Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2277/03.0TTPRT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE OBEDIÊNCIA
DEVER DE ZELO E DILIGÊNCIA
RESCISÃO PELO TRABALHADOR
AVISO PRÉVIO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - A noção de justa causa contida no artigo 9.º, n.º 1, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) – aplicável in casu, visto o despedimento do Autor ter ocorrido antes de 1 de Dezembro de 2003 – pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador; a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e tal impossibilidade.

II - A ilicitude consiste na violação, pelo trabalhador, seja por acção seja por omissão, de deveres contratuais, principais ou secundários, ou ainda de deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato.

III - A culpa – que deve ser apreciada segundo o critério consignado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um trabalhador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação –, tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento do contrato com o carácter fiduciário, intenso e constante, do contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção do contrato de trabalho.

IV - A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador.

V - A impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de justa causa, sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica e a averiguação da existência da impossibilidade prática da relação de trabalho ou da “inexigibilidade” da sua subsistência deve ser feita em concreto, à luz de todas as circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, mediante o balanço dos interesses em presença, e pressupõe um juízo objectivo, segundo um critério de razoabilidade e normalidade, só podendo afirmar-se a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho quando, à luz de um tal juízo, se conclua que a ruptura é irremediável e, portanto, nenhuma outra medida se revela adequada a sanar a crise contratual aberta pelo comportamento do trabalhador.

VI - Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão final proferida no processo disciplinar, competindo-lhe a ela a prova dos mesmos – artigo 12.º, n.º 4, da LCCT –, e incumbindo ao trabalhador a invocação e a prova dos factos impeditivos da virtualidade extintiva do contrato própria dos comportamentos integradores da justa causa descritos na referida decisão final, designadamente dos factos reveladores de desproporcionalidade ou desigualdade de tratamento disciplinar (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).

VII - Apesar de o trabalhador ter, com a sua conduta, violado o dever de executar as suas funções com zelo e diligência e tenha desobedecido a uma nova instrução provinda da entidade empregadora, a verdade é que tal conduta não assume gravidade tal que impeça a manutenção do vínculo laboral, face à permissividade que na entidade empregadora se gerou quanto ao incumprimento da enunciada instrução, tanto mais que o trabalhador, poucos dias antes da instauração do procedimento disciplinar, havia manifestado a sua vontade de rescindir o contrato e a aplicação da sanção expulsiva foi tomada cerca de mês e meio antes de a rescisão se tornar eficaz.

VIII - A apresentação da declaração de rescisão contratual com aviso prévio só produz efeitos no final do prazo respectivo, podendo o signatário revogar a declaração de rescisão até ao 2.º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos (artigos 38.º, n.º 1 e 39.º da LCCT e 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto), mantendo-se a relação laboral em vigor, na pendência do aviso prévio, com todos os direitos e obrigações das partes, e, podendo, no decurso do respectivo período, o desenvolvimento do contrato gerar situações anómalas, justificativas do rompimento antecipado do vínculo, a qualquer das partes é permitido pôr-lhe termo com justa causa.

IX - Embora o trabalhador tenha manifestado a vontade de rescindir o contrato de trabalho que mantinha com a entidade empregadora, a verdade é que tal manifestação de vontade se inutilizou por via da cessação, por iniciativa desta, do mencionado vínculo em data anterior àquela em que a aludida declaração de rescisão produziria efeitos.

X - Assim, o contrato de trabalho não cessou – nem rigorosamente se pode afirmar que inevitavelmente cessaria, atenta a possibilidade de revogação da declaração de rescisão – por virtude da carta de rescisão emitida pelo trabalhador e cujos efeitos se produziriam em 7 de Outubro de 2003, tendo, isso sim, terminado em 28 de Agosto de 2003, data em que o trabalhador recebeu a comunicação de despedimento e a partir da qual cessaram os deveres e direitos recíprocos das partes emergentes da sua vigência, neles se compreendendo os implicados na carta de rescisão.

XI - Deste modo, a posterior declaração de ilicitude do despedimento não pode ter como consequência a repristinação da eficácia da carta de rescisão, em termos de se ter por verificada a cessação do contrato na data nela prevista e, por conseguinte, os efeitos da referida declaração de ilicitude não sofrem qualquer restrição pelo facto de ter existido a comunicação de rescisão, havendo de aplicar-se, na sua plenitude, o disposto no artigo 13.º, da LCCT.

XII - O abuso do direito, consagrado no artigo 334.º, do Código Civil, consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.

XIII - Não tendo a Ré (entidade empregadora) provado, nem alegado, como lhe competia, que o comportamento do Autor (trabalhador), consubstanciado no envio da carta de rescisão, tenha originado uma situação objectivamente geradora de legítima expectativa, por parte daquela, de que este não iria, caso, posteriormente, viesse a ser alvo de despedimento, a invocar a ilicitude deste e a exercer os direitos emergentes de despedimento ilícito, não pode afirmar-se ter o Autor agido com abuso do direito ao vir exercer, precisamente, os direitos emergentes do despedimento que reputou de ilícito.

XIV - Para além do mais, os direitos que assistem ao Autor e que emergem do despedimento ilícito que foi alvo decorrem que um acto ilícito cometido pela Ré, pelo que não há fundamento de facto e de direito para se considerar que a dedução da pretensão, nesta acção, excede manifestamente os limites dos ditames da boa fé, dos bons costumes e, menos ainda, do fim económico ou social do direito às retribuições na medida pretendida pelo Autor.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho do Porto, em acção com processo comum, intentada em 23 de Outubro de 2003, AA demandou BB - Sociedade Correctora, S.A, pedindo que se:

a) Declare a ilicitude do despedimento operado pela Ré na sequência de processo disciplinar de que foi alvo;

b) Condene a Ré a:

1) Pagar-lhe todas as retribuições desde 30 dias antes da propositura da presente acção, até ser proferida a sentença, incluindo férias, subsídios de férias e de Natal;

2) Readmiti-lo no seu posto de trabalho, para exercício de funções idênticas às que desempenhava anteriormente ao despedimento, com as mesmas condições de trabalho, a não ser no caso de optar pela indemnização;

3) Pagar-lhe a retribuição das férias vencidas e ainda não gozadas ao tempo do despedimento, no montante de € 6.075,53;

4) Pagar-lhe as férias, subsídios de férias e de Natal, proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano de 2003, no montante de € 12.151,05;

5) Pagar-lhe os prémios de desempenho vencidos respectivamente em 1 de Janeiro de 2003 e 1 de Julho de 2003, no total de € 27.755,85;

6) Pagar-lhe o trabalho suplementar prestado, no montante de € 41.022,00, e a

7) Pagar-lhe os juros moratórios legais até integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que:

— Foi admitido ao serviço da Ré em 1 de Junho de 2000 para exercer as funções inerentes à categoria de Corretor de Bolsa, mediante retribuição, que em Agosto de 2003 se fixou em € 2.583,77, acrescido de subsídio de refeição diário de € 5,09, bem como do valor médio mensal de € 680,00, pago 12 vezes por ano, contra a entrega de facturas ou recibos de combustível e refeições, constituindo os denominados reembolsos de combustível e refeições, componente fixa da retribuição;

— Tendo, outrossim, sido atribuído ao Autor, seu cônjuge e descendentes, um seguro de saúde, concedida a utilização em exclusivo de uma viatura, no valor de € 33.000,00, escolhida pelo próprio, sem quaisquer restrições à sua utilização, e um “prémio de desempenho” correspondente a 7% do montante mensal das receitas auferidas pela Ré a título de taxa de corretagem, pelos seus serviços de intermediação em transacção de valores mobiliários, relativamente aos clientes que tivessem sido angariados pelo Autor, desde que os mesmos constassem da lista anexa ao contrato e, bem assim, 2,5% do montante mensal das receitas auferidas pela Ré, a título de taxa de corretagem, pelos seus serviços de intermediação em transacção de valores mobiliários, “prémio de desempenho” que foi revisto em 4 de Fevereiro de 2003, passando a cláusula sexta a ter a seguinte redacção: - “... a entidade patronal pagará ao trabalhador um prémio de desempenho correspondente a 5,5% do montante mensal das receitas auferidas pela entidade empregadora, a título de taxa de corretagem, pelos serviços de intermediação em transacções e valores mobiliários, relativamente aos clientes angariados pelo trabalhador, e desde que constem da lista anexa ao contrato, a qual será conjunta com a do Snr. CC, sendo o prémio de desempenho pago no início do semestre seguinte”;

— Além das funções inerentes à categoria profissional de Corretor de Bolsa, o Autor era procurador da Ré, assinando os cheques que previamente eram preenchidos e assim lhe eram apresentados;

— Em 25 de Agosto de 2003, foi ilicitamente despedido, atenta a inexistência de justa causa, apesar da elaboração de processo disciplinar;

— Não gozou as férias vencidas em 1 de Janeiro de 2003; e

— Em 19 de Outubro de 2003, a Ré remeteu-lhe o cheque n.º 000000000, sacado sobre o Banco Santander, no montante de € 18.824,04, importância que recebeu.

Contestou a Ré, dizendo, em resumo, que:

— O Autor rescindiu o contrato de trabalho por carta que lhe foi remetida em 4 de Agosto de 2003, por ela recebida no dia seguinte, embora com efeitos reportados a 7 de Outubro de 2003, pelo que nada lhe pode ser exigido depois desta data, uma vez que o contrato sempre aí terminaria, mesmo que o despedimento não ocorresse;

— Os factos provados no processo disciplinar integram justa causa, pelo que considera lícito o despedimento;

— O Autor praticou um horário flexível, em equipa e por si fixado, sem ultrapassar as oito horas diárias, sendo que a Ré jamais lhe fixou qualquer horário de trabalho ou lhe ordenou que praticasse um horário superior, pelo que inexiste a prestação de qualquer trabalho suplementar por parte do Autor;

— A remuneração acordada foi aquela que consta dos recibos de vencimento, remuneração ilíquida, pagando a Ré ao Autor ajudas de custo, sempre contra recibo, quando e na medida em que este fez despesas em serviço por motivo do exercício das suas funções profissionais; e

— A utilização da viatura automóvel fora do tempo de trabalho é mera liberalidade da Ré, pelo que o reembolso de despesas e a utilização da viatura automóvel não podem ser considerados retribuição.

O Autor respondeu à matéria de excepção deduzida na contestação.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que o Autor impugnou, recorrendo para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 21 de Novembro de 2005, decidiu anular a sentença. Regressados os autos ao tribunal de 1.ª instância, foi lavrada nova sentença com o sentido decisório da primeira, também objecto de recurso interposto pelo Autor, vindo aquele tribunal superior, por acórdão de 11 de Dezembro de 2006, a decretar a anulação do julgamento. Repetido o julgamento, com gravação das provas oralmente produzidas em audiência, foi, em 7 de Julho de 2008, proferida terceira sentença de conteúdo decisório igual à das anteriores, julgando a acção:

— «improcedente quanto à declaração de ilicitude do despedimento do autor e consequências legais daí decorrentes, bem como quanto ao pagamento de qualquer quantia a título de trabalho suplementar»;

— «procedente quanto aos pedidos de pagamento de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2003 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal pelo tempo de trabalho prestado no ano de 2003, bem como dos prémios de desempenho vencidos e não pagos, tudo conforme acima referido e a apurar em execução de sentença, sendo o valor da retribuição para o efeito também a apurar nos termos referidos, compensando esse valor com o valor de 18.824,04 euros já recebidos pelo autor a esse título

2. Apelou, novamente, o Autor, arguindo a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, impetrando a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto e pugnando pela procedência dos pedidos de: i) declaração de ilicitude do despedimento por manifesta falta de justa causa; ii) reconhecimento do carácter de retribuição ao prémio de desempenho e a sua incidência nas retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito da sentença, nas férias vencidas e proporcionais de férias, subsidio de férias e de Natal; iii) reconhecimento do carácter de retribuição à utilização da viatura atribuída pela Ré ao Autor, amortizável em 48 meses perfazendo um total mensal de € 687,00 e a sua incidência nas retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito da sentença, nas férias vencidas, e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal; iv) condenação da Ré no pagamento ao Autor de todas as retribuições desde 30 dias antes da propositura da acção, até à sentença; v) condenação da Ré no pagamento de indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se todo o tempo decorrido até à data da sentença; vi) condenação da Ré no pagamento do montante monetário correspondente ao trabalho suplementar prestado pelo Autor no montante de € 41.022,00.

O Tribunal da Relação do Porto decidiu:

«a) Indeferir a invocada nulidade da sentença e

b) Conceder parcial provimento à apelação, assim revogando a sentença no que respeita ao despedimento, sendo substituída pelo presente acórdão, em que se declara ilícito o mesmo despedimento e se condena a R. a pagar ao A. as retribuições vencidas e vincendas desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção – 2003-09-23 – até à data da prolação do acórdão que decida definitivamente a acção, nela se incluindo a retribuição base [€ 2.583,77], o subsídio de alimentação [€ 5,09] e o designado prémio de desempenho, a liquidar oportunamente [tanto o prémio de desempenho, como a totalidade das retribuições vencidas e vincendas], bem como uma indemnização de antiguidade correspondente a um mês de retribuição de base [€ 2.583,77] multiplicado pelo número de anos de antiguidade ou fracção, contabilizando todo o tempo decorrido até à data da prolação do acórdão anteriormente referido, também a liquidar oportunamente, sendo de confirmar a sentença quanto ao mais.»

3. Do acórdão que assim decidiu veio a Ré pedir revista, tendo, oportunamente, apresentado a respectiva alegação, com as conclusões que, a seguir, se reproduzem:

«A - Fixada a matéria de facto, resta pois apreciar a existência de justa causa no despedimento do Autor, com as inerentes consequências, sendo que, atenta a data dos factos imputados ao Autor, como fundamento dessa justa causa (todos anteriores a 1 de Dezembro de 2003), é aplicável ao caso o regime da denominada LCCT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
B - De acordo com o disposto no art.º 9.º, n.º 1 da referida LCCT, “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.”
C - A justa causa (subjectiva) pressupõe uma conduta por parte do trabalhador que se traduza na violação culposa dos seus deveres contratuais, não bastando, porém, um qualquer comportamento e uma qualquer culpa. O comportamento tem de ser objectivamente tão grave, em si mesmo e nas suas consequências, que leve a concluir pela inevitabilidade da ruptura do vínculo contratual, por ter sido irremediavelmente quebrada a relação de confiança que é inerente à relação laboral (por esta ser um negócio jurídico intuitu personae) e por nenhuma outra sanção disciplinar se mostrar susceptível de sanar a crise contratual aberta pela conduta do trabalhador.
D - Por sua vez, a culpa, a gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo não podem ser apreciadas em função do critério subjectivo do empregador, mas sim na perspectiva de um bom pai de família, ou seja, de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade, devendo o tribunal atender, ainda, no quadro da gestão da empresa, por força do disposto no n.º 5 do art.º 12.º da LCCT, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
E - Os factos que, tanto na nota de culpa como na decisão de despedimento, foram imputados ao Autor vieram a ser todos dados como provados nos presentes autos (vide os factos n.ºs 23 a 25, 30 e 40) e o Autor nunca pôs em causa a prática e a autoria dos mesmos.
F - O Autor limitou-se a dar uma justificação para os seus actos alegando, e nomeadamente em sede de alegações de recurso, que tal era “prática corrente na recorrida antes da [suposta] entrada em vigor do "novo regulamento" e continuaram a ser praticados, pelo menos pela administração após o dia 19.06.2003.” - vide conclusão H; “que após a entrada em vigor do novo regulamento, continuou a ser praticado na empresa a regra D+3 e não a regra D-1 (...)” e “que no período imputado ao recorrente e após esta data foram efectuadas aplicações contra a nova regra em montantes astronómicos, resultando os saldos negativos nas contas correntes dos clientes da recorrida o montante de € 18.500.000,00.” - vide conclusão I; “que a imposição da regra D-1 aparentemente estabelecida, não se aplicou pelo menos aos clientes da recorrida identificados pelos números 000000; 000000; 000000; 000000 e 00000.” - vide conclusão J; “que o recorrente foi despedido por ter operado € 28.000,00 a descoberto, quando outros na recorrida operaram no mesmo período, pelo menos € 18.500.00000 a descoberto.” - vide conclusão K, concluindo, em L, que “mesmo que a conduta do recorrente fosse susceptível de configurar infracção disciplinar, existiria flagrante violação do princípio da coerência disciplinar impondo-se que situações infraccionais idênticas sejam disciplinarmente sancionadas de forma diversa quando nenhuma razão exista para essa discriminação”.
G - A razão do inconformismo do Autor, no que toca à justa causa, não se prende com a falta de gravidade dos factos em si mesmos considerados, mas com uma alegada falta de coerência disciplinar da Ré que o despediu.
H - Porém, importa salientar que a gravidade dos factos imputados ao Autor, e provados nos autos, é por demais evidente e, à partida, constituem estes, só por si, justa causa de despedimento, uma vez que consubstanciam uma flagrante violação do dever de, com zelo e diligência, cumprir as obrigações inerentes ao exercício do posto de trabalho que lhe estava confiado, bem como do dever de obediência à entidade patronal, em tudo o que respeite à execução do trabalho, a que se encontra obrigado, deveres esses a que o trabalhador estava sujeito nos termos do art.º 20.º, n.º 1, alíneas b) e c) da LCT.
I - Violação essa que, no caso em apreço, se mostra ainda especialmente agravada porquanto se trata de um trabalhador com funções de chefia, conforme se encontra dado como provado em 3.º dos ditos factos.
J - Mesmo o acórdão em crise admite que “a conduta [do Autor] apresenta um certo grau de gravidade, em si mesmo, pois a R. assistia a um processo de reorganização, tendo tomado posse nova Administração e alterou, neste contexto, a regra D+3 para D-1 (...) no seguimento de recomendações de carácter prudencial do Banco de Portugal, nesse sentido”. Acrescentando muito pertinentemente que o “Art.º 5.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.° 262/2001, de 28 de Setembro, estabelece que "É ainda vedado às sociedades corretoras:
a) Conceder crédito sob qualquer forma."
L - Ora, o contrato de trabalho é um negócio jurídico intuitu personae em que a confiança recíproca tem um papel de relevo, o que pressupõe a realização do trabalho com zelo e diligência e a obediência às ordens e instruções da entidade patronal, corolário da subordinação jurídica.
M - A violação destes dois deveres constitui, sem dúvida, um rude golpe na relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe e torna imediata e praticamente impossível a subsistência do mesmo, justificando, assim, o despedimento do trabalhador (art.º 9.º, n.º 1 da LCCT), até por ser um trabalhador com funções de chefia, situado imediatamente abaixo da Administração, e procurador da Ré.
N - Dos factos dados como provados pode inferir-se que a violação dos deveres acima descritos por parte do Autor foi por demais evidente e assumiu objectiva e subjectivamente uma gravidade inusitada atentas as circunstâncias em que ocorreu.
O - É que, ao contrariar o regulamento interno da empresa, o Autor desobedeceu às ordens que legitimamente pela sua entidade patronal lhe tinham sido dadas, uma vez que a lei lhe atribuiu competências para, dentro dos limites decorrentes do contrato e da normas que o regem, fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho (art.º 39.º, n.º 1 da LCT) e impõe ao trabalhador o dever de obedecer em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que as ordens e instruções daquela se mostram contrárias aos seus direitos e garantias (art.º 20.º, n.º 1, al. c) da LCT).
P - Sendo assim, só uma grave falta de coerência disciplinar da Ré poderia obstar a que a conduta do Autor pudesse deixar de ser considerada justa causa de despedimento. E essa incoerência resultaria de os autores dos outros descobertos deverem ter sido censurados de igual ou semelhante modo, de acordo com as palavras do acórdão ora recorrido. Ou que situações infraccionais idênticas foram disciplinarmente sancionadas de forma diversa quando nenhuma razão existia para essa discriminação, na opinião do recorrido explanado na conclusão L das suas alegações para o tribunal a quo.
Q - Nos termos do n.º 5 do art.º 12.º da LCCT, “para a apreciação da justa causa deve o tribunal atender, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes” e quer a jurisprudência quer a doutrina são unânimes em reconhecer que a prática disciplinar da empresa deve ser um dos elementos a atender na apreciação da justa causa.
R - O poder disciplinar não é um poder discricionário, no sentido de que só é exercido se o empregador julgar oportuno, não cabendo, por isso, aos poderes públicos substituírem-se ao empregador, para impor ou impedir o exercício do mesmo. É que o exercício do poder disciplinar tem a ver com a actividade empresarial, relativamente à qual a liberdade de iniciativa não pode ser coarctada e, por isso, será o empregador quem decide se é conveniente ou não instaurar um processo disciplinar, não lhe podendo essa actuação ser imposta.
S - A discricionariedade tem por limite a igualdade, mas, ainda assim, desde que justificado – sem intuito persecutório, portanto –, o empregador pode punir diferentemente, passar a sancionar ilicitudes que até então perdoava numa perspectiva laxativa que é abandonada, etc. A discricionariedade e a igualdade têm de ser enquadradas no exercício do poder de gestão e da liberdade que lhe é inerente.
T - A prática disciplinar e a coerência disciplinar da empresa devem ser levadas em conta na apreciação da justa causa, dado que o poder disciplinar que a lei confere ao empregador deve ser por este exercido segundo critérios de justiça, respeitando, nomeadamente, o princípio da igualdade, e não de forma arbitrária.
U - Todavia o princípio da igualdade tem duas vertentes: que seja tratado de forma igual aquilo que é igual e que seja tratado de forma diferente o que é desigual. Por isso, se tem decidido que não viola o princípio da coerência disciplinar a entidade empregadora que adopta procedimentos disciplinares diferentes, face a comportamentos com graus de ilicitude e de culpa também diferentes.
V - Para ajuizar da alegada falta de coerência disciplinar da Ré era indispensável saber qual tinha sido, no plano disciplinar, a atitude disciplinar eventualmente assumida pela Ré relativamente aos demais t......s e operadores da empresa. Só que, tal como reconhece o próprio acórdão recorrido, na sua página 26, e após ter analisado a prova, a referida regra D-1 foi acatada pelos t......s, excepção feita ao Autor. Sendo que o próprio Autor jamais identifica ou reclama que outros t......s, trabalhadores como ele, tenham assumido condutas idênticas à sua; só o fazendo em relação à administração.
X - Pelo que a matéria de facto dada como provada é totalmente omissa acerca da conduta tomada pela Ré relativamente a eventuais autores da referida infracção, não se referindo, inclusive, se a Ré instaurou quaisquer procedimentos disciplinares contra trabalhadores na mesma situação do Autor e qual foi o resultado desses procedimentos, o que era essencial para ajuizar da alegada incoerência disciplinar por parte da Ré e para que esta possa ser apreciada.
Z - Era sobre o Autor que recaía o ónus de alegar e provar os factos que permitissem concluir pela falta de coerência disciplinar, pois, numa acção de impugnação de despedimento, a falta de coerência disciplinar é, indubitavelmente, um facto constitutivo da pretensão deduzida pelo trabalhador, ou seja, da declaração da ilicitude do seu despedimento (art.º 342.º, n.º 1 do CC).
AA - E quanto à imputação efectuada à administração sempre se repetirá o que ficou dito relativamente ao princípio da igualdade, pilar da prática disciplinar e coerência disciplinar – que deve ser tratado de forma igual aquilo que é igual e de forma diferente o que é desigual.
BB - De todo o exposto, e da matéria dada como provada, e afastada que está a incoerência disciplinar da Ré, resulta a falta de zelo e diligência por parte do Autor e a desobediência a uma ordem directa da entidade patronal, com acentuadas ilicitude e culpa do Autor, originando elevados prejuízos e o sério risco de a Ré ver a sua licença para exercer a actividade de corretagem cancelada porquanto as recomendações do Banco de Portugal, no exercício do seu poder de supervisão, são verdadeiramente vinculativas e para cumprir.
CC - Neste quadro, a infracção disciplinar do Autor tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, por, justificadamente, ter ditado uma quebra absoluta de confiança da Ré no Autor, não sendo exigível àquela que mantivesse tal relação.
DD - Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
EE - A realidade dos autos é que, numa situação de profunda reestruturação da Ré, em que havia sido inspeccionada por mais de uma vez pela entidade supervisora máxima, o Banco de Portugal, que, em consequência dessas inspecções, o Banco de Portugal havia recomendado a alteração dos procedimentos da Ré de modo a que se adequassem à lei de forma a não se conceder crédito aos clientes, o que implicou a alteração da regra D+3 para D-1 (ou seja os clientes tinham de ter as suas contas provisionadas para poderem investir), o Autor desobedeceu às ordens da entidade patronal e procedeu à compra de instrumentos financeiros sem que os clientes tivessem as suas contas provisionadas. E mais, era sua intenção continuar a fazê-lo – o que elucida o facto assente sob o n.º 29.º – que embora não possa [ ] relevar porque viola o disposto no art.º 10.º, n.º 9 da LCCT, é altamente indiciador da intenção do Autor de continuar a agir à revelia das ordens expressas da Ré.
Por isso, não pode ser defensável que ao caso quadrasse qualquer outra das sanções disciplinares, conservatórias.
FF - A actuação do Autor quebrou indubitável e imediatamente a relação de confiança inerente àquela relação laboral em concreto, agravada pelo facto de a Ré se encontrar em situação de grave risco e “debaixo dos olhos” do Banco de Portugal
GG - Para mais quando um dos elementos a atender para a apreciação da justa causa do despedimento reside, precisamente, no carácter da relação entre as partes. Consequentemente, não pode ser apartada aquela relação de fidúcia, mais acentuada quando está em causa um trabalhador a quem são cometidas funções de maior responsabilização na hierarquia empresarial, como é o caso dos autos.
HH - De acordo com os factos dados como provados nos presentes autos, seria desproporcionada a imposição, à entidade empregadora, da manutenção do vínculo que a ligava ao Autor, o que o mesmo é dizer que o comportamento deste, quer objectivamente considerado, quer considerado no quadro das relações entre ele e a ora recorrente, tornaria imediata e praticamente impossível aquela manutenção. Donde só se pode concluir pela licitude do despedimento.
II - Porém, caso o despedimento seja considerado ilícito, o que não se concede, esta declaração teria como consequência a reposição do contrato de trabalho na situação em que estaria se não tivesse sido decidido o despedimento do trabalhador.
JJ - A declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência que o contrato de trabalho subsiste na plenitude dos seus efeitos, tal como se não tivesse existido o despedimento. Daí o pagamento de todas as retribuições desde a data do despedimento até à reintegração ou à substituição desta por indemnização, garantindo o trabalhador a categoria que detinha no momento imediatamente anterior ao despedimento e não perdendo a antiguidade, que se conta sem interrupções, de acordo com o art.º 13.º da LCCT.
LL - Ou seja, o direito à reintegração equivale à permanência do contrato e, portanto, à continuidade futura dos efeitos do mesmo, constituindo a reconstituição do vínculo laboral, vínculo esse que subsiste entre empregador e trabalhador como se nunca tivesse sido interrompido, existindo como que uma repristinação do contrato de trabalho, e dos seus efeitos à data da extinção.
MM - Retira-se dos factos dados como provados nos autos que o Autor foi despedido em 28.08.2003, pelo que, com a eventual decisão que decrete a ilicitude do despedimento, o contrato subsiste desde esta data.
NN - Acontece que o Autor havia rescindido unilateralmente o contrato, em carta datada de 4 de Agosto de 2003, rescisão essa que produziria efeitos em 07.10.2003, cumprindo o trabalhador o dever de aviso prévio de 2 meses.
OO - Porque a declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência que o contrato de trabalho repristine a plenitude dos seus efeitos, tal como se não tivesse existido o despedimento, temos que este contrato de trabalho em questão nos presentes autos cessou, por iniciativa do trabalhador, em 07.10.2003, nos termos do art.º 38.º da LCCT, rescisão essa que não foi posta em causa por nenhuma das partes.
PP - Logo, a existir ilicitude do despedimento, a condenação no pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador, ora recorrido, deixou de auferir, estipuladas nos termos do n.º 1 do art.º 13.º da LCCT, só poderá ser contabilizada até 7 de Outubro de 2003. Ora sendo a rescisão unilateral a efectiva intenção do trabalhador, terá este direito a receber tudo o que lhe é devido até àquela data, e nada depois dessa data.
QQ - Aliás sempre deverá ser referido que o Autor, ao elaborar o seu pedido nele incluindo o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença e indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção até à data da sentença, não ignorando que havia rescindido unilateralmente o seu contrato de trabalho, excedeu manifestamente os limites da boa fé, consubstanciando tal comportamento um abuso de direito, na modalidade do venire contra factum proprio.
RR - Como resulta directamente do art.º 334.º do CC, o abuso do direito impõe que, por parte do seu titular, haja um excesso manifesto no respectivo exercício, tendo em conta os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico desse direito.
SS - O abuso do direito pressupõe pois o exercício de um direito de modo que, ultrapassando a razão de ser dele e os seus contornos, ofenda, de modo grave e evidente, as regras da boa fé, dos bons costumes e do fim social ou económico desse direito, que foi o que aconteceu no caso em apreço.
TT - O Autor, havendo rescindindo unilateralmente o seu contrato para 7 de Outubro de 2003, veio pedir o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, bem como indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção até á data da sentença
UU - Ou seja, ignorou os seus próprios actos, violando clamorosamente o princípio da boa fé, e agiu como se nunca tivesse rescindido unilateralmente o contrato, em claro abuso de direito.
W - Aliás atente-se até à desproporção clamorosa entre o montante que o Autor receberia, na hipótese de procedência da presente acção, ignorando o facto de ter rescindido o contrato de trabalho, comparando-a com a viabilidade económica desta empresa que seria posta em causa, arriscando-se a ser obrigada a lançar para o desemprego os seus 13 trabalhadores, com todas as consequências sociais inerentes.
XX - Razão pela qual, e sem conceder, a ser declarado ilícito o despedimento, a Ré deverá ser condenada a pagar as importâncias devidas tão-só até 7 de Outubro de 2003, data em que se produziam os efeitos da rescisão unilateral do contrato de trabalho por iniciativa do Autor. Importâncias essas a compensar com o valor de € 18.824,04 já recebidos pelo Autor.
ZZ - Ora, ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente dos artigos 9.º, 10.º, 12.º e 13.º da LCCT, artigos 20.º e 39.º da LCT e artigos 334.º e 342.º do CC.
Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, substituindo-se a decisão recorrida por outra que, acolhendo as razões da recorrente, a revogue, com as legais consequências.»

Contra-alegou o Autor a pugnar pela confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer — a que as partes não responderam — no sentido de ser negada a revista.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. Na primeira instância os factos materiais da causa foram fixados nos seguintes termos:

1.º - A ré é uma sociedade anónima que tem por objecto a actividade de corretagem em bolsa para os mercados nacional e internacionais, comprando e vendendo acções em nome de terceiros seus clientes.
2.º - O autor celebrou e iniciou um contrato de trabalho com a ré em 01 de Junho de 2000, conforme doc. junto aos autos a fls. 21/24 e aqui dado por integralmente reproduzido.
3.º - Tendo sido admitido para exercer as funções inerentes à categoria profissional de Corretor de Bolsa, cabendo-lhe chefiar toda a área de negociação de corretagem.
4.º - Auferindo a quantia mensal ilíquida de Esc. 500.000$00, anualmente actualizada, que no mês de Agosto de 2003 se encontrava fixada em 2.583,77 euros, acrescida de subsídio de refeição diário de 5,09 euros nessa data.
5.º - Foi ainda atribuído ao autor, seu cônjuge e descendentes, um seguro de saúde, seguro esse atribuído igualmente a todos os trabalhadores da ré.
6.º - Foi ainda atribuída ao autor a utilização em exclusivo de uma viatura, no valor de 33.000,00 euros, escolhida pelo próprio, sem quaisquer restrições à sua utilização.
7.º - A viatura escolhida pelo autor e que assim foi adquirida e lhe foi entregue, foi a viatura de marca Lancia, modelo Lybra ..-..-.., matrícula 00-00-00.
8.º - Ficou igualmente estabelecido que ao autor era ainda assegurado um “prémio de desempenho” correspondente a:
a) - 7% do montante mensal das receitas auferidas pela ré a título de taxa de corretagem, pelos seus serviços de intermediação em transacção de valores mobiliários, relativamente aos clientes que tiverem sido angariados pelo autor, desde que os mesmos constem da lista anexa ao contrato;
b) - 2,5% do montante mensal das receitas auferidas pela ré, a título de taxa de corretagem, pelos seus serviços de intermediação em transacção de valores mobiliários, sem prejuízo de, por mútuo acordo entre as partes, virem a ser definidas outras percentagens para as corretagens angariadas através da internet, lojas financeiras ou acordos com outros correctores, portugueses ou estrangeiros.
9.º - “Prémio de desempenho” a pagar no final do respectivo trimestre.
10.º - A lista de clientes prevista na al. a) do n.º 8 supra, seria actualizada todos os meses.
11.º - O acordo, no que se refere ao “prémio de desempenho”, foi revisto em 04 de Fevereiro de 2003, passando a cláusula sexta a ter a seguinte redacção:
“… a entidade patronal pagará ao trabalhador um prémio de desempenho correspondente a 5,5% do montante mensal das receitas auferidas pela entidade empregadora, a título de taxa de corretagem, pelos serviços de intermediação em transacções e valores mobiliários, relativamente aos clientes angariados pelo trabalhador, e desde que constem da lista anexa ao presente contrato.
Esta lista em anexo será conjunta com a do Snr. CC. O prémio de desempenho será pago no início do semestre seguinte”. Cfr. doc. de fls. 67.
12.º - Além das funções inerentes à categoria profissional de Corretor de Bolsa, o autor era procurador da ré, assinando os cheques que previamente eram preenchidos e assim lhe eram apresentados.
13.º - Até Dezembro de 2002 a ré contava com 16 trabalhadores.
14.º - Desde essa data, do total de 16 trabalhadores da ré, rescindiram ou por qualquer forma terminaram o vínculo que os mantinha ligados à ré 11 desses trabalhadores.
15.º - Pelo que em Setembro/2003 a ré passou a contar apenas com cinco (5) trabalhadores.
16.º - Em 11 de Agosto de 2003, a ré elaborou e entregou ao autor a nota de culpa junta ao processo disciplinar a fls. 4/5, a qual fez acompanhar de carta da mesma data e nesses documentos comunicou-lhe que ficava suspenso preventivamente das suas funções, sem perda de retribuição e que era sua intenção proceder ao despedimento com justa causa.
17.º - Em 13 de Agosto de 2003, o autor respondeu à nota de culpa, conforme documento junto ao processo a fls. 6/7 e que aqui se dá por integralmente reproduzido e não requereu quaisquer diligências de prova.
18.º - Por decisão proferida em 25.08.2003 e que chegou ao conhecimento do autor em 28.08.2003, a ré aplicou ao autor a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, tudo conforme docs. de fls. 10/17 do processo disciplinar e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
19.º - O autor remeteu à ré, por correio registado com A/R, uma carta datada de 04 de Agosto de 2003, a qual a ré recebeu no dia seguinte (05.08.2003), carta com o seguinte teor:
Exm.ºs Senhores
Na sequência da conversa tida com o Exm.º Dr. DD, venho formalmente dar conhecimento a V. Exas. de que por motivos de ordem pessoal não me é possível continuar a prestar serviço para a BB - Sociedade Corretora, SA., pelo que rescindo o meu contrato de trabalho que operará os seus devidos efeitos no próximo dia 7 de Outubro de 2003.
Com os melhores cumprimentos
De V. Exas. atentamente,
AA
Cf. doc. de fls. 151 dos autos.
20.º - Por força do Regulamento da CMVM n.º 15/2000 publicado no DR, IIª série de 17.07.2000, as operações realizadas pelas corretoras em nome dos seus clientes são liquidadas ao dia “D+3”, o que significa que o cliente tem que liquidar tal operação até ao 3.º dia útil a contar da realização da compra.
21.º - Do mesmo modo, a corretora tem que pagar ao cliente o produto da venda até ao 3.º dia útil após a mesma.
22.º - É esta a regra geral para as operações em bolsa efectuadas pelas corretoras.
23.º - Em 12 de Junho de 2003, a Administração da ré, através da sua comissão executiva integrada pelos Snrs. DD e EE, fizeram circular entre os seus trabalhadores, um regulamento interno em que supostamente são alterados os procedimentos internos no que se refere ao aprovisionamento das contas dos clientes.
24.º - Em tal regulamento interno, pode ler-se que a partir de 19 de Junho de 2003, é alterada a regra de liquidação ao dia “D+3”, para a “D-1”.
25.º - O que significa que a partir daquela data, supostamente, os clientes da ré passavam a ter de aprovisionar as suas contas correntes com valor suficiente para as ordens de compra, previamente à execução das mesmas.
26.º - O autor nunca teve isenção de horário de trabalho.
27.º - O autor não gozou qualquer período de férias, daquelas vencidas em 01.01.2003.
28.º - Para pagamento de créditos laborais devidos ao autor à data do despedimento - 28.08.2003 -, a ré remeteu ao autor em 09.10.2003 o cheque n.º 000000000 sacado sobre o Banco Santander, no montante de 18.824,04 euros, importância que o autor recebeu.
29.º - Em 14 de Maio de 2003, o Administrador da ré - Snr. EE, enviou ao autor a comunicação que se encontra a fls. 175 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, sobre “anomalias nos procedimentos” por si adoptados, fazendo menção, nomeadamente, do incumprimento do manual de procedimentos relativamente ao cliente n.º 0000000 e de uma ocorrência tida por não normal com um negócio bolsista que envolveu os clientes n.ºs 000000 e 000000. Cf. doc. de fls. 175.
30.º - Nos dias 23, 24 e 29 de Julho de 2003, o autor efectuou diversas compras de títulos em bolsa, a descoberto, somando o montante global líquido de 28.315,98 euros, em acções, na conta do cliente n.º 00000000, integrado na carteira gerida pelo autor.
30.º-A) - Os clientes da ré - FF (conta n.º 000000), GG (conta n.º 000000), HH - Gestão e Estratégia, Lda (conta n.º 000000), EE (conta n.º 000000) e II (conta n.º 0000000), não faziam parte da carteira de clientes gerida pelo autor, enquanto ao serviço da ré.
30.º-B) - O Administrador da ré e também corretor EE, era em Junho de 2003, muito provavelmente, o maior cliente da ré.
31.º - Por força da hora de abertura e de fecho das bolsas europeias e sobretudo americanas, o período de funcionamento normal da ré é das 08.00 às 23.00 horas.
32.º - O trabalho de “t......” - operador de bolsa -, na empresa ré, é organizado por equipas de dois (2) elementos, sendo uma delas constituída pelo autor e pelo Snr. CC.
33.º - Cada equipa, livre e autonomamente, organiza e reparte entre os seus dois elementos o tempo de trabalho, podendo estar simultaneamente em serviço os dois elementos, ou estar apenas um durante um certo período de tempo, conforme a hora e as circunstâncias das praças bolsistas o aconselhem.
34.º - Pode também acontecer não estar qualquer elemento de uma dada equipa em dado momento ao serviço, sendo então o eventual serviço dessa equipa “acumulado” por um elemento de outra equipa em serviço.
35.º - Em regra, os dois elementos de cada equipa, dividem o horário de funcionamento entre si, por iniciativa e decisão próprias, de modo a que cada elemento da equipa não preste, em regra, trabalho diário superior a oito (8) horas.
36.º - Assim aconteceu sempre, também, com a equipa que o autor integrava.
37.º - Para além do referido nos art.ºs 4.º a 8.º acima, a ré sempre reembolsou o autor de despesas por si feitas resultantes de serviços por si efectuados no exercício das suas funções profissionais, nomeadamente com visitas a clientes, como pagamento de combustível, de refeições, aquisição de telemóvel e outros.
38.º - Pagamentos que, para serem efectuados, o autor necessariamente apresentava o documento de despesa efectuada aos serviços de contabilidade da ré.
39.º - E cujo montante era variável conforme os serviços prestados no período e feito a título de ajudas de custo.
40.º - A alteração do regulamento e dos procedimentos internos referidos acima nos art.ºs 23.º a 25.º da matéria de facto, teve em vista reorganizar a empresa ré, aumentar a produtividade e diminuir o “risco” inerente a esta actividade de corretagem e foi decidida na sequência de recomendações do Banco de Portugal após inspecções directas à ré. Cf. docs. fls. 154/158 dos autos.
41.º - No início de Janeiro de 2003, entrou em funções na ré, nova Administração.
42.º - Na data em que a ré recebeu do autor a carta de rescisão do contrato de trabalho entre ambos celebrado – 05.08.2003, cf. art.º 19.º da matéria de facto acima –, enviou carta aos seus clientes, anunciando mudanças. Cf. doc. fls. 68 do processo.
43.º - No início de Julho de 2003, o autor viu-se confrontado com a devolução de sete cheques da ré, por si assinados, por falta de provisão, num total de € 911.496,40. Cf. docs. fls. 69 a 82 dos autos.
44.º - Cheques que o autor assinara após lhe terem sido apresentados já preenchidos.
45.º - Confrontado com a devolução dos cheques, por e-mail de 01.07.2003, o autor comunicou ao Administrador da ré, EE, a sua indisponibilidade, a partir dessa data para assinar qualquer cheque ou documento que pudesse pôr em causa o seu bom nome perante terceiros. Cf. doc. fls. 83 dos autos.
46º - Até 19 de Junho de 2003, data da entrada em vigor do novo regulamento interno da ré, a prática da empresa foi sempre a de cumprir a regra “D+3”.
47.º - No período de 17.07.2001 a 01.08.2003, foram registadas ordens de transacção em bolsa, em nome do “t......” – AA, aqui autor, no intervalo de tempo entre o primeiro e o último registo de cada dia, descontado na maior parte dos dias o maior intervalo de tempo em horário compatível com a hora de almoço, ou trabalho após as 18.00 horas, como segue, intervalo de tempo que totaliza também o seguinte número de horas, acima das 08 horas/dia:
- 19.07.2001 - 08.03 às 10.46 e 12.01 às 17.52 - 08.50 horas;
- 03.08.2001 - 08.17 às 18.26 - 10.00 horas;
- 06.08.2001 - 09.19 às 17.31 e 20.49 às 20.58 - 08.50 horas;
- 10.08.2001 - 08.32 às 13.24 e 14.26 às 16.57 e 19.49 às 20.56 - 11.50 horas;
- 16.08.2001 - 07.24 às 14.00 e 14.30 às 16.37 e 18.26 às 20.57 - 11.50 horas;
- 17.08.2001 - 08.02 às 10.49 e 12.24 às 17.06 e 19.40 às 20.47 - 08,50 horas;
- 05.09.2001 - 09.24 às 12.38 e 13.07 às 16.50 e 18.11 às 20.48 - 09.00 horas;
- 07.09.2001 - 07.28 às 18.42 - 11.00 horas;
- 10.09.2001 - 07.21 às 12.19 e 12.55 às 18.39 e 20.33 às 20.56 - 11.50 horas;
- 17.09.2001 - 08.00 às 16.24 - 08.50 horas;
- 20.09.2001 - 07.53 às 17.35 - 09.50 horas;
- 08.10.2001 - 08.32 às 10.54 e 12.18 às 20.58 - 11.50 horas;
- 09.10.2001 - 08.07 às 14.01 e 15.57 às 17.25 e 19.05 às 20.56 - 09.50 horas;
- 11.10.2001 - 08.29 às 18.55 e 20.16 às 20.49 - 11.00 horas;
- 12.10.2001 - 08.10 às 14.02 e 14.58 às 18.05 e 18.43 às 20.59 - 11.50 horas;
- 15.10.2001 - 08.11 às 13.12 e 13.45 às 18.20 - 09.50 horas;
- 16.10.2001 - 08.09 às 13.30 e 14.20 às 18.47 - 09.50 horas;
- 17.10.2001 - 06.16 às 13.37 e 14.16 às 16.30 - 09.50 horas;
- 19.10.2001 - 08.11 às 12.54 e 13.25 às 19.48 - 11.50 horas;
- 22.10.2001 - 08.06 às 17.43 - 10.00 horas;
- 23.10.2001 - 08.30 às 18.03 - 09.50 horas;
- 25.10.2001 - 07.45 às 12.18 e 13.27 às 18.58 - 10.00 horas;
- 29.10.2001 - 07.23 às 14.26 e 15.07 às 16.26 - 08.50 horas;
- 05.11.2001 - 08.25 às 17.10 - 08.50 horas;
- 06.11.2001 - 08.07 às 16.32 - 08.50 horas;
- 13.12.2001 - 08.07 às 11.48 e 12.32 às 18.06 - 09.00 horas;
- 05.03.2002 - 07.30 às 16.04 - 08.50 horas;
- 26.03.2002 - 07.31 às 16.16 - 09.00 horas;
- 08.05.2002 - 07.32 às 13.35 e 14.15 às 17.58 - 10.00 horas;
- 03.07.2002 - 07.57 às 16.30 - 08.50 horas;
- 09.07.2002 - 08.01 às 16.28 - 08.50 horas;
- 10.07.2002 - 07.33 às 11.32 e 12.22 às 18.30 - 10.00 horas;
- 11.07.2002 - 07.31 às 18.26 - 11.00 horas;
- 15.07.2002 - 08.08 às 16.25 - 08.50 horas;
- 16.07.2002 - 07.53 às 18.45 - 11.00 horas;
- 06.08.2002 - 07.32 às 16.58 - 09.50 horas;
- 09.08.2002 - 08.03 às 16.27 - 08.50 horas;
- 13.08.2002 - 07.24 às 18.16 - 11.00 horas;
- 14.08.2002 - 08.46 às 13.16 e 13.46 às 18.30 - 10.00 horas;
- 19.08.2002 - 08.00 às 16.29 - 08.50 horas;
- 20.08.2002 - 07.44 às 18.30 - 10.50 horas;
- 21.08.2002 - 08.03 às 18.12 - 10.00 horas;
- 22.08.2002 - 07.49 às 18.30 - 10.50 horas;
- 23.08.2002 - 07.35 às 16.32 - 09.00 horas;
- 26.08.2002 - 07.40 às 16.46 - 09.00 horas;
- 27.08.2002 - 07.53 às 16.46 - 09.00 horas;
- 28.08.2002 - 07.28 às 13.33 e 14.06 às 16.44 - 09.00 horas;
- 05.09.2002 - 07.44 às 12.43 e 13.21 às 17.38 - 09.00 horas;
- 10.09.2002 - 08.36 às 16.58 - 09.00 horas;
- 13.09.2002 - 07.33 às 16.24 - 09.00 horas;
- 20.09.2002 - 08.00 às 16.25 - 08.50 horas;
- 25.09.2002 - 07.32 às 16.34 - 09.00 horas;
- 26.09.2002 - 07.58 às 13.44 e 14.19 às 18.22 - 10.00 horas;
- 02.10.2002 - 07.57 às 12.53 e 13.21 às 16.46 - 08.50 horas;
- 03.10.2002 - 07.31 às 13.00 e 13.21 às 17.28 - 09.50 horas;
- 16.10.2002 - 07.52 às 14.22 e 15.07 às 18.23 - 09.50 horas;
- 17.10.2002 - 07.33 às 12.54 e 14.10 às 17.53 - 09.50 horas;
- 21.10.2002 - 07.34 às 13.01 e 13.52 às 17.51 - 09.50 horas;
- 23.10.2002 - 08.01 às 13.25 e 14.03 às 17.11 - 08.50 horas;
- 29.10.2002 - 08.26 às 12.55 e 13.25 às 18.30 - 09.50 horas;
- 30.10.2002 - 07.34 às 14.25 e 15.01 às 16.37 - 08.50 horas;
- 04.11.2002 - 07.30 às 15.59 - 08.50 horas;
- 07.11.2002 - 07.30 às 13.50 e 14.37 às 16.37 - 09.00 horas;
- 21.11.2002 - 07.30 às 13.23 e 13.53 às 16.49 - 09.00 horas;
- 25.11.2002 - 07.33 às 16.56 - 09.50 horas;
- 26.11.2002 - 07.45 às 13.38 e 14.06 às 17.32 - 09.00 horas;
- 04.12.2002 - 08.07 às 12.24 e 12.52 às 16.41 - 08.50 horas;
- 05.12.2002 - 07.31 às 12.57 e 14.51 às 17.57 - 08.50 horas;
- 10.01.2003 - 07.58 às 16.27 - 08.50 horas;
- 14.01.2003 - 08.10 às 12.42 e 13.27 às 18.27 - 09.50 horas;
- 15.01.2003 - 08.16 às 12.10 e 13.45 às 18.23 - 08.50 horas;
- 16.01.2003 - 08.08 às 18.32 - 10.50 horas;
- 23.01.2003 - 08.15 às 12.05 e 12.45 às 18.30 - 09.50 horas;
- 17.04.2003 - 07.54 às 12.38 e 13.06 às 18.47 - 10.50 horas;
- 28.04.2003 - 08.20 às 12.19 e 13.02 às 17.29 - 08.50 horas;
- 30.04.2003 - 08.19 às 16.51 - 08.50 horas;
- 02.05.2003 - 07.30 às 16.17 - 09.00 horas;
- 05.05.2003 - 07.57 às 16.28 - 08.50 horas;
- 07.05.2003 - 08.00 às 16.45 - 09.00 horas;
- 08.05.2003 - 07.58 às 11.50 e 12.41 às 18.58 - 10.00 horas;
- 12.05.2003 - 08.19 às 12.47 e 13.17 às 18.13 - 10.00 horas;
- 19.05.2003 - 07.55 às 12.57 e 14.04 às 18.24 - 09.50 horas;
- 20.05.2003 - 07.32 às 12.31 e 13.01 às 16.29 - 08.50 horas;
- 02.06.2003 - 08.02 às 16.26 - 08.50 horas;
- 06.06.2003 - 07.59 às 16.27 - 08.50 horas;
num total de 120 horas.

48.º - Igualmente, no período de 17.07.2001 a 01.08.2003, foram registadas ordens de transacção em bolsa, em nome do “T...... – AA, aqui autor, no intervalo de tempo entre o primeiro e o último registo de cada dia, descontado na maior parte dos dias o maior intervalo de tempo em horário compatível com a hora de almoço, ou trabalho após as 18.00 horas, como segue, intervalo de tempo que totaliza também o seguinte número de horas, em dias de feriado em Portugal:
- 15.08.2001 - 09.53 às 12.18 e 14.23 às 16.29 e 17.58 às 20.59 - 07.50 horas;
- 05.10.2001 - 14.57 às 20.57 - 06.00 horas;
- 01.11.2001 - 08.09 às 17.53 - 10.00 horas;
- 25.04.2002 - 09.42 às 11.43 - 02.00 horas;
- 01.05.2002 - 09.06 às 16.49 - 08.00 horas;
- 10.06.2002 - 07.42 às 10.17 e 13.28 às 15.46 - 05.00 horas;
- 15.08.2002 - 07.34 às 13.20 e 13.51 às 18.26 - 10,50 horas;
- 25.04.2003 - 07.58 às 16.29 - 08.50 horas;
- 24.06.2003 - 08.00 às 16.18 - 08.50 horas,
num total de nove (9) dias feriado.

49.º - O trabalho dado como provado como prestado em 47.º e 48.º acima, resultava em benefício para a ré e para o autor, este porque recebia um prémio de desempenho, em função das receitas de corretagem conseguidas, em percentagem referida nos art.ºs 8.º a 11.º da matéria de facto acima.

Ao elenco que vem de ser reproduzido, e por forma a dele ficar a constar o teor integral da nota de culpa, o Tribunal da Relação aditou o seguinte:

50.º - A nota de culpa referida no ponto 16.º, supra, é do seguinte teor:

“BB, Sociedade Corretora, S.A., no âmbito do processo disciplinar instaurado contra AA,
DEDUZ ARTIGOS DE ACUSAÇÃO, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SEGUINTES:
1. O ora arguido AA desempenha, sob as ordens e direcção da BB, Sociedade Corretora, S.A., as funções inerentes à categoria de operador de mercado de valores mobiliários.
2. No dia 01 de Agosto de 2003 a Entidade Empregadora detectou que nos dias 23, 24 e 29 de Julho de 2003 o arguido efectuou diversas compras a descoberto, todas envolvendo um montante global liquido de € 28.315,98 (vinte e oito mil trezentos e quinze euros) em acções, na conta de um dos seus clientes, cliente n.° 000000.
3. Solicitado a esclarecer essa situação pelo administrador Dr. DD, o trabalhador ora arguido afirmou ter informações de que o cliente teria depositado esse montante, o que não é tolerável do ponto de vista do funcionamento interno da Entidade Empregadora.
4. Acresce que com tal comportamento o arguido não apenas violou directrizes internas da empresa, como com o seu comportamento violou gravemente preceitos legais imperativos, a que, do mesmo modo, a Entidade Empregadora se encontra sujeita.
5. De resto, embora tal não esteja a ser imputado ao arguido neste processo, o arguido já havia sido chamado à atenção por parte da Administração da BB - Sociedade Corretora, S.A., pelo incumprimento do manual de procedimentos interno, ao efectuar compras para clientes sem a conta estar previamente aprovisionada e ao autorizar vendas a descoberto, sem haver sido transmitida ordem por parte do cliente nesse sentido e sem existir qualquer mandato de gestão de carteira.
6. O ora arguido actuou de forma livre e consciente, bem sabendo ser a sua conduta susceptível de prejudicar a imagem da BB, Sociedade Corretora, S.A., para além de se traduzir numa desobediência aos procedimentos definidos pela Entidade Empregadora e implicar a violação de lei por parte desta.
Com a sua conduta, o arguido violou o dever de, com zelo e diligência, cumprir as obrigações inerentes ao exercício do posto de trabalho que lhe estava confiado, bem como o dever de obediência à Entidade Patronal, em tudo o que respeite à execução do trabalho, a que se encontra obrigado, respectivamente, nos termos da alínea b) e da primeira parte da alínea c), ambas do art.º 20.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
Tais factos revelam falta de idoneidade do arguido para exercer de forma correcta e consciente as suas funções, segundo as normas, instruções e regras profissionais, determinando a perda de confiança pela Entidade Empregadora, tornando imediata e praticamente impossível a relação de trabalho, constituindo justa causa de despedimento, por violação das alíneas a), d), e) do n.° 2 do art.° 9° do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Determina-se ainda, em face da gravidade dos factos e da elevada probabilidade de continuação da conduta descrita, que o arguido seja suspenso preventivamente, sem perda de retribuição, de acordo com o disposto no art.º 11° do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Lisboa, 11 de Agosto de 2003”.

O mesmo tribunal superior aditou, outrossim, ao elenco dos factos provados o seguintes números:

51.º - Findo o primeiro julgamento, proferiu o Sr. Juiz a quo o seguinte despacho:

“Terminada a produção da prova, pelo A. foi dito que em lugar da reintegração, opta pela indemnização prevista pelo n.º 3 do Art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro”.

52.º Após 19 de Junho de 2003 continuaram a ser efectuadas compras de acções para clientes da R. que tinham a sua conta-corrente com saldo negativo, não apenas em relação ao cliente 000000, integrado na carteira gerida pelo A., como em relação aos seguintes:

- FF (conta n.º 000000);
- GG (conta n.º 000000);
-HH - Gestão e Estratégia, Ld.ª (conta n.º 000000);
- EE (conta n.º 000000) e
- II (conta n.º000000)

– cfr. docs. de fls. 247 a 416 do 2.º volume.

2. Não vindo impugnada a decisão do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto, e não se verificando qualquer das situações que, nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, autorizam o Supremo Tribunal a censurar tal decisão, é com base na factualidade por aquele tribunal superior fixada que hão-se ser apreciadas as questões suscitadas nas conclusões do recurso de revista que se enunciam por ordem de precedência lógica:

1.ª — Saber se ocorreu justa causa para o despedimento do Autor;

2.ª — Saber, na hipótese de resposta negativa à anterior questão, se, por virtude da carta de rescisão com aviso prévio (denúncia) do contrato enviada pelo Autor à Ré, em 4 de Agosto de 2003, para produzir efeitos em 7 de Outubro de 2003, o Autor apenas tem direito às retribuições vencidas até esta última data; e

3.ª — Saber, em caso de resposta negativa à segunda questão, se configura abuso do direito o pedido de condenação da Ré no pagamento de retribuições vencidas a partir de 7 de Outubro de 2003.

3. Da justa causa do despedimento:

3. 1. Dado que o despedimento do Autor ocorreu antes de 1 de Dezembro de 2003, tem aqui inteira aplicação — como consideraram as instâncias, sem discordância das partes — a disciplina contida no Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro , bem como no Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto que aprovou o Código do Trabalho.

A noção de justa causa contida no artigo 9.º, n.º 1, da LCCT pressupõe, de harmonia com o entendimento firmado na doutrina e na jurisprudência, a verificação cumulativa de três requisitos: – um comportamento ilícito e culposo imputável ao trabalhador; a impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho; e o nexo de causalidade entre aquele comportamento e tal impossibilidade.

A ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato.

A culpa – que deve ser apreciada, segundo o critério consignado no artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, o que, no quadro da relação jurídica laboral, significa um trabalhador normal, colocado perante o condicionalismo concreto em apreciação –, tem de assumir uma tal gravidade objectiva, em si e nos seus efeitos, que, minando irremediavelmente a confiança que deve existir entre as partes no cumprimento de um contrato com o carácter fiduciário, intenso e constante, do contrato de trabalho, torne inexigível ao empregador a manutenção da relação laboral.

A inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho verificar-se-á, sempre que, face ao comportamento do trabalhador e às circunstâncias do caso, a subsistência do vínculo fira de modo violento a sensibilidade e liberdade psicológica de uma pessoa normal, quando colocada na posição real do empregador, no circunstancialismo apurado, o que pressupõe a necessidade de um prognóstico sobre a viabilidade da relação de trabalho, ou seja, um juízo, referido ao futuro, sobre a impossibilidade das relações contratuais, do que decorre que, assentando a relação laboral na cooperação e recíproca confiança entre o trabalhador e o empregador e num clima de boa fé, a mesma não poderá manter-se se o trabalhador destruir ou abalar, de forma irreparável, a confiança na idoneidade futura da sua conduta.

A gravidade do comportamento do trabalhador e a inexigibilidade da subsistência do vínculo não podem ser apreciadas em função do critério subjectivo do empregador, mas sim na perspectiva de um bom pai de família, ou seja de um empregador normal, norteado por critérios de objectividade e razoabilidade, devendo o tribunal atender, ainda, por força do disposto no n.º 5 do artigo 12.º da LCCT, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, ao carácter das relações entre as partes ou entre os trabalhadores e os seus companheiros e às demais circunstâncias que, no caso, se mostrem relevantes.

Como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Junho de 2003 (Documento n.º SJ200306240034954 em www.dgsi.pt) — onde se convocam pertinentes referências doutrinárias e jurisprudenciais —, a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de “justa causa”, sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica e a averiguação da existência da impossibilidade prática da relação de trabalho ou da “inexigibilidade” da sua subsistência deve ser feita em concreto, à luz de todas as circunstâncias que no caso se mostrem relevantes, mediante o balanço dos interesses em presença e pressupõe um juízo objectivo, segundo um critério de razoabilidade e normalidade, só podendo afirmar-se a impossibilidade da subsistência da relação de trabalho quando, à luz de um tal juízo, se conclua que a ruptura é irremediável e, portanto, nenhuma outra medida se revela adequada a sanar a crise contratual aberta pelo comportamento do trabalhador. Na verificação da justa causa de despedimento não encontramos, pois, só as operações lógico-subsuntivas a que se reporta o sistema do ónus da prova mas, também, juízos de prognose e valorativos necessários para o preenchimento individualizado de uma hipótese legal indeterminada e, portanto, incompleta, podendo, por conseguinte afirmar-se que o legislador transferiu para o julgador a tarefa de concretizar em cada momento a aplicação da “cláusula geral” (justa causa), estimulando, desse modo, a prática de uma justiça individualizante.

Na acção de impugnação judicial do despedimento, a entidade empregadora apenas pode invocar factos constantes da decisão final proferida no processo disciplinar, competido-lhe a ela a prova dos mesmos — artigo 12.º, n.º 4, da LCCT —, incumbindo ao trabalhador a invocação e prova dos factos impeditivos da virtualidade extintiva do contrato de trabalho própria dos comportamentos integradores da justa causa descritos na referida decisão final, designadamente dos factos reveladores de desproporcionalidade ou desigualdade de tratamento disciplinar, atento o disposto no artigo artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil — neste sentido, entre outros, os Acórdãos deste Supremo de 22 de Março de 2007 e de 18 de Abril de 2007 (Documentos n.os SJ200703220046094 e SJ200704180042784, em www.dgsi.pt).

3. 2. O douto acórdão impugnado, após considerações gerais coincidentes, no essencial, com as que vêm de ser explanadas — traduzindo a linha de orientação a que a recorrente anui, designadamente, nas conclusões B a D, Q e Z da revista —, apreciou o caso tendo por referência o estatuído na norma do artigo 9.º, n.º 2, alínea a), da LCCT, segundo a qual «[c]onstitui justa causa de despedimento a desobediência ilegítima a ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores». Discorreu como segue:

«São pertinentes para apreciação da questão da justa causa os seguintes factos:

20.º - Por força do Regulamento da CMVM n.° 15/2000 publicado no DR, IIª série de 17.07.2000, as operações realizadas pelas corretoras em nome dos seus clientes são liquidadas ao dia “D+3”, o que significa que o cliente tem que liquidar tal operação até ao 3.º dia útil a contar da realização da compra.

21.º - Do mesmo modo, a corretora tem que pagar ao cliente o produto da venda até ao 3.º dia útil após a mesma.

22.° - É esta a regra geral para as operações em bolsa efectuadas pelas corretoras.

23.° - Em 12 de Junho de 2003, a Administração da ré, através da sua comissão executiva integrada pelos Snrs. DD e EE, fizeram circular entre os seus trabalhadores, um regulamento interno em que supostamente são alterados os procedimentos internos no que se refere ao aprovisionamento das contas dos clientes.

24.° - Em tal regulamento interno, pode ler-se que a partir de 19 de Junho de 2003, é alterada a regra de liquidação ao dia “D+3”, para a “D-1”.

25.° - O que significa que a partir daquela data, os clientes da ré passavam a ter de aprovisionar as suas contas correntes com valor suficiente para as ordens de compra, previamente à execução das mesmas.

29.° - Em 14 de Maio de 2003, o Administrador da ré, Snr. EE, enviou ao autor a comunicação que se encontra a fls. 175 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, sobre “anomalias nos procedimentos” por si adoptados, fazendo menção, nomeadamente, do incumprimento do manual de procedimentos relativamente ao cliente n.° 000000 e de uma ocorrência tida por não normal com um negócio bolsista que envolveu os clientes n.ºs 000000 e 000000. Cf. doc. de fls. 175.

30.º - Nos dias 23, 24 e 29 de Julho de 2003, o autor efectuou diversas compras de títulos em bolsa, a descoberto, somando o montante global líquido de 28.315,98 euros, em acções, na conta do cliente n.° 000000, integrado na carteira gerida pelo autor.

32.° - O trabalho de “t......” - operador de bolsa -, na empresa ré, é organizado por equipas de dois (2) elementos, sendo uma delas constituída pelo autor e pelo Snr. CC.

33.° - Cada equipa, livre e autonomamente, organiza e reparte entre os seus dois elementos o tempo de trabalho, podendo estar simultaneamente em serviço os dois elementos, ou estar apenas um durante um certo período de tempo, conforme a hora e as circunstâncias das praças bolsistas o aconselhem.

34.° - Pode também acontecer não estar qualquer elemento de uma dada equipa em dado momento ao serviço, sendo então o eventual serviço dessa equipa “acumulado” por um elemento de outra equipa em serviço.

40.º - A alteração do regulamento e dos procedimentos internos referidos acima nos art.ºs 23.º a 25.º da matéria de facto, teve em vista reorganizar a empresa ré, aumentar a produtividade e diminuir o “risco” inerente a esta actividade de corretagem e foi decidida na sequência de recomendações do Banco de Portugal após inspecções directas à ré. Cf. docs. fls. 154/158 dos autos.

41.º - No início de Janeiro de 2003, entrou em funções na ré, nova Administração.

42.º - Na data em que a ré recebeu do autor a carta de rescisão do contrato de trabalho entre ambos celebrado – 05.08.2003, cf. art.º 19.º da matéria de facto acima –, enviou carta aos seus clientes, anunciando mudanças. Cf. doc. fls. 68 do processo.

43.º - No início de Julho de 2003, o autor viu-se confrontado com a devolução de sete cheques da ré, por si assinados, por falta de provisão, num total de € 911.496,40. Cf. docs. fls. 69 a 82 dos autos.

44.º - Cheques que o autor assinara após lhe terem sido apresentados já preenchidos.

45.º - Confrontado com a devolução dos cheques, por e-mail de 01.07.2003, o autor comunicou ao Administrador da ré, EE, a sua indisponibilidade, a partir dessa data para assinar qualquer cheque ou documento que pudesse pôr em causa o seu bom nome perante terceiros. Cf. doc. fls. 83.º dos autos.

46.º - Até 19 de Junho de 2003, data da entrada em vigor do novo regulamento interno da ré, a prática da empresa foi sempre a de cumprir a regra “D+3”.

52.º - Após 19 de Junho de 2003 continuaram a ser efectuadas compras de acções para clientes da R. que tinham a sua conta-corrente com saldo negativo, não apenas em relação ao cliente 000000, integrado na carteira gerida pelo A., como em relação aos seguintes:

- FF (conta n.° 000000);
- GG (conta n.° 000000);
- HH - Gestão e Estratégia, Ld.ª (conta n.° 000000);
- EE (conta n.° 000000) e
- II (conta n.° 0000000) –

– cfr. docs. de fls. 247 a 416 do 2.º volume.

Dos factos provados resulta que a R. despediu o A. com fundamento em que ele, nos dias 23, 24 e 29 de Julho de 2003 efectuou diversas compras de títulos em bolsa, a descoberto, somando o montante global líquido de € 28.315,98, em acções, na conta do cliente n.º 000000, integrado na carteira gerida pelo mesmo. São estes os únicos factos constantes da nota de culpa, tudo o mais dela constante integra matéria de direito ou é conclusiva.

A regra D+3, determinando que as operações podiam ser liquidadas até ao 3.º dia útil posterior à transacção, compra ou venda de títulos, permitia que as contas-correntes dos clientes apresentassem saldo negativo, desde que observado fosse o prazo; no entanto, a regra D-1, obrigando os clientes a provisionar as contas no dia anterior à compra das acções, conduzia a que as contas-correntes tivessem de ter sempre saldo positivo, sob pena de a transacção não poder/dever ser efectuada pelo t.......

Tal significa que o A., tendo dado ordem de compra de títulos a descoberto, isto é, sem que o cliente em causa tivesse depositado na sua conta-corrente o numerário necessário para pagar o preço correspondente, não cumpriu a regra D-1, assim desobedecendo à R.

Esta conduta apresenta um certo grau de gravidade, em si mesmo, pois a R. assistia a um processo de reorganização, tendo tomado posse nova Administração e alterou, neste contexto, a regra D+3 para D-1, não porque lhe tivesse sido imposto, mas no seguimento de recomendações de carácter prudencial do Banco de Portugal, nesse sentido. Aliás, o Art.º 5.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 262/2001, de 28 de Setembro, estabelece que “É ainda vedado às sociedades corretoras: a) Conceder crédito sob qualquer forma.

No entanto, impõe-se compaginar a conduta do A., não apenas em si mesma, mas dentro do ambiente da empresa como, em tese geral, acima se referiu.

Ora, neste aspecto, como se viu, mesmo antes da entrada em vigor da regra D-1, 2003-0619, a regra D+3 possibilitava a existência de saldos negativos nas contas-correntes dos clientes. Por outro lado e não menos importante, embora não se tenha provado a respectiva autoria, certo é que transacções foram efectuadas na R. com saldos negativos verificados nas contas de diversos clientes, desconhecendo-se se, adrede, foram instaurados processos disciplinares.

Por outro lado, ficou por explicar a razão pela qual foi instaurado processo disciplinar ao A. quando este já tinha declarado rescindir o contrato de trabalho e se mantinha na R. a trabalhar para cumprir o aviso prévio legal.

Acresce que na apreciação da justa causa o Tribunal a quo levou em consideração um facto dado como provado, mas que não consta da nota de culpa nem da decisão disciplinar, que é o assente, supra, sob o n.º 29, como se vê de fls. 1114-5 da sentença. Tal, porém, viola expressamente o disposto no Art.º 10.º, n.º 9 da LCCT (*), pelo que não o podemos levar em consideração.

Ora, analisados destarte os factos que podem ser considerados na apreciação da justa causa, afigura-se-nos que a conduta do A. é menos grave no confronto com a prática que continuou a existir na R. depois de estabelecida a regra D-1, apesar dos foros de gravidade que apresenta em si mesma. Na verdade, não basta demonstrar o incumprimento de uma ordem pelo trabalhador, impondo-se também que ela seja dada por quem tenha legitimidade formal e substancial para o fazer, o que implica um tratamento semelhante para todos os t......s e operadores da empresa, isto é, a conduta do A. poderia constituir justa causa de despedimento se os autores dos outros descobertos fossem censurados de igual ou semelhante modo, pelo que não se pode exigir ao A., com a veemência com que foi feita a censura, que ele cumprisse a regra, ponto por ponto, quando ela se mostrava incumprida inúmeras vezes, atentos os extractos de conta-correntes constantes dos autos.

Por último, nada se provou em sede de antecedentes disciplinares do A.

Tal significa, a nosso ver, que a conduta do A. foi sancionada com excesso de rigor, atento o contexto de funcionamento da R., maxime posterior a 2003-06-19, para mais quando o contrato do A. tinha o seu fim marcado para Outubro seguinte, pelo que facilmente poderia ser aplicada uma sanção conservatória.»

A recorrente discorda deste entendimento, sustentando que a gravidade do comportamento do Autor, contrário ao regulamento interno da empresa, é por demais evidente, constituindo à partida, só por si, justa causa de despedimento, uma vez que consubstancia uma flagrante violação dos deveres de, com zelo e diligência, cumprir as obrigações inerentes ao exercício do posto de trabalho que lhe estava confiado, e de obediência à entidade patronal, em tudo o que respeite à execução do trabalho, consignados no artigo 20.º, n.º 1, alíneas b) e c), da LCT, violação essa especialmente agravada por se tratar de um trabalhador com funções de chefia, deste modo constituindo um rude golpe na relação de confiança que o vínculo laboral pressupõe.

Sustenta, outrossim, que só uma grave falta de coerência disciplinar da Ré poderia obstar a que a conduta do Autor pudesse deixar de ser considerada justa causa de despedimento, matéria relativamente à qual nada se apurou, sendo que ao Autor competia alegar e provar os factos que permitissem concluir pela falta de coerência disciplinar.

3. 3. Importa, desde já, registar que, do trecho que se transcreveu do acórdão revidendo, não pode retirar-se que o Tribunal da Relação teve como fundamento exclusivo ou principal, para concluir, como concluiu, pelo excesso de rigor da sanção aplicada ao Autor, a falta de coerência disciplinar da Ré.

Com efeito, o que desse trecho se pode extrair é que, no entendimento do tribunal recorrido, teria sido possível perspectivar de modo diferente o juízo sobre a (in)viabilidade da subsistência da relação laboral em causa se se tivesse provado que a Ré agira disciplinarmente, de modo semelhante, relativamente a comportamentos idênticos imputáveis a outros colaboradores, e não tendo sido feita essa prova, a severidade do juízo de censura que recaiu sobre o Autor, quanto ao incumprimento da regra do regulamento interno em causa, se mostra excessiva, por não poder exigir-se ao Autor «que ele cumprisse a regra, ponto por ponto, quando ela se mostrava incumprida inúmeras vezes, atentos os extractos de conta-correntes constantes dos autos».

Em suma, o acórdão recorrido relevou, para atenuar a gravidade do comportamento do Autor, a sua inserção numa prática que «continuou a existir na R. depois de estabelecida a regra D-1», tacitamente consentida pela Ré, e não, propriamente, a desigualdade de tratamento disciplinar consoante os agentes de cada caso.

Nesta óptica, tendo o Autor alegado factos, que se provaram, tendentes a demonstrar a continuação da mesma prática por outros colaboradores da Ré, a esta competia alegar e demonstrar factualidade que infirmasse o tácito consentimento, o que não sucedeu.

É de notar, por outro lado, como salienta a Exma. Magistrada do Ministério Público no seu parecer, que, de acordo com a matéria de facto apurada (pontos 23.º e 25.º), no aludido regulamento interno só supostamente foram alterados os procedimentos no que se refere ao aprovisionamento das contas dos clientes, e que, a partir da data em que passou a vigorar a alteração, supostamente, os clientes da Ré passavam a ter de aprovisionar as suas contas correntes com valor suficiente para as ordens de compra, previamente à execução das mesmas, o que está em sintonia com a continuação da prática da anterior regra D+3 em relação a vários clientes, sendo que apenas um fazia parte da carteira do Autor.

Num tal quadro de permissividade relativamente ao desrespeito pela nova regra, não pode, em juízo objectivo, considerar-se que o comportamento do Autor, mesmo atendendo às suas funções de chefia, assumiu, na vertente de infracção aos deveres de zelo e diligência na execução do trabalho e de obediência a instruções da empregadora, gravidade tal que fizesse destruir a relação de confiança indispensável à manutenção da relação laboral, afigurando-se, por um lado, que as circunstâncias do caso não permitem concluir que a continuação da relação laboral representaria um acentuado, incomportável e intolerável sacrifício (Acórdão deste Supremo de 10 de Outubro de 2007, em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200710100023634) para a empregadora — tanto mais que o Autor, poucos dias antes da instauração do procedimento disciplinar, havia manifestado a sua vontade de rescindir o contrato e a aplicação da sanção expulsiva foi tomada cerca de mês e meio antes de a rescisão se tornar eficaz — e afigurando-se, por outro lado, que no contexto circunstancial em apreciação, outras medidas disciplinares poderiam revelar-se suficientes para sancionar as faltas cometidas e adequadas a evitar, no curto período que, previsivelmente, restava à relação laboral, o incumprimento, por parte do Autor, já ciente da não passividade da Ré, dos procedimentos impostos pelo regulamento interno.

Não merece, por conseguinte, censura o que, a propósito foi decidido pelo douto acórdão impugnado.

4. Da relevância da comunicação da rescisão com aviso prévio do contrato na fixação da data limite a considerar para o cálculo das retribuições devidas em consequência da ilicitude do despedimento:

Como acima se deixou registado, o Tribunal da Relação condenou a Ré a pagar ao Autor as retribuições vencidas e vincendas desde o trigésimo dia anterior à data da propositura da acção até à data da prolação do acórdão que viesse a decidir definitivamente a acção, nela se incluindo a retribuição base, o subsídio de alimentação e o designado prémio de desempenho, a liquidar oportunamente (tanto o prémio de desempenho, como a totalidade das retribuições vencidas e vincendas), bem como uma indemnização de antiguidade correspondente a um mês de retribuição de base multiplicado pelo número de anos de antiguidade ou fracção, contabilizando todo o tempo decorrido até à data da prolação do acórdão anteriormente referido, também a liquidar oportunamente.

Atendeu, para tanto, ao que se mostra consignado no artigo 13.º da LCCT, segundo o qual:

«1. Sendo o despedimento declarado ilícito, a entidade empregadora será condenada:
a) No pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença;
b) Na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, salvo se até à sentença este tiver exercido o direito de opção previsto no n.º 3, por sua iniciativa ou a pedido do empregador.
2. Da importância calculada nos termos da alínea a) do número anterior são deduzidos os seguintes valores:
a) Montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data de propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
b) Montante das importâncias relativas a rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.
3. Em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido até à data da sentença.»

Pretende a recorrente, nas conclusões II a PP da revista, fazer valer o entendimento de que, a ser considerado ilícito o despedimento, o Autor apenas tem direito às retribuições vencidas até 7 de Outubro de 2003, data em que produziria efeitos a rescisão do contrato por ele efectuada, mediante comunicação por ela, Ré, recebida em 5 de Agosto de 2003.

Argumenta, em síntese, que a declaração de ilicitude do despedimento tem como consequência que o contrato subsiste como se não tivesse havido despedimento, daí o direito à reintegração, ou à indemnização substitutiva, e às retribuições desde a data do despedimento até à reintegração, mas, no caso, o vínculo cessou por rescisão em 7 de Outubro de 2003, pelo que, até esta data, o Autor terá direito a receber tudo o que lhe é devido, e nada a partir dela.

Não pode ser acolhida a pretensão da recorrente.

Como se observou no Acórdão deste Supremo de 24 de Maio de 2006 (Documento n.º SJ200605240003694, em www.dgsi.pt), a apresentação da declaração de rescisão contratual com aviso prévio só produz efeitos no final do prazo respectivo, podendo o signatário revogar a declaração de rescisão até ao 2.º dia útil seguinte à data da produção dos seus efeitos (artigos 38.º, n.º 1 e 39.º da LCCT e 2,º, n.º 1, da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto), mantendo-se a relação laboral em vigor, na pendência do aviso prévio, com todos os direitos e obrigações das partes, e, podendo, no decurso do respectivo período, o desenvolvimento do contrato gerar situações anómalas, justificativas do rompimento antecipado do vínculo, a qualquer das partes é permitido pôr-lhe termo com justa causa.

No caso, o contrato cessou por decisão da entidade empregadora, antes de decorrido o prazo de aviso prévio, desse modo se inutilizando o efeito pretendido pelo Autor ao manifestar a sua vontade de o rescindir, efeito cuja produção, aliás, não fora a extinção do contrato por decisão da empregadora, sempre poderia, durante o referido prazo e até ao segundo dia útil posterior ao seu termo final, por manifestação de vontade unilateral do Autor ser impedida, manifestação esta que deixou de fazer sentido, face à extinção da relação laboral exclusivamente imputável à empregadora.

Quer isto dizer que, contrariamente ao que pretende a Ré, o contrato não cessou — nem rigorosamente se pode afirmar que inevitavelmente cessaria —, por virtude da carta de rescisão, em 7 de Outubro de 2003, tendo, isso sim, terminado em 28 de Agosto do mesmo ano, data em que o Autor recebeu a comunicação do despedimento e a partir da qual cessaram os deveres e direitos recíprocos das partes emergentes da sua vigência, neles se compreendendo os implicados na carta de rescisão.

Deste modo, a posterior declaração de ilicitude do despedimento não pode ter como consequência a repristinação da eficácia da carta de rescisão, em termos de se ter por verificada a cessação do contrato na data nela prevista e, por conseguinte, os efeitos da referida declaração de ilicitude não sofrem qualquer restrição pelo facto de ter existido a comunicação de rescisão, havendo de aplicar-se, na sua plenitude, o disposto no artigo 13.º da LCCT, com o consequente reconhecimento, como se fez no acórdão recorrido, do direito do Autor a receber as retribuições vencidas até à data da decisão final.

5. Do abuso do direito:

Reconhecida a existência do direito às retribuições vencidas posteriormente a 7 de Outubro de 2003, é mister apreciar se o exercício de tal direito se apresenta ilegítimo, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e/ou pelo fim económico-social, como defende a recorrente, nas conclusões QQ a XX da revista, sustentando que o Autor, agindo como se não tivesse rescindido o contrato, veio pedir o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, desse modo violando clamorosamente o princípio da boa fé.

Decorre do artigo 334.º do Código Civil que o abuso do direito consiste no exercício ilegítimo de um determinado direito, traduzindo-se a ilegitimidade em actuação, por parte do respectivo titular, que manifestamente exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico ou social desse direito.

Para que o exercício do direito seja considerado abusivo, não basta que tal exercício cause prejuízos a outrem, é necessário que o titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito, de tal modo que o excesso, à luz do sentimento jurídico socialmente dominante, conduz a uma situação de flagrante injustiça — cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 2.ª Edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1973, p. 422-423; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 1967, p. 217.

A confiança digna de tutela, segundo o ensinamento de João Baptista Machado — Obra Dispersa, Volume I, Scientia Jurídica, Braga, 1991, p. 416 e segs —, deve radicar numa conduta de alguém, titular de um direito, que, de facto, possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada conduta futura, de tal modo que a situação de confiança gerada pela anterior conduta do titular do direito conduz, objectivamente, a uma expectativa legítima de que o direito já não será exercido, expectativa que determina aquele contra quem o direito vem a ser invocado a agir, exclusivamente com base na situação de confiança, contra o interesse do titular do direito.

No caso que nos ocupa, não se provou, nem a Ré alegou, como lhe competia — artigo 342.º, n.º, 1, do Código Civil —, que o comportamento do Autor (o envio da carta de rescisão) deu origem a uma situação objectivamente geradora de legítima expectativa, por parte da Ré, de que ele não iria, caso, posteriormente, viesse a ser alvo de despedimento, a invocar a ilicitude deste e a exercer os direitos emergentes de despedimento ilícito, entre os quais o de receber todas prestações vencidas e vincendas por efeito da declaração de ilicitude, nos termos consignados no artigo 13.º da LCCT.

Acresce que o direito em causa emerge de um acto ilícito cometido pela Ré, não podendo estabelecer-se nexo causal entre aquele comportamento do Autor e o comportamento ilícito da Ré, pelo que não há fundamento de facto e de direito para se considerar que a dedução da pretensão, nesta acção, excede manifestamente os limites dos ditames da boa fé, dos bons costumes e, menos ainda, do fim económico ou social do direito às retribuições na medida pretendida pelo Autor.

E a alegada desproporção entre o que o Autor receberia até 7 de Outubro de 2003 e o que lhe é reconhecido por aplicação do citado artigo 13.º deve-se, exclusivamente, à decisão de despedi-lo, sem que se verificassem os pressupostos da justa causa, decisão cujas consequências não podem ser neutralizadas pela invocação da figura do abuso do direito.

Improcede, por isso, também, nesta parte a alegação da revista.



III

Por tudo o exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira