Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
48/04.6TBVNG.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO A HONRA
CONFLITO DE DIREITOS
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
JORNALISTA
TELEVISÃO
BOA FÉ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/27/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A definição dos limites do direito à liberdade de expressão por via da comunicação social, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência deste Tribunal, do TC, bem como do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e sempre dependendo da análise das circunstâncias do caso.
II - Entre estes princípios são de salientar, na divulgação de informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição de credibilidade respectiva antes da sua publicação.
III - Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso, como resulta até do n.º 1 do denominado Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, por estes aprovado em 04-05-1993. Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nelas operam, devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.
IV - Em caso de colisão de direitos, o sacrifício de um dos bens só pode admitir-se pela verificação de uma causa justificativa, e essa causa justificativa deve respeitar o princípio da proporcionalidade, necessidade e adequação do meio.
V - A boa fé, nesse sentido objectivo, deve considerar-se afastada sempre que o autor da notícia não realiza, podendo fazê-lo, todas as diligências tendentes à sua comprovação e se demonstre não corresponderem tais factos à verdade, sendo noticiados em consequência dessa falta de diligência.
VI - Embora a liberdade de imprensa deva respeitar, no seu exercício, o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aquele, desde que adequadamente exercido, nomeadamente mediante exercício de um esforço de objectividade com recurso a fontes de informação fidedignas por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 10/12/03, Jure Honores - Associação para a Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, veio propor, na Vara Mista de Vila nova de Gaia, contra SIC - Sociedade Independente de Comunicação, SA, AA e BB, acção com processo ordinário, que acabou por ser distribuída ao 3º Juízo Cível de Oeiras por ter sido o Tribunal dessa comarca julgado territorialmente competente, pedindo:

se declare que com a publicação, divulgação e difusão das peças jornalísticas a que se alude nos artigos 105° a 144º da petição inicial, os réus agiram em violação dos deveres legais a que estavam obrigados, ofendendo gravemente, de modo leviano e irresponsável, o bom nome e a reputação da autora (a);

seja a primeira ré condenada a abster-se de publicar, divulgar ou difundir, por qualquer meio ou instrumento, as peças jornalísticas a que se alude nos ditos artigos 105° a 144º, ou por qualquer outro meio fazer alusão ao nome da autora ligando-a aos factos aí tratados ou outros que, directa ou indirectamente, estejam com ele relacionados, que sejam de natureza ou características semelhantes aos tratados nos presentes autos (b);

seja a primeira ré condenada a teledifundir no seu canal de televisão, nos programas em que foram apresentados os factos a que se alude nos artigos 105° a 144° da p.i., com o mesmo destaque e durante igual período de tempo, leitura e transcrição de extracto da sentença que vier a ser proferida nos presentes autos (c);

sejam os réus condenados a publicar integralmente a sentença que vier a ser proferida nos presentes autos, numa página inteira das respectivas páginas principais, em dois jornais semanários de divulgação nacional e em dois dos jornais diários mais lidos de Lisboa e Porto, com faculdade de substituição pela autora, no seu incumprimento pelos réus (d);

sejam os réus solidariamente condenados a pagarem à autora, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, quantia não inferior a €600.000,00, acrescida de juros desce a citação e até efectivo e integral pagamento (e); esejam os réus condenados solidariamente a pagarem à autora indemnização por danos de natureza patrimonial que se vierem a apurar em execução de sentença (f).

Tudo isto em virtude de, segundo sustenta, ela autora ser uma associação que se dedica à defesa dos Direitos do Homem, de todas as pessoas vítimas de injustiças que façam perigar gravemente a sua integridade física, moral, familiar ou económica, para além da defesa da Constituição Portuguesa, das outras Constituições europeias e dos direitos constitucionais e de cidadania de todas as pessoas, que granjeou grande credibilidade e seriedade junto do público, o que levou já os Tribunais por duas vezes a confiar-lhe a guarda e cuidado de menores; ora, no Verão de 2002 corria termos no Tribunal Judicial da Comarca de Ovar uma acção de regulação do exercício do poder paternal no âmbito do qual a mãe do menor BB, cidadã canadiana a residir no Canadá, pretendia cumprir uma decisão de um Tribunal canadiano e confirmada em Portugal que lhe confiou a guarda e cuidado do filho, pretendendo a mesma levá-lo para o estrangeiro;a A. foi contactada pelo avô paterno do menor e decidiu patrocinar o menor, que lhe veio a ser confiado provisoriamente pelo Tribunal; em tal processo veio a ser proferida decisão final que confiou o menor à guarda e cuidado do pai, tal como a A. e o seu associado (pai do menor), haviam sustentado nesses mesmos autos; a 3ª R. procurou a A. em finais de Janeiro de 2003 intitulando-se jornalista da 1ª R., que pretendia fazer uma reportagem acerca das notícias vindas a público sobre o CC; a vice-presidente da A. concedeu-lhe, então, uma entrevista, autorizando a recolha de imagens e sons; a 3ª R. solicitou ainda uma outra entrevista ao presidente da A., que acedeu na condição de ser utilizada a língua francesa e de a 3ª R. o informar previamente das questões que pretendia abordar, mas, uma vez por o presidente da A. não ter disponibilidade e outra vez por não ter autorizado a captação de voz e imagem, tal entrevista não se veio a concretizar; em 13/2/2003 a A. recebeu um fax subscrito pela 3ª R., no qual se dizia que tinha entrevistas com várias pessoas que se sentiam burladas pela A. em virtude de esta ter aceitado representá-las em problemas jurídicos, solicitando uma entrevista ao presidente da A. sobre tal assunto; em 16/02/2003 o presidente da A. solicitou à 3ª R. que lhe identificasse as pessoas em questão, concretizasse os factos em que se fundavam essas queixas, e repudiou as imputações que foram feitas à A. tendo a 3ª R. recusado; comunicou a A. à 3ª R. que a sua vice-presidente não autorizava a divulgação pública das imagens e sons colhidos pela 3ª R.; disponibilizou-se o presidente da A. para conceder uma entrevista; contudo, veio a ser transmitida pela 1ª R., no “Jornal da Noite” do dia 17/02/03, uma notícia afirmando que havia queixas graves de pessoas que se diziam enganadas pela A., emitindo-se dizeres na parte inferior das imagens onde se podia ler “queixas graves’’ e “associação de defesa dos direitos do homem sob suspeita”; seguiu-se uma reportagem, constituída por uma peça de vídeo e som, elaborada pela terceira ré, sob a supervisão e orientação do segundo, onde foram apresentadas três entrevistas com associados da autora; numa delas a terceira ré afirmou em “voz off”, referindo-se ao entrevistado: “Andou a ser empatado e iludido durante um ano. Só depois de ter €1.500,00, 300 contos, é que a Jure Honores lhe disse a verdade”, e na entrevista seguinte, disse “Quem procura a Jure Honores vai na expectativa que o serviço é gratuito pois apresenta-se como uma associação sem fins lucrativos. A verdade é que as pessoas só são atendidas depois de desembolsarem urna quantia (...) o presidente da Associação não tem formação jurídica. É formado em Matemáticas. Mas fala como se fosse Advogado.”; seguiu-se o excerto da entrevista concedida pela Vice-Presidente da DD; posteriormente a 3ª R., também em “voz off”, disse: “Apesar de ter recebido já há vários meses queixas em relação à Jure Honores, só quando a Sic contactou a Câmara de Vila Nova de Gaia é que EE rescindiu o protocolo com a associação. No próprio dia. E recusou todos os pedidos de entrevista que a SIC lhe fez para comentar esta situação. Quanto ao francês FF, depois de ter agendado uma entrevista com a SIC, recuou. Depois impôs condições inadmissíveis e agora ameaça com o recurso aos Tribunais.’’; no decurso da transmissão do programa, de permeio com reportagens de outras notícias, por três vezes, o locutor afirmou, chamando a atenção para o desenvolvimento da notícia de abertura: “Dizem ter sido burlados por quem os devia ajudar. Portugueses desesperados. Daqui a pouco.’’; pelas 20.54h, o locutor retomou a notícia, reproduzindo o texto de abertura, seguido da aludida reportagem, mais extensa; aí a 3ª R., em “voz off”, disse: “Depois te deambular durante mais de uma década pelos Tribunais, MM caiu nas mãos da associação Jure Honores”, e acrescentou: “Há vários meses que a Câmara tem muitas queixas de pessoas que se sentiram enganadas, mas só no dia em que foi contactada pela SIC rescindiu o protocolo com a Jure Honores. A Ordem dos Advogados tem também a correr um processo de investigação às actividades da Associação.”; fez diversas outras afirmações acerca da A. e da pessoa do seu presidente, nas quais se referiram várias vezes as expressões “burla’’, “engano”, “suspeita” e ‘‘queixas graves”, entre outras, e com uma ligação conclusiva entre tais relacionamentos entre a autora e os seus associados; no dia 19/02/2003 a A. deu uma conferência de imprensa e nesse mesmo dia a 1ª R. noticiou no “Jornal da Noite” essa conferência de imprensa fazendo a 3ª R. novamente comentários em “voz off” e afirmou, entre outras coisas, que o presidente da A. havia sido julgado à revelia em França, julgado insolvente e proibido de exercer toda a actividade comercial durante 20 anos; no dia 21/02/2003, a 1ª R. emitiu nova notícia acerca da A. com comentários em “voz off” da 3ª R.; alega a A. que, mercê da projecção que lhe deu a primeira ré, essas imputações foram repetidas na imprensa escrita, tendo tal mensagem sido recebida por vários milhões de pessoas que as repetiram e tomaram por verdadeiras, assim ferindo a reputação da A., passando os seus associados a vê-la com desconfiança; reputa por exíguo o montante de 600.000,00 euros para a compensar dos danos morais que sofreu; invoca também que, como consequência da conduta dos réus, os associados da autora deixaram de lhe pagar as quotas e de fazer donativos, e a A. não recebeu nenhum novo associado, para além de a Câmara Municipal de Gaia ter deixado de lhe dar o subsídio mensal de € 750,00 e lhe ter exigido a entrega do espaço que lhe havia disponibilizado; por tudo isto a A. deixou de conseguir assegurar as receitas necessárias ao pagamento das suas despesas mínimas de funcionamento e teve de cessar a sua actividade, assim deixando de acompanhar os processos judiciais que lhe haviam sido confiados pelos seus associados; no futuro, a A. terá de responder civilmente pelos prejuízos assim causados aos seus associados; por isso os prejuízos materiais sofridos pela A. apenas em sede de execução de sentença poderão ser apurados; por fim, alegou que quando pretendeu exercer direito de resposta e para tanto solicitou à 1º R. cópia das gravações vídeo e transmissões, aquela lhe exigiu € 600,00 acrescidos de IVA, quantia que a A. não conseguiu pagar, assim lhe tendo sido coarctado o exercício do direito do contraditório.

Regularmente citados, os RR. contestaram, invocando excepção de incompetência territorial do Tribunal de V. N. Gaia, alegando que nos aludidos programas se limitaram a informar situações verídicas e que haviam sido relatadas à 3ª R. pelos entrevistados e muitas outras pessoas, sendo que expressões como ‘burla”, “engano” e “suspeita” reproduzem os sentimentos e conclusões expressas pelas pessoas que se queixaram das actuações da A.;

impugnam ainda os alegados danos sofridos pela A.;

invocam os RR. que actuaram licitamente ao abrigo do direito constitucional de informar e ser informado, concluindo que não se verificam os pressupostos que fundam a responsabilidade civil, pelo que concluem pugnando pela improcedência da acção.

Replicou a A. rebatendo a matéria de excepção.

Proferido despacho que julgou procedente a excepção de incompetência territorial e que determinou a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da comarca de Oeiras, declarado territorialmente competente, foi neste proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias nem nulidades secundárias, tendo depois sido enumerada a matéria de facto desde logo dada por assente e elaborada a base instrutória, de que ambas as partes reclamaram, sendo indeferida a reclamação da autora e deferida a dos réus.

Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução (fls. 2479 a 2511), após o que foi proferida a fls. 2514 a 2548 sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Inconformada, interpôs a A. recurso de apelação, sem êxito, uma vez que a Relação negou provimento ao recurso e confirmou a sentença ali recorrida, com base nos seguintes factos que considerou assentes:

1º - Por escritura pública celebrada em 25.10.99 no 1 ° Cartório Notarial de Barcelos, por FF, GG e II foi declarado constituirem “uma associação denominada Jure Honores - Associação para a Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão” “a qual se regerá pelos estatutos constantes de um documento complementar que acompanharam aquele documento, ficando arquivados (cfr. cópia certificada e não impugnada a fls. 124 a 132);

2º - Por escritura pública celebrada em 20.10.00 no 1º Cartório Notarial de Santa Maria da Feira, foram alterados os estatutos daquela entidade, aqui A., ficando nomeado como ‘‘Presidente da Direcção” respectiva FF, por um período de quatro anos (cfr. cópia certificada e não impugnada a fls. 136 a 140);

3º - De acordo com os seus estatutos, a A. tem como objecto: “A defesa dos Direitos do Homem, estabelecidos na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, na promoção do associativismo, na defesa de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, perante as injustiças, irregularidades ou violações, cometidas pelo Estado Português ou por outros Estados europeus; a defesa de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, vítimas de uma injustiça de um terceiro, Estado ou pessoa física ou jurídica, desde que os actos tenham sido ou sejam de natureza a fazer perigar, gravemente, a sua integridade física, moral, familiar ou económica; a defesa da Constituição Portuguesa e das outras Constituições europeias, bem como das pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, relativamente aos seus direitos constitucionais e de cidadania’’;

4º - Constituem receitas da A.: “1. As jóias e cotas pagas pelos sócios; 2. Os subsídios, doações, heranças, legados e participações que lhe sejam atribuídos; 3. Os rendimentos de bens e capitais próprios; 4. As remunerações por prestações de serviços; 5. O produto de publicações, cursos e seminários promovidos pela Associação.” (cfr. cópia certificada e não impugnada a fls. 124 a 132);

5º - GG desempenha as funções de vice-presidente da A.;

6º - Após a sua constituição, a A. iniciou a sua actividade no domicílio particular dos seus presidente e vice-presidente;

7º - Mais tarde, na sequência de “protocolo” celebrado com o Município de Vila Nova de Gaia, a A. instalou o seu escritório principal no Centro Comercial d’Ouro, Piso 1, salas 45 e 46, em V.N. Gaia, em espaço em parte cedido pela respectiva Câmara Municipal;

8º - Mediante o aludido ‘‘protocolo”, o Município de Vila Nova de Gaia prestou apoio financeiro e logístico à actividade da A.;

9º - Por decisão judicial, em duas ocasiões distintas, foram confiados menores à sua guarda e cuidado;

10º - A 1ª Ré explora um canal de televisão generalista sob a denominação “SIC”, sendo concessionária do canal 3 para televisão por via hertziana terrestre analógica;

11º - As medições relativas ao cálculo das audiências médias dos canais de televisão são efectuadas por empresas da especialidade, com base em amostragem, seleccionada aleatoriamente, e representam a percentagem de pessoas que num certo momento ou lapso de tempo, assiste à transmissão de certo canal de televisão ou de determinado programa de televisão;

12º - Tais medições são efectuadas segundo técnicas e métodos reconhecidos internacionalmente e são realizadas com recurso a aparelhagem técnica fiável, sendo os respectivos resultados representativos da realidade que retratam;

13º - O 2º R., jornalista, era, em Janeiro de 2003, o Director de Informação do referido canal de televisão explorado pela 1ª Ré;

14º - A 3ª Ré era e é jornalista remunerada da redacção daquele mesmo canal de televisão, agindo debaixo das instruções e sob as ordens da 1ª Ré, pesquisando, recolhendo, seleccionando e tratando notícias, factos e opiniões;

15º - A 3ª Ré recolhe, para o efeito, depoimentos, informações, imagens e texto, com vista à elaboração de peças jornalísticas destinadas a serem transmitidas pela 1ª Ré;

16º - Foi proferida, em 20.2.03, no Tribunal Judicial da Comarca de Ovar, decisão final no processo instaurado por II contra JJ com vista a executar em Portugal sentença, aqui confirmada, proferida pelo Tribunal de Ontário, que ordenara “a imediata e urgente entrega do menor KK à mãe II” (cfr. cópia não impugnada junta a fls. 157 a 178);

17º - Na referida sentença foi concluído: ‘‘Face a todo o exposto, e sem prejuízo da presente decisão vir a ser alterada caso se verifique qualquer circunstância que o justifique no interesse do menor, o tribunal decide: A) Alterar a regulação do exercício do poder paternal, entregando-se, por ora, o menor KK à guarda e cuidados do pai JJ, que sobre o mesmo exercerá o poder paternal”;

18º - Mais ali foi dito: “Comunique à associação Jure Honores, a quem o menor foi confiado provisoriamente, com vista a que seja efectuada a entrega imediata do menor KKao seu pai”;

19º - Lê-se, ainda, no texto daquela decisão: “Encontra-se, ainda, em curso, a realização da diligência solicitada aos serviços sociais canadianos, que, não obstante o período de tempo entretanto decorrido, não foi ainda possível concluir, não se afigurando provável a sua imediata conclusão (...), sendo, portanto, necessário e premente tomar, desde já, uma decisão que acautele os interesses do menor, atentas as circunstâncias, veiculadas pelos órgãos de comunicação social, em que se encontra a associação que detém a confiança provisória do menor, cumprindo acautelar qualquer situação de perigo que possa existir para o mesmo, que, de qualquer forma, sempre será atingido por essa situação.”;

20º - Em finais de Janeiro de 2003, a A. foi procurada pela 3ª Ré, que se intitulou jornalista da 1ª Ré, e que declarou pretender realizar uma reportagem acerca das notícias vindas a público sobre a indicada criança, KK, e da intervenção da A. no processo judicial que a envolvia;

21º - A vice-presidente da A., GG, concedeu uma entrevista à 3ª Ré, no interior da sua sede e no respectivo escritório, e facultou-lhe a recolha de imagens e som dessa entrevista, tendo a 3ª Ré insistido em entrevistar o presidente da A.;

22º - O presidente da A. acedeu em conversar com a 3ª Ré, na condição de ser utilizada a língua francesa e de esta o informar previamente das questões que pretendia abordar;

23º - Na sequência desse contacto, a A. recebeu uma comunicação por correio electrónico da 3ª Ré, transmitida no dia 3.2.03, pelas 18.38h, com o seguinte teor: “Sobre a entrevista de que falámos as questões são genéricas: Quais os objectivos da Jure Honores. Como e quando é que se lembrou de constituir uma associação deste género? Meios de financiamento. Além dos casos mediáticos conhecidos publicamente que tipo de casos vos aparecem mais? Provavelmente dar-me-á mais jeito entrevistá-lo na quinta feira para que possa estar no Porto quarta de manhã e ir filmar as instalações no centro comercial, mas amanhã digo-lhe alguma coisa.”;

24º - Nesse mesmo dia, por correio electrónico transmitido pelas 21.44h, o presidente da A. informou a 3ª Ré que se iria deslocar para o Estoril, pelo que não lhe seria possível comparecer na quarta-feira no escritório de Vila Nova de Gaia, como pretendido pela 3ª Ré;

25º - No subsequente dia 4 de Fevereiro, por transmissão por correio electrónico realizada às 11.40h, o presidente da A. transmitiu a sua disponibilidade para a realização da entrevista para o seguinte dia 6, pelas 10.30h, relativa àquelas suscitadas questões;

26º - No dia 6.2.03, o presidente da A. recusou aceitar que a 3ª Ré recolhesse som e imagem dessa entrevista, pelo que esta não se realizou;

27º - Em 13.2.03, quinta-feira, pelas 11.37h, a A. recebeu uma comunicação por telecópia da 1ª Ré, subscrita pela 3ª Ré, subordinada à epígrafe “Reportagem sobre Associação Jure Honores”, dizendo que: “A Sic tem entrevistas com várias pessoas que se sentem burladas pela associação Jure Honore. Deram dinheiro convictas que estavam a pagar pela resolução de problemas jurídicos ... e os processos acabaram

por não andar para a frente nem ser resolvidos, tornando-se difícil para essas pessoas falar com o presidente da Associação e mesmo saber em que ponto é que estavam os processos. Vimos por este modo solicitar mais uma vez uma entrevista com o Sr. FF para o podermos confrontar com estas situações e poder responder a estas acusações, caso queira.”;

28º - Em resposta, em 16.2.03, domingo, por meio de correio electrónico transmitido às 10.10 h, o presidente da A. manifestou repúdio pelas afirmações produzidas e solicitou informação detalhada acerca da identidade das pessoas que alegavam ter sido “burladas”, com os referidos pretextos, e também, dos factos concretos que alicerçavam tais queixas, por forma a poder responder às acusações em causa;

29º - Por correio electrónico transmitido às 10.58h desse mesmo dia, a 3ª Ré declarou: “Esta será a última vez que o contacto até porque está a ser inadmissível o procedimento do senhor. Peço-lhe uma entrevista e o sr. manda a sua vice presidente pedir uma entrevista ao Director Geral da SIC!!! O sr. não tem nada que saber quais são as minhas fontes que aliás são muitas e várias e eu como jornalista tenho o DEVER e OBRIGAÇÃO de as proteger. A única coisa que o sr. tem que saber é que é acusado genericamente dos seguintes factos: cobrar quantias, a título de doações, prometendo na realidade prestar um serviço e criando nas pessoas essa convicção. Paga a quantia, essas pessoas têm cada vez mais dificuldade em contactá-lo ou às advogadas com que o sr. trabalha para saberem em que situação está o processo. E finalmente, numa última fase, quando as pessoas são mais persistentes, acaba por lhes dizer ao contrário do que lhes tinha dito inicialmente, que o caso não tem hipótese de resolução. Noutras situações promete resolver casos que não têm qualquer hipótese nem de recurso para o tribunal europeu pois já não há os requisitos previstos para essa situação. Por último, sendo a Jure Honores uma associação sem fins lucrativos podendo apenas cobrar jóias ou quotas, a que título é que anda a cobrar quantias nalguns casos bastante elevadas quando até nem pode exercer face da lei portuguesa, patrocínio judiciário? O meu fax seguiu na quinta feira ... a Sra. vice presidente disse-me que o Sr. poderia dar-me a entrevista esta segunda feira. Quarta é demasiado tarde. E desde já lhe digo que não estou disposta a que o Sr. me ande a pôr condições, umas atrás das outras, que considero inaceitáveis na minha condição de jornalista.”;

30º - A A., por correio electrónico do subsequente dia 17, transmitido ás 08.51 h, para esclarecimento da parte genérica das questões suscitadas pela 3ª Ré, remeteu para uma entrevista concedida pelo respectivo Presidente à publicação “Vida Judiciária”, e prestou esclarecimentos acerca do modo de funcionamento e actividade da associação, com relação a vários aspectos;

31º - Insistiu, ainda, na necessidade de ser confrontado com as acusações concretas e específicas de que seria alvo a A. de molde a ser-lhe permitida “a efectivação do seu direito de resposta”;

32º - Comunicou, também, que não autorizava a difusão da reportagem realizada relativa à criança à guarda da associação, que a vice-presidente da A., GG, não autorizava a divulgação pública de imagens dela própria recolhidas no interior da sede e escritórios da associação e que mantinha disponibilidade para um encontro pessoal com vista à prestação de esclarecimentos complementares, para o que indicou o subsequente dia 19 de Fevereiro;

33º - Nesse mesmo dia 17.2.03, por comunicação realizada por correio electrónico transmitida às 11.56h, a A. admitiu realizar o encontro no dia imediato, 18 de Fevereiro, pelas 15.00h;

34º - Por comunicação por correio electrónico realizada às 17.51 desse mesmo dia a A. disse à 3ª Ré que o seu associado LL tinha acabado de a prevenir que tinha sido procurado pela 3ª Ré, referindo-lhe que manifestara perante esta toda a sua confiança na A. e recusado a transmissão de qualquer notícia com ele relacionada;

35º - No dia 17.2.03, o denominado “Jornal da Noite” do canal de televisão “SIC”, cuja teledifusão a 1ª Ré iniciou às 20.00h, abriu com o respectivo jornalista a pronunciar a seguinte proposição: “Há queixas graves de pessoas que se dizem enganadas por uma Associação que se apresenta como defensora dos Direitos do Cidadão. Algumas pessoas garantem que entregaram as poupanças de uma vida à Jure Honores a troco da promessa de que veriam resolvidos casos jurídicos. A associação em causa tinha o apoio da Câmara Municipal de Gaia que lhe pagava desde há quase três anos todas as despesas de funcionamento.”;

36º - TaI afirmação foi acompanhada de um enquadramento de texto, na parte inferior da imagem, com os seguintes dizeres: “Queixas graves”, em epígrafe e em maiúsculas, em letras de cor branca, sobre fundo vermelho: “Associação de defesa dos direitos do homem sob suspeita”, a letras de cor negra sobre fundo branco;

37º - Seguiu-se uma reportagem, constituída por uma peça de vídeo e som, elaborada pela 3ª Ré, onde foram apresentadas três entrevistas com associados da A.;

38º - Nela, a 3ª Ré afirmou em “voz off”, referindo-se ao entrevistado: “Andou a ser empatado e iludido durante um ano. Só depois de ter arrecadado 1.500,00 euros, 300 contos, é que a Jure Honores lhe disse a verdade.”;

39. Na entrevista seguinte, sem suporte nas declarações da entrevistada e ainda em “voz off”: “Quem procura a Jure Honores vai na expectativa que o serviço é gratuito, pois apresenta-se como uma associação sem fins lucrativos. A verdade é que as pessoas só são atendidas depois de desembolsarem uma quantia (...) o presidente da Associação não tem formação jurídica. É formado em Matemáticas. Mas fala como se fosse Advogado.”;

40º - Seguiu-se o excerto da entrevista concedida pela Vice-Presidente da A., GG, referida em 21 supra;

41º - Adiante, de novo a 3ª Ré, sempre em “voz off”, diz: “Apesar de ter recebido já há vários meses queixas em relação à Jure Honores, só quando a Sic contactou a Câmara de Vila Nova de Gaia é que EE rescindiu o protocolo com a associação. No próprio dia. E recusou todos os pedidos de entrevista que a SIC lhe fez para comentar esta situação. Quanto ao francês FF, depois de ter agendado uma entrevista com a SIC recuou. Depois em condições inadmissíveis e agora ameaça com o recurso aos Tribunais.”

42º - Depois, finda a reportagem, a emissão volta ao locutor que afirmou: “Já vai conhecer mais casos deste caso e vamos também ter aqui o comentário e a análise do Bastonário da Ordem dos Advogados;

43º - Esta parte da emissão do programa decorreu até às 20.06h;

44º - No decurso da transmissão do programa, de permeio com reportagens de outras notícias, o locutor afirmou, chamando a atenção para o desenvolvimento da notícia de abertura: “Dizem ter sido burlados por quem os devia ajudar. Portugueses desesperados. Daqui a pouco.”;

45º - O que foi repetido por três vezes, em momentos distintos;

46º - Foi ainda acompanhada de chamadas escritas para essa reportagem, em nota de rodapé, transmitida em letras de cor branca sobre fundo azul;

47º - Pelas 20.54h, o locutor retomou a notícia, reproduzindo o texto de abertura seguido da aludida reportagem, agora mais extensa, em que, de novo, em “voz off”, a 3ª Ré acrescentou: “Depois de deambular durante mais de uma década pelos Tribunais, MM caiu nas mãos da associação Jure Honores”;

48º - O locutor ainda acrescenta: “Há vários meses que a Câmara tem muitas queixas de pessoas que se sentiram enganadas, mas só no dia em que foi contactada pela SIC rescindiu o protocolo com a Jure Honores. A Ordem dos Advogados tem também a correr um processo de investigação às actividades da Associação.”;

49º - Adiante, a 3ª Ré afirma, ainda em “voz off”, a propósito do presidente da autora: “É o homem de quem tantas pessoas se queixam porque terá garantido resolver processos que acabou por não solucionar depois de cobrar quantias nalguns casos elevadas. Fala como Advogado, mas tem formação académica em matemáticas. Geriu habilmente a promoção da Jure Honores patrocinando casos badalados nos jornais e nas televisões.”;

50º - Ainda em “voz off”, a 3ª Ré refere: Como associação sem fins lucrativos a Jure Honores só poderia cobrar, como está no protocolo, € 75,00, 15.000$00, como jóia de inscrição e dispensar os residentes no município desse pagamento.’’;

51º - E também que: “Confrontamos o francês FF com as acusações. A entrevista chegou a estar marcada, mas à última da hora recuou. Depois impôs condições sucessivas e inadmissíveis sob o ponto de vista jornalístico. Sem conseguir protelar a exibição do trabalho, FF ameaça agora a SIC com o recurso aos Tribunais.”;

52º - À frente, acrescenta o locutor: “A propósito desta entidade, um dos casos mais recentes é o de uma família que acusa o Estado de roubo. Depois de ter perdido todas as acções em Portugal, depositaram na associação Jure Honores toda a sua esperança e € 4.000,00. As pessoas receiam que falando abertamente nunca voltem a ver o dinheiro. A reportagem está feita há mais de 15 dias mas hoje a família não autorizou a sua exibição.”;

53º - Logo a seguir diz a 3ª Ré, a propósito desse mesmo assunto: “No entanto a esperança renasceu para esta família no dia em que ouviram falar da Jure Honores. Foi-lhes prometido um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Pelo patrocínio supostamente jurídico desta causa a família avançou com um cheque de € 4.000,00, 800 contos. Não estranhou sequer o facto de no recibo constar que a pagamento era apenas a título de jóias, quotas ou doações (...) confrontado com a dificuldade do processo o presidente da Jure Honores chegou a dizer à SIC que ia devolver o dinheiro. Nunca o fez.”;

54º - Adiante, o locutor diz: “Diga-se que só no espaço de uma hora, ou seja, desde o início deste Jornal da Noite, na redacção da SIC, à redacção da SIC já chegaram dezenas de telefonemas de pessoas que dizem também ter queixas graves contra esta associação”;

55º - Na anunciada entrevista com o Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. JMJ, que se seguiu, pelo locutor foi dito: “O que está a dizer a estas pessoas é que o dinheiro que já perderam, se o perderam ilicitamente, perderam-no para sempre?”. Sendo respondido pelo Bastonário: “Não sei, espero que o Ministério Público actue depressa, espero que o Ministério Público e os Tribunais surpreendentemente e não posso deixar de dizer que estou, fiquei estupefacto com a decisão que foi tomada no Algarve e outra que foi tomada no Norte que o Ministério Público e os tribunais actuem com toda a energia porque esses casos são indispensáveis para averiguar”;

56º - À pergunta pelo locutor: “Os Tribunais esperam entregar menores a esta associação?” foi por aquele Bastonário respondido: “Para mim é uma surpresa absoluta, foi uma das razões aliás que me levou a actuar com mais energia, porque não vejo nenhum fundamento legal para que isso seja minimamente possível e de facto havia esta confusão, porque eles diziam …”;

57º - Mais à frente, pelo locutor foi perguntado: “Do ponto de vista dos Tribunais, os Tribunais sabem que aquela Associação não tem figura para receber menores’’, ao que foi respondido: “É evidente, não há qualquer condição para isto …”;

58º - A abordagem noticiosa acerca da A. terminou às 21.17h;

59º - Nesse mesmo dia, em cada um dos serviços noticiosos do canal por cabo “SicNotícias”, explorado por “Lisboa-TV, S.A.”, que ocorrem a cada hora, foi transmitida parte das referidas peças jornalísticas;

60º - No subsequente dia 18 de Fevereiro, o assunto ocupou a totalidade da transmissão do período da manhã desse canal, num programa denominado “Opinião Pública’’, que durou aproximadamente três horas;

61º - O programa informativo das 13.00h do canal 3 explorado pela 1ª Ré, denominado ‘‘Primeiro Jornal’’ dedicou cerca de 10 minutos ao assunto;

62º - E, de novo, no “Jornal da Noite” foi repetida parte das reportagens antes transmitida também por cerca de 10 minutos;

63º - O aludido canal por cabo “Sic-Notícias” abordou o tema em todos os seus serviços noticiosos horários desse dia 18, sendo tal procedimento repetido em cada um dos seguintes dias 19, 20 e 21, sempre em cada um dos identificados serviços noticiosos de cada um dos canais e por períodos de tempo semelhantes;

Neles foi reproduzida parte das reportagens a que acima se alude, com repetição dos textos supra transcritos, salientando as chamadas referidas ou de teor semelhante, quer nos intervalos entre notícias, quer em nota de rodapé, em tudo com a utilização das expressões “burla”, “engano”, “suspeita” e “queixas graves”, entre outras, e com uma relação entre tais expressões e o relacionamento entre a A. e os seus associados;

64º - No dia 19.2.03, a A., através do seu presidente, convocou uma conferência de imprensa, para a qual convidou a 1ª Ré, com vista: a tentar esclarecer as “notícias” por esta veiculadas;

65º - Nesse mesmo dia 19, no “Jornal da Noite” do canal de televisão da 1ª Ré, depois de um anúncio do locutor, surge, sobre imagens da referida conferência de imprensa, a “voz off” da 3ª Ré, dizendo: “O presidente da Jure Honores gastou meia hora da conferência de imprensa a rebater, caso a caso, as entrevistas de queixosos que a SIC passou nos últimos dias. FF disse que essas pessoas é que deixaram de aparecer na associação e que o dinheiro que cobrou foi efectivamente para pagar serviços prestados, ainda que os recibos falem em doações”;

66º - Logo a seguir surgem as declarações do presidente da A.: “Essas provisões recebidas são destinadas a pagar os custos da defesa das pessoas, cobrir uma parte dos custos da estrutura da associação e também cobrir os custos da defesa de pessoas que não pagam nada. Temos muitas pessoas na associação que não pagam nada, que têm dificuldades. Aceitamos muitas dessas gratuitamente.”;

67º - Ainda a 3º Ré, em “voz off”, a propósito do presidente da A., refere: “FF tem 55 anos e nasceu em França. Já lá não estava quando o Tribunal de Versailles o julgou à revelia em 1996. Foi julgado insolvente e proibido de exercer toda a actividade comercial durante 20 anos”;

68º - No dia 21.2.03, no decurso do referido “Primeiro Jornal’’ desse dia, cuja transmissão se iniciou ás 13 horas, o respectivo locutor afirmou: “O Tribunal de Ovar retirou à Jure Honores a custódia do jovem CC. Na base da decisão estará o facto de o Tribunal querer proteger o menor da pressão que a comunicação social tem exercido sobre a associação na sequência de queixas de várias pessoas. A custódia provisória do CC foi entregue ao pai ontem ao fim da tarde.”;

69º - Seguiu-se a 3ª R. em “voz off”, sobre imagens dos escritórios da A.: “O encerramento destas instalações em Gaia onde funcionava a Jure Honores e a provável cessação de actividade da associação terão sido alguns dos motivos invocados no despacho da Juíza para retirar a guarda do jovem CC á Jure Honores. Mas o motivo principal lavrado também no Despacho terá sido proteger o menor da exposição mediática a que a associação está submetida depois da investigação que a SIC fez à actividade desta associação.”;

70º - Depois do referido dia 21.2.03 nenhuma outra notícia foi transmitida pela 1ª Ré com relação à A.;

71º - Em resultado da projecção que lhe deu a 1ª R., as imputações acima descritas foram repetidas na imprensa escrita e em várias edições dos jornais “Expresso”, “Diário de Notícias”, “Jornal de Notícias”, “Público”, “Correio da Manhã” e “24 Horas”;

72º - Nenhum dos outros dois canais de televisão, “RTP” e “TVI’’, fez qualquer referência a esse propósito nos seus serviços noticiosos;

73º - Tais peças jornalísticas e as suas mensagens foram dirigidas e ouvidas por vamos milhões de pessoas;

74º - Quando a A. pretendeu exercer o seu direito de resposta e solicitou à 1ª Ré cópia das gravações vídeo das transmissões realizadas, esta pediu-lhe de € 600,00, acrescidos de IVA, para pagamento dos custos de reprodução de tais bandas magnéticas;

75º - Quantia que a A. não conseguiu pagar;

76º - Durante toda a vigência do protocolo referido em 7º), celebrado em 8.9.00 e para produzir efeitos desde 16.6.00 até 28.2.03, o texto integral da A. esteve publicado, como ainda hoje acontece, no sítio da Internet da autora, em http://jurehonores.free.fr;

77º - Para além do espaço cedido pelo Município de Vila Nova de Gaia, a A. usava ainda como seu escritório o espaço contíguo, pelo qual pagava a renda mensal de € 225,00, acrescida de despesa mensal de condomínio, em valor não apurado;

78º - No desenvolvimento da sua actividade, em Junho de 2001, a A. veio a abrir uma delegação na área da Grande Lisboa, localizada no Clube do Lago, ........., ......, Monte Estoril, com vista a prestar apoio aos seus associados domiciliados na zona sul do país;

79º - O custo da instalação deste escritório e/ou alojamento no Monte Estoril ascendia a cerca de € 1.050,00, a partir de Maio de 2002,

80º - No ano de 2002 a A. pagou de honorários a Advogadas por si contratadas a quantia de € 23.914,33;

81º - O conjunto das suas despesas de funcionamento, compreendendo despesas de instalação não comparticipadas pelo Município de Vila Nova de Gaia, honorários devidos a colaboradores, incluindo honorários pagos a advogados, prestações de bens e serviços, comunicações, luz e água, deslocações, bem como honorários pagos ao Presidente da A. e custos de publicidade, ascendia a € 12.091,00 por mês;

82º - No final de 2002, a autora apresentava um resultado de exploração negativo no montante de € 19.478,66; no final do de 2002 e início de 2003 decorriam negociações com o Município de Cascais com vista à celebração de “protocolo” de natureza semelhante ao celebrado com o Município de Vila Nova de Gaia;

83º - Desde a sua constituição e até ao presente momento, no seu referido sítio na Internet, são divulgados todos os elementos de informação relativos à constituição da A., modo de funcionamento, condições de adesão dos associados, e objectivos, com o teor constante de fls. 152, 153 e 155 dos autos;

84º - Dessa informação consta que a A. “não é um Gabinete Jurídico ou de Advogados”, mas que antes “utiliza os serviços de Advogados desde que seja necessário efectuar intervenções jurídicas ou aconselhar juridicamente os seus associados em assuntos directamente ligados com o seu objecto social. Limita-se a defender exclusivamente os seus associados e em caso algum se ocupa de casos de não-associados”;

85º - Constam do mesmo sítio informações relativas a assuntos dos respectivos associados e a notícias publicadas na comunicação social;

86º - No exercício da sua actividade, a A. granjeou reputação de credibilidade e seriedade; no início de 2003 a A. tinha 47 associados inscritos que pagavam quotas;

87º - A A. foi procurada pelo avô paterno do menor a que respeitava o processo referido em 16°) a 19°) supra e, confrontada com o facto de o mesmo menor ter sido subtraído ao contacto do Tribunal, aceitou colocar à disposição os seus recursos humanos e logísticos na condição de o menor se apresentar voluntariamente em Juízo;

88º - A decisão indicada em 16°) a 19°) supra, correspondeu à posição que a A. sustentou no aludido processo em defesa dos interesses do menor;

89º - E representou a satisfação plena e completa da pretensão que o seu associado, pai da criança, havia formulado nos autos, por obstar à entrega desta à guarda e cuidado da mãe e à sua partida para o Canadá;

90º - Na sequência do referido em 27°), a 3ª Ré, em nome da 1ª Ré, afirmou possuir depoimentos de pessoas que teriam sido “burladas’’ em virtude de a A. ter aceitado representá-las em problemas jurídicos;

91º - A reportagem referida em 37°) foi efectuada sob a supervisão e orientação do 2° R.;

92º - Em consequência do referido em 73°) muitas pessoas repetiram aquelas notícias que receberam por verdadeiras;

93º - O nome e reputação da A. deixaram de valer aos olhos da opinião pública quando lhes foi dado conhecer os factos descritos em 47°, 52°, 53°, e em 120º, 121º, 123º, 124º, 125º, 127º, 132º, 133°, 134°, 140°, 141° e 143°;

94º - O difundido sobre os membros da direcção da A., como o seu presidente, afectou a própria imagem e o nome da A.;

95º - Bem como a sua dignidade e crédito;

96º - Elevado número dos seus associados passou a olhar para a A. com desconfiança e suspeição;

97º - O Município de Vila Nova de Gaia deixou de contribuir com o subsídio mensal de 750,00 euros a partir do final de Fevereiro de 2003 e exigiu à A. a entrega do espaço que lhe havia disponibilizado a partir dessa data;

98º - A A. cessou a sua actividade;

99º - Em resultado da cessação de actividade da A. vários assuntos que lhe foram confiados pelos associados e que estavam a ser tratados pelas advogadas contratadas pela A., deixaram de o ser, visto estas terem cessado a sua colaboração com a A.;

100º - E os RR. não informaram que a decisão anunciada em 67°) foi revogada por um TribunaI Superior;

101º - E com relação ao referido em 65º) os RR. não expuseram argumentos ou razões deduzidos pelo presidente da A., para além do referido naquela alínea;

102º - Sendo que a referida conferência de imprensa foi convocada com a referência expressa à epígrafe “Direito de Resposta à SIC”;

103º - A 3ª Ré dirigiu-se ao Presidente da A. em língua portuguesa;

104º - A 1ª R. abandonou a sala de conferência de imprensa concedida informando que os jornalistas procederam de igual modo, sendo que alguns permaneceram naquela;

105º - Em Janeiro de 2003, a 3ª Ré, QQ, no exercício da actividade jorna1ística, foi tomando conhecimento de diversas queixas apresentadas contra a A., o seu presidente, FF e a sua vice-presidente, GG, que determinaram que investigasse sobre a natureza e actuação da A. e a forma como esta preenchia o seu objecto de defesa dos direitos humanos, da cidadania e das pessoas vítimas de injustiças, a que se propunha;

106º - E apurou que várias pessoas se queixavam que a A. como associação humanitária sem fins lucrativos, empenhada na defesa dos direitos do homem, a quem recorriam por ser promovida e apoiada por uma entidade pública, como a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, como organismo de interesse público e que deveria exercer uma actividade filantrópica e desinteressada na prossecução daquele objectivo, em vez disso exigia logo importâncias aos queixosos que se lhe dirigiam, a troco de uma promessa de resolução dos casos que estes lhe punham, aos quais nenhum desenvolvimento era dado;

107º - Até porque muitos desses casos não tinham qualquer hipótese de solução por terem sido objecto até de decisões há muito transitadas em julgado, ou por se encontrarem “prescritos os direitos” que os que se lhe dirigiam visavam defender;

108º - Ou por nem sequer existirem os requisitos necessários para o recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que o seu Presidente invocava nas promessas feitas;

109º - O que não impedia a A., através do seu Presidente, de criar expectativas quanto à sua solução, antes de lhes exigir aquelas quantias;

110º - E também porque a A. não dispunha de capacidade ou preparação para tratar daqueles casos, dado que nem o seu presidente, FF, nem a sua vice presidente, GG, tinham qualquer qualidade ou preparação para o efeito;

111º - Deixando o primeiro crer que era técnico de direito, especializado para prestar consultadoria jurídica, quando atendia os casos jurídicos dos particulares que se lhe dirigiam;

112º - Sendo tomado como jurista;

113º - E emitindo opiniões sobre os atrasos dos processos nos Tribunais e as suas causas e pugnando pela “reforma total do Código do Processo, que obriga a articulações longas e complicadas que não servem para nada e que se tornaram obsoletas face ao número de casos que dão entrada em Tribunal”;

114º - Tudo apontando para que a A., ainda que com o recurso a advogados que contratava para o efeito, exercia “procuradoria não autorizada”;

115º - O que, além de justificar a reacção do próprio bastonário da Ordem dos Advogados, levou o Presidente do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados a declarar, a propósito da A., que uma associação sem fins lucrativos, por definição, não deve cobrar honorários ou qualquer outro tipo de valor, para além das cotizações de cujo pagamento dependa a condição de filiado ou associado;

116º - E que uma associação como a A. “não pode legalmente patrocinar cidadãos, ainda que por intermédio de advogados, porque não pode fazer agenciamento ilícito, não pode publicitar a prestação de serviços jurídicos, não pode, por interposto advogado, exercer uma função em si ilegal”;

117º - Tanto mais quanto é certo que de acordo com as queixas apresentadas era sempre FF que mantinha, quase em exclusivo e sem intervenção de qualquer advogado, os primeiros contactos com as pessoas que se dirigiam à A. e lhes dava ou propunha “as soluções” para os seus casos e pedia as importâncias que considerava necessárias para o efeito;

118º - E que a A. utilizava, para se promover e ganhar credibilidade, a sua intervenção em que tiveram por objecto menores: o do jovem alemão j......., que fora liberto, depois de se encontrar preso por plantação de cannabis, no Algarve, e o do menor kk, que lhe foi confiado pelo Tribunal de Ovar no âmbito de um processo relativo ao exercício do poder paternal sobre o mesmo;

119º - A 3ª Ré pôde, ainda, apurar que a Câmara Municipal de V. N. de Gaia, que apoiara a Autora financeiramente, face a queixas semelhantes de munícipes ou particulares, instaurara, seis meses antes, um inquérito à actuação da A., do qual resultou, em 6.2.03, a decisão de lhe retirar todo o apoio concedido, por se ter apercebido da falta de condições da A. para prosseguir os fins a que dizia propor-se e que aquela actuação era contrária à postura que deveria ter como associação de interesse público e sem fins lucrativos;

120º - Face às aludidas queixas, a 3ª Ré apurou que um tal MM recorrera ao apoio da A. para lhe tratar um caso de um filho que, na sua versão, morrera na sequência de acidente, com negligência médica na assistência prestada, sem que, contudo, o processo tivesse tido sequência;

121º - E queixou-se que lhe haviam logo sido exigidos € 1500,00 pelo Presidente da A. para tratar do caso, que desembolsou, verificando depois que nada havia sido feito;

122º - E que nada havia também para fazer, uma vez que não existiam factos novos e tinham decorrido 6 meses desde a última sentença e não havia hipótese de recorrer para o Tribunal Europeu;

123º - Também a 3ª Ré soube que uma tal NN sentiu-se também enganada, já que, tendo recorrido à A. para tratar de um caso, o seu Presidente prometera pegar nele, desde que lhe confiasse a resolução de outros dois já arquivados, por as respectiva sentenças terem transitado em julgado, exigindo-lhe, para o efeito, Esc. 500.000$00, só para investigação, para além dos Esc. 28.000$00 que pagara de quotas e jóia;

124º - Apurou, ainda, a 3ª Ré, que OO invocava problemas com advogados que não conseguiram dar andamento a um processo que pretendia que fosse desenvolvido, e, vendo que a A. era patrocinada pela Câmara Municipal de V. N. Gaia, dirigiu-se-lhe para lhe resolver o assunto e por lhe parecer, face àquele apoio, uma associação credível;

125º - Queixou-se que, depois de pagar 25.000$00 de quotas, lhe foram pedidos mais 100.000$00 para avançar com o processo e, como não podia entregá-los, combinou que emitiria quatro cheques de esc. 25.000$00 cada;

126º - E que teve nova reunião com FF, pensando que ele era advogado, que, cada vez que o recebeu, “dava sempre a volta ao que lhe dissera anteriormente”;

127º - Apercebeu-se depois que o mesmo não era advogado e nada foi resolvido;

128º - Mais apurou a 3ª Ré que a família dePP tentara reaver em tribunal uma propriedade que lhe fora doada, mas que estava na posse do Estado, perdendo em todas as instâncias, mesmo no STJ, há mais de quatro anos;

129º - Queixou-se a mesma que, tendo-se dirigido à A., esta prometeu tratar de um recurso para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cobrando-lhe para o efeito € 4.000,00;

130º - O Presidente da A. chegou a prometer que lhes iria devolver o dinheiro, o que nunca teria feito;

131º - Face à transmissão da primeira peça televisiva, no Jornal da Noite da 1ª Ré, esta começou a ser contactada, telefonicamente e por escrito, por dezenas de pessoas que diziam ter queixas contra a A.;

132º - Invocando BBB ter um irmão a cumprir urna pena de 10 anos, por tentativa de homicídio, e, convencida da sua inocência e iludida que o tiraria do estabelecimento prisional onde se encontrava, recorrera também à A., queixando-se depois, junto da 1ª Ré, que a A. prometera levar o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e que ia conseguir resolver o assunto;

133º - Que, para o efeito, lhe entregara € 140,00 de jóia e, dois dias depois, mais € 750,00, e que FF lhe exigiu ainda mais € 3.000,00;

134º - Mas que, tendo sido alertada por um seu filho advogado de que nada podia ser feito, mesmo assim, por desembolsar € 1500,00 sem que, depois, a A. nada tivesse feito no seu processo, no seu dizer “continuando a enganá-la”;

135º - A 3ª R. soube, também, que RR, que vivia num bairro prestes a ser demolido e possuía uma oficina em que exercia a sua actividade profissional, para além da casa prometida exigia que a Câmara lhe desse também um espaço de oficina ou pagasse uma indemnização pelo mesmo;

136º - Queixou-se o mesmo que recorrera à A. e que o seu Presidente lhe garantiu a indemnização, mas exigiu-lhe logo 140,00 euros a título de jóia e € 500,00 para iniciar o processo, sem que tenha obtido qualquer resultado;

137º - Também soube que SS tinha um problema de partilhas e queixou-se que entregou à Autora € 3.500,00 ou € 3.600,00, que ali lhe prometeram “mundos e fundos” e que iriam mandar aquilo para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sem que nada tivesse sido feito;

138º - Soube a 3ª R. que TT e UU tinham sido prejudicados no empreendimento Torralta, em Tróia, queixando-se que entregaram o caso à A., para o que pagaram uma jóia de € 140,00 e depois € 100,00 que aquela lhes exigiu sem que, depois disso, tivessem conseguido contactar mais alguém daquela associação, nem esta lhes tivesse respondido às cartas que lhe haviam enviado, para conhecer o estado do assunto;

139º - Soube, ainda, a 3ª Ré, que VV aguardava há anos o pagamento de unia indemnização por acidente de trabalho, queixando-se à 1ª Ré ter pago à A. a jóia de € 140,00 e de ali lhe pedirem, para tratar do assunto, mais 100 contos “para começar a andar”, quantia que nunca chegou a entregar-lhe, por entender tratar-se de muito dinheiro;

140º - XX, julgando-se vítima de manipulação do seu advogado pela parte contrária e de irregularidades que seriam praticadas pelos Tribunais, com o único objectivo de o explorar e destruir a si e ao seu património, apresentou queixa à 1ª R. e à Ordem dos Advogados em que indicou que, tendo-se dirigido à A. por a acreditar com perfil para lhe resolver o caso, o seu Presidente exigiu-lhe € 140,00 de jóia e, depois de lhe ter entregue um relatório sobre a situação, que este se comprometera a fazer justiça do seu caso, exigiu-lhe € 1.750,00;

141º - MM, que se considerava injustamente punido pela Armada, apresentou queixa junto de várias entidades, bem como à 1ª R., pela qual, tendo contactado FF, a quem enviara o respectivo processo, o mesmo declarara que este tinha enormes potencialidades para ser resolvido, solicitando-lhe de imediato a quantia de 100.000$00;

142º - Entregou 50.000$00;

143º - FF logo lhe comunicou que iria contactar várias entidades e que se fosse necessário apresentaria o caso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem;

144º - E na versão do aludido ZZ, a A. e o seu Presidente acabaram por nada fazer e nunca lhe devolveram o dinheiro entregue;

145º - AAA, julgando-se vítima dos funcionários do Tribunal de Mafra e de uma situação que considerou arbitrária e, mais tarde, por um diploma legal julgado “impossível de enquadramento em país democrático ou de direito”, achando poder recorrer a outras instâncias e, levado por um anúncio publicado pela A. e pela credibilidade que lhe merecia o facto de ser patrocinada pela Câmara Municipal de Gaia, a ela recorreu também, dando conta que ali teriam sido categóricos em garantir que iria obter a anulação da sentença, sem que, contudo, depois, a A. tivesse desenvolvido qualquer iniciativa;

146º - Todo o conjunto de queixas descritas, entre outras, levadas ao conhecimento da 3ª Ré, convenceram esta de que a actuação da A. era a referida em 106°;

147º - Tal matéria, por versar sobre a suposta violação dos deveres de uma associação sem fins lucrativos, que se dizia visar a defesa dos direitos humanos e de pessoas vítimas de injustiças, apoiada por uma importante entidade pública, como é a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, constituía assunto de interesse público que se integrava na função pública de informar, adstrita a um meio de comunicação social, como é a “SIC”;

148º - Pelo que a 3ª Ré propôs, dentro da 1ª Ré, a elaboração da primeira das reportagens a se refere o presente caso;

149º - A qual visava dar conta do conteúdo das queixas apresentadas, dar a conhecer a posição da A. face às acusações de que era objecto e, ainda, dar conta da posição da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia sobre o apoio prestado à A. naquelas circunstâncias;

150º - Tudo por forma a que os telespectadores melhor pudessem aquilatar a verdade dos factos;

151º - A 3ª Ré não aceitou as condições solicitadas pelo presidente da A. para conceder entrevista por tal implicar a revelação das fontes de informação que entendeu dever proteger antes da emissão da peça e por tais exigências representarem um esvaziamento quanto à forma da apresentação da reportagem;

152º - O que impedia que indicasse a identidade de quem proferira as acusações que incidiam sobre a A. e o caso concreto a que se referiam;

153º - Acontecendo que, tendo na sequência do pedido da 3ª R. para uma entrevista a Vice-presidente da A. solicitado uma entrevista ao Director de Informação da SIC, tal foi entendido pelas RR. como uma tentativa para intimidar e desmobilizar a 3ª R. quanto à elaboração da reportagem que a A. sabia que se preparava sobre o assunto;

154º - A 1ª Ré veio a dar conta da posição da A. nas peças produzidas e, em especial, a propósito da conferência de imprensa dada pelo seu Presidente, referindo que este disse que os queixosos é que deixaram de comparecer na A. e que o dinheiro que cobrou foi para pagar serviços prestados e a cobrir uma parte dos custos de estrutura da A. e os da defesa das pessoas que não pagam nada que a A. aceitava por terem dificuldades;

155º - A 3ª Ré realizou entrevista com o Presidente da Câmara Municipal de V. N. de Gaia, em que o mesmo depôs sobre os apoios prestados à A., seus fundamentos e revogação;

156º - A audiência média da “SlC”, em 2002, foi de 4,1%, e no primeiro trimestre de 2003 foi de 4,2%;

157º - Representa audiências médias de 363.800 a 393.900 pessoas;

158º - A audiência média do “Jornal da Noite” da 1ª Ré foi de 10,3% em 2002, e de 11,8% no 1º trimestre de 2003;

159º - O que significa que foi visto por cerca de 920.200 pessoas em 2002 e por cerca de 1.999.800 pessoas no 1º trimestre de 2003;

160º - Sendo que algumas das peças relativas ao assunto foram emitidas pela 1ª Ré no seu “Jornal’’, que em 2002 tinha uma audiência média de 6,3% e, no primeiro trimestre de 2003, de 6,1%;

161º - O que se traduz em ter sido visto por cerca de 568.500 pessoas em 2002 e por cerca de 569.300 pessoas no 1° trimestre de 2003;

162º - O 2° R. traça e orienta apenas as grandes linhas da informação da 1ª Ré, não dirigindo em concreto o trabalho dos jornalistas nem da redacção de informação;

163º - Nem estes desenvolvem o seu trabalho debaixo das suas ordens e instruções específicas;

164º - O 2° R. pode não ter conhecimento, em concreto, dos conteúdos integrados diariamente no “Jornal da SIC’’;

165º - Como desconheceu, em concreto e antes, as peças relativas ao assunto dos autos;

166º - Quem designa, selecciona as notícias e ordena as que devem ser tratadas e os respectivos textos e conhece os conteúdos exibidos em cada programa são, para além dos respectivos repórteres, os vários editores e coordenadores de programas que têm a responsabilidade editorial do jornal e não o 2° R.;

167º - A referida GG recebeu a 3ª Ré em entrevista, numa sala da sua residência que era também a sede da Autora, e autorizou-a a recolher imagens e som da entrevista, depois de solicitada pela última para o efeito;

168º - Foi FF que insistiu para que a 3ª Ré filmasse o menor a que respeitava o acima indicado processo no Tribunal de Ovar referido em 16°;

169º - O que a 3ª Ré não fez, por entender que a filmagem atentava contra a privacidade do menor e porque se apercebeu que o mesmo FF pretendia utilizá-lo para promover a A.;

170º - O que já antes fora tentado pela referida GG, quando convidara a 3ª Ré para a acompanhar e para ir buscar uma menor, com um filho ainda bebé, a Santa Maria da Feira;

171º - A 3ª Ré constatou que o Presidente da A. nenhuma entrevista pretendia dar, mas apenas protelar a emissão da peça que sabia estar a ser preparada;

172º - Ao remeter a 3ª R. para uma entrevista dada à publicação “Vida Judiciária”, referida em 30º, o Presidente da A. sabia que se esquivava a prestar os esclarecimentos pedidos, uma vez que aquela entrevista não responde às questões postas pela 3ª R.;

173º - As RR. fizeram várias diligencias para que a A. apresentasse a sua posição quanto às acusações que lhe eram feitas, tendo tentado marcar por diversas vezes uma entrevista com o Presidente;

174º - Ponderados pela 3ª R. o interesse público na transmissão da reportagem referida e a revogação da autorização da A. para o efeito, aquela decidiu pela prevalência do interesse público;

175º - Entendendo que, entre outros, estava em causa o interesse da guarda de um menor e os problemas de pessoas susceptíveis de serem enganadas ou manipuladas;

176º - Bem como a denúncia de uma situação que vinha a receber apoios de uma entidade pública, como a C. M. de Vila Nova de Gaia, que se mostravam injustificados face às queixas recebidas;

177º - A Segurança Social declarou, em 25.02.02, que a A. não se encontra registada na Direcção Geral de Solidariedade e Segurança Social como instituição particular de solidariedade social e não tem qualquer acordo de cooperação com a Segurança Social;

178º - A 3ª R. não aceitou realizar o encontro referido em 33°), já que o presidente e a vice-presidente da A. haviam-na impedido de captar imagens, o que não se compadecia com uma reportagem televisiva;

179º - A 3ª R., face às sucessivas recusas em aceder à entrevista para apresentar a sua versão, já comunicara antes à A. que não teria com a mesma qualquer outro contacto;

180º - O acima indicado PP não teve qualquer contacto com a 3ª Ré, não tendo manifestado a esta a confiança na A. e a recusa referidas em 34°);

181º - Os associados da A. procuravam um serviço gratuito e vinham a dar conta que só eram atendidos depois de entregarem verbas à A., através do seu Presidente;

182º - O Presidente da Câmara Municipal de Gaia afirmou à 3ª Ré que há vários meses vinha a receber queixas em relação à actuação da A. e que rescindira o protocolo que mantinha com esta em 6.02.03;

183º - Na entrevista ao bastonário da O.A. referida em 55°), este sugeriu que a actividade da A. continha aspectos que classificou de “aparentemente criminosos” e que prejudicavam pessoas pobres;

184º - A A. promoveu-se com os casos dos menores Joringel e kk, que a trouxeram para as primeiras páginas dos jornais e da televisão;

185º - A 1ª Ré, na falta de entrevista que o Presidente da A. não quis dar, expôs a versão desta, em termos genéricos, quanto às queixas relativas à sua actuação;

186º - O facto de nenhum dos outros canais de televisão ter feito qualquer referência à notícia explica-se pela circunstância de se tratar de uma notícia investigada pela própria “SIC”, que a transmitiu como um exclusivo seu, nada tendo que ver com a menor credibilidade e confiança que as peças televisivas em análise lhes mereceram;

187º - Pelo que se fosse retomada pelas estações concorrentes reverteria em promoção da 1ª Ré;

188º - Foram os particulares associados da A. que puseram em causa o crédito da A. queixando-se da respectiva actuação;

189º - A 3ª Ré, que elaborou a maior parte das peças em que se fundamenta o pedido, não se sente nem nunca se sentiu reprimida, censurada por quem quer que fosse, dentro da 1ª Ré, nem viu os seus textos virados do avesso ou os reescreveu “em busca de qualquer ponta de escândalo”;

190º - Antes os conteve dentro das finalidades a que se propunha;

191º - A 3ª Ré apenas foi pressionada ou alvo de tentativas para a desmobilizar da publicação ou emissão de qualquer peça em que interviesse por parte dos representantes da A.;

192º - Os RR limitaram-se a reproduzir o que lhes foi transmitido pelos queixosos, quando indicaram que o Presidente da A. prometeu a resolução de diversos casos jurídicos, incluindo alguns que nenhuma solução já poderiam ter;

193º - A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, além de patrocinar as despesas de água, luz e condomínio da A., atribuía-lhe ainda cerca de 150.000$00 mensais;

194º - A 1ª R. limitou-se a reproduzir o que lhe foi transmitido porPP, sem qualquer alteração;

195º - A 1ª Ré só emitiu a notícia referida em 42°) na posse da respectiva sentença e depois de desenvolvidos esforços, em França, para que a mesma lhe fosse comprovada;

196º - Facto que não veio a ser contrariado pelo presidente da A., que não concedeu a entrevista solicitada;

197º - A maioria dos jornalistas presentes retirou-se da conferência de imprensa dada pelo Presidente da A., em sinal de protesto pela exibição que este fez do menor KK para promover os seus interesses;

198º - A 1ª Ré agiu como descrito em 74°) imputando à A. os custos reais com a selecção e reprodução para cassete VHS das peças televisivas, encomendadas de propósito para ela, em particular a afectação de meios humanos e equipamento especial para o efeito;

199º - O que é feito por todos os canais de televisão, em idêntica situação, e tem em conta todos os custos associados;

200º - Foi disponibilizado à A. o visionamento gratuito, por uma ou mais vezes, das peças pretendidas, nos estúdios da 1ª Ré, o que aquela nunca se dispôs a fazer;

201º - Os RR nunca fizeram juízos de valor sobre a A. ou o seu Presidente, limitando-se a reproduzir as queixas apresentadas e a noticiar factos verdadeiros e de interesse público;

202º - Quando qualquer interessado procurava a A. era-lhe solicitada a sua inscrição como associado, para o que teria de pagar a respectiva jóia prevista nos “Estatutos” aprovados, como o montante relativo às quotas do primeiro ano.


É do acórdão que assim decidiu que vem interposta a presente revista, pela autora, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:

1ª - O douto acórdão é nulo, nos termos das alíneas b) e d) do n.° 1 do artigo 668° e n.° 1 do artigo 716° do Código de Processo Civil, porque não conheceu da questão da nulidade arguida contra a douta sentença de primeira instância, por, conforme se invocou, não ter apreciado os pressupostos da responsabilidade civil, neles subsumindo os factos provados, sem minimamente explicar quais as razões que conduziram às suas conclusões ou evidenciar os factos provados que alicerçaram as suas proposições e, ainda com maior e significativa relevância, sem sequer apreciar previamente a questão da ilicitude da conduta dos recorridos, antes de encontrar fundamento para a sua exclusão.

2ª - O douto acórdão é igualmente nulo, nos termos das alíneas b) e d) do n.° 1 do artigo 668° e n.° 1 do artigo 716° do Código de Processo Civil, porque não possui qualquer fundamentação digna desse nome, quer relativamente à impugnação da matéria de facto, quer quanto à eliminação de factos que correspondem a meras questões de direito, quer, ainda, relativamente à própria questão de fundo da apelação.

3ª - Das suas 15 páginas, as 4 primeiras dedicam-se ao seu relatório, as seguintes 10 à reprodução da matéria de facto dada por provada nas instâncias, surgindo de seguida a apreciação da impugnação da matéria de facto, que é resolvida em 15 linhas (aí se misturando indevidamente a questão de direito aqui enunciada em primeiro lugar) e deixando para a decisão do fundo da apelação uma página, quase na sua totalidade dedicada a considerações genéricas ou transcrições, de tal modo que a sua fundamentação propriamente dita se resume a 14 linhas de texto.

4ª - Apesar da linha jurisprudencial que vai no sentido de que apenas a absoluta ausência de fundamentação assaca o vício da falta de fundamentação, o grau da deficiência da sua fundamentação é de tal ordem que não pode deixar de equivaler a completa falta de fundamentação com a sua consequente nulidade.

5ª - O douto acórdão ofendeu o estabelecido pelo artigo 646°, n.º 4, do Código de Processo Civil, pois parte substancial da respectiva fundamentação de facto não se reconduz a factos consubstanciando antes verdadeiras questões de direito ou meros registos conclusivos, fundados em extrapolações lógico dedutivas extraídas de factos como é, entre outros, o caso dos pontos 105, 106, 107, 100, 110, 114, 119, 122, 123, 124, 140, 146, 147, 150, 157, 152, 153, 169, 170, 171, 172, 174, 175,

176, 181, 184, 186, 187, 188, 190, 191, 192, 194, 197 e 201.

6ª - O douto acórdão ofendeu os artigos 70°, 483°, 484° e 496° do Código Civil ao não apreciar e julgar verificados os pressupostos da responsabilidade civil por ofensa ao crédito e bom nome da ora recorrente, que se encontravam plenamente reunidos.

7ª - Na verdade, o facto voluntário está profusa e abundantemente evidenciado nos factos provados 35 a 71, que mostram que, durante cinco dias seguidos, com especial e brutal destaque no primeiro, a primeira recorrida teledifundiu “notícias”, com permanente insistência, que imputam directamente à recorrente a “suspeita” da prática de “burla” e “engano”, sustentada em “queixas graves”, com o objectivo de criar no público destinatário, como efectivamente criou, a convicção de que tais imputações correspondiam à realidade, para um universo de vários milhões de pessoas, apontando que certo associado “caiu nas mãos da recorrente e que outro andou “a ser empatado e iludido”, afirmando que os

associados dizem ter sido burlados por quem os devia ajudar e que havia portugueses desesperados, que os associados procuravam a recorrente na “expectativa de que o serviço era gratuito” e que a Câmara de Vila Nova de Gaia “lhe pagava desde há quase três anos todas as despesas de funcionamento”, mas apesar disso, a recorrente lhes extorquia “as poupanças de uma vida;

8ª - Tal conduta tem necessariamente de se ter por ilícita pois os referidos factos, divulgados por um universo tão alargado de destinatários, constituem objectivamente um sério atentado contra a dignidade moral da recorrente ofendendo séria e gravemente o seu bom nome, desprestigiando-a e denegrindo-a de modo relevante, agredindo violentamente os seus direitos de personalidade e afectando-os nocivamente, por diminuírem a confiança nela depositada pela sociedade, abalarem o prestígio de que gozava e obliterarem o conceito positivo em que era tida.

9ª - E não pode deixar de se considerar que a conduta dos recorridos é censurável na perspectiva ético-jurídica, pois formularam juízos de valor e retiraram conclusões, produzindo afirmações sem elementos minimamente seguros, sem qualquer moderação na insistência das notícias, sem concederem à visada qualquer defesa, não se comportando de acordo com o padrão de diligência médio de um jornalista cumpridor das regras da sua arte, medianamente cuidadoso, em observância dos ditames legais e deontológicos que regem a sua actividade.

10º - O grau de gravidade dessa culpa é reforçado especialmente quando se vê que este turbilhão de ofensas aos direitos de personalidade da recorrente assume proporções inigualáveis no contexto da sociedade dos nossos dias, onde as televisões, como meio de comunicação social e de divulgação de notícias, assumiram um papel de tão grande destaque e importância na formação da opinião pública, que condicionam marcadamente, quer perante o vastíssimo universo de fiéis destinatários a que chegam, quer sobretudo pela crescente credibilidade que lhes é atribuída pelo cidadão comum, cada vez menos crítico e ponderado e, pelo contrário, mais sedento do imediatismo, do escândalo e da parangona espectacular, formando assim no público em geral a convicção insidiosa da veracidade de tudo o que afirmam e divulgam.

11ª - Verifica-se também a existência de dano e do seu nexo causal com o facto, pois a recorrente cessou a sua actividade - facto provado 98 -, deixou de conseguir tratar dos assuntos dos associados - facto provado 99 -, acabou o protocolo com a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia - facto provado 97 -, foram milhões a ver as noticias - facto provado 73 -, muitos a repetiram como verdadeiras - factos provados 92 e 71 -, e elas destroçaram a recorrente, na sua consideração e bom nome, aos olhos da opinião pública - factos provados 93 e 95 -, até pelas notícias divulgadas a propósito do seu presidente - facto provado 94 -, de tal modo que a generalidade dos seus associados passou a dela desconfiar - facto provado 96.

12ª - O douto acórdão ofendeu também os artigos 334°, 335°, 483º, 484° e 496° do Código Civil e n.° 14, alíneas a), b), c) e h) da Lei 1/99, de 13 de Janeiro, e o disposto nos n°s. 1 e 5 do Código dos Jornalistas, ao encontrar justificação para a conduta dos recorridos e sobrepondo o direito à liberdade de expressão e à informação aos direitos de personalidade.

13ª - Acontece que os recorridos não usaram esses direitos em respeito e em conformidade com as regras que o consagram e que definem o modo do seu exercício tal como se encontra plasmado nos diplomas legais que o regulamentam.

14ª - Desde logo porque os recorridos não se limitaram a relatar meros factos e antes produziram conclusões e divulgaram os juízos de valor que livremente entenderam retirar e efectuar sobre aqueles ao longo das referidas transmissões televisivas, afirmaram que os associados diziam ter sido burlados por quem os devia ter ajudado - facto provado 44 -, que os associados faziam queixas graves - facto provado 35 -, que estavam desesperados - facto provado 44 -, que caíram nas mãos da recorrente - facto provado 47 -, que entregaram poupanças de uma vida - facto provado 35 -, que foram empatados e iludidos - facto provado 38 -, que a associação só podia cobrar jóia e inscrição - facto provado 50 -, que a Câmara de Gaia lhe pagava todas as despesas de funcionamento - facto provado 35 -, em suma, que o seu trabalho estava sob suspeita - facto provado 36.

15ª – Assim, em violação dos seus deveres profissionais, os recorridos efectuaram apreciações valorativas sobre a conduta da recorrente, adjectivando-a negativamente, sem efectuar qualquer distinção entre os factos que a sentença declarou terem-lhe sido relatados e aquilo que constitui a opinião subjectiva dos jornalistas sobre tais factos, traduzida e objectivada na adjectivação utilizada.

16ª – Depois, porque os recorridos não dispunham de elementos minimamente seguros e credíveis que lhes permitissem, com razoável grau de certeza, produzir as afirmações que produziram, pois de nenhum dos factos provados (dos reais factos provados) se extrai que nos depoimentos prestados à terceira recorrida pelos associados da recorrente algum deles lhe tenha afirmado ter sido burlado por quem os devia ter ajudado - facto provado 44 -, que estavam desesperados - facto provado 44 -, que caíram nas mãos da recorrente - facto provado 47 -, que entregaram poupanças de uma vida - facto provado 35 -, que foram empatados e iludidos - facto provado 38 -, que a associação só podia cobrar jóia e inscrição - facto provado 50 -, ou que a Câmara de Gaia lhe pagava todas as despesas de funcionamento - facto provado 35.

17ª - Ainda porque a divulgação das referidas notícias não respeitou os princípios de proporcionalidade e adequação que se encontram implícitos nas regras comportamentais do estatuto dos jornalistas e do seu código deontológico.

18ª - Na verdade, a repetição exaustiva e generalizada daquelas notícias foi completamente desajustada à importância e relevo da recorrente, uma simples associação, quase de carácter local, apenas apoiada por uma autarquia, que os recorridos transformaram em escândalo nacional, como se estivesse em causa a integridade do Estado ou a segurança do país, repetindo as notícias até à exaustão, durante cinco dias seguidos, nos seus sucessivos noticiários, com destaque e permanente relevo, que, habitualmente, nem sequer é dado aos grandes assuntos de âmbito nacional ou mesmo internacional.

19ª – Porém, aqui, no dia 17.02.2003, no “Jornal da Noite”, foram mais de 30 minutos dedicados em exclusivo à recorrente, com permanentes chamadas do locutor e notas de rodapé - factos provados 35 a 58 -, foi uma manhã inteira no programa “opinião pública” no dia seguinte - facto provado 60 -, foram grandes períodos de emissão dedicados nos subsequentes quatro dias de noticiários, quer ao almoço, quer ao jantar - factos provados 61 a 70.

20ª - Pelo que os recorridos usaram de meio especial e injustificadamente danoso, exagerando propositadamente no propósito de provocar sensacionalismo, com o claro fito de captar a atenção dos espectadores, de modo a aumentar as suas audiências, em manifesto abuso da sua liberdade de expressão e do seu direito à informação.

21ª – Finalmente, porque não confrontaram directamente os visados com as acusações concretas que lhes eram feitas, permitindo-lhes o direito à defesa, em violação do dever estabelecido pelo artigo 14°, n°1, alínea e), do seu estatuto, usando, ao contrário, de má fé.

22ª - Logo na preparação das notícias - factos provados 20, 22, 23, 105, 26, 27 - a terceira recorrida enganou e mentiu ao presidente da recorrente, com o propósito de obstar a que ele reagisse com serenidade, rigor e objectividade às questões que lhe pretendia colocar, não lhe facultando a possibilidade de se pronunciar sobre as acusações concretas que lhe eram dirigidas - factos provados 29, 30, 28 e 31.

23ª - Também nas notícias divulgadas nos subsequentes quatro dias a terceira recorrida não confrontou a recorrente com as acusações que teledifundiu, insistindo em não lhe facultar qualquer possibilidade de ripostar contra as afirmações que foram feitas a seu propósito, justificar que a recorrente tenha inclusivamente convocado uma conferência de imprensa com esse fim - facto provado 102.

24ª - E nem lhe concederam qualquer hipótese de contraditório - factos provados 103º, 22º, 104º, 30°, 65°, 66° e 102° - obliterando as explicações dadas caso a caso e apressando-se a desvalorizar esses argumentos e o seu autor, pulverizando-os literalmente, quando lançaram imediatamente a seguir a notícia (falsa) de que a pessoa que tinha acabado de apresentar aquelas razões tinha sido julgada insolvente e proibida de exercer toda a actividade comercial durante 20 anos - facto provado 67.

25ª - Aqui é atingido o expoente máximo da violação dos deveres de rigor e isenção dos recorridos, por, de facto e na verdade, aquela decisão ter sido proferida à revelia e ter sido revogada por um tribunal superior - facto provado 100º - sem que previamente tenham sequer tentado junto do próprio obter a confirmação de tal informação.

26ª - Assim, o exercício desses direitos protegidos não respeitou as regras que os regem, e foi, portanto, em si mesmo e autonomamente, ilícito, porque exercido em verdadeiro abuso de direito - artigo 334° do Código Civil -, pelo que nem tem de se colocar a questão de pensar em o fazer sobrepor o direito ao bom nome, ao crédito e à consideração social.

27ª – Mas, mesmo que assim não fosse, tais direitos à liberdade de expressão e informação não se sobrepõem aos direitos de personalidade da recorrente.

28ª - No manifesto conflito existente entre eles, acredita-se convictamente que os direitos de personalidade consagrados no artigo 70° do Código Civil são de valor superior ao direito à liberdade de

expressão e de informação, conforme jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.2007, sj 2007003080005667, in www.dgsi.pt, à qual integralmente se adere.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido.

Em contra alegações, os réus pugnaram pela confirmação daquele acórdão.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

Como resulta das conclusões das alegações da recorrente, a primeira questão por ela suscitada (conclusões 1ª a 4ª) consiste na nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia (art.º 668º, n.º 1, als. b) e d), do Cód. Proc. Civil). Esta por, segundo sustenta, aquele acórdão não ter apreciado a questão da nulidade arguida contra a sentença da 1ª instância por esta não ter apreciado os pressupostos da responsabilidade civil, neles subsumindo os factos provados sem minimamente explicar quais as razões que conduziram às suas conclusões; aquela, por o mesmo acórdão, em seu entender, não conter qualquer fundamentação digna desse nome, quer relativamente à impugnação da matéria de facto, quer quanto à eliminação de factos que correspondem a meras questões de direito, quer à própria questão de fundo da apelação.

Como se vê das conclusões das suas alegações da apelação, a autora suscitou então, em correspondência com a parte inicial do teor das mesmas alegações, a questão da nulidade da sentença da 1ª instância, nos termos das ditas als. b) e d), invocando que tal sentença não conhecera, como devia, da questão da licitude da conduta dos apelados para depois verificar se, demonstrada a ilicitude, esta se encontrava excluída, nomeadamente por conflito entre os direitos em causa.

Constata-se pela sua leitura que o acórdão recorrido, após o respectivo relatório, com inclusão das conclusões das alegações da apelante e da enumeração dos factos dados por provados na sentença ali recorrida como a lei impõe (art.ºs 659º, nºs. 1 e 2, 660º, n.º 2, 684º, n.º 3, 690º, n.º 4, e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil), passou de imediato à apreciação da impugnação da matéria de facto feita pela autora, sem decidir, nem antes nem depois, ao menos de forma expressa, aquela deduzida questão da nulidade da sentença apelada.

Simplesmente, a conhecer desta questão, o acórdão recorrido teria forçosamente de concluir enfermar a sentença, ou não, dessa nulidade. Na hipótese negativa, em que entenderia que a sentença teria conhecido fundadamente da questão que a recorrente dizia ter sido omitida, não poderia, como é óbvio, ser reconhecida a esse respeito razão à apelante, havendo somente que passar à apreciação dessa decisão e das demais questões desde logo suscitadas; na hipótese contrária, a consequência seria apenas a prevista no n.º 1 do art.º 715º do Cód. Proc. Civil, isto é, teria o acórdão recorrido de conhecer igualmente do objecto da apelação, portanto da própria questão que então entenderia não ter sido conhecida, ou não o ter sido fundadamente, pela sentença, e das demais questões suscitadas.

É certo que o estatuído no n.º 3 desse artigo, destinado a obstar a decisões surpresa, impõe a audição das partes sobre as questões não conhecidas na decisão recorrida; mas isto apenas se a Relação entendesse que a apelação procedia, o que não foi o caso. De todo o modo, a falta da audição que não teve lugar, se tal audição fosse obrigatória determinaria a verificação de uma nulidade secundária, que teria de ser arguida oportunamente e não o foi, pelo que sempre teria de se considerar sanada (art.ºs 201º, n.º 1, e 205º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil) .

Assim, se o acórdão recorrido tivesse, apreciando essa questão, declarado nula a sentença da 1ª instância, a consequência seria a de ter de conhecer, ele próprio e sem mais, do objecto da apelação, da mesma forma que teria de o fazer se decidisse pela inexistência de nulidade, ao contrário do que se passaria na hipótese de revista face ao disposto no art.º 731º, n.º 2, do mesmo Código.

Ora, o acórdão recorrido, embora sem se pronunciar sobre a nulidade da sentença, fez o mesmo que teria de fazer se a tivesse apreciado, fosse qual fosse a respectiva decisão: conheceu do objecto da apelação, nomeadamente, de forma expressa, da existência ou não de ilicitude da conduta dos recorridos.

Tal prejudica manifestamente o conhecimento da questão da nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia agora suscitada com base no disposto no art.º 668º, n.º 1, al. d), primeira parte, do Cód. Proc. Civil, uma vez que, mesmo decidindo agora, eventualmente, pela nulidade do acórdão recorrido com essa base, daí resultaria apenas a baixa do processo para a Relação para decidir o que já decidiu, pelo que, face ao disposto no já citado n.º 2, primeira parte, do art.º 660º, não há agora lugar ao seu conhecimento, o que impede que nessa parte seja reconhecida razão à recorrente.

No que à falta de fundamentação se refere, igualmente não pode ser reconhecida razão à recorrente. Isto porque essa fundamentação, se bem que resumida, existe. E, para a falta de fundamentação integrar nulidade nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 668º, tem de ser absoluta, - não sendo bastante para tal que seja apenas curta, sintética ou até consistente em justificação deficiente ou mesmo medíocre ou errada -, o que não se verifica na hipótese dos autos.

A questão seguinte (conclusão 5ª) consiste em violação do disposto no art.º 646º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, por a fundamentação de facto não integrar, na parte constante dos números nessa conclusão referidos, factos, mas questões de direito ou conclusões.

Nos termos daquele dispositivo, têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.

Ora, a inscrição dos factos dados como assentes sob os nºs. 105º, 106º, 107º, 108º, 110º, 114º, 119º, 122º, 123º, 124º, 140º, 146º, 147º, 150º, 151º, 152º, 153º, 169º, 170º, 171º, 172º, 174º, 175º, 176º, 181º, 184º, 186º, 187º, 188º, 190º, 191º, 192º, 194º, 197º e 201º resulta respectivamente das respostas de “provado” dadas aos pontos da base instrutória 68, 69, 70, 71, 73, 77, 82, 85, 86, 87, 104 (este apenas com uma ligeira alteração na medida em que só não foi dado por provado que o pagamento tivesse de ser imediato e que o António Fialho tivesse de contrair empréstimo bancário), 110, 111, 114, 115, 116, 117 (este apenas com uma alteração, no sentido de não ter sido dado por provado que “tal traduzia uma tentativa para intimidar …”, mas apenas que “tal foi interpretado pelos réus como uma tentativa para intimidar …”), 133, 134, 136, 137, 140, 141, 142, 147, 152, 154, 155, 156, 158, 160, 161, 163, 167 e 171.

Analisando aqueles números dos factos dados por assentes, verifica-se que, em geral, integram verdadeiros factos, considerados como coisas e fenómenos naturais, incluindo actos e factos humanos.

Tal acontece com o facto sob o n.º 105º, que se limita a referir o conhecimento, tomado pela 3ª ré, de queixas que determinaram as averiguações por esta efectuadas; com os factos sob os nºs. 106º, 107º e 108º, que apenas traduzem o teor daquelas queixas; com o facto sob o n.º 110º, que se refere à falta de capacidade da autora devida à falta de preparação dos seus presidente e vice presidente, falta esta que integra matéria de facto por se traduzir na afirmação de inexistência de formação adequada; com o facto sob o n.º 119º, que refere as queixas apresentadas à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia e a consequente actuação desta; com o facto sob o n.º 122º, que apenas refere, em complemento dos factos 120º e 121º, o teor de uma queixa aí indicada, apresentada por MM; com os factos sob os nºs. 123º e 124º, que referem queixas de NN e de OO; com o facto sob o n.º 140º, que refere o teor de uma queixa de XX; com o facto sob o n.º 146º, visto que a convicção formada pela 3ª ré e a respectiva motivação não deixam de integrar matéria de facto; com o facto sob o n.º 150º, que indica o objectivo da reportagem; com os factos sob os nºs. 151º, 152º e 153º, pois referem apenas a não aceitação, pela 3ª ré, de condições para a entrevista postas pelo presidente da autora, e os motivos pela 3ª ré invocados para essa não aceitação; com os factos sob os nºs. 169º, 170º e 171º, que se limitam a indicar conclusões tiradas pela 3ª ré; com o facto sob o n.º 172º, que indica o facto consistente no conhecimento do presidente da autora; com os factos sob os nºs. 174º, 175º e 176º, que referem os motivos que a 3ª ré entendeu como determinantes da sua decisão de levar a cabo a reportagem e a sua transmissão; factos são também, claramente, os constantes dos nºs. 181º e 184º, bem como sob os nºs. 186º e 187º, limitando-se estes últimos a indicar a explicação para o facto de os outros canais televisivos não se terem debruçado sobre a questão; o mesmo se dirá quanto ao facto sob n.º 188º, que indica um facto, consistente no nexo natural de causalidade entre as queixas dos associados da autora e a perda de crédito desta; também é matéria de facto a constante do n.º 191º, ao referir as pressões a que a 3ª ré foi sujeita, da mesma forma que o é a matéria constante dos nºs. 192º e 194º, que se limitam a referir que os réus reproduziram o que lhes foi transmitido pelos queixosos; o n.º 197º também revela factos, que são a retirada da maioria dos jornalistas e o motivo dessa retirada, e o n.º 201º integra matéria de facto na parte em que diz que os réus reproduziram as queixas apresentadas.

Nessa parte, pois, não se pode reconhecer razão à autora, embora já lhe deva ser reconhecida no que se refere aos nºs. 114º, 147º, 190º e 201º (este na parte que excede a atrás indicada matéria de facto), que nessa medida, por integrarem matéria conclusiva, têm de ser dados por não escritos, integralmente aqueles três primeiros e ficando o último reduzido à afirmação de que “os réus reproduziram as queixas apresentadas”, embora sem prejuízo das conclusões que dos factos provados se possa extrair e que até poderão ser idênticas às constantes daqueles números excluídos.

As conclusões restantes visam a questão de determinar se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos consistentes em ofensa ao crédito e bom nome da ora recorrente, sendo que as instâncias decidiram pela improcedência da acção essencialmente por terem entendido inexistir ilicitude.

A este respeito há desde logo que ponderar que a presente acção surge estruturada com base na responsabilidade civil dos RR. por acto ilícito consistente na violação da personalidade moral da A. com lesão de bens de tal personalidade, como são a sua honra e bom nome.

A lei ordinária, na salvaguarda do princípio constitucional do direito de todos os cidadãos ao bom nome e reputação e à imagem, consagrado no art.° 26° da Constituição, protege-os contra toda a ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, nos termos amplos definidos no art.° 70° do Cód. Civil. Essa protecção pela via meramente civil é exercida, normalmente, através da pertinente acção de indemnização no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, extra obrigacional ou aquiliana, e de harmonia com os pressupostos previstos nos art.°s 483°, n.° 1, e ss., do mesmo Código, dispondo na sua sequência o art.° 484° que responde pelos danos causados quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, dispositivos esses aplicáveis na hipótese dos autos face ao disposto no art.º 64º, n.º 1, da Lei da Televisão (Lei n.º 32/2003, de 22/08).

Isto implica que a obrigação de indemnização resultante daquela modalidade de responsabilidade pressupõe a prática de um facto ilícito e culposo que tenha causado prejuízo a outrem, no domínio dos bens inerentes à sua personalidade. Segundo o art.° 483°, n.°1, referido, e de harmonia com a doutrina e a sistematização por esta definida (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 5ª ed., pág. 285, e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª ed., pág. 557), generalizadamente aplicada na jurisprudência, são pressupostos da responsabilidade civil o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Destes pressupostos, interessa começar por analisar a ilicitude e a culpa, uma vez que não está em causa o facto voluntário das rés consistente na transmissão televisiva, perante larga audiência, das reportagens referidas, e a sua susceptibilidade, ao menos na aparência das coisas, de atingir o bom nome e a reputação da autora, por ser passível de violar um direito absoluto desta integrado na sua personalidade moral.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.° 128/92, o direito ao bom nome e à boa fama é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a outrem a prática de acções ilícitas ou ilegais. No entanto, e como é sabido, a ilicitude pode ser redimida quando ocorram determinadas causas de justificação ou de exclusão.

Assim, como assinala Rabindranat Capelo de Sousa (Direito Geral de Personalidade, 435) as acções ou omissões violadoras dos deveres jurídicos no campo específico dos direitos de personalidade podem envolver situações em que o facto lesante é praticado no exercício regular de um direito ou no cumprimento de um dever, podendo mesmo envolver no primeiro caso uma colisão de direitos nos termos previstos no art.° 335° do Cód. Civil que importa resolver caso a caso.

Ora, a Constituição da República Portuguesa consagra, igualmente, o direito à liberdade de expressão e de informar e ser informado, estabelecendo o seu art.° 37°, no n°1, que todos têm direito a exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, também como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento ou descriminações. E o n° 4 acrescenta que a todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de reposta ou de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos.

Estabelece depois o art.° 38° a garantia da liberdade de imprensa e dos meios de comunicação social, de que faz parte a protecção da independência e do sigilo profissionais.

Como assinalam Jorge Miranda e outro (Constituição Portuguesa Anotada, T° 1, p. 434), tanto a liberdade de expressão, como a de informação, se situam, de pleno, no campo dos direitos fundamentais, sendo a liberdade da comunicação social ambivalente, envolvendo um feixe de direitos em que se prevêem formas múltiplas de salvaguarda da liberdade, tanto interna, como externa, no exercício dos profissionais respectivos nos diversos meios públicos ou privados, entre eles as regras para a imprensa escrita. Aliás, a qualificação do direito à liberdade de expressão do pensamento através da televisão como integrante do direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial à democracia e ao desenvolvimento social e económico do País, encontra-se expressamente feita no art.º 23º, n.º 1, da Lei da Televisão, consagrando o artigo seguinte (24º) limites à liberdade de programação impondo um dever de respeito nomeadamente pela dignidade da pessoa humana e concedendo o seu art.º 59º direito de resposta e rectificação a qualquer pessoa singular ou colectiva que nos programas televisivos tenha sido objecto de referências que possam afectar a sua reputação ou bom nome.

A Lei de Imprensa em vigor (Lei n°2/99, de 15/01), contém disposições similares. O art.° 1° dispõe, justamente, que é garantida a liberdade de imprensa, e que esta abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações, nem limitações por qualquer tipo de censura; os art.°s 2°, n.°1, al. a), e 22°, als. a), b), c) e d), dispõem que a liberdade de imprensa implica o reconhecimento dos direitos e liberdades fundamentais dos jornalistas, nomeadamente a liberdade de expressão e de criação, de acesso às fontes de informação, o direito ao sigilo profissional e as garantias de independência e da cláusula da consciência. O direito dos cidadãos a serem informados, de forma correcta, é também aí garantido, além do mais, pelo reconhecimento do direito de resposta e de rectificação e de respeito pelas regras deontológicas no exercício da actividade jornalística (art.° 2°, n° 2, als. c) e f). Os limites à liberdade da imprensa são os que decorrem da lei - fundamental e ordinária - de forma a salvaguardar o rigor e a objectividade da informação e a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da vida privada, à imagem e às palavras dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática (art.º 3°).

A definição dos limites deste direito à liberdade de expressão por via da comunicação social, - em atenção também ao relevante papel que esta normalmente desempenha no sentido de denunciar, e consequentemente limitar para o futuro, abusos e ilegalidades -, quando conflituem com outros direitos fundamentais e com igual dignidade, como o direito de qualquer pessoa à integridade moral e ao bom nome e reputação, obedece a determinados princípios consagrados na jurisprudência deste Tribunal, do Tribunal Constitucional, bem como da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como se mostra acentuado no acórdão deste Supremo de 13/01/2005, publicado e comentado na Revista do Ministério Público n°101, de Jan. Março de 2005, págs. 141 e segs., e sempre dependendo da análise das circunstâncias do caso.

Ora, entre estes princípios são de salientar, na divulgação de informações que possam atingir o crédito e bom nome de qualquer cidadão, o cumprimento das regras deontológicas que regem a profissão de jornalista, designadamente procedendo de boa fé na sua recolha e na aferição de credibilidade respectiva antes da sua publicação.

Uma dessas regras deontológicas é a que vincula o jornalista a comprovar os factos que relate, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso, como resulta até do n.º 1 do denominado Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, por estes aprovado em 4 de Maio de 1993 e que se pode consultar no site do Sindicato dos Jornalistas.

Ou seja, as empresas que desenvolvem a actividade jornalística e os jornalistas que nelas operam devem ser rigorosos e objectivos na averiguação da veracidade dos factos ou acontecimentos relatados, sobretudo quando sejam susceptíveis de afectar direitos de personalidade.

Em caso de colisão de direitos, o sacrifício de um dos bens só pode admitir-se pela verificação de uma causa justificativa, e essa causa justificativa deve respeitar o princípio da proporcionalidade, necessidade e adequação do meio. Segundo um estudo de Jónatas Machado (in Studia Juridica, 65, “Liberdade de expressão. Dimensões Constitucionais da Esfera Pública no Sistema Social”, Coimbra, ed. 2002, p. 59) não existe interesse legítimo que possa justificar a publicação de notícias consabidamente falsas ou negligentemente sub investigadas. Contudo, o dever profissional de cuidado deve ser devidamente enquadrado nas condições concretas em que os jornalistas e as empresas jornalísticas exercem a sua actividade e onde importantes decisões redactoriais têm quer ser tomadas, nalguns casos em muito pouco tempo, sob a pressão da concorrência com outros meios de comunicação e da necessidade de informar com prontidão e actualidade. Este aspecto dever ser tomado em consideração na tarefa de determinação dos limites à liberdade de informação e da imprensa (…).

E na hipótese dos autos do que se trata é de saber justamente se os RR procederam com o cuidado exigível enquanto cientes que a reportagem transmitida era susceptível de afectar o bom nome e reputação da autora, e portanto de boa fé, traduzida esta, além do mais, na convicção por eles objectivamente formada da veracidade dos factos relatados.

Com efeito, a boa fé, neste domínio, assume uma dimensão objectiva. Como afirma Costa Andrade (Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra, ed. 1996, 357, citando Roeder), o que é decisivo não é a boa fé subjectiva, mas a boa fé objectivamente fundada quanto a uma verdade que seria igualmente admitida por qualquer pessoa de consciência recta e de pensamento equitativo se colocada na mesma situação. Ou seja, “a boa fé não pode significar uma pura convicção subjectiva por parte do jornalista na veracidade dos factos, antes tem de assentar numa imprescindível dimensão objectiva’’, como dito no Comentário Conimbricense ao Cód. Penal, Tomo I, p. 623.

E, por sua vez, vem entendendo a jurisprudência que a boa fé, nesse sentido objectivo, se deve considerar afastada, sempre que o autor da notícia, não realiza, podendo fazê-lo, todas as diligências tendentes à sua comprovação, e se demonstre não corresponderem tais factos à verdade, sendo noticiados em consequência dessa falta de diligência.

Ou seja, embora a liberdade de imprensa deva respeitar, no seu exercício, o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de noticiar factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aquele desde que adequadamente exercido (cfr., entre outros, os Acs. deste Supremo de 26/09/2000, in CJ/STJ, 2000, 3°, 42, de 17/10/2000, in CJ/STJ, 2000, 3º, 78, e de 18/10/2005, in CJ/STJ, 2005, 3°, 77), nomeadamente mediante exercício de um esforço de objectividade com recurso a fontes de informação fidedignas por forma a testar e controlar a veracidade dos factos.

No caso vertente, tudo está em saber se foi observado pela 3ª ré o dever de conferir a credibilidade das informações por ela obtidas. É que a reportagem em causa foi elaborada e transmitida na sequência de várias queixas apresentadas sobre o comportamento da autora na prossecução dos seus objectivos e de que a 3ª ré, no exercício da sua actividade jornalística, foi tomando conhecimento.

Ora, como se vê da análise dos factos provados, a 3ª ré procedeu a averiguações várias no sentido de comprovar os factos que a 1ª viria a noticiar (nomeadamente factos transcritos sob os nºs. 105º a 146º), desenvolveu esforços no sentido de obter explicações da autora sobre eles, assim lhe facultando o exercício do contraditório (factos assentes sob os nºs. 20º a 32º e 173º, entre outros, de que resulta também ter a autora posto vários obstáculos ao apuramento dos factos denunciados, como se vê por exemplo dos factos sob nºs. 26º e 32º, bem como dos factos sob nºs. 171º e 172º), e formou uma convicção, objectivamente fundada, como qualquer pessoa normal formaria, sobre a veracidade dos factos relatados, tanto mais que as queixas respeitantes à actuação da autora lhe foram referidas pelo próprio presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, que as recebera durante meses e que acabara por rescindir o protocolo que com a autora celebrara (n.ºs 146º e 182º).

Assim, perante os factos provados, é de entender que os réus actuaram com a cautela e a ponderação que no exercício das suas funções lhes eram exigíveis, e com boa fé, objectivamente considerada, no tratamento das informações que colheram, - sem se poder afirmar que tenham actuado com falta de isenção ou de objectividade -, confirmando, nomeadamente com o Presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia, o que lhes fora transmitido pelas suas fontes, elas próprias diversificadas, e só depois de objectivamente formada a sua convicção na veracidade dos factos com base na observância das regras deontológicas a que se encontravam sujeitos tendo transmitido as reportagens referidas, nelas se limitando (facto assente sob n.º 192º) a reproduzir o que lhes fora transmitido pelos queixosos, tendo sido estes que puseram em causa o crédito da autora ao queixarem-se da sua actuação (facto assente sob n.º 188º).

Acresce que se trata aqui de questão de manifesto interesse e repercussão públicos, dadas as finalidades que a autora tinha em vista prosseguir (facto assente sob n.º 3º) e o próprio apoio que lhe prestou a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (factos assentes sob os nºs. 7º e 8º), a justificar a publicação feita, que para além disso não se pode considerar exagerada na medida em que a autora não se limitava a ter um âmbito de actividade meramente local, mas muito mais amplo, como resulta até do facto de, além do escritório principal que tinha em Vila Nova de Gaia (facto assente sob n.º 7º), ter aberto uma delegação na área da Grande Lisboa para apoio aos seus associados domiciliados na zona Sul do País (facto assente sob n.º 78º).

De tudo resulta, apesar da alteração feita sobre a matéria de facto, encontrar-se excluída a ilicitude da conduta dos réus, não se mostrando nomeadamente excedidos os limites do legítimo exercício da liberdade de expressão e do direito à informação, tanto mais que a 3ª ré, como jornalista responsável pela elaboração da reportagem, procedeu a uma investigação pormenorizada e prudente, com recurso a fontes diversas sobre a matéria transmitida, a depoimentos das pessoas que se diziam lesadas pela autora, e procurando confrontar esta, como visada pela reportagem, pelo que fica prejudicada a apreciação da existência dos demais pressupostos da respectiva responsabilidade civil (art.º 660º, n.º 2, do Código de Processo Civil), visto que, mesmo que eventualmente ocorressem, sempre faltaria aquele da ilicitude, a impedir a sua responsabilização.

Daí que, salvo no tocante à indicada alteração da descrição da matéria de facto, a qual se revela insuficiente para determinar alteração da decisão jurídica, improcedam todas as conclusões das alegações da recorrente.

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2010

Silva Salazar (Relator)

Sousa Leite

Salreta Pereira