deixar de equiparar-se a despedimento ilícito .

W - O facto do A. não se ter, especificamente e de forma concludente, estribado na carta em causa, que no entanto invocou e referiu, não impossibilita, como não impossibilitou o Tribunal de averiguar todos os factos que conduziram ao fim do contrato e que foram alegados e discutidos no processo e, após a sua comprovação deles extrair as devidas conclusões jurídicas.

X - Aliás, a tese da recorrente é tanto mais absurda porquanto pretende ver considerado que o contrato de trabalho terminou, cessou, sem qualquer causa ou motivo, acabando por afinal ter de se considerar o mesmo em vigor.»

Termina pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, pronunciando-se no sentido de se não conhecer da nulidade imputada ao acórdão recorrido e da confirmação do mesmo aresto, terminando com a seguinte síntese conclusiva:

«O circunstancialismo de facto, por parte da recorrente, verificado, desde o primeiro dia em que recusou aceitar o trabalho do A., até à elaboração da carta acabada de referir, consubstancia a vontade por parte daquela em fazer cessar de forma tácita, o contrato de trabalho em vigor, sem que tenha sido precedido de procedimento disciplinar, o que nos termos do normativo contido na alínea c) do artigo 381.º do CT torna o despedimento ilícito, com as consequências previstas no art. 389.º do mesmo código».

Notificado este parecer às partes, não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber: a) se o acórdão recorrido se mostra afetado das nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil;

b) se a comunicação escrita datada de 26 de junho de 2013 dirigida pela Ré ao Autor configura uma declaração de vontade daquela no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho que mantinha com o Autor e, na positiva, se estamos perante um despedimento ilícito.


II


As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. Através de contrato de trabalho celebrado verbalmente em julho de 2002, entre ré e autor, este passou a trabalhar sob as ordens e direção da ré, com a categoria de operador de máquinas.

2. Como contrapartida do trabalho prestado, a ré pagava ao autor a retribuição mensal de € 832,00, da qual fazia constar dos recibos de vencimento a quantia de € 468,00, sendo o remanescente pago a título de quilómetros.

3. O autor exerceu as funções em todos os locais onde a ré desenvolvia diretamente a sua atividade.

4. No dia 4 de maio de 2012, pelas 14H30, o autor, obedecendo a ordens que recebeu do seu superior hierárquico e encarregado da obra da ré, prestou o seu serviço no lugar da ..., em ..., nas instalações da empresa “CC”, na remoção de diverso material de ferro velho que se encontrava no local.

5. Nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 4., o autor sofreu um acidente de trabalho de que resultou a perda da última falange do 5.º dedo e cicatriz com 4 cm no lado dorsal da articulação metacarpo falângica do 2.º dedo.

6. A ré, à data do acidente, não tinha transferido válida e eficazmente a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho.  

7. A ré procurou, posteriormente à ocorrência do acidente, regularizar a apólice de seguro para permitir cobrir os danos sofridos pelo autor.

8. O autor apenas soube que a ré não tinha seguro de acidentes de trabalho quando, em junho, resolveu solicitar o acionamento dos serviços da companhia de seguros para realizar os tratamentos de que necessitava.

9. A partir de junho de 2012, o autor deixou de receber da ré qualquer quantia a título de tratamentos, salários e subsídios.

10. Em 26 de julho de 2012, o autor, por carta registada com a/r à ré, solicitou o pagamento dos créditos laborais, assim como dos créditos emergentes do acidente de trabalho, nos termos e com o teor constante do documento junto a fls. 43 a 45, que aqui se dá como reproduzido.

11. O autor veio a reiterar, por falta de resposta da ré, a 22/08/2012, o pagamento desses créditos, de que igualmente não obteve resposta.

12. Em 13/09/2012, o autor notificou a ré da sua vontade de suspender o contrato de trabalho, com efeitos a 13 de setembro de 2012, por carta assinada pela sua advogada, com o teor seguinte:

Assunto: Suspensão contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição, e inexistência de seguro.

N/REF: AA.

Exm.ºs. Srs.

Na qualidade de mandatário do Sr. AA, venho comunicar a Vossas Excelências a suspensão do contrato de trabalho por falta de pagamento pontual da retribuição (artigo 325º do Código do Trabalho), no total de € 166,40 do mês de maio, € 622,00 do mês de junho e € 832,00 do mês de julho, bem como todo o mês de agosto, no total de € 832,00, visto que o atraso se prolonga por mais de 15 dias, desde a data de vencimento, suspensão que se inicia desde a presente data – 13 de setembro de 12.

Acrescento ainda que o meu cliente tomou conhecimento de que não se encontra em vigor qualquer seguro de acidentes de trabalho, o que constitui violação grave dos deveres do empregador, e que lhe permite comunicar igualmente a resolução do contrato de trabalho (facto que assume maior gravidade tendo em conta a ocorrência de acidente de trabalho).

Sem outro assunto, apresento os melhores cumprimentos.

..., 13 de setembro de 2012.”

13. O autor comunicou à Autoridade para as Condições do Trabalho, por carta datada de 13/09/2012, essa intenção de suspensão do contrato de trabalho.

14. O autor instaurou contra a ré, no Tribunal do Trabalho de Vila Real, a ação n.º 60/13.4TTVRL, tendo esta vindo a ser absolvida da instância, por decisão de 29/05/201[3], por ineptidão da petição inicial.

15. No dia 18 de junho de 2013, o autor apresentou-se ao serviço da ré, que não lhe deu serviço.

16. No dia seguinte, 19/06/2013, pela 6H00, o autor apresentou-se, de novo, nos escritórios da ré, tendo o gerente dito ao autor que não lhe dava trabalho nem papéis para o desemprego e que o seu advogado iria entrar em contacto consigo.

17. Em 26/06/2013, o autor recebeu uma carta da ré a comunicar-lhe abandono do trabalho, com o seguinte teor: “Encontrando-se a faltar ao serviço desde 04/05/2012, sem que para o facto tenha apresentado qualquer justificação ou feito qualquer comunicação sobre o motivo da ausência (exceção feita à comunicação de 13/09/2012, na qual falaciosamente refere a falta de pagamento pontual de retribuição, de cujo teor discordamos), presumimos que tenha decidido abandonar o trabalho.

Assim, caso não apresente, com a maior brevidade possível, prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º, nº. 4 do Código do Trabalho, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequência previstas nos nº. 3 e 5 do citado art. 403.”

18. No dia 03/07/2013, o autor enviou à ré, com aviso de receção, uma nova carta, com o teor seguinte:

“Acuso a receção da Vossa Carta datada de 26 de junho de 2013, a qual mereceu a minha melhor atenção e passo a responder.

Como vossa excelência bem sabe, não faltei ao trabalho em momento algum.

É do seu conhecimento que sofri um acidente de trabalho no passado dia 04/05/2012, por volta das 14:30h, enquanto trabalhava para si e numa obra de Vossa Excelência.

Tanto é do seu conhecimento, que os tratamentos iniciais foram por si suportados assim como a inicial assistência, ainda que escassa, foi prestada pela Vossa empresa, através do mediador de seguros por si indicado.

Como também é do seu conhecimento, através de várias missivas que lhe foram remetidas, nomeadamente em 26/07/2012, 22/08/2012 em 13/09/2012 e ainda em sede de ação judicial intentada em 29/01/2013, à qual Vossa Excelência contestou, encontrava-me incapacitado para o trabalho pelo acidente de trabalho, no qual sofri a amputação da parte superior do meu dedo mindinho e como tal não conseguia mobilizar a mão.

Tal incapacidade ainda hoje, apesar de menor, persiste, atendendo ao facto de que Vossa Excelência não possuía o meu seguro de acidentes de trabalho obrigatório, para que eu tivesse a assistência médica devida nos tratamentos iniciais e como tal fiquei sem grande parte da mobilidade da minha mão, tendo inclusivamente, para sanar esta situação que se submeter a uma cirurgia por indicação do ortopedista, que ainda não foi realizada por falta de assistência médica da seguradora.

Enquanto trabalhador da BB, Lda. durante 11 anos, aguardava a marcação das consultas e tratamentos que me eram devidos, confiando nos dirigentes da minha entidade empregadora.

Não obstante o acima referido, como Vossa Excelência também tem conhecimento, através da decisão judicial proferida em 30-05-2013, o contrato de trabalho que me vincula a si, continuava em vigor.

Neste sentido, como também é do seu conhecimento, apresentei-me ao serviço, no dia 18 de junho de 2013, dia em que Vossa Excelência diante dos seus trabalhadores se negou a dar-me trabalho, despedindo-me naquele momento.

Mesmo assim, no dia seguinte às 6:00h apresentei-me novamente no seu escritório para cumprir os meus deveres de trabalhador assíduo e pontual, como sempre fui durante os 11 anos que para si trabalhei.

Naquele momento, novamente, Vossa Excelência mandou-me embora para casa, reiterando a posição do despedimento, dizendo que entraria em contacto comigo para resolução do contrato de trabalho de forma amigável.

Fui surpreendido pela sua missiva com data de 26/06/2013, que como sabe é totalmente falsa e pretende apenas deturpar a verdade dos factos dos quais Vossa Excelência tem plena consciência e conhecimento.

Até porque, até ao dia 18 de junho, data em que me apresentei ao serviço, por decisão de instância superior, Vossa Excelência não me havia comunicado nada quanto às minhas “supostas faltas injustificadas ao trabalho”, fazendo-o apenas agora, depois de um ano passado …

Apesar de já ter enviado vários documentos para si, no sentido de comprovar que estava efetivamente incapacitado para o trabalho pelo acidente que sofri ao seu serviço, e apesar de Vossa Excelência já ter assumido essa condição nos salários que me pagou após o acidente, dos quais tenho comprovativo, junto remeto novamente os mesmos para que tenha a certeza ilidível de que me encontrei totalmente incapacitado para o serviço de servente de obra.

De referir que, como não tinha qualquer seguro de acidentes de trabalho e a minha incapacidade surgiu do referido acidente, também não me foi possível ter baixa médica pelo SNS, atendendo ao facto de que os mesmos referiram que tal baixa teria de ser passada pela Seguradora.

Por tal facto não me foi levantada a incapacidade, decorrendo a sanação desta situação da sua responsabilidade enquanto entidade empregadora.

Sem mais, considerando que a carta que remeteu mais não se tratou de um lapso, remeto a Vossa Excelência os meus cumprimentos.

Ass…”    

19. No dia 28/01/2014, o autor enviou nova carta à ré, com o seguinte teor: “…Venho, através do presente comunicar a V.Exªs. e, em cumprimento do nº. 1 do art. 395º do Código do Trabalho e, ainda nos termos do art. 394º, nº.1, nº.2, alínea a), b), d) e nº. 3 al. c) do mesmo diploma; que pretendo rescindir o contrato de trabalho que detenho com Vª Exªs. celebrado, verbalmente, em julho de 2002 e, nunca reduzido a escrito por V. Exªs., com justa causa, com os seguintes fundamentos:

1) Encontram-se vencidas e não pagas as seguintes retribuições:

a) Retribuição base desde julho de 2012 até fevereiro de 2014 no montante mensal de 882,00 euros (oitocentos e trinta e dois euros);

b) A quantia de 166,40 euros relativa ao Mês de maio de 2012;

c) A quantia de 210,00 euros relativa ao mês de junho de 2012;

d) Subsídio de férias do ano de 2012 e 2013;

e) Subsídio de Natal de 2012 e 2013;

f) Montante relativo às férias vencidas e não pagas dos anos de 2012 e 2013.

Tudo perfazendo um total de 20.344,40 (vinte mil trezentos e quarenta e quatro euros e quarenta cêntimos).

2) Tendo sido vítima de acidente de trabalho que me causou uma incapacidade para o Trabalho calculado em 1,5% e como não tinham V.Exs. seguro de trabalho válido e eficaz, violaram o estabelecido nas alíneas b) e d) do art. 394º do C. Trabalho, que também se invoca.

Terei ainda direito a uma indemnização calculada nos termos do art. 396º do C. Trabalho.

Assim deverá V.Exª considerar que cessarei funções a partir do próximo dia 11 de fevereiro de 2014, data a partir da qual me considero desvinculado do contrato celebrado com Vªs. Exª….”.

20. A ré pagou ao autor ao autor a quantia de € 622,00, a título de retribuição do mês de junho de 2012.

21. A ré não pagou ao autor os proporcionais da retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal respeitantes ao ano de 2012.

22. O autor não tinha outro meio de subsistência que não fosse o seu trabalho e chegou a pedir dinheiro emprestado para sustentar a sua família.

23. O autor esteve com incapacidade temporária absoluta (ITA) a partir de 05/05/2012 até 12/06/2012, aguardando marcação de consulta.

24. No âmbito do processo n.º 377/12.5TTVRL, o relatório pericial efetuado pelo IML estabeleceu que “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 04-06-2012; Incapacidade temporária absoluta fixável num período de 24 dias; Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 8 dias”.

25. O autor não se apresentou ao trabalho após a data mencionada no ponto que antecede, apenas o fazendo nas datas referidas nos pontos 15. e 16[1].


III


1 – Nas conclusões 1.ª a 19.ª das alegações da revista insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida referindo que a mesma se mostra afetada das nulidades previstas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Realça, em síntese, que «versando a causa de pedir (ínsita nos artigos 34.°, 35.° e 36.° da petição) e o respetivo pedido (veiculado na parte final da alínea A) do Pedido) sobre um alegado despedimento, operado de forma verbal em 19.6.2013, o que, aliás, o autor reitera no ponto 5 das conclusões das suas alegações de recurso, nada explica ou justifica por que haverá de condenar-se a ré com base num alegado despedimento ilícito operado em 26/06/2013, que o autor nunca alegou - porque nem quiçá imaginaria subsistente - e que não tem qualquer repercussão no seu pedido e na sua apelação», pelo que, em seu entender, «o acórdão recorrido, em desrespeito pelo princípio consignado no artigo 609.°, n.º 1, do Código de Processo Civil, condenou em objeto diverso do que foi sempre pedido, uma vez que a causa de pedir invocada na ação era um despedimento ilícito, operado de forma verbal em 19/06/2013, e não um alegado despedimento ilícito consistente numa comunicação da ré de 26/06/2003».

Da análise do requerimento de interposição da revista que se encontra a fls. 216 dos autos, dirigido aos «Exmºs Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães», constata-se que a arguição da nulidade em causa é omitida naquele requerimento, vindo apenas a ser abordada na parte das alegações, concretamente a fls. 217 v/  a 221, juntas àquele requerimento e dirigidas aos «Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça».

Neste contexto, líquido se torna que a recorrente não respeitou as exigências decorrentes do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho relativamente à arguição de nulidades.

Na verdade, resulta do disposto no n.º 1 daquele artigo, que «a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso», o que visa que o tribunal recorrido tome posição sobre a arguição em causa, em conformidade com o disposto no n.º 3 do mesmo artigo.

Trata-se de matéria que tem sido objeto de inúmeras pronúncias desta Secção.

Referiu-se sobre essa questão no acórdão proferido na revista n.º 435/11.3TTEVR-‑B.E1.S1, de 20 de março de 2014, o seguinte:

«Na verdade, as exigências de natureza formal decorrentes do artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, são ditadas por razões de economia e celeridade processuais e destinam-se a permitir que o Tribunal recorrido detete os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, objetivo que só se alcança se tal arguição constar do requerimento de interposição de recurso que é dirigido ao Tribunal de 1.ª Instância, ou, no caso, ao Tribunal da Relação.

Deste modo, essa exigência não se apresenta como anómala, e também não pode ser considerada arbitrária, face à preocupação de maior celeridade e economia processual que domina o processo do trabalho.

Tal como afirma o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 403/2000, de 27 de setembro de 2000), «trata-‑se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual» e que «não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso», sendo que «não pode considerar-se incluído, dentro do direito ao acesso dos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objeto do recurso».

À luz da abordagem que a jurisprudência deste Tribunal vem fazendo da norma do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, fácil é concluir que a arguição da nulidade que a recorrente imputa ao acórdão do Tribunal da Relação não foi feita de forma expressa e separada no requerimento de interposição de recurso, pelo que este Tribunal não poderá conhecer da mesma.

Em face do exposto, não se conhece das nulidades imputadas à decisão recorrida nas referidas conclusões 1.ª a 19.ª das alegações de recurso.

2 – Nas conclusões 20.ª a 34.ª insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que o Autor tinha sido objeto de um despedimento ilícito, promovido pela Ré em 26 de junho de 2013.

Refere que «como decorre do teor da missiva referida em 17 dos factos provados, a ré limitou-se a comunicar uma presunção de abandono do trabalho, decorrente da lei, concretamente do artigo 403.° n.º 2 do Código do Trabalho» e que «teve, aliás, o cuidado de condicionar a procedência dessa presunção à apresentação de prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência por parte do trabalhador, como decorre do n.º 4 do citado normativo».

Realça que «nem o autor encarou essa carta como um despedimento nem, quiçá, imaginou sequer subsistente essa possibilidade, porquanto nunca isso alegou nos autos: nem junto do tribunal a quo nem junto do tribunal de recurso», uma vez que «os comportamentos do autor posteriores à referida missiva, consignados nomeadamente nos pontos 18 e 19 dos factos provados, não são compatíveis com o entendimento agora defendido pela Relação de que a relação laboral existente entre ambas as partes tenha cessado na sequência dessa missiva de 26/06/2013, por equiparação a um despedimento ilícito».

Refere ainda que «qualquer homem médio, colocado na concreta posição do autor, saberia que estava clinicamente curado e apto para o trabalho ao fim de poucos dias, com a particularidade, repete-se, de o autor ter rececionado o documento da Clínica que o acompanhou, onde se assinalava o término do período de DD em 12-06-2012», e «se o autor já não estava com DD, é, pois, evidente que podia exercer a sua profissão, ainda que eventualmente com tarefas menos exigentes, adequadas ao seu estado de convalescença», pelo que «comparecer ao trabalho, ainda que para desempenhar essas tarefas menos exigentes, seria, pois a atitude normal e sensata de um qualquer trabalhador colocado na concreta posição do autor».

 Destacou ainda que «o autor pugnou nestes autos que o alegado despedimento verbal operado pela ré em 19/06/2013 - que não se confunde, como vimos, com qualquer hipotético despedimento operado em 26/06/2013 - é ilícito, daí derivando as legais consequências indemnizatórias», mas que «em 28/01/2014 (vide ponto 19 dos factos provados), mais de meio ano depois, enviou uma missiva à ré a comunicar a intenção de resolução do contrato de trabalho com justa causa, cujo teor é incompatível com a tese do alegado despedimento verbal operado em 19/06/2013, sendo igualmente incompatível o despedimento (agora) descortinado pela Relação». 

Finaliza referindo que «se o autor pretendeu resolver um contrato em 28/01/2014, é porque, obviamente não se considerou despedido em 19/06/2013 ou em 26/06/2013».

Na decisão recorrida considerou-se que o Autor havia sido objeto de um despedimento ilícito com os seguintes fundamentos:

«4.2. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, é de entender que se verifica o despedimento do autor pela ré.

(…)

Ora, no caso dos autos, provou-se que no dia 18 de junho de 2013 o autor apresentou-se ao serviço da ré, que não lhe deu serviço.

No dia seguinte, 19/06/2013, pela 6H00, o autor apresentou-se, de novo, nos escritórios da ré, tendo o gerente dito ao autor que não lhe dava trabalho nem papéis para o desemprego e que o seu advogado iria entrar em contacto consigo.

Em 26/06/2013, o autor recebeu uma carta da ré a comunicar-lhe abandono do trabalho, com o seguinte teor: “Encontrando-se a faltar ao serviço desde 04/05/2012, sem que para o facto tenha apresentado qualquer justificação ou feito qualquer comunicação sobre o motivo da ausência (exceção feita à comunicação de 13/09/2012, na qual falaciosamente refere a falta de pagamento pontual de retribuição, de cujo teor discordamos), presumimos que tenha decidido abandonar o trabalho.

Assim, caso não apresente, com a maior brevidade possível, prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º, nº. 4 do Código do Trabalho, a empresa considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequência previstas nos nº. 3 e 5 do citado art. 403.”

Tendo em conta as considerações acima expendidas, concordamos com a sentença recorrida quando afirma que não pode considerar-se que o despedimento do autor se consumou com as palavras e atitude da ré tidas nos dias 18 e 19 de junho de 2013, dada a sua equivocidade e ambiguidade quanto ao destino do contrato de trabalho (que não se confunde com a mera prestação de trabalho, que corresponde ao objeto de uma das suas obrigações principais), relegando para momento posterior (o do contacto do seu advogado) o esclarecimento sobre a sua posição definitiva.

Essa posição veio a consistir na comunicação de considerar rescindido o contrato de trabalho por abandono de trabalho por parte do trabalhador, nos sobreditos termos.

Na verdade, dispõe o art. 403.º, n.º 1 do Código do Trabalho que se considera abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar, acrescentando o n.º 2 que se presume o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.

Por seu turno, o n.º 3 estabelece que o abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.

Ora, concordando igualmente com a sentença recorrida na parte em que considerou não verificados os pressupostos da invocação pela ré de abandono do trabalho por parte do autor, já não podemos concordar com a ilação que ali se retira dessa improcedência.

(…)

Como se disse, concorda-se com a sentença recorrida na parte em que considerou não verificados os pressupostos da invocação pela ré de abandono do trabalho por parte do autor, uma vez que o comportamento deste – sucessivas cartas à empregadora a reclamar retribuições entretanto vencidas, comunicações à mesma e à ACT a suspender o contrato de trabalho (o que pressupõe a sua manutenção) e ação destinada a obter o reconhecimento da resolução do contrato de trabalho, sendo a ré absolvida da instância em virtude da ineptidão da petição inicial por inexistir comunicação de resolução – retira ostensivamente à ausência do trabalho o sentido duma eventual intenção de o não retomar, conforme a empregadora foi sempre mantida a par, ilidindo à saciedade a presunção que daquela poderia derivar.

Todavia, não tendo a ré lançado mão da instauração de procedimento disciplinar com base em faltas injustificadas, como se impunha, e tendo antes optado pela invocação da cessação do contrato de trabalho por denúncia do trabalhador através de abandono do trabalho, que veio a revelar-se não ter fundamento legal, tal invocação não pode deixar de equiparar-se a despedimento ilícito, uma vez que, como se disse, a declaração de despedimento não precisa de o ser em sentido técnico ou de ser expressa para produzir efeitos, embora tenha que assim ser para ser válida no âmbito dum procedimento legal com invocação de justa causa objetiva ou subjetiva.

Isto é, nas palavras de Pedro Furtado Martins, “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respetivo procedimento, artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º.

Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.” 

Deste modo, entende-se que na situação em apreço se configura uma declaração unilateral de vontade da empregadora no sentido de fazer cessar o contrato de trabalho, ou seja, que o autor logrou demonstrar, como lhe competia por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que em 26/06/2013 foi objeto de despedimento pela ré, tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos.

Em face do exposto, procede o recurso do Apelante na parte em apreço, impondo-se a alteração da sentença no sentido de declarar a ilicitude do despedimento, por ausência de procedimento prévio legalmente previsto, com as legais consequências, sem perder de vista as limitações decorrentes do pedido formulado.»

Resulta, em síntese, desta decisão que a recusa de aceitação do trabalho do Autor pela Ré, em 18 e 19 de junho de 2013, quando aquele se lhe apresentou para desempenhar as suas funções não pode ser entendida como despedimento do mesmo, tal como tinha sido decidido pela 1.ª instância, mas que o despedimento do Autor se materializa na remessa da carta descrita no ponto n.º 17 da matéria de facto dada como provada, em que a Ré comunica ao Autor que «considera rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono, com as consequências» dos n.ºs 3 e 5 do artigo 403.º do Código do Trabalho.


IV

1 – Decorre da matéria de facto dada como provada que no dia 4 de maio de 2012 o autor sofreu um acidente de trabalho ao serviço da Ré do qual «resultou a perda da última falange do 5.º dedo e cicatriz com 4 cm no lado dorsal da articulação metacarpo falângica do 2.º dedo» e que «esteve com incapacidade temporária absoluta (DD) a partir de 05/05/2012 até 12/06/2012, aguardando marcação de consulta», e que «no âmbito do processo n.º 377/12.5TTVRL, o relatório pericial efetuado pelo IML estabeleceu que “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixada em 04-06-2012; Incapacidade temporária absoluta fixável num período de 24 dias; Incapacidade temporária parcial fixável num período total de 8 dias”» correspondendo às lesões constatadas uma taxa de IPP de 0,015, conforme documento de fls. 102 a 106 dos autos.

Decorre ainda da matéria de facto dada como provada que «a ré, à data do acidente, não tinha transferido válida e eficazmente a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho» e que «a partir de junho de 2012, o autor deixou de receber da ré qualquer quantia a título de tratamentos, salários e subsídios» e que «em 26 de julho de 2012, o autor, por carta registada com a/r à ré, solicitou o pagamento dos créditos laborais, assim como dos créditos emergentes do acidente de trabalho».

Por outro lado, decorre também da matéria de facto, que o autor não se apresentou ao trabalho após 4 de junho de 2012, apenas o fazendo nas datas e termos referidos nos pontos 15. e 16, ou seja, «no dia 18 de junho de 2013, o autor apresentou-se ao serviço da ré, que não lhe deu serviço» e «no dia seguinte, 19/06/2013, pela 6H00, o autor apresentou-se, de novo, nos escritórios da ré, tendo o gerente dito ao autor que não lhe dava trabalho nem papéis para o desemprego e que o seu advogado iria entrar em contacto consigo».

Após estes factos, a Ré enviou ao autor a carta relativa à denúncia do contrato por abandono, referida no ponto n.º 17 da matéria de facto dada como provada da qual a decisão recorrida fez decorrer o despedimento do Autor.

A contextualização dessa manifestação de vontade e a determinação do seu sentido é indissociável dos factos acima descritos e de outros que decorrem da matéria de facto dada como provada, nomeadamente, o facto de a Ré não ter transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para uma companhia seguradora e de esse facto se ter projetado na forma como o autor foi assistido, o que é decisivo para contextualizar os factos que são imputados à Ré.

Na verdade, tendo acidente de trabalho ocorrido em 4 de maio de 2012, a partir do mês de junho seguinte, o «autor deixou de receber da ré qualquer quantia a título de tratamentos, salários e subsídios» e não se apresentou desde logo para desempenhar as suas funções, embora não decorram da matéria de facto elementos que permitam fixar com segurança a data em que podia retomar o desempenho das mesmas.

Ainda de acordo com a matéria de facto dada como provada, tendo o autor pedido à Ré o pagamento dos quantitativos a que se achava com direito e não obtendo desta a resposta que pretendia, em 13 de setembro de 2012, notificou a Ré da sua vontade de suspender o contrato de trabalho – ponto n.º 12 da matéria de facto dada como provada −, e instaurou, em janeiro de 2013, contra a Ré ação para resolução do contrato de trabalho, com justa causa, ação em que a Ré foi absolvida da instância, por ineptidão da petição inicial, por sentença de 29 de maio de 2013.

É na sequência desta sentença que o autor se vem apresentar à Ré para retomar o exercício das suas funções, em 18 e 19 de junho daquele mesmo ano.

Face a esta tentativa por parte do autor de retoma da prestação de trabalho, a Ré recusou-se a dar-lhe trabalho e comunicou-lhe a denúncia do contrato por abandono, nos termos acima referidos, não deixando de permitir ao autor que apresentasse, «com a maior brevidade possível, prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência, de acordo com o disposto no art. 403º, nº. 4 do Código do Trabalho».

Neste cenário e também com relevo para a determinação do sentido da comunicação de denúncia do contrato por abandono, de 26 de junho de 2013, o Autor, em 28 de janeiro de 2014, de acordo com o ponto n.º 19 da matéria de facto dada como provada, comunicou a Ré a sua intenção de rescindir com justa causa o contrato de trabalho e veio a instaurar esta ação em 29 de maio de 2014.

Nesta ação, para além do mais, o Autor pedia que «deve a presente ação ser julgada totalmente procedente e em consequência ser a R. condenada a: A) Reconhecer resolvido o contrato de trabalho com justa causa por iniciativa do trabalhador, ou em alternativa considerar-se o contrato terminado por despedimento efetuado pela Ré, sem justa causa na data de 19.6.2014».

A Ré contestou a ação instaurada e deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação do Autor no pagamento de uma indemnização por ter feito cessar a relação de trabalho, por abandono e sem aviso a prévio, pedido este que foi julgado improcedente, na sentença proferida na 1.ª instância que neste segmento não foi impugnada.

2 – Esta Secção debruçou-se inúmeras vezes sobre o conceito de despedimento como forma de cessação do contrato de trabalho, conceito que se mostra estruturante na abordagem da questão sobre que nos debruçámos. 

Referiu-se sobre essa matéria no acórdão desta Secção de 21-10-2009, proferido no processo n.º 272/09.5YFLSB[2], com total atualidade, o seguinte:

«O Código do Trabalho não contém, como a legislação a que sucedeu não continha, a definição de despedimento, conceito que, na aceção que ao caso interessa, segundo a doutrina e a jurisprudência, se traduz na rutura da relação laboral, por ato unilateral da entidade patronal, consubstanciado em manifestação da vontade de fazer cessar o contrato de trabalho — cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2.ª Edição (Reimpressão), Verbo, Lisboa, 1996, p. 478 —, ato esse de caráter recetício, o que significa que, para ser eficaz, nos termos do artigo 227.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código Civil, implica que o atinente desígnio deve ser levado ao conhecimento do trabalhador, mediante uma declaração feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio de manifestação de vontade — declaração negocial expressa, tal como prevê a 1.ª parte do artigo 217.º do Código Civil —, ou que possa ser deduzida de atos equivalentes, que, com toda a probabilidade a revelem — declaração negocial tácita, nos termos da 2.ª parte do mesmo artigo 217.º —, declaração dotada, em qualquer caso, do sentido inequívoco de pôr termo ao contrato, que deve ser apurado segundo a capacidade de entender e diligência de um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário — sentido normal da declaração, conforme o disposto no n.º 1, do artigo 236.º do Código Civil — e que, como tal, seja entendida pelo trabalhador (cfr., entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 27 de janeiro de 2005 (Processo n.º 924/04), de 10 de março de 2005 (Processo n.º 3153/04), de 19 de maio de 2005 (Processo n.º 3678/04), e de 13 de julho de 2005 (Processo n.º 916/05) e de 13 de setembro de 2007 (Processo n.º 4191/06) — todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/ Sumários de Acórdãos/Secção Social).

A referida inequivocidade visa, como se observou no Acórdão deste Supremo de 7 de março de 1986 (Documento n.º SJ198603070012554, em www.dgsi.pt), “tanto evitar o abuso de despedimentos efetuados com dificuldade de prova pelo trabalhador, como obstar ao desencadear das suas consequências legais, quando não se mostre claramente ter havido rutura indevida do vínculo laboral por parte da entidade patronal”.»

3 - Voltando ao caso dos autos, constata-se que a declaração da Ré transmitida ao autor, em conformidade com o ponto n.º 17 da matéria de facto dada como provada, evidencia uma intenção de pôr termo à relação de trabalho que entre ambos existia, no caso de o autor não ter razões justificativas das faltas ao serviço alegadas pela emitente daquela declaração, como da mesma decorre expressamente.

Contudo, não pode deduzir-se dessa declaração, mesmo integrada com os factos descritos nos pontos n.ºs 15 e 16 (as apresentações ao autor para desempenhar funções e a recusa da Ré em lhe dar trabalho), que integre, só por si e definitivamente, a rutura da relação de trabalho do Autor.

Com efeito, tal declaração não pode ser interpretada fora do contexto em que é proferida e, sobretudo, desligada da situação em que se encontrava aquela relação de trabalho.

Na verdade, atenta a ausência do trabalhador do seu local de trabalho que já se verificava há cerca de um ano, tendo em conta as declarações do Autor, primeiro no sentido de suspender a relação de trabalho e, posteriormente, de lhe pôr termo com justa causa, na sequência do que instaurou uma ação com esse objetivo, é razoável que Ré pretendesse ver esclarecida a situação, para o que, invocando a existência de faltas injustificadas, comunicou ao Autor a denúncia do contrato, deixando-lhe, contudo, a oportunidade de invocar motivos para a não justificação tempestiva das mesmas.

Realce-se que foi a absolvição da instância da Ré na ação que o autor instaurou para resolver o contrato com justa causa que precipitou a apresentação do Autor para prestar trabalho e, ao contrário do que repetidamente afirma, não decorre da sentença que pôs termo àquele processo qualquer decisão no sentido de que a relação de trabalho se mantinha na plenitude do seu conteúdo.

Por outro lado, à luz da matéria de facto dada como provada, tal declaração não foi desde logo entendida pelo seu destinatário como integrando um despedimento, uma vez que em vez de impugnar o “despedimento” em causa, veio, cerca de 6 meses depois, mais concretamente em janeiro de 2014, comunicar à Ré a sua intenção de resolver o contrato com justa causa – ponto n.º 19 da matéria de facto dada como provada – e, em maio de 2014, veio instaurar a presente ação onde, para além do mais, conforme acima se referiu, pede a resolução do contrato com justa causa, embora alegue também que foi vítima de despedimento em junho de 2013.

Estes factos revelam de forma evidente que a declaração emitida pela ré no escrito de 26 de junho de 2013 não foi entendida pelo autor como sendo uma manifestação inequívoca de vontade daquela de fazer cessar o contrato de trabalho que os vinculava.

A declaração em causa, embora evidencie a intenção de pôr termo à relação de trabalho existente entre as partes, só adquire o seu real sentido contextualizada no estado em que se encontrava a relação de trabalho a que se refere.

Por outro lado, o facto de ter sido julgado improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré, com base no abandono do exercício de funções por parte do Autor, e de esse segmento daquela decisão ter transitado em julgado, não impede que os factos dados como provados, que relevariam em termos da causa de pedir desse pedido, não possam ser ponderados no sentido da qualificação da forma como a Ré pretendeu por termo à relação de trabalho que mantinha com o Autor, ou seja, se estamos ou não perante um despedimento.

À luz do acima referido, a declaração em causa não pode ser valorada como integrando uma declaração de despedimento do Autor, ilícito, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 381.º, 389.º, 390.º e 391.º do Código do Trabalho.

4 – Para além do despedimento do Autor, a sentença proferida na 1.ª instância tinha-se debruçado sobre a resolução do contrato de trabalho com justa causa pedida pelo autor na presente ação, tendo considerado a ação improcedente relativamente a esse pedido.

Esse segmento da decisão foi fundamentado, para além do mais, nos termos seguintes:

«Assim, dir-se-á tão simplesmente que os factos apurados não permitem, igualmente, concluir pela verificação de qualquer um dos fundamentos de resolução do contrato de trabalho, tanto mais que a carta de resolução do contrato de trabalho foi enviada à ré cerca de dois anos após o autor ter deixado de prestar qualquer trabalho para a ré, por motivos não concretamente apurados como já supra referido e, após as vicissitudes supra apontadas quer por parte do autor quer por parte da ré para fazerem cessar a relação laboral que mantinham entre si.

Acresce que, conforme supra referido, aquando do envio da comunicação do autor a denunciar o contrato de trabalho com o fundamento na falta de pagamento pontual das retribuições, o contrato de trabalho entre autor e ré já havia cessado, pelo menos de facto, não sendo de admitir a manutenção da produção de efeitos de um contrato de trabalho, quando cessa a prestação de trabalho, a partir de um momento determinado, independentemente da qualificação jurídica da forma de cessação do contrato.

Em suma, conclui-se, também quanto a esta causa de pedir, pela não demonstração dos pressupostos (fácticos) constitutivos da justa causa de resolução do contrato de trabalho [als. a), b) e f) do n.º 2 do art. 394º].

À luz dos factos provados e do acima referido, entendemos, pois, que não se verificam os pressupostos da justa causa invocada para a resolução do contrato por parte do autor, improcedendo o pedido indemnizatório (quer ao nível dos danos patrimoniais, quer dos danos não patrimoniais) com base nesta causa de pedir.»

No recurso de apelação que interpôs, o autor insurgiu-se contra esse segmento daquela decisão, a que dedicou as conclusões 5.º, 6.º e das alegações apresentadas com o seguinte teor:

«5 - A falta de pagamento da retribuição confere ao trabalhador a faculdade de fazer cessar o contrato de trabalho (artigos 323 e 394 nº2 do C. T).

Ponderando por mera hipótese e à cautela que VªEXªs possam não admitir o fim do contrato por despedimento ilícito do empregador, então teremos de considerar o contrato válido e eficaz, uma vez que nenhum ato que provocasse a sua cessação, nos termos do disposto no artigo 340 do C.T. ocorreu, justificando que a falta de pagamento da retribuição dos meses de novembro de 2013, dezembro de 2013 e janeiro de 2014, seja justa causa de cessão do contrato de trabalho efetuada pelo trabalhador com base no disposto nos artigos 323 e 394 nº 5 e 395 do C.T.

6 - O conceito legal de alta clínica, resultante da Lei de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, pressupõe que haja um ato formal que determine a data e as condições em que o trabalhador deve regressar ao trabalho.

Não existindo qualquer documento médico que atribua a situação de curado e em condições de regressar ao trabalho ao A., temos de considerar que nunca lhe foi dada alta clínica. Sendo a responsabilidade dessa omissão da Ré, enquanto entidade patronal que não tinha transferido a responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para uma Companhia de Seguros.

Todas estas obrigações impendiam sobre a Ré, enquanto entidade patronal que não havia transferido a responsabilidade para uma seguradora como lhe competia – artigo 88º da LAT. Ao assim não entender a sentença em crise violou este normativo legal.»

O Tribunal da Relação na decisão recorrida, embora tenha identificado como questão a decidir a da «resolução do contrato de trabalho com justa causa pelo autor» acabou por não tomar conhecer dessa questão que considerou prejudicada, face ao decidido quanto ao despedimento.

Referiu-se com efeito naquela decisão que «tendo o Apelante logrado demonstrar que a empregadora o despediu ilicitamente em 26/06/2013, através de declaração recetícia que produziu imediatamente os seus efeitos, nos termos acima explicitados, fica prejudicado o conhecimento da questão subsidiária atinente à subsequente comunicação de resolução do contrato de trabalho com justa causa pelo autor».

O não conhecimento desta questão na decisão recorrida, onde foi considerada prejudicada, impõe a remessa do processo ao Tribunal da Relação para conhecer da mesma, na medida em que o artigo 679.º do Código de Processo Civil excluiu expressamente a aplicação em sede de julgamento do recurso de revista da regra da substituição ao tribunal recorrido, estabelecida no artigo 665.º do mesmo código.


V

Em face do exposto, acorda-se em conceder a revista e em revogar o acórdão recorrido, na parte em que declarou a ilicitude do despedimento do autor ocorrido em 26/06/2013 e em que condenou a ré a pagar àquele as retribuições (à razão de € 832,00 por mês) que o mesmo deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas das importâncias mencionadas no n.º 2 do art. 390.º do Código do Trabalho, e uma indemnização em substituição de reintegração correspondente a 30 dias de retribuição base (€ 832,00) por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo-se ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, tudo a liquidar no incidente processual próprio.

Mais se acorda em determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Guimarães, para que conheça da questão suscitada nas conclusões 5.º e 6.ª do recurso de apelação interposto pelo Autor.

Custas em conformidade com o que vier a ser decidido a final.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 17 de março de 2016

António Leones Dantas (relator)

Mário Belo Morgado

Ana Luísa Geraldes

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[1] Alterado pela decisão recorrida. A versão inicial era do seguinte teor: «O autor não se apresentou ao trabalho após a alta clínica, apenas o fazendo nas datas referidas nos pontos 15. e 16.»
[2] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da CCGSI