Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S4032
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA
INTERVENÇÃO PRINCIPAL
INTERVENÇÃO ACESSÓRIA
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Nº do Documento: SJ200606080040324
Data do Acordão: 06/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO O AGRAVO
Sumário : I - A intervenção principal (provocada) destina-se às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal (situações que antes da reforma do CPC de 95/96 eram configuradas como incidentes de nomeação à acção e de chamamento à demanda).
II - A intervenção acessória (provocada) destina-se aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção (situação que antes da reforma do CPC 95/96 era configurada como de incidente de chamamento à autoria).
III - Não se verificam os pressupostos do incidente de intervenção (acessória) provocada da Liga Portuguesa de Futebol Profissional em acção intentada por um trabalhador (treinador de futebol) contra um clube de futebol com fundamento na existência de um contrato de trabalho sem termo entre eles, e em que o réu, alegando ter celebrado um contrato a termo em obediência à convenção colectiva outorgada por aquela Liga e de que ele (réu) é associado, pretende chamar esta à acção com vista ao exercício futuro de um eventual direito de regresso.
IV - Na outorga do referido CCT, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional interveio em nome dos seus representados (associados), em cuja esfera jurídica se produziram os efeitos correspondentes.
V - A lei e os Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol, no âmbito da coordenação geral da actividade futebolística, conferem a este organismo prerrogativas de autoridade pública no quadro de decisões unilaterais e executivas sobre os agentes desportivos, designadamente jogadores, treinadores e clubes.
VI - Por isso, consubstanciam actos administrativos, os actos decisórios praticados pela Federação Portuguesa de Futebol no que respeita ao licenciamento de treinadores.
VII - A referida Federação encontra-se investida de autoridade no cumprimento da missão de serviço público de organização e gestão do desporto federado (futebol), praticando actos administrativos em matérias que se conexionam directamente com aquele serviço, pelo que não pode (também) em relação a ela ser admitido o incidente de intervenção (acessória) provocada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
1.1.
AA intentou, no tribunal de Trabalho de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “BB” e “CC”, reclamando das Rés, com fundamento em despedimento ilícito, o pagamento das quantias discriminadas na P.I..
Nesse sentido alega, em suma a nulidade dos sucedidos contratos de trabalho a termo celebrados com as Rés – em cujo âmbito invoca a imperatividade do regime legal decorrente da Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro – e a consequente ilicitude do despedimento operado pelas Rés, que não foi precedido de qualquer procedimento disciplinar.
Na contestação que em com junto ajuizaram, vieram as Rés além do mais, deduzir o incidente de intervenção acessória provocada da “Liga Portuguesa de Futebol Profissional”, da “Federação Portuguesa de Futebol” e da “Associação Nacional de Treinadores de Futebol” dizendo, em suma, que assiste às Rés o direito de exigirem das chamadas ou de qualquer delas, em sede de acção de regresso a intentar para o efeito, a indemnização decorrente dos prejuízos que lhes venha a causar a eventual perda da presente acção, pois que se limitaram, na contratação a termo do Autor, a cumprir escrupulosamente as disposições que lhes foram – e são – impostas por aquelas entidades na elaboração dos contratos de trabalho respeitantes a treinadores de futebol.
Em resposta o Autor sustentou a inadmissibilidade do incidente.
1.2.
Corroborando a tese do Autor, o M.mº Juiz indeferiu o peticionado chamamento, dizendo que não existe, no caso dos autos, qualquer relação conexa com a relação jurídica controvertida, que justifique a reclamada intervenção, sendo que as Rés se deviam ater, na contratação do Autor, às disposições legais que regulam a matéria.
Sob agravo das Rés, o Tribunal da Relação revogou o assinalado despacho, admitindo o chamamento em análise.
Para o efeito, entendeu que o pretendido direito de regresso – cuja viabilidade afirmou, face à alegação das Rés – se baseia num facto ilícito (outorga de um C.C.J., com cláusula “contra-legem”, por banda da “Liga” e da Associação Nacional de Treinadores” e o licenciamento dos treinadores, por parte da “Federação”, subordinada à outorga de contrato conforme com aquele C.C.T.).
1.3.
Desta feita é o Autor quem manifesta o seu inconformismo, recorrendo para este Supremo Tribunal e rematando as suas alegações com o seguinte núcleo conclusivo:
1- o pressuposto essencial do incidente de intervenção acessória é que o chamado deva responder pelo prejuízo da perda da demanda pelo chamamento, em virtude de uma relação conexa com a relação controvertida que pode basear-se na lei, em contrato ou mesmo em acto ilícito gerador de responsabilidade civil;
2- sucumbindo, não terão as recorridas, no caso, qualquer direito de regresso sobre os chamamentos pelo prejuízo decorrente da perda da demanda;
3- desde logo, porque o C.C.T. só entrou em vigor em 1997 e o recorrente já é trabalhador das Rés desde 1990;
4- e, por outro lado, porque o desrespeito pelas regras imperativas da contratação a prazo, decorrentes do D.L. n.º 64-A/89, foi uma opção voluntária das Rés enquanto entidades patronais conhecedoras da legislação que regulamenta a matéria em causa;
5- e conhecedoras também de que o C.C.T., quanto à sua aplicação, é precedida pelas normas legais e não poderá contrariar as que forem imperativas;
6- pelo que não deverá proceder a alegação das Rés de que estavam obrigadas a celebrar sucessivos contratos a temo certo, por força do C.C.T. celebrado entre a S.P.F.P. e a A.N.T.F. e, bem assim, as regras emanadas da F.P.F.;
7- é que, conforme já decidido no Ac. da Relação de Lisboa de 2/2/05 (proc. 8487/04-4), face à ilegalidade das regras constantes do referido C.T.T., as Rés, enquanto entidade patronal, deveriam recusar a aplicação do mesmo nas relações laborais que estabelecessem e, em sede própria, impugnar as normas do C.C.T. contrárias à lei imperativa, a fim de serem erradicadas;
8- faculdade que assistia às mesmas Rés e que estas só não utilizaram porque preferiram, sendo mais conveniente, aplicar ao caso as disposições de um C.T.T. que sabiam contrárias à lei;
9- assim, não tem qualquer fundamento a invocada acção de regresso, visto que as chamadas jamais constrangeram a vontade das Rés ou tiveram qualquer interferência substancial na relação laboral estabelecido com o Autor;
10- não existindo disposição legal ou contratual que obrigue as ora chamadas pelo dano que a sucumbência das Rés possa causar;
11- e não se vislumbrando igualmente que a atitude das chamadas, embora ilícita, possa determinar a responsabilidade civil dos mesmos perante as Rés, pois que nunca interferiram na acção e na vontade destas quando contrataram o Autor a termo certo e o despediram;
12- não se mostrando verificados os pressupostos dos art.ºs 330º e 331º do C.P.C., cujos comandos o Acórdão impugnado violou, não deve ser admitida a intervenção acessória provocada da L.P.F.P., da A.N.T.F. e da F.P.F..
1.4.
As Rés contra-alegaram, sustentando a confirmação do julgado.
1.5.
O presente agravo foi admitido por virtude do disposto no art.º 754º n.º 2 do C.P.C.: contradição entre o Acórdão censurado e o Acórdão da mesma Relação lavrado em 2/2/05 (Proc. n.º 8487-04).
1.6.
A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, cujo Parecer o Autor censurou, também sustenta a improcedência do recurso.
1.7.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
______//______
2- FACTOS
A 2ª instância consignou, como relevante, a seguinte factualidade:
1- o A. é filiado na Associação Nacional de Treinadores de Futebol – A.N.T.F.;
2- o BB era associado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, passando a sê-lo, a partir da sua constituição, o CC;
3- em 9/11/96, foi celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional em representação dos Clubes e sociedades desportivas de futebol, e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol, em representação dos treinadores profissionais da modalidade, um contrato colectivo de trabalho, publicado no B.T.E. 1ª Série, n.º 27, de 22/7/97;
4- o A. celebrou com o S.C.P. o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 24/25 dos autos, com início em 1/8/93 e termo em 31/7/94 (doc. n.º 2 junto com a P.I.);
5- o A. celebrou com o BB. o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 26/27, com início em 1/8/94 e termo em 31/7/95 (doc. n.º 3);
6- o a. celebrou com o BB. o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 28/29, com início em 1/8/96 e termo em 31/7/97 (doc. n.º 4);
7- o A. celebra com o BB. o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 30/3, com início em 1/8/97 e termo em 31/7/98 (doc. n.º 6);
8- o A. celebrou com o CC o Contrato de trabalho a termo certo com início em 1/8/98 e termo em 31/7/99 (doc. n.º 6);
9- o A. celebrou com o CC o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 36/38 (doc. n.º 7);
10- o A. celebrou com o BB. o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 39/41, com início em 1/8/00 e termo em 31/7/01 (doc. n.º 8);
11- o A. celebrou com o BB. o contrato de trabalho a termo certo que figura a fls. 42/43, com início em 1/7/01 e termo em 30/6/03 (doc. n.º 9);
12- em 28/5/03 o CC. comunicou ao A. ter sido “deliberado não apresentar proposta para celebração de novo contrato de trabalho desportivo de treinador, caducando, assim o contrato em vigor no próximo dia 30 de Junho, nos termos do disposto na sua cláusula 4ª”.
São estes os factos.
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3. DIREITO
3.1.
O objecto do presente agravo circunscreve-se à questão de saber se deve, ou não, ser admitido o reclamado chamamento aos autos das entidades indicadas pelos Réus.
Conforme a exposição anterior evidencia, a divergência entre as instâncias – que conduziu a julgados opostos – decorre da perspectiva com que nelas se encarou a viabilidade de uma eventual acção de regresso a intentar pelos Réus contra as chamadas.
A 1ª instância rejeitou liminarmente essa viabilidade, assinalando, desde logo, a inexistência de qualquer relação conexa com a relação jurídica aqui controvertida.
A Relação por seu turno, considerou que a eventual violação da lei, produzida no âmbito da regulamentação do C.C.T. invocado nos autos, constitui um facto ilícito, que despoleta a responsabilidade civil das chamadas perante os Réus e a consequente viabilidade de uma ulterior acção de regresso ________ elas.
3.2.1.
É sabido que a reforma adjectiva de 95/96 veio suprimir, em termos de tipificação autónoma, os anteriores incidentes da nomeação à acção, do chamamento à autoria e do chamamento à demanda.
O condicionalismo integrante daqueles três institutos passem a ter tratamento processual conjunto, integrando-se agora num incidente único, que é o da intervenção provocada – art.ºs 325º e seg.s do Cod. Proc. Civil.
Contudo, uma distinção se opera na dinâmica do novo incidente: referimo-nos à intervenção principal e à intervenção acessória, a primeira reservada às situações em que está exclusivamente em causa a própria relação jurídica invocada pelo Autor ou em que os terceiros sejam garantes da obrigação a que se reporta a causa principal (é neste quadro que se inserem as situações configuradoras dos anteriores incidentes de nomeação à acção e do chamamento à demanda) e a segunda atinente aos casos em que ocorre a existência de uma relação jurídica material conexa com aquela que é objecto da acção (é este o lugar outrora reservado ao chamamento à autoria).
Para além da aglutinação num só instituto dos pressupostos tipificadores daqueles, antigos incidentes, a actual intervenção provocada abarca ainda, em resultado do alargamento produzido na esfera da coligação inicial, a possibilidade de intervenção dos destinatários de um eventual pedido subsidiário, a deduzir pelo Autor no âmbito da relação jurídica ajuizada – n.º 2 do citado art.º 325º.
É certo, por outro lado, que a legitimidade para o chamamento – agora a última situação referida – tanto à conferida ao Autor como ao Réu e, segundo entendemos, também aos próprios intervenientes principais, sendo ainda que os terceiros podem ser chamados a intervir como associados do chamante ou como associados ou como associados da parte contrária – n.º 1 do mesmo preceito.
Desta exposição sumária logo decorre que a actual intervenção provocada prevê um leque multiplicado de situações, quer em termos de pressupostos ou condições de admissibilidade do incidente quer em termos de escalonamento processual dos agentes entre os quais se vai desenvolver o pleito.
Por isso se compreende que, à luz do n.º 3 do citado art.º 325º, recaia sobre o chamante “… o ónus de indicar a causa do chamamento e de explicar o interesse que através dele, se pretende acautelar, tudo isto como forma de clarificar liminarmente as situações a que o incidente se reporta e de permitir ajuizar com segurança a legitimidade e o interesse em agir, quer de quem suscita a intervenção, quer do chamado a intervir” (Abílio Neto in “Código do Processo Civil Anotado”, 13ª ed., pág. 170).
Em suma:
Cabe ao chamante indicar a causa do chamamento, a qual das partes pretende ver associado o interveniente e qual o interesse que tenciona ver acautelado com essa intervenção.
3.2.2.
Perante esse ónus – e por forma a qualificar convenientemente o incidente suscitado – haverá que proceder agora ao enquadramento factual que, na parte útil, emerge dos autos, conferindo a causa de pedir da acção e os fundamentos invocados para a reclamada intervenção dos terceiros.
Com o argumento de que foi contratado pelos Réus em 1/8/90, através de convenção verbal e por tempo indeterminado, sustenta o Autor que passou, desde logo, a trabalhador efectivo, qualidade que não se alterou por virtude da celebração a partir de 1993 de sucessivos contratos de trabalho a termo, de resto, sempre seria nula, quer por falta da respectiva motivação, nuns casos, quer por deficiente motivação, noutros.
Os Réus, por seu turno, sustentam a sua necessária vinculação ao C.C.T. celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (L.P.F.P.) e a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (A.N.T.F.) – que implica a contratação a prazo dos treinadores de futebol – dado que:
- os respectivos contratos só produzem efeitos depois de registados e esse registo pressupõe parecer prévio favorável da A.N.T.F., que só o emite em caso de absoluta conformidade com o C.C.T.;
- a Federação Portuguesa de Futebol (F.P.F.), por seu turno, apenas licencia os treinadores cujos contratos contenham o dito parecer favorável e se achem registados; se tal não acontecer, os treinadores ficam impedidos de intervir nas competições oficiais dos respectivos clubes.
Mais alegam os Réus que esse regime não difere substancialmente daquele que precedeu o C.C.T., altura em que a A.N.T.F. fornecia obrigatoriamente aos clubes os “impressos” relativos à contratação dos treinadores – de onde constava o início e o termo do contrato – sendo que o licenciamento pela F.P.F. também já se fazia em moldes idênticos aos actuais.
Com base nesta aduzida vinculação, entendem os Réus que a eventual perda da presente demanda lhes confere o direito de accionar as três referidas entidades pelos prejuízos daí decorrentes.
É esta, em síntese, a factualidade útil.
3.2.3.
O coligido acervo factual confirma que os Réus, tal como haviam anunciado, pretendem a avocação das chamadas no âmbito da actual intervenção acessória provocada.
A admissibilidade deste incidente pressupõe, no essencial, a emissão de um juízo de viabilidade relativamente à acção de regresso que o Réu se arroga sobre o chamado, visando o ressarcimento, por banda deste, do prejuízo que o chamante possa sofrer com a eventual sucumbência na lide.
Elemento essencial à responsabilidade do chamado perante o Réu será a própria responsabilidade deste para com o Autor: daí que se imponha uma necessária conexão entre a relação controvertida, tal como ela se mostra concretamente figurada, e a designada acção de regresso, a accionar ulteriormente.
Se faltar essa conexão, isto é, se a relação controvertida e a acção de regresso decorrem de factos constitutivos essencialmente diversos, sem qualquer nexo de dependência entre si, a rejeição do incidente será inevitável.
Apesar disso, essa conexão apenas exige que a pretensão de regresso se apoie no prejuízo decorrente da perda da acção.
A acção de regresso, por seu turno, “… é susceptível de emergir da lei, de negócio jurídico, de facto gerador de responsabilidade civil e de enriquecimento sem causa, gerador da obrigação de restituir” (Salvador da Costa in “Os incidentes da Instância”, 3ª ed., pág. 130).
A conformação do incidente nos termos expostos já vem do regime de pretérito, sendo que a reforma de 95/96 apenas lhe aditou um novo requisito, ao impor que o chamado não tinha legitimidade para intervir na acção como parte principal.
A exigência deste requisito decorre da clarificação operada pela reforma no âmbito de previsão de cada incidente, visando-se impedir as sobreposições que amiúde ocorriam no passado.
3.2.4.
Como se vê da factualidade aduzida, há génese do chamamento reclamado pelos Réus está a necessária vinculação destes aos princípios contidos no C.C.T. celebrado entre duas das chamadas: a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (L.P.F.P.) e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (A.N.T.F.), de que, respectivamente, os Réus e o Autor são membros filiados.
A Convenção Colectiva de Trabalho (CCT) é uma das fontes do direito laboral e constitui o principal instrumento de regulamentação do trabalho por via convencional (art.º 12º do D.L. n.º 49.408, de 24/11/69 – L.C.T. –, aqui aplicável, e art.º 1º do actual Código do Trabalho).
Constituindo embora uma figura unitária, nela convergeu duas facetas: a negocial e a normativa.
Visto que a “convenção” corporiza um acordo obtido através de negociações, compreende-se que ela só obrigue as partes outorgantes e os respectivos membros.
É o que decorre literalmente do D.L. n.º 519 – C1/79, de 29 de Dezembro (R.I.R.C.T.), cujo art.º 7º n.º 1 assim estatui:
“As convenções Colectivas de Trabalho obrigam as entidades patronais que as subscrevem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço, que sejam membros, quer das associações sindicais celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes”.
Por seu turno, o assinalado carácter de fonte de direito decorre da faceta normativa da “Convenção”, visto que o “produto final” do convénio alcançado vai influenciar, ao nível dos contratos individuais de trabalho, os direitos e deveres recíprocos dos trabalhadores e das entidades patronais.
É dizer que estamos perante normas com conteúdo regulativo, cujos comandos são gerais e abstractos e se destinam a um número indeterminado de pessoas (dada a flexibilidade filiativa dos respectivos agentes).
Perante a “vinculação” que este acervo normativo evidencia, será então de concluir, sem mais, que a eventual preterição no âmbito do C.C.T., de normas legais imperativas faculta aos Réus, como eles pretendem, o direito de demandar as outorgantes do “convénio” em futura acção de regresso responsabilizando-as civilmente pela sua sucumbência na presente lide?
3.2.5.
No que aqui releva, não podemos igualar que a L.P.F.P. interveio na negociação e ultimação do C.C.T. em representação dos seus associados, entre os quais se incluem os ora Réus.
Porque o representante não é um simples núncio, percebe-se que o negócio representativo, no tocante ao seu conteúdo, seja exclusivamente seu, tanto quanto é certo que nele se radicam a declaração e a vontade negociais expressas.
Apesar disso, está bom de ver que ao representante cumpre respeitar os poderes que lhe foram formalmente conferidos, sem ignorar que a representação pressupõe a necessária salvaguarda dos interesses do representado, consoante o fim em vista e as instruções recebidas.
Porém como esta ponderação (ausência, insuficiência ou desvio de poderes) só revela em situações de representação sem poderes ou representação abusiva – que não vêm ao caso, porque não alegadas – imposta atender à regra, geral, segundo a qual as representantes (chamadas) realizaram, no caso um negócio em nome dos seus representados, em cuja esfera jurídica se não produzir os efeitos correspondentes – art.º 258º do Cod. Civil.
Neste contexto, mal se perceberia que coubesse aos representados a faculdade de exigir uma qualquer indemnização à sua representante – que tinha poderes para convencionar nos termos alcançados – pelos prejuízos que, directa ou indirectamente, lhes advenham do negócio aprazado.
O instituto da representação – aqui necessariamente conferível – afasta em definitivo, a nosso ver, a existência de qualquer relação jurídica a qualificar como conexa da relação controvertida nos autos.
E, sem essa conexão – já o vimos – o chamamento é de rejeitar.
No caso, aliás, a acção de regresso só poderia acobertar-se na responsabilidade civil extracontratual, como os próprios Réus implicitamente admitem (ao falar em “facto ilícito”).
Mas essa responsabilidade pressupõe, desde logo, a necessária violação de um direito absoluto que, no caso, não se vislumbra, nem os Réus identificam.
Acresce – e não é de somenos – que a “vinculação” de que temos vindo a falar não é absoluta nem definitiva.
É que a lei confere actualmente a todas as entidades vinculadas pela “Convenção” a faculdade de sindicarem judicialmente esse instrumento prolando acções de anulação das cláusulas que tenham por contrárias à lei (art.ºs 4º e 183º do Cod. Proc. Trabalho de 1999, aqui aplicável; cfr. Ac. S.T.J. de 24/3/99 in “AD 455º, 1494).
Ora, podendo os Réus exercer directamente essa faculdade – e não o tendo feito – mal se entende igualmente que, venham a reclamar dos signatários da “Convenção” um ressarcimento por prejuízos decorrentes da aplicação de uma dessas cláusulas (no caso, a que impunha a contratação a termo).
Perante a fundamentação exposta somos a concluir que não se verificam, no concreto dos autos, os pressupostos do incidente suscitado pelos Réus, no que tange à L.P.F.P. e à A.N.T.F..
Relativamente a estas entidades, apenas diremos, como breve nota final, que esse chamamento também só poderia eventualmente colher para o período posterior à celebração do C.C.T., sendo que a contratação do Autor se iniciou muito antes (1996 e 1990, respectivamente).
3.2.6.
A análise produzida até agora omitiu qualquer referência à Federação Portuguesa de Futebol, outra das chamadas.
É que essa análise recaiu apenas sobre o C.C.T. invocado nos autos, a cuja feitura é aquele organismo totalmente alheio.
Se bem entendemos a alegação dos Réus, o fundamento aduzido, neste particular, circunscreve-se à exigência, feita pela Federação, de só licenciar os treinadores de futebol cujos contratos tenham merecido um prévio parecer favorável da respectiva associação sindical.
Não se vislumbra, neste fundamento, qualquer conexão com o CTT celebrado entre as restantes chamadas: apenas se questionam os procedimentos adoptados por aquele organismo que, na óptica dos Réus, o responsabilizam (também) pelos prejuízos que os mesmos venham a ______ se decaírem na presente acção.
Sem cuidar de saber se o “Direito Desportivo” constitui, ou não, um direito especial – evitando-se, como se impõe, a incursão em matérias que já se relacionam com o mérito da causa – haverá que reflectir, ainda assim, sobre a natureza do citado organismo e das normas procedimentais e regulamentares deste emanadas.
Sendo praticamente uniforme o entendimento de que a Federação Portuguesa de Futebol deve ser caracterizada como uma pessoa colectiva de direito provado, ainda que de utilidade pública, já se discute porém, se os seus Estatutos e Regulamentos decorrem ou não, de qualquer atribuição ou devolução de poder normativo público.
Embora aquela Federação se tenha constituído em 1914, sob a designação inicial de União Portuguesa de Futebol, a primeira emissão legislativa específica em matéria desportiva remonta ao D.L. n.º 32.341, de 5/9/42, ulteriormente regulamentado pelo Decreto n.º 32.946, 3/8/43.
Estes diplomas, de cunho fortemente diligista, cometeram-lhe, através do Governo, determinadas competências públicas designadamente para regulamentar no País a prática de futebol ainda que sob a orientação da Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar.
Apesar das alterações entretanto produzidas (Decretos-Leis n.ºs 33596, de 24/2/44, 46.476, de 9/8/65, 47.744 de 2/6/67 e 356/71, de 17/8), aqueles dois diplomas só vieram a ser revogados pelo art.º 43º n.º 1 al. b) da Lei n.º 1/90 de 13 de Janeiro – a chamada “Lei de Bases do Sistema Desportivo” – que, no essencial, também não alterou o regime vindo do pretérito.
Entretanto, esse regime coexistiu com a Constituição da República de 1976: na sua 1ª versão, prescrevia o Texto Fundamental que o Estado reconhecia o direito dos cidadãos à cultura física e ao desporto como meio de valorização humana incumbindo-lhe promover, estimular e orientar a sua prática e difusão (art.º 79º); a versão seguinte veio acrescentar que essa incumbência estatal deveria ser feita em colaboração com as escolas, as associações e as colectividades desportivas (art.º 79º n.ºs 1 e 2).
Este quadro constitucional permitiu ao Estado outorgar às federações desportivas os poderes e os meios para estas levarem a cabo a sua missão, assim se reconhecendo o relevo económico e social que o desporto – e o futebol em particular – assume no mundo de hoje.
A Lei e os Estatutos da F.P.F., no âmbito da coordenação geral da actividade futebolística, conferem a este Organismo prerrogativas de autoridade pública no quadro de decisões unilaterais e executivas sobre os agentes desportivos, designadamente jogadores, treinadores e clubes (cfr. Ac. do S.T.J. de 8/10/02, proferido no Proc. n.º 1605/02 – rel. Cons. Salvador da Costa).
Neste contexto – e à semelhança do que fez este citado Aresto – é de entender que os actos decisórios praticados pela Federação, no que respeita ao licenciamento de treinadores (o Acórdão reportava-se aos jogadores), consubstanciam actos administrativos.
No mesmo sentido se perfila o Ac. do S.T.A. de 23/11/00, ao expressar que “… as federações desportivas estão invertidas de poderes de autoridade, no cumprimento da missão de serviço público de organização e gestão do desporto federado praticando actos administrativos em matérias que se conexionam discretamente com aquele serviço” (in B.M.J. 401/278).
Sendo de considerar que estamos perante um órgão produtor de decisão, devemos concluir também que o mesmo não pode ser responsabilizado por nenhuma relação jurídica que se desenvolva em concreto.
Por isso, não se vislumbra como poderão os Réus, no contexto dos autos, accionar aquele organismo nos termos invocados para o respectivo chamamento.
É de acolher, posto isso, a tese do recorrente.
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4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam em conceder provimento ao agravo, revogando o Acórdão da Relação e repristinando a decisão da 1ª instância.
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Custas pelos Réus.
Lisboa, 8 de Setembro de 2006
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis