Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
185/13.6YHLSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
MARCAS
UNIÃO EUROPEIA
COMPETÊNCIA
INVALIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRAFACÇÃO
CONTRAFAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - RECURSO JUDICIAL / COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL.
DIREITO EUROPEU - DIREITO DE MARCAS / MARCAS COMUNITÁRIAS / NULIDADE DA MARCA COMUNITÁRIA / PEDIDO DE ANULAÇÃO / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS DOS ESTADOS-MEMBROS / COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS NACIONAIS QUE NÃO SEJAM TRIBUNAIS DE MARCAS COMUNITÁRIAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 154.º, N.º 1, 607.º, N.ºS 3 E 4, 663.º, N.º 2, E 679.º.
CÓDIGO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL (CPI): - ARTIGOS 40.º, N.º 2, 46.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 617.º, N.º 5, 666.º, 679.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º 1.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 207/2009: - ARTIGOS 14.º, N.º 2, 52.º, N.º1, 53.º, N.º1, 56.º, 57.º, 58.º E SS., 94.º, N.º1, 96.º, ALÍNEAS A) E D), 97.º, 99.º, N.º1, 100.º, 106.º, 107.º, 109.º, N.º 2, 110.º, N.º 1.
REGULAMENTO (CE) Nº 44/2001 DO CONSELHO, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000: - ARTIGOS 22.º, N.º 4, 24.º.
REGULAMENTO (UE) Nº 1215/2012 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):

-DE 14 DE JULHO DE 1983, PROC.N.º 201/82, GERLING V. AMMINISTRAZIONE DEL TESORO DELLO STATTO.
-DE 11 DE JUNHO DE 2009, PROC. N.º C-529/2007, CHOCOLADEFABRIKEN LINDT & SPRÜNGLI AG V. FRANZ HAUSWIRTH GMBH..
-DE 16 DE FEVEREIRO DE 2013, CELAYA EMPARANZA V. GALDOS INTERNACIONAL, PROC. N.º C-488/10.
-DE 21 DE FEVEREIRO DE 2013, PROC. N.º C-561/11, FÉDÉRATION CYNOLOGIQUE INTERNACIONALE V. FÉDÉRATION CANINA INTERNACIONAL DE PERROS DE PURA RAZA.
Sumário :
I - A lei portuguesa exige que as decisões judiciais sejam fundamentadas (arts. 154.º, n.º 1, 607.º, n.ºs 3 e 4, 663.º, n.º 2, e 679.º do CC e art. 205.º, n.º 1, da CRP); mas não impede a fundamentação por incorporação da decisão apreciada em recurso ou por aceitação dos respectivos fundamentos.

II - O Tribunal da Propriedade Intelectual é, em Portugal, o tribunal da marca comunitária (art. 40.º, n.º 2, do CPI). O Tribunal da Relação de Lisboa é o tribunal de 2.ª instância correspondente (art. 46.º, n.º 2, do CPI).

III - A competência para apreciar pedidos de declaração de invalidade de marcas comunitárias (actualmente denominadas “marcas da UE”) encontra-se concentrada no IHMI – Instituto de Harmonização do Mercado Interno (actualmente denominado “Instituto da Propriedade Intelectual da EU”), salvo se a declaração de invalidade tiver sido pedida pelo réu, por via de reconvenção, em acções de contrafacção (infringement).

IV - Nessa eventualidade, o tribunal competente para julgar a acção – e que há-de ser um tribunal de marcas comunitárias – vê a sua competência estendida à apreciação do pedido reconvencional de declaração de invalidade (alíneas a) e d) do art. 96.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009).

V - Só se prevêem, assim, duas vias de anulação ou de declaração de nulidade de uma marca comunitária: mediante um pedido dirigido ao IHMI ou através de um pedido reconvencional deduzido perante um tribunal de marca comunitária, em acções da sua competência.

VI - Ao prever as acções de contrafacção e a dedução de reconvenção em acções de contrafacção, para obter a anulação ou declaração de nulidade de marcas comunitárias, o Regulamento (CE) n.º 207/2009 não se está a referir a processos crime relativos ao crime de contrafacção.

VII - Não podendo o tribunal da acção julgar os pedidos de anulação das marcas comunitárias, por não ser o competente para o efeito, deve tomá-las como válidas, nos termos do art. 107.º do Regulamento (CE) n.º 207/2009, na medida em que isso for relevante para a apreciação de quaisquer outras questões para as quais o tribunal é competente, o que não é o mesmo que declará-las válidas, em julgamento incongruente com a falta de competência previamente declarada.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. BANCO DE INVESTIMENTO GLOBAL, SA instaurou no Tribunal da Propriedade Intelectual uma acção contra BANCO BIC PORTUGUÊS, SA, na qual pediu:

«a) seja o Réu condenado a abster-se de utilizar a marca nacional mista n.° 408896, da titularidade da sociedade de direito angolano Banco BIC, S.A, ou, subsidiariamente, quando assim não se entenda,

b) seja o Réu condenado a abster-se de utilizar a marca sob a forma da apresentação do respectivo sinal verbal escrito em letras brancas sobre um fundo de cor vermelha ou alaranjada;

e

c) sejam anulados os registos da marca comunitária mista n° 006865844, da marca nacional mista n.º 500559, do logótipo nacional n. ° 26887, da marca comunitária mista n.° 011309358 e da marca comunitária mista n.° 011359437, todas da titularidade da ora Ré, Banco BIC, com a consequente abstenção do respectivo uso; ou, subsidiariamente, para o caso de assim não se entender,

d) seja declarada a caducidade dos registos da marca comunitária mista n.° 006865844, da marca nacional mista n.° 500559, da marca comunitária mista n.° 011309358 e da marca comunitária mista n.° 011359437, todas da titularidade da ora Ré, Banco BIC, com a consequente abstenção do respectivo uso;

ou, subsidiariamente, para o caso de não procederem nem o pedido em c) nem o pedido em d),

e) seja o Réu Banco BIC condenado à abstenção definitiva da utilização da imagem, por via de qualquer suporte, composta pelo sinal verbal "Banco BIC" quando este seja apresentado em letras de cor branca sobre um fundo de cor vermelha ou alaranjada;

 e, cumulativamente com os pedidos ou o pedido supra que procedam.,

f) seja o Réu condenado ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de pagamento da quantia que seja por esse Tribunal fixada segundo critérios de razoabilidade, mas não inferior a €20.000,00 (vinte mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de abstenção em que seja condenada, tudo nos termos do disposto no art.°829.°-A do Código Civil".

Como primeiro fundamento dos pedidos de anulação que estão em causa no presente recurso, e em síntese, o autor invocou imitação da marca comunitária mista anterior, de que é titular, depositada em 9 de Março de 2006 e registada junto do Instituto de Harmonização para o Mercado Interno (IHMI) com o nº 004949871, para a classe 36 da classificação de Nice (Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional de Produtos e Serviços para efeitos de Registo de Marcas, de 15 de Junho de 1957) e, subsidiariamente, concorrência desleal.

BANCO BIC PORTUGUÊS, SA contestou. No que agora especialmente releva, veio arguir a incompetência absoluta do Tribunal da Propriedade Intelectual, por não ser “competente (salvo em sede reconvencional) para acções de nulidade, anulação ou declaração de caducidade de Marcas Comunitárias, não sendo igualmente competente (salvo em sede de recurso) para a declaração de caducidade de Marcas Nacionais”.

Alegou ainda que, segundo o disposto no artigo 107º do Regulamento da Marca Comunitária (o Regulamento nº 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009), o Tribunal da Propriedade Intelectual “deve considerar válidas as Marcas Comunitárias do Réu”.

Houve réplica, na qual a autora, por entre o mais, veio ampliar o pedido, incluindo “a anulação da denominação social do Réu e do direito de exclusivo por ela conferido, com o consequente cancelamento da respectiva inscrição no Registo Comercial do Réu e no Registo Comercial de Pessoas Colectivas, e a condenação à abstenção do uso, sob qualquer forma, daquela denominação social e do sinal BANCO BIC, ou qualquer outro que seja confundível com a marca comunitária do Autor (…)”; e respondeu às excepções, nomeadamente de incompetência. A ré respondeu na tréplica.

No despacho saneador, junto a fls. 232, o Tribunal da Propriedade Intelectual admitiu a réplica apenas em parte, dando por não “não escritos os factos constantes dos arts. 209º a 261º e 262º a 326º”, e admitiu a tréplica; e, apenas quanto ao que agora interessa, conhecendo da excepção de incompetência, julgou o tribunal incompetente “para apreciar os pedidos de anulabilidade, nulidade ou caducidade de marca de registo comunitário, que não sejam efectuados por via de pedido reconvencional”. Assim resulta, em seu entender, dos artigos 51º, nº 1, 52º, 53º, 96º, d) e 100º do Regulamento nº 207/2009. Julgou portanto “procedente a excepção de incompetência” quanto à “declaração de extinção (por qualquer das vias) das marcas comunitárias mistas nº 6865844, n.° 11309358 e n.° 11359437 da titularidade da Ré”, e declarou-as “válidas”.

Quanto ao mais, o tribunal julgou-se competente em razão da matéria.

Em recurso de apelação, o acórdão de Tribunal da Relação de Lisboa, junto a fls. 251, julgou admissíveis os artigos 209º a 254º e 255º a 314º da réplica e  confirmou a decisão de incompetência, recordando “que o legislador europeu pretendeu (…) um sistema jurisdicional, igual para todos os Estados que garantisse a interpretação uniforme da matéria atinente à aludida marca comunitária”.

2. A autora recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, quanto à decisão de incompetência.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões (desconsiderar-se-ão as que respeitam à justificação da admissibilidade do presente recurso como um recurso de revista excepcional, por se considerarem irrelevantes para a apreciação da revista, admissível nos termos previstos na al. a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil):

(…)

Os fundamentos da revista

(i) Nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º do CPC

h) Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por via do disposto no artigo 666.º do mesmo Código, é nulo o Acórdão sob censura por ter deixado de se pronunciar sobre a decisão, tomada pela 1.ª Instância, de declarar válidas as marcas comunitárias do Réu.

i) Caso se considere, porém, que a decisão da Relação, expressa como "Confirmar a decisão recorrida quanto à incompetência do Tribunal' abrange no seu âmbito a confirmação da sub­decisão de, como decorrência da declaração de incompetência, declarar válidas as marcas comunitárias do Réu, então o acórdão sob censura sempre padecerá da nulidade de falta de fundamentação dessa decisão, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC.

(ii) A violação da lei de processo quanto à competência do Tribunal e a violação de lei substantiva quanto à declaração de validade das marcas comunitárias do Réu

j) Nesta parte do Recurso, impugna-se a decisão, tomada no despacho saneador, de incompetência do Tribunal a quo para decidir do pedido de anulação dos registos das marcas comunitárias da titularidade do Réu e a decisão, também tomada no mesmo despacho, de declarar válidas essas mesmas marcas "nos termos do disposto no art. 107° do Regulamento de Marcas Comunitárias".

k) Na versão portuguesa do RMC, a alínea a) do artigo 96.° é traduzida como "acções de contrafacção". Porém, nas versões inglesa e espanhola do mesmo regulamento, o artigo 96.° estabelece que os tribunais de marcas comunitárias (que, em Portugal, é o Tribunal a quo) têm competência exclusiva: "for all infringement actions [ ... ] relating to Community trade marks", ''para cualquier acción por violación [ ... ] de una marca comunitaria". Ou seja, o RMC atribui aos tribunais de marca comunitária a competência exclusiva para todas as acções fundadas em violação de uma marca comunitária, o que é o caso dos presentes autos, já que a marca em que se funda o Autor, e que este alega estar a ser violada, é uma marca comunitária.

1) Tal como confirma a doutrina, estão nesta disposição incluídas a contrafacção propriamente dita, entendida esta como o uso por alguém de um sinal pertencente a outrem, mas também qualquer outra violação, como seja o uso de uma marca que constitui imitação de outra registada, caso em que não estamos no domínio da contrafacção tal como a conhecemos no nosso sistema jurídico. Só este – um sentido bem mais alargado da expressão "contrafacção" – pode ser o sentido correcto da tradução de infringement ou violación, já que, se atentarmos no texto dos artigos 52.° ou 53.° do RCM, não teria qualquer cabimento a existência de reconvenção em processos de contrafacção, se "contrafacção" fosse entendida com o sentido restrito com que vinha sendo consagrada no nosso ordenamento: com natureza criminal e, portanto, insusceptível de abarcar qualquer reconvenção...

m) Impõe-se portanto uma interpretação extensiva, ou mesmo correctiva, da expressão "contrafacção" sob pena de incoerências aberrantes no sistema interno português e de uma discriminação intolerável relativamente aos cidadãos dos outros estados-membros, a quem ninguém impede de recorrer aos seus tribunais de marca comunitária com fundamento na violação por terceiros – qualquer que ela seja – das suas marcas comunitárias.

n) Fundando-se o pedido de anulação formulado pelo Recorrente precisamente na violação de uma sua marca comunitária anterior, então é o tribunal de marca comunitária português que tem competência para tal julgamento.

o) Se é certo que nos termos dos artigos 52.° e 53.° do RMC, o IHMI tem também competência para declarar nulas as marcas comunitárias, essa competência é de natureza administrativa, não afectando, portanto, o carácter de exclusividade com que é atribuída a competência judicial aos tribunais de marcas comunitárias para os casos em que que tais pedidos de nulidade tenham o fundamento específico da violação de marca comunitária anterior.

p) Essa conclusão retira-se, nomeadamente, do disposto no n.º 3 do artigo 56.° do RMC. E, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir: o artigo 56.°, n.º 3, do RMC refere-se a decisões judiciais proferidas por tribunais nacionais, quer em resultado de reconvenção, quer em resultado de acção.

q) A competência do tribunal de marca comunitária (ou seja, do tribunal a quo) para conhecer de questões de extinção ou nulidade de uma marca comunitária, sem que tal se enquadre no âmbito de um pedido reconvencional, é admitida também por outras normas do próprio RMC, como a do n.º 3 do artigo 99.°.

a) Mas, ainda que assim não se entenda, isto é, ainda que não se entenda que a presente acção tem cabimento no disposto no artigo 96.° do RMC, Tribunal de 1.ª Instância sempre teria, ainda, competência para o pedido de anulação, mesmo que em concorrência com a competência administrativa do IHMI.

b) A mesma leitura resulta do disposto no Título X do RMC, relativo à Competência e Procedimento no que se refere a Acções Judiciais relativa a Marcas Comunitárias) na medida em que se estabelece no n. ° 1 do artigo 94.° do RMC que "Salvo se o presente regulamento dispuser em contrário. são aplicáveis aos processos relativos a marcas comunitárias e a pedidos de marca comunitária) assim como aos processos relativos a acções simultâneas ou sucessivas instauradas com base em marcas comunitárias e em marcas nacionais) as disposições do Regulamento (CE) n. º 44/2001."

c) o n.º 4 do artigo 22.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 dispõe, por sua vez, que "Têm competência exclusiva. qualquer que seja o domicílio, em matéria de inscrição ou de validade de patentes) marcas, desenhos e modelos) e outros direitos análogos sujeitos a depósito ou a registo) os tribunais do Estado-Membro em cujo território o depósito ou o registo tiver sido requerido. efectuado ou considerado efectuado nos termos de um instrumento comunitário ou de uma convenção internacional.

d) No caso, o Estado-Membro a que se refere o n.º 4 do artigo 22.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 é Portugal.

e) Acresce que o artigo 24.º do mesmo Regulamento (CE) n.º 44/2001 estabelece ainda que "Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º. O Réu interveio já junto do Tribunal de 1ª Instância contestando, não só por excepção mas também por impugnação, não tendo tido por único objectivo, portanto, arguir a incompetência do tribunal português. Também por aqui é, portanto, competente o Tribunal de 1.ª Instância.

f) O artigo 106.º do RMC esclarece sobre qual é, internamente, o tribunal português competente ao estipular que as acções sobre marcas são intentadas no tribunal português que fosse territorial e materialmente competente para conhecer de acções relativas a marcas nacionais registadas em Portugal.

g) Esse tribunal nacional é, actualmente, pelas regras da Lei da Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto e de ora em diante simplesmente designada por LOSJ), o Tribunal da Propriedade Intelectual, tribunal de competência especializada criado pela Lei n.º 46/2011, de 24 de Junho.

h) Da conjugação das disposições acima referidas, i.e., artigo 94.º, n.º 1, do RMC, conjugado com o artigo 22.º, n.º 4, do Regulamento n.º 44/2001 (CE) e com o artigo 96.º do RMC, resulta, por um lado, que o Tribunal a quo, enquanto tribunal de marca comunitária, é exclusivamente competente, para os pedidos e acções referidos no artigo 96.º do RMC (mesmo que, no cenário interpretativo aqui por cautela admitido, a expressão "contrafacção" não inclua a presente acção baseada em violação de marca comunitária);

i) E, por outro lado, que o Tribunal de 1ª Instância não deixa de ser, desta feita enquanto tribunal nacional de competência especializada, por via dos artigos 106.º, n.º 1, e 94.º, n.º 1, do RMC, exclusivamente competente para as restantes acções relativas à validade de marca comunitária, face ao disposto no n.º 4 do artigo 22.º do Regulamento n.º 44/2001 (CE).

j) Nada existindo no RMC que contrarie esta conclusão: nem a competência exclusiva que, para outras acções, é atribuída pelo artigo 96º ao tribunal de marca comunitária, nem o facto de serem previstos casos em que o IHMI também pode declarar a nulidade (absoluta ou relativa) de marcas comunitárias.

k) O facto de também junto do IHMI poder ser requerida a declaração de nulidade de marcas comunitárias não prejudica que, em sede judicial, a competência exclusiva para em primeira instância declarar tal nulidade continue a pertencer ao tribunal ao qual essa competência é expressamente atribuída pelos regulamentos comunitários vigentes.

1) Considerar – numa errada interpretação, como a que faz o Tribunal a quo – que nem sequer esta competência concorrencial existe é aceitar que as pertinentes disposições do Regulamento n.º 44/2001 (CE) (artigo 22.0) e do RMC (artigos 94.0, n.º 1, e 106.º, n.º 1) estão nesta matéria, de validade de marcas comunitárias, esvaziadas de conteúdo, e que onde expressa e textualmente se prevê uma competência exclusiva (artigo 22.º, n.º 4, do Regulamento n.º 44/2001 (CE)), não existe, afinal, uma qualquer atribuição de competência, nem mesmo concorrencial.

m) De tudo o supra exposto resulta que o Tribunal de 1.ª Instância, quer enquanto tribunal de marca comunitária, quer enquanto tribunal nacional de competência especializada, é competente para conhecer do pedido de anulação de marcas comunitárias formulado pelo Autor na sua petição inicial e que corresponde à alínea c) do pedido, ainda que tal competência não seja exclusiva mas sim concorrencial, entre o Tribunal e o IHMI.

n) Mais: a acção de anulação de marcas comunitárias com fundamento em actos de concorrência desleal é permitida pelo disposto no artigo 14.º, n.º 2, do RCM, que é claro a permitir a aplicação do direito nacional na propositura de acções quaisquer que sejam – relativas a marcas comunitárias que tenham nomeadamente por base as normas nacionais proibitivas da concorrência desleal. E uma das acções que no direito nacional tem por base o direito da concorrência desleal é, precisamente, a acção de anulação de marcas, com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artigo 239.°, por remissão do artigo 266.°, ambos do CPI.

o) Assim, permite o artigo 14.°, n.º 2, do RMC, ao remeter para o direito nacional, que seja intentada uma acção de anulação de marcas comunitárias tendo por base o direito nacional da concorrência desleal, nos termos do CPI. Passamos a ter, assim, por esta via, mais uma "acção de anulação prevista no CPI", com cabimento, portanto, na alínea c) do n.º 1 do artigo 111.° da LOSJ, disposição que o Tribunal de 1.ª Instância, confirmado pela Relação, interpretou erradamente, ao abster-se de a conjugar quer com a causa de pedir vertida na acção assente na concorrência desleal, quer com o artigo 14.°, n.º 2, do RMC.

p) A competência do Tribunal de 1ª Instância resulta ainda expressamente das alíneas b) e j) do n.º 1 do artigo 111.° da LOSJ, uma vez que respeitam estas alíneas a casos em que o legislador nacional optou por estabelecer a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual por recurso ao critério da causa de pedir e não ao critério do pedido formulado.

q) No caso dos autos, a competência só poderia não ser do Tribunal da Propriedade Intelectual se, apesar de o presente caso se subsumir perfeitamente nas alíneas b) e j) do n.º 1 do artigo 111.° da LOSJ (por ter como causas de pedir quer a violação do exclusivo, por imitação, das marcas do Autor, quer a prática de actos de concorrência desleal), outra disposição legal expressamente lhe retirasse a competência, ao atribuir a outro tribunal ou entidade a competência exclusiva para acções de anulação de marcas comunitárias, o que, como vimos acima, não é o caso, nem tal interpretação resulta minimamente da letra dos artigos 52.° e 53.° do RMC.

r) Além de tudo o exposto, importa ainda atentar no facto de nesta acção ser impugnada também a validade de marcas e logótipos nacionais do Réu de teor idêntico ao das marcas comunitárias em questão. Daí que a presente acção esteja a prosseguir os seus normais termos quanto aos pedidos de anulação dessas marcas nacionais.

s) Para evitar decisões contraditórias quando estejam em causa marcas nacionais e marcas comunitárias de idêntico teor para os mesmos produtos e serviços, o artigo 109.° do RMC vem retirar a competência à instância onde fosse intentada a segunda acção, passando o tribunal onde haja sido colocada a primeira acção a ser o tribunal competente para decidir de todas as questões.

t) Ainda que este preceito não preveja directamente os casos em que uma acção num tribunal de um estado membro atacasse a validade de uma marca nacional precede um pedido de nulidade de marca comunitária de idêntico teor junto do IHMI, a única interpretação compatível com o espírito do legislador comunitário é a de que esta solução do artigo 109.°, n." 1, alínea a), se aplique por analogia ao caso descrito.

u) Donde resulta o esvaziamento da competência do IHMI, a favor do Tribunal de Propriedade Intelectual onde se encontra em discussão a validade das marcas nacionais do Réu de igual teor ao da marca comunitária do Réu, por violação de marca comunitária anterior do Autor.

v) É, por fim, inequívoco, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 110.° do RMC, que o Tribunal da 1.ª Instância destes autos é competente para decretar a proibição do uso das marcas comunitárias do Réu, por violação da marca comunitária anterior do Autor, o que torna ainda mais evidente que nenhuma razão existe para que fosse retirada ao tribunal nacional (seja enquanto de marca comunitária seja enquanto de competência especializada) para decretar a anulação dessas mesmas marcas.

w) Quanto à decisão tomada no sentido de "declarar" as marcas comunitárias do Réu como válidas, diga-se que o disposto no artigo 107.° do RMC não é aplicável ao presente caso, quer porque não se aplica aos tribunais nacionais quando actuem enquanto tribunal de marca comunitária, quer porque, mesmo relativamente aos tribunais nacionais que não actuem enquanto tribunal de marca comunitária, a norma só tem obviamente aplicação quanto a acções cujo pedido não seja, precisamente, o da declaração da invalidade da marca comunitária, tal como aliás resulta do disposto no artigo 99.° do RMC para os tribunais de marca comunitária.

x) Aliás, e em consonância com este entendimento, em ponto algum o RCM estabelece que o tribunal deve "declarar" válidas as marcas: apenas determina que o tribunal as considere como válidas, que é o mesmo que dizer que deve tratá-las como válidas (cfr. a versão inglesa do RCM, em que se dispõe, no preceito em referência, que o tribunal "shall treat the trade mark as valid'), e isto apenas para que a acção que tenha como causa de pedir ou pressuposto uma marca comunitária válida, mas que tenha um outro objecto, possa prosseguir, assumindo-se ­apenas para o efeito de se poder apreciar o objecto de tal acção – a marca-pressuposto como válida, a menos, claro, que essa validade seja, ela mesma, contestada.

y) Donde não podia o Tribunal de 1.ª Instância ter "declarado" como válidas, nos termos em que o fez, as marcas comunitárias da titularidade do Réu, decisão que deverá ser revogada.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:

i) ser revogada a decisão constante do Acórdão recorrido quanto à incompetência do Tribunal de 1ª Instância para conhecer do pedido de anulação das marcas comunitárias da titularidade do Réu, sendo tal decisão substituída por outra que julgue o Tribunal de 1ª Instância competente para apreciar o pedido de anulação das marcas comunitárias do Réu,

e

ii) ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de e Instância (e sobre a qual o Tribunal da Relação de Lisboa omitiu qualquer pronúncia) de declarar válidas as marcas comunitárias do Réu,

só assim se fazendo a costumada justiça!


Não houve contra-alegações.


O recurso é admissível, nos termos do disposto na al. a) do nº 2 do artigo 629º do Código de Processo Civil.


3. Os factos relevantes para a apreciação do recurso constam do relatório que antecede.


4. As questões suscitadas neste recurso são as seguintes:

– Nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia e, subsidiariamente, por falta de fundamentação;

– Competência do Tribunal da Propriedade Intelectual para conhecer “do pedido de anulação dos registos das marcas comunitárias da titularidade do Réu” (pedido c) acima transcrito)

– Declaração de validade dessas mesmas marcas do réu, "nos termos do disposto no art. 107° do Regulamento de Marcas Comunitárias".


5. Não obstante não ter sido proferido acórdão na Relação, pronunciando-se sobre a nulidade do acórdão recorrido arguida pelo recorrente, não se determina o regresso do processo à Relação por não ser indispensável (nº 5 do artigo 617º do Código de Processo Civil, aplicável à Relação e ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos previstos no nº 1 do artigo 666º e 679º do mesmo Código).

É certo que o acórdão recorrido, na parte em que especificamente se refere à questão da competência, não autonomizou explicitamente a “declaração de validade das marcas comunitárias”, para usar a expressão com a qual o mesmo acórdão utilizou, ao enunciar as questões a apreciar: “2. Excepção da incompetência do tribunal e declaração de validade das marcas comunitárias”.

No entanto, esse enunciado, seguido do conhecimento das duas questões e da afirmação final de que “improcedem, pois, as conclusões do apelante a este respeito, não merecendo censura a decisão recorrida”, e precedido da transcrição da decisão da 1ª Instância, nomeadamente quanto à apreciação da incompetência alegada e à justificação da aplicação do artigo 107º do Regulamento da Marca Comunitária como decorrência do julgamento de incompetência, deve ser entendido no sentido de que o acórdão recorrido confirmou a decisão e a fundamentação apresentada na decisão da 1ª instância; não se justifica concluir pela nulidade e pela remessa do processo à Relação para suprir uma apreciação mais explícita.

Note-se, ainda, que a lei portuguesa exige que as decisões judiciais sejam fundamentadas (artigos154º, nº 1, 607º, nºs 3 e 4 e 663º, nº 2 e 679º; 205º, nº 1, da Constituição); mas não impede a fundamentação por incorporação da decisão apreciada em recurso ou por aceitação dos respectivos fundamentos.

Improcede, assim, a arguição de nulidade.

6. Antes de prosseguir, cumpre recordar o seguinte:

– Neste recurso, está antes de mais em causa saber se é competente para os pedidos a que o recurso respeita o tribunal onde a acção foi proposta, o Tribunal da Propriedade Intelectual, criado pela Lei nº 46/2011, de 24 de Junho, instituído pelo Decreto-Lei nº 67/2012, de 20 de Março e instalado, no que ao 2º Juízo respeita, pela Portaria nº 100/2013, de 6 de Março (o 1º Juízo fora instalado pela Portaria nº 84/2012, de 29 de Março). O Tribunal da Propriedade Intelectual é, em Portugal, o tribunal de marca comunitária (nº 2 do artigo 40º do CPI). O Tribunal da Relação de Lisboa é o tribunal de 2ª instância correspondente (artigo 46º, nº 2, do mesmo Código);

– Para determinar o âmbito de competência do Tribunal da Propriedade Intelectual enquanto tribunal de marca comunitária, serão tidas em conta as disposições pertinentes do Regulamento (CE) nº 207/2009, de 26 de Fevereiro, em vigor à data a propositura da acção, não obstante a sua alteração pelo Regulamento (UE) 2015/2424, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Dezembro de 2015, entrado em vigor em 23 de Março de 2016; manter-se-á assim a terminologia utilizada no Regulamento nº 207/2009. Recorda-se, no entanto, que, por força do novo Regulamento, as expressões “marca comunitária” e “Instituto de Harmonização do Mercado Interno” foram substituídas, respectivamente, por “marca da União Europeia” e “Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia”, em actualização conforme com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa;

– E igualmente se recorda que, no âmbito da revisão do sistema de marcas da União Europeia, cujo objectivo, nomeadamente, é o de alcançar uma “maior harmonização” das legislações nacionais, tendo sempre em vista o funcionamento harmonioso do mercado interno – cfr. considerandos nº 42 da Directiva: “promover e criar um mercado interno que funcione de forma harmoniosa e facilitar o registo, gestão e protecção das marcas na União, em benefício do crescimento e da competitividade” e nº 7 do Regulamento, “(…) modernizar o sistema de marcas na União, tornando-o mais eficaz, mais eficiente e mais coerente no seu conjunto” –, foram aprovados este Regulamento (UE) 2015/2424 e a Directiva (UE) 2015/2436, do Parlamento Europeu e do Conselho, esta última também já em vigor. E vem especialmente ao caso salientar que uma das inovações que a transposição da directiva implica para a ordem jurídica portuguesa se prende com a necessidade de “prever um procedimento administrativo de extinção ou declaração de nulidade” das marcas, em harmonia com o regime europeu de declaração de invalidade das marcas europeias, sem prejuízo da garantia do recurso para os tribunais, naturalmente (artigo 45º da Directiva);

– Da mesma forma, não se considerará a substituição do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, pelo Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, que apenas é aplicável às acções instauradas após 10 de Janeiro de 2015;

– Também se não discutirá que, ao prever as acções de contrafacção e a dedução de reconvenção em acções de contrafacção, para obter a anulação ou declaração de nulidade de marcas comunitárias, nos diversos preceitos que a seguir serão referidos para decidir a questão de competência que é objecto do presente recurso, o Regulamento não se está a referir a processos crime relativos ao crime de contrafacção; não teria qualquer sentido sustentar essa interpretação e admitir outro sentido para os “cidadãos dos outros estados membros”, em “discriminação intolerável” para os cidadãos portugueses – como se adverte na concl. m) das alegações de recurso.

7. O recorrente começa por sustentar que o Tribunal da Propriedade Intelectual, enquanto tribunal de marca comunitária, é competente (exclusiva ou concorrencialmente) para apreciar o pedido de anulação das marcas comunitárias do réu identificadas na alínea c) do pedido, acima transcrito, por se tratar de pedido fundado “na violação de uma sua marca comunitária anterior” e, portanto, correspondente a uma “acção de contrafacção”, no sentido com que são referidas na al. a) do artigo 96º do Regulamento (CE) nº 207/2009.

Nesta interpretação, o Tribunal da Propriedade Intelectual seria competente para apreciar os pedidos de anulação que estão agora em causa, que deveriam ser considerados, no sentido do Regulamento nº 207/2009, acções de contrafacção, na versão portuguesa do Regulamento, que o autor considera exprimir incorrectamente a ideia de acções destinadas a reagir contra o infringement ou a violação de marcas comunitárias.

Ora, independentemente da correcção ou incorrecção da tradução, a interpretação do Regulamento nº 207/2009 não conduz ao resultado pretendido pelo autor, no sentido de que a competência para conhecer de acções destinadas a declarar nulas ou a anular marcas comunitárias, nomeadamente por contrariedade com marcas comunitárias anteriores, cabe (exclusiva ou pelo menos concorrencialmente) aos tribunais de marca comunitários.

Segundo o sistema instituído pelo Regulamento (CE) nº 40/94, do Conselho, de 29 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, sistema que foi mantido, quer pelo Regulamento (CE) nº 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, que o consolidou e substituiu, quer pelo já referido Regulamento (UE) nº 2015/2424, a competência para apreciar pedidos de declaração de invalidade de marcas comunitárias encontra-se concentrada no IHMI (Instituto de Harmonização do Mercado Interno), salvo se a declaração de invalidade tiver sido pedida pelo réu, por via de reconvenção, em acções de contrafacção (infringement). Nessa eventualidade, o tribunal competente para julgar a acção – e que há-de ser um tribunal de marcas comunitárias, por caber a estes tribunais, exclusivamente, a competência para julgar acções de contrafacção de marcas comunitárias (al. a) do artigo 96º do Regulamento (CE) nº 207/2009), vê a sua competência estendida à apreciação do pedido reconvencional de declaração de invalidade. O regime é, resumidamente, o seguinte:

– A nulidade de uma marca comunitária, absoluta (nº 1 do artigo 52º) ou relativa (nº 1 do artigo 53º), só pode ser declarada “na sequência de pedido apresentado ao Instituto ou de pedido reconvencional numa acção de contrafacção”. Sendo apresentado no Instituto, o processo segue os termos previstos nos artigos 56º e 57º, cabendo recurso para a Câmara de Recurso e, da decisão desta, para o Tribunal de Justiça (artigos 58.º e segs.);

– Proposta uma acção de contrafacção num tribunal de marca comunitária, uma vez que a competência exclusiva para julgar acções de contrafacção cabe aos tribunais de marca comunitária, nos termos do disposto no artigo 96º, a anulação ou a declaração de nulidade pode ser pedida por via de reconvenção, como resulta do nº 1 do artigo 52º, do nº 1 do artigo 53º, da al. d) do artigo 96º, do nº 1 do artigo 99º, ou do artigo 100º, sendo a competência internacional determinada de acordo com o disposto no artigo 97º;

 – Sendo deduzido um pedido reconvencional de declaração de nulidade ou de anulação, numa acção de contrafacção, o tribunal de marca comunitária tem de o comunicar ao Instituto (nº 4 do artigo 100º), que procederá à correspondente inscrição no registo. Igualmente tem de comunicar qualquer anulação ou declaração de nulidade transitada em julgado, decidida em reconvenção que julgue (nº 6). Formulado o pedido reconvencional, o tribunal – que o não pode apreciar se já houver decisão do instituto sobre a invalidade, nº 2 –, preenchidos os requisitos previstos, pode sobrestar na sua apreciação e convidar o réu a deduzir o pedido de declaração de nulidade no Instituto, sob pena de a reconvenção ficar sem efeito (nº 7);

– Só se prevêem, assim, duas vias de anulação ou de declaração de nulidade de uma marca comunitária: mediante um pedido dirigido ao IHMI ou através de um pedido reconvencional deduzido perante um tribunal de marca comunitária, em acções da sua competência; veja-se, em especial, o disposto no nº 1 do artigo 99º, do qual resulta que, se a validade não for contestada por via de reconvenção, o tribunal de marca comunitária, no contexto das acções que lhe compete julgar, tem de considerar a marca comunitária como válida.

Como sinteticamente se descreve nas conclusões apresentadas pelo advogado geral no proc. C–235/09, DHL Express France SAS v. Chronopost SA, então por referência ao Regulamento (CE) nº 40/94, “19.(…) o Regulamento (CE) n.° 40/1994 contempla um regime jurídico próprio para a marca comunitária que inclui a criação de um sistema jurisdicional especializado, embora dividido, por assim dizer, em dois níveis. O primeiro arranca, em sede não jurisdicional, do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (IHMI), cujas decisões são passíveis de recurso para o Tribunal General e, eventualmente, o Tribunal de Justiça. A função específica desta jurisdição consiste essencialmente na fiscalização da legalidade das decisões do IHMI relativas ao registo da marca comunitária. O segundo destes níveis reside nos tribunais dos Estados-Membros, incumbindo-lhes conhecer das acções por infracção que podem intentar os titulares de uma marca comunitária. Dito resumidamente, ao passo que o IHMI e os tribunais da União conhecem dos litígios verticais suscitados entre um particular e a administração encarregada da gestão do registo da marca comunitária, os tribunais nacionais assumem plenamente a competência a respeito dos litígios horizontais originados entre particulares. 20. Convém realçar a circunstância de os tribunais nacionais actuarem especificamente como tribunais de marcas comunitárias. Neste quadro, não se trata de os tribunais nacionais desempenharem funções como jurisdição de direito comum da União, algo que já realizam quando aplicam o ordenamento europeu no contexto dos litígios ordinários suscitados na sua jurisdição. A missão do juiz nacional como juiz da marca comunitária é diferente da que desempenha como juiz da União, apesar de, evidentemente, ambas terem pontos comuns. Diversamente do que se verifica no contexto convencional da aplicação jurisdicional do direito da União, um litígio sobre uma marca comunitária converte o tribunal nacional numa jurisdição específica da União, constituída a fim de tutelar os direitos derivados de um título de propriedade específica da União, no quadro de um sistema de competência judiciária da União pelo cujo correcto funcionamento devem zelar os Estados-Membros.”

Ou, como se escreveu, por exemplo, no acórdão do TJUE de 11 de Junho de 2009, proc. C-529/2007, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli AG v. Franz Hauswirth GmbH., a propósito de uma causa de nulidade absoluta de marca comunitária: “pode ser invocada quer no IHMI quer no âmbito de um pedido reconvencional apresentado numa acção por contrafacção”.

Daqui resulta que, tal como se decidiu nas instâncias, o Tribunal da Propriedade Intelectual onde a acção foi proposta é absolutamente incompetente para conhecer nos pedidos de anulação em causa no presente recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 96º do actual Código de Processo Civil, correspondente ao artigo 101º do Código anterior. Como se sabe, quer na al. c) do nº 1 do artigo 89º-A da Lei nº 3/99, de 3 de Janeiro, quer no artigo 122º, nº 1, c) da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, quer no (actual) artigo 111º, nº 1, c) da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (posterior à propositura da presente acção), a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual restringe-se às “acções de nulidade e de anulação previstas no Código da Propriedade Industrial”

8. O recorrente discorda desta conclusão; considerar-se-ão, de seguida, os principais argumentos que apresenta para sustentar a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual onde a acção foi proposta, a saber:

– A expressão “acções de contrafacção” utilizada no Regulamento nº 207/2009, maxime na al. a) do artigo 96º, que atribui competência exclusiva aos tribunais de marcas comunitárias para conhecer de “todas as acções de contrafacção”, deve ser interpretada em sentido amplo, abrangendo nomeadamente a acção dos autos, fundada em violação de uma marca comunitária da titularidade do autor.

Mas esta interpretação não está de acordo com o sistema de conhecimento da invalidade das marcas comunitárias; e retira sentido à referência aos “pedidos reconvencionais de extinção ou nulidade da marca comunitária referidos no artigo 100º”, al. d) do mesmo artigo 96º. Se as acções destinadas a pedir a declaração de nulidade ou de anulação de marcas comunitárias fossem consideradas acções de contrafacção, nos termos da alínea a), seria incompreensível a autonomização dos pedidos reconvencionais com esse mesmo objecto na al. d).

E sempre se recorda que o TJUE já teve ocasião de afirmar a diferença entre acções de contrafacção e acções ou pedidos de declaração de nulidade, transpondo para “o contexto das marcas comunitárias” o que, a propósito de desenhos ou modelos comunitários, se dissera no acórdão de 16 de Fevereiro de 2013, Celaya Emparanza v. Galdos Internacional, proc. C-488/10). A propósito do artigo 54º do Regulamento 207/2009, observou-se que “(…) antes de haver prescrição por tolerância, o titular de uma marca comunitária está habilitado tanto a pedir ao IHMI a declaração de nulidade de uma marca comunitária posterior como a opor-se à sua utilização, através de uma acção por contrafacção, num tribunal de marcas comunitárias” acórdão de 21 de Fevereiro de 2013, proc. C-561/11, Fédération Cynologique Internacionale v. Fédération Canina Internacional de Perros de Pura Raza. Muito claramente, afirma-se nas conclusões do advogado geral, no mesmo processo: “(…) o artigo 54º do Regulamento… Na realidade, da distinção feita nesse artigo entre o pedido de anulação da marca posterior e a oposição à utilização da mesma pode deduzir-se que o Regulamento nº 207/2009 considera a acção de declaração de nulidade e a acção por contrafacção como duas acções diferentes, não prevendo qualquer relação de prejudicialidade entre as duas. Com efeito, precisamente como em matérias de desenhos e modelos comunitários, também no sector das marcas o Regulamento nº 207/2009 distingue claramente entre os dois tipos de acções, as quais têm objectos, efeitos e finalidades diferentes. Na realidade, por um lado, o artigo 96º do Regulamento nº 207/2009 atribuiu aos tribunais nacionais de marcas comunitárias a competência exclusiva para decidir dos litígios em matéria de contrafacção. Por outro, no que diz respeito aos pedidos de anulação das marcas, o Regulamento nº 207/2009 optou, ao contrário, pela sua tramitação centralizada no IHMI, embora esse princípio, precisamente como em matéria de desenhos e modelos, seja temperado pela possibilidade de os tribunais de marcas conhecerem dos pedidos reconvencionais de nulidade de uma marca comunitária registada, apresentada no âmbito de uma acção de contrafacção.“;

– O nº 3 do artigo 56º do Regulamento 207/2009, preceito que regula o pedido de declaração de nulidade apresentado no Instituto, prevê que “3. O pedido de extinção ou de anulação é inadmissível se um órgão judicial de um Estado-Membro já tiver decidido de um pedido com o mesmo objecto e a mesma causa entre as mesmas partes e se essa decisão já tiver transitado em julgado.” Admite, portanto, que haja decisões judiciais de tribunais nacionais “quer em resultado de reconvenção, quer em resultado de acção”, pois não distingue, sustenta o recorrente.

Mas este nº 3 não pode ser assim interpretado, desligado do sistema e, em particular, do artigo 96º do Regulamento. A distinção resulta do contexto;

“A competência do tribunal de marca comunitária (ou seja, do tribunal a quo) para conhecer de questões de extinção ou nulidade de uma marca comunitária, sem que tal se enquadre no âmbito de um pedido reconvencional, é admitida também por outras normas do próprio RMC, como a do n.º 3 do artigo 99.°.” Não se vê como este argumento pode ser útil para fundamentar a competência do Tribunal da Propriedade Intelectual para julgar os pedidos de anulação a que este recurso respeita;

– Mesmo que a presente acção se não incluísse na al. a) do artigo 96º do Regulamento (acções de contrafacção), sempre o tribunal onde foi proposta seria competente, ainda que em concorrência com o IHMC, em resultado da aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001às acções relativas a marcas comunitárias (nº 1 do artigo 94º do Regulamento); em especial, do nº 4 do artigo 22º, que, no caso, aponta para Portugal, e do artigo 24º, uma vez que o réu se não limitou a invocar a incompetência.

Como se sabe, ao remeter para a aplicação do Regulamento (CE) nº 44/2001, o Regulamento nº 207/2009 tem como objectivo garantir que as decisões sobre validade e contrafacção das marcas comunitárias produzam efeitos em toda a União, evitar contradições entre decisões dos tribunais e do IHMI e “respeitar o carácter unitário das marcas comunitárias” (considerando16), e ainda evitar contradições que envolvam marcas comunitárias e marcas nacionais paralelas (considerando 17).

Ora, a conjugação entre as disposições do Regulamento (CE) nº 44/2001, que apenas regula a competência internacional, e o artigo 96º do Regulamento 207/2009, não pode conduzir à ampliação do âmbito material de competência dos tribunais de marcas comunitárias; no que releva para o âmbito deste recurso, não atribui competência material ao tribunal onde a acção foi proposta. E não se pode esquecer que, para conhecer de um pedido reconvencional, o tribunal da acção tem que ser internacionalmente competente para julgar o pedido reconvencional, autonomamente considerado.

No que toca ao artigo 24º, sucede desde logo que apenas é aplicável nos limites previstos no nº 4 do artigo 97º do Regulamento (CE) nº 207/2009 (cfr. al. b) do nº 2 do artigo 94º – “ b. É aplicável o artigo 24º do Regulamento (CE) nº44/2001 se o réu comparecer perante outro tribunal de marcas comunitárias” –, o que significa que só tem aplicação quando a acção era da competência de um tribunal de marca comunitária, o que não é o caso. Ao que acresce que, como o Tribunal de Justiça já decidiu a propósito da mesma regra então contida no artigo 18º da Convenção de Bruxelas Relativa à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial de 27 de Setembro de 1968, que o Regulamento (CE) nº 44/2011 veio substituir, tal preceito deve ser interpretado no sentido de que a dedução simultânea de defesa quanto ao mérito da causa não implica a perda do direito de contestar a jurisdição (acórdão de 14 de Julho de 1983, proc. 201/82, Gerling v. Amministrazione del Tesoro dello Statto);

– Afastado o argumento retirado do nº 4 do artigo 22º do Regulamento (CE) nº 44/2001, desaparece a justificação apresentada para a aplicação do artigo 106º do Regulamento nº 207/2009;

– O nº 2 do artigo 14º do Regulamento (CE) nº 207/2009, sustenta o recorrente, permite que seja instaurada uma acção de anulação de marca comunitária com fundamento em concorrência desleal; essa acção, “tendo como causa de pedir a criação de uma situação de concorrência desleal, torna-se assim numa acção de anulação prevista no CPI”, o que a faz cair no âmbito de aplicação da al. c) do nº 1 do artigo 111º da Lei nº 64/2013, “de teor idêntico à al. c) do nº 1 do artigo 122º da LOFTJ”, ou seja, na competência do tribunal onde a acção foi proposta.

Esta argumentação é manifestamente improcedente, pois conflitua com o sistema constante do Regulamento (CE) nº 207/2009, o que dispensa maiores desenvolvimentos;

– Contrariamente ao que defende o recorrente, o nº 2 do artigo 109º do Regulamento (CE) nº 207/2009 não é aplicável por analogia ao caso presente: esvaziar a competência do IHMI seria contrário ao “espírito do legislador comunitário”, para usar, em sentido oposto, a expressão do recorrente;

– Finalmente, resta observar que do nº 1 do artigo 110º do Regulamento (CE) nº 207/2009 não se extrai nenhum argumento que permita estabelecer a competência do tribunal da acção para apreciar os pedidos em causa neste recurso.


9. Resta apreciar a declaração de validade das marcas comunitárias do réu, cuja anulação se pediu nesta acção, decidida "nos termos do disposto no art. 107° do Regulamento de Marcas Comunitárias".

Quanto a este ponto, procede o recurso do autor. Seja ou não aplicável o referido artigo 107º, ou, com as necessárias adaptações, o regime desenhado pelo artigo 99º, o que se retira de tais preceitos é que, não podendo o tribunal da acção julgar os pedidos de anulação das marcas comunitárias, nos termos expostos, por não ser competente para o efeito, deve tomá-las como válidas, naturalmente na medida em que isso for relevante para a apreciação de quaisquer outras questões para as quais o tribunal é competente; o que não é o mesmo que declará-las válidas, em julgamento incongruente com a falta de competência.


10. Nestes termos, decide-se:

a) Conceder provimento parcial ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte na qual julgou válidas as marcas comunitárias mistas nº 6865844, n.° 11309358 e n.° 11359437 da titularidade do Réu;

b) Quanto ao mais, confirmar o acórdão recorrido.


Custas por ambas as partes, na proporção de 90% pelo recorrente e 10% pelo recorrido.


Lisboa, 21 de Abril de 2016


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salazar Casanova

Lopes do Rego