Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99/08.1SVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: ESCOLHA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENA SUSPENSA
PENA DE MULTA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
REINCIDÊNCIA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário : I - A CRP em matéria de direitos, liberdades e garantias pessoais, impõe que a lei restrinja aqueles valores nos casos expressamente previstos na própria Constituição e com a limitação de que as restrições terão de se circunscrever ao necessário para salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos – n.º 2 do art. 18.º.
II - Tal significa que em matéria de privação da liberdade, mais concretamente de aplicação de pena de prisão, esta só é admissível quando se mostrar indispensável, isto é, quando o desiderato que visa prosseguir não puder ser obtido de outra forma menos gravosa (princípio da necessidade ou da exigibilidade), quando se revelar o meio adequado para alcançar os fins ou finalidades que a lei penal visa com a sua cominação (princípio da adequação ou da idoneidade) e quando se mostrar quantitativamente justa, ou seja, não se situe nem aquém nem além do que importa para obtenção do resultado devido (princípio da proporcionalidade ou da racionalidade).
III - Daqui que a lei substantiva penal em matéria de aplicação de penas estabeleça um critério geral de escolha e de substituição, segundo o qual o tribunal deve preferir à pena privativa da liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respectivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição.
IV - São considerações de natureza exclusivamente preventiva, de prevenção geral e de prevenção especial, que justificam e impõem a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efectiva aplicação.
V - Há que atribuir prevalência às exigências de prevenção especial por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão, prevalência que se manifesta a dois níveis, em primeiro na decisão de aplicação da pena não privativa da liberdade (alternativa ou de substituição), a qual só se deve negar quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente, em segundo na determinação da pena de substituição a eleger.
VI - A prevenção geral surge sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização. Desde que impostas ou aconselhadas à luz das exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam irremediavelmente postas em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.
VII - No caso de arguido que já foi objecto de censura jurídico-penal por diversas vezes, encontrando-se actualmente em cumprimento de uma pena de 9 anos de prisão, tendo sido condenado como reincidente, estamos perante delinquente sobre o qual as penas não detentivas já não exercem qualquer influência dissuasora e reintegradora, isto é, não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a significar que se impõe a cominação de pena de prisão.
VIII - As necessidades de prevenção especial, face às condenações já sofridas pelo arguido (actualmente com 27 anos de idade) e à circunstância de não terem servido de suficiente advertência contra o crime, são elevadíssimas; as exigências de prevenção geral são também acentuadas, ora reforçadas perante a onda de criminalidade que assola a comunidade; no sector atenuativo nenhuma circunstância ocorre, consabido que a circunstância de os factos haverem sido perpetrados achando-se o arguido evadido não mitiga minimamente a sua responsabilidade.
IX - Não tendo o legislador optado pelo sistema de acumulação material no apuramento da pena no concurso de crimes, é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.
X - Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.
XI - Assim, ponderando que os três crimes em concurso se encontram conexionados, visto que cometidos na mesma ocasião, o anterior trajecto criminoso do arguido (com início em 2002 e caracterizado por diversas condenações, pela prática de crimes diversos, com destaque para os crimes de homicídio tentado, tráfico de estupefacientes e resistência e coacção sobre funcionário), tendo presente a gravidade dos crimes perpetrados e o quantum das penas singulares aplicadas (4 anos de prisão pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, 3 anos de prisão pela prática do crime de detenção de arma proibida e 2 anos de prisão pela prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal), não merece reparo a pena conjunta de 7 anos de prisão.
Decisão Texto Integral: