Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03S836
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZAMBUJA FONSECA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
TRABALHO SUPLEMENTAR
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
CRÉDITO LABORAL
RENÚNCIA
Nº do Documento: SJ200306180008364
Data do Acordão: 06/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6305/02
Data: 11/20/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I - A indisponibilidade dos direitos de natureza pecuniária emergentes do contrato de trabalho apenas existe durante a sua vigência pelo que, findo o contrato, pode o trabalhador renunciar (expressa ou tacitamente) a eles.
II - Não pode o Tribunal, nos termos do art. 74º, do C.P.T., condenar o Réu ao pagamento de juros moratórios se o A. os não pedir.
III - Para condenação da entidade patronal ao pagamento de trabalho suplementar é necessário que o trabalhador alegue e prove, para além da sua prática, que o fez por ordem expressa e prévia da entidade patronal ou, pelo menos, com o seu conhecimento e sem a sua oposição.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" intentou, em 21.1.2000, no Tribunal de Trabalho de Lisboa acção declarativa com processo comum emergente do contrato de trabalho contra Empresa-A, em breve síntese, nos arts. 1º a 78º da p.i., alegando ter sido admitido ao serviço da Ré, em 6.5.97, sem prazo, para desempenhar funções inerentes à categoria de operadora de caixa e escriturária, auferindo a quantia mensal de 150.000$00, tendo prestado trabalho suplementar não pago, com excepção do realizado nos meses de Dezembro/97 e Janeiro/98, sendo o seu local de trabalho "Mercado da ...", propriedade da Ré, que a suspendeu do trabalho em 6.3.99, sem remuneração, tendo sido despedida, sem justa causa, após processo disciplinar, decisão de despedimento que recebeu em 27.5.99.
E diz nos artigos seguintes da p.i:

79º
Atentas as razões de facto e de direito invocadas supra deve, em consequência ser declarada a ilicitude do despedimento da A. e condenada a R. ao pagamento da indemnização de antiguidade prevista no nº 3 do art. 13º do D.Lei 64-A/89 de 27.2.

80º
Esta compensação, atento o tempo de serviço prestado, não poderá ser inferior a três meses de remuneração, perfazendo a quantia de 450.000$00.

81º
A A., em consequência do seu despedimento, é credora das seguintes importâncias, assim apuradas:
A) Trabalho suplementar prestado diariamente entre Maio de 1997 e Fevereiro de 1999, num total de 5 horas por dia de segunda a sábado e uma hora ao domingo ao longo de 92 semanas, perfazendo a quantia de 3.710.043$00, calculada pelo acréscimo de 100% à retribuição da hora normal de trabalho.
B) Retribuição referente a 87 dias de trabalho desde a suspensão até ao despedimento num total de 435.000$00.
C) Retribuição referente a férias e subsídio de férias referentes ao ano de 1998, bem como os proporcionais referentes a 1999, e proporcional de subsídio de Natal referente a 1999, num total de 450.000$00.

82º
O que perfaz o total de 4.595.043$00

83º
A A. reclama ainda o pagamento de retribuições e subsídios de Férias e Natal que se vencerem desde a data do despedimento até à data de sentença."

E nos seguintes arts. 84º a 86º fundamenta o pedido de concessão de apoio judiciário.
Realizado infrutífera audiência de partes a Ré contestou, excepcionando a ineptidão da petição inicial - por falta de indicação do pedido e contradição das causas de pedir- e não dispor a A. de interesse em agir, para peticionar judicialmente a remuneração correspondente a férias e subsídio de férias referentes ao ano de 1998 e os correspondentes proporcionais referentes a subsídio de Natal, férias e subsídio de férias do ano da cessação do contrato de trabalho. Por impugnação, alegou ter pago à A. todo o trabalho suplementar prestado e ter havido justa causa de despedimento, em breve síntese. Deduziu pedido reconvencional contra a A. peticionando a sua condenação a pagar-lhe a quantia de 150.000$00, proveniente de adiantamento por conta do subsídio de férias que a A., quando o recebeu, não restituiu e a sua condenação, a liquidar em execução de sentença, dos prejuízos por si sofridos pela não apresentação a pagamento, aos clientes do Restaurante, das facturas que descrimina na contestação.

Respondeu a A. às excepções e ao pedido reconvencional, concluído pela sua improcedência. Por sua vez, a Ré respondeu à excepção invocada pela A. quanto à reconvenção, concluindo pela sua improcedência.
Concedido o apoio judiciário pedido pela A. e designada data para realização de audiência preliminar, atenta à complexidade da causa, nesta não tendo sido logrado o acordo das Partes, o M.mº Juiz convidou a A. a, em 10 dias, vir aos autos esclarecer:

" a) A que horas entrava ao serviço e a que horas saía, devendo indicar, ainda, os períodos de descanso para almoço e jantar e as horas a que ocorriam;
b) Quantos dias por semana laborava e quais os dias de descanso em concreto, devendo, ainda indicar, de forma especificada, de quando a quando;
c) Deverá ainda, nas datas em que tal se mostrar necessário, por não terem obedecido ao padrão habitual de trabalho, indicar as horas de trabalho prestado por referência a datas, horas de entrada e hora de saída;
d) Efectuar os competentes cálculos por referência aos supra referidos factos".

O que a A. fez, a fls. 326 a 357, concluindo por pedir a condenação da Ré "ao pagamento da quantia de 3.710.043$00 (a mesma que referira na p.i.) como retribuição pelo trabalho suplementar prestado pela A. concluindo, quanto aos restantes pedidos, como na p.i.".
A Ré respondeu aos esclarecimentos, a fls. 359 a 363, concluindo: "Deve ser julgado improcedente o pedido da A. efectuado no esclarecimento agora apresentado, bem como os demais pedidos constantes da petição inicial, com as legais consequências."
Continuando a audiência preliminar na data para o efeito designada - despacho de fls. 389 vº- e não conciliadas A. e Ré, foi proferido despacho saneador e julgadas improcedentes as excepções de ineptidão da petição inicial e de falta de interesse em agir, na inexistência de questões prévias ou outras excepções que fossem de conhecer, foi elaborado especificação e questionário. A A. requereu a rectificação de erros materiais no questionário, o que foi deferido, e a Ré reclamou, com êxito parcial, da especificação e do questionário.

Realizada audiência de julgamento, com gravação de prova produzida e respondidos os quesitos pela forma constante do despacho de fls. 632 a 637, foi proferida a sentença de fls. 640 a 674, que decidiu:
"Em face ao exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condeno a Ré a pagar à Autora os seguintes montantes:

1 - (2.045,07 Euros) dois mil e quarenta e cinco Euros e sete cêntimos (ou seja 410.000$00) de salários devidos de 6 de Março de 1999 a 27 de Maio do mesmo.
2 - (1.496,39 Euros) mil quatrocentos e noventa e seis Euros e trinta e nove cêntimos (ou seja 300.000$00) relativos às férias vencidas em 1.1.1999 e inerente subsídio.
3 - (935,25 Euros) novecentos e trinta e cinco Euros e vinte e cinco cêntimos (ou seja 187.500$00) de proporcionais de férias, subsídios de férias e das férias e de Natal pelo trabalho prestado em 1999.
4 - Mais condeno a Ré a pagar à Autora a quantia que se liquidar em execução de sentença respeitante ao trabalho suplementar prestado por esta última nos dias de trabalho normal entre as 14h e as 16horas e entre as 23h e as 23h30 no período compreendido entre 6 de Maio de 1997 e 28 de Fevereiro de 1999.
5 - Os montantes referidos em 1, 2 e 3 deverão ser acrescidos de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento.
Julgo ainda parcialmente procedente por provado o pedido reconvencional e em consequência condeno a Autora a pagar à Ré o montante de (748,20 Euros) setecentos e quarenta e oito Euros e vinte cêntimos (ou seja 150.000$00) relativo ao recebimento indevido de um segundo montante respeitante ao subsídio de férias de 1998.
Tal quantia será acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data da citação."

A Ré, inconformada, interpôs recurso de apelação da sentença, requereu a notificação de erro material nele ocorrido e arguiu-lhe nulidades, a este requerimento fazendo seguir as suas alegações.
Contra-alegou a A. em defesa do decidido.
Pelo despacho de fls. 718 a 723 foi determinada a notificação do erro material, entendido não se verificar a arguida nulidade e recebido o recurso.
No Venerando Tribunal da Relação de Lisboa foi proferido o Acórdão de fls. 728 a 752, que decidiu:

" Em consonância com tudo o exposto e no conhecimento da apelação, nos termos do artigo 715º do Código de Processo Civil, acordam os juízes desta Secção Social em declarar nula a sentença nos seus segmentos referenciados e em fixar a condenação da Ré à Autora apenas nas quantias de dois mil e quarenta e cinco euros e sete cêntimos (410.000$00), de mil quatrocentos e noventa e seis euros e trinta e nove cêntimos (300.000$00) e setecentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos (150.000$00) (esta última quantia em vez de quantia 935,25 euros constante da decisão de 1ª instância), ou seja, numa quantia global de quatro mil duzentos e oitenta e nove euros e sessenta e seis cêntimos (4.289,66 euros), mantendo a condenação da Autora no pagamento à Ré duma quantia de setecentos e quarenta e oito euros e vinte cêntimos (150.000$00).

Feita a compensação de créditos, a Ré pagará à Autora uma quantia de três mil quinhentos e quarenta e um euros e quarenta e seis cêntimos (3.541,46 Euros).
São de manter, assim, as absolvições parciais de pedidos decretados pela 1ª instância."
Inconformada, a A. recorre de revista, nas suas alegações concluindo:

I - Nos termos do artigo 74º do Código de Processo do Trabalho" o juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele quando isso resulte da aplicação da matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho".
II - Os direitos laborais, sem a respectiva quantificação, invocados e reconhecidos pelo Acórdão em apreço, equivalendo aos mesmos que se encontram reconhecidos na sentença proferida em primeira instância, inscrevem-se a preceitos inderrogáveis de leis (v.g. artigo 82º do LCIT, aprovado pelo D.L. nº 49408, de 24.11.1969).
III - A A. foi contratada para praticar o horário das 10 às 14 horas e das 19 às 23 horas, exercendo funções de operadora de caixa e de escriturária;
IV - O horário de abertura ao público do restaurante era das 12 horas, para almoços, até às 14,00 horas e das 19,00 horas para jantares, até às 23,00 horas, contudo, nunca ou quase nunca, excepto quando não havia clientes, nunca o referido restaurante encerrou às 14 horas, no primeiro período, nem às 23 horas, no período dos jantares;
V - Logo, face às funções compreendidas na categoria profissional da ora recorrente, operadora de caixa, competia à mesma encerrar a caixa em cada período de funcionamento do restaurante, encerramento esse que só poderia ocorrer depois do efectivo encerramento do estabelecimento da Ré, ora Recorrida;
VI - Logo, porque a A. permaneceu, diversas vezes, no estabelecimento da Recorrida, no âmbito de uma relação individual de trabalho, para além do horário normal de trabalho, o que, torna assim, inequívoca a prestação de trabalho suplementar por parte da Recorrente, resultante, naturalmente, das ordens da entidade patronal, sendo certo que a redução a escrito de tais ordens, mormente na área da restauração, são na generalidade inexistentes, antes resultando que o mesmo trabalho tenha sido prestado com conhecimento, aproveitamento e sem oposição da entidade empregadora, in casu, a Ré, ora Recorrida (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Maio de 2000, 16 de Maio de 2000 e 8 de Março de 2000).
VII - Perante a factualidade da prestação de trabalho suplementar e ainda perante o disposto artigo 514º do Código e Processo do Trabalho, diz-se Processo Civil, diz-se Processo Civil, relativamente a preceitos inderrogáveis de leis laborais e ainda o artigo 7º do D.L. nº 421/83, de 02-12 tem a Recorrente direito a ser renumerada por tal trabalho suplementar.
VIII - Como decorre do disposto nos artigos 804º e 805º do Código Civil, são sempre devidos juros de mora sempre que exista uma obrigação de pagamento de determinada quantia pecuniária e o devedor a não satisfaça como está vinculado a fazê-lo.
IX - Por estar provado e devidamente considerado na sentença proferida pela primeira instância, a obrigação do pagamento dos créditos remuneratórios da ora Recorrente só não foram satisfeitos por culpa imputável excessivamente à ora Recorrida, pelo que a ora recorrida, devedora, está naturalmente obrigada a satisfazer, não só os créditos laborais devidos como também crédito decorrente dos respectivos juros de mora, nos termos do artigo 2º do D.L. nº 69/85, de 18 de Março e artigo 514º do Código de Processo Civil.

Nestes termos e nos mais de direito (...), deve o douto acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que mantenha a sentença proferida na primeira instância e condene a Recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo a costumada justiça".
A Ré interpôs recurso subordinado. Contra-alegou na revista interposta pela A., pugnando pela manutenção do decidido no Acórdão recorrido e, nas alegações da revista subordinado que interpôs, concluiu:

"1ª - Da matéria de facto assente no presente processo resulta claramente que a ora recorrida, ao não proceder ao envio atempado das facturas de refeições servidas a clientes, causou prejuízos à recorrente - maxime decorrentes do atraso no recebimento das quantias em causa (v.al.v) e nº 61, 62 e 64 da matéria de facto assente a fls. 641 dos autos) - cujo quantitativo ainda não é possível determinar, pelo que deverão ser liquidados em execução de sentença (v. arts. 483º, 486º e 569º do C.Civil; cfr. art. 471º/1/b do CPC) - cfr. texto nºs 1 a 4;
2ª - A sentença de 1ª instância julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional formulado pela R., condenando a A. a pagar à R. a quantia de 150.000$00, "acrescida de juros de mora, à taxa legal" - cfr. texto nºs 5 e 6;
3ª - A A. não recorreu desta decisão, pelo que, nesta parte, - maxime na condenação em juros de mora -, a sentença de 1ª instância transitou em julgado, não podendo ser alterada pelo acórdão recorrido (v. arts. 684º/4 e 690º/1/2 do CPC; cfr. art. 660º/2 do CPC) - cfr. texto nºs 7 e 8;
4ª - O douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de pagamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos art.s 471º, 660º, 684º e 690º do CPC e nos art.s 483º, 486º, 569º, 804º e 805 do C. Civil.

Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido, com as legais consequências.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o Parecer de fls. 813 a 821, no sentido de ser negada a revista da A. e parcialmente concedida a da Ré - na parte em que o Acórdão recorrido não manteve a condenação da A. no pagamento da quantia de 150.000$00, com juros de mora à taxa legal, devida desde a data da citação, como condenara a 1ª Instância, mas tão só no pagamento desta quantia.
Notificado às Partes, não suscitou qualquer resposta.
Foram colhidos os vistos.
É a seguinte a matéria de facto proveniente do Acórdão recorrido, não questionada e, quanto a ela, não havendo lugar ao uso dos poderes constantes do art. 729º, nºs 2 e 3, do CPC.

- Em 6 de Maio de 1997, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, mediante contrato sem prazo, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de "operadora de caixa" e "escriturária" no restaurante "O Mercado da ....;
- A Autora foi contratada para praticar um horário das 10 às 14 horas e das 19 às 23 horas;
- A Autora auferia mensalmente 150.000$00;
- A Autora esteve ininterruptamente ao serviço da Ré até ao dia 6 de Março de 1999;
- Data em que, à hora de almoço, o gerente da sociedade BB a mandou para casa, informando-a que estava suspensa por ter traído a confiança da Ré e dizendo-lhe que depois receberia notícias;
- Em 26 de Março de 1999, a Autora recebeu a nota de culpa constante de folhas 81 a 85 dos Autos;
- Em 1 de Abril de 1999, a Autora respondeu à nota de culpa nos termos constantes de folhas 87 a 92 dos autos;
- No dia 3 de Maio de 1999, a Autora recebeu o aditamento à nota de culpa constante de folhas 93 a 98 dos autos;
- Em 10 de Maio de 1999, a Autora respondeu ao aditamento à nota de culpa nos termos constantes de folhas 102 a 104 dos autos;
- Em 27 de Maio de 1999, a Autora recebeu a decisão de despedimento, proferida no âmbito do processo disciplinar, com o teor constante de folhas 105 a 111 dos autos;
- Em 20 de Setembro de 1999, a Ré apresentou no DIAP a queixa crime cuja cópia de folhas 177 a 181 dos autos;
- A Autora ainda não recebeu as férias e subsídio de férias vencidas em 1 de Janeiro de 1999, nem os proporcionais de férias e dos subsídios de férias e de Natal pelo trabalho prestado em 1999;
- A Ré sempre pagou à Autora todo o trabalho suplementar prestado pela mesma em dias de descanso semanal e feriados;
- A Ré pagou à Autora os montantes referidos nos recibos constantes de folhas 30 a 78 e 164 a 172 dos autos;
- No desempenho das suas funções a Autora realizava os registos dos pedidos feitos pelos clientes aos empregados de mesa;
- No fim da refeição a Autora procedia à soma e apresentação da conta que era entregue ao empregado ou directamente ao cliente, conforme lhe fosse solicitado;
- A Autora fazia o processamento de salário dos funcionários e a emissão dos cheques e pagamentos em dinheiro desses funcionários;
- Em 29 de Março de 1999, a AIMS Portugal, após solicitação pela Ré do pagamento das facturas nºs 583, 584 e 582, que a Autora não tinha enviado atempadamente, referiu além do mais o seguinte:
"vimos devolver as vossas facturas nºs 583, 584 e 582 referentes a extras do Grupo IVECO em Novembro de 1998.
Como devem saber não é nesta data - final de Março - que vamos dizer ao nosso cliente que tem extras a pagar dum jantar que teve lugar em Novembro do ano passado.
Queiram portanto anular estas facturas;

- A Autora procedia a qualquer rectificação nas contas dos clientes sempre que, por qualquer circunstância, houvesse por parte do empregado de mesa o pedido de inclusão numa conta de um ou outro artigo servido ao cliente cujo registo o empregado não tivesse apresentado na caixa para registo, por lapso, ou ainda quando surgiam reclamações por não ter consumido um ou outro artigo que lhe tinha sido facturado;
- A Autora recebia o pagamento das contas;
- Os empregados de mesa apresentavam as contas aos clientes;
- A Autora procedia ao encerramento da caixa cerca das 23 horas/23 horas e 30 minutos;
- Algumas vezes a Autora fechou a porta do Restaurante;
- Até data, que não foi possível determinar, de Janeiro de 1999, a Autora preparava e efectuava diariamente os depósitos bancários;
- A Autora recebia reservas;
- Por vezes a Autora deslocou-se à Makro para fazer as compras diárias;
- No exercício das suas funções a Autora efectuou pagamento aos fornecedores;
- A Autora controlava as faltas de pessoal;
- A Autora entrava ao serviço da Ré pelas 10 horas;
- A Autora exercia as funções de operadora de caixa do Restaurante "Mercado da ..." durante a hora de almoço, entre as 12 e as 16 horas;
- A Autora exercia as funções de "operadora de caixa" do Restaurante "Mercado da ..." durante a hora de jantar, que começava cerca das 19 horas;
- O vencimento da Autora que constava do recibo era de 65.000$00;
- a Autora recebia 85.000$00 mensais através de recibo verde;
- Em 6 ou 7 de Março de 1999 a Autora manteve uma conversa com BB tendente a esclarecer os motivos pelos quais a primeira não havia procedido ao registo dos bens consumidos pelos clientes (a esposa do funcionário da Ré CC e o filho);
- Até data que não foi possível determinar de Janeiro de 1999, no exercício das suas funções para a Ré, a Autora preparava a documentação para efectuar depósitos dos valores apurados diariamente;
- A partir de data, que não foi possível apurar, de Janeiro de 1999, a Autora passou a entregar os cheques recebidos ao gerente da Ré BB;
- "DD" veio a constatar que a Autora tinha guardados na sua secretária cheques entregues por funcionários da Ré;
- Três deles eram de AA;
- Os cheques referidos no aditamento à nota de culpa estavam guardados na secretária da Autora nas instalações da Ré;
- O restaurante "Mercado da ..." tem muito menos clientela que o restaurante "Mercado do ..." pertencente a "Empresa-B";
- A Autora apenas estava sujeita ao poder hierárquico do gerente da Ré BB, com quem tratava directamente de todos os assuntos do âmbito das suas funções;
- Em 21 de Fevereiro de 1999, a esposa de um funcionário da Ré - CC - acompanhada do seu filho deslocou-se ao restaurante " O Mercado da ...", onde almoçaram;
- Os clientes referidos ficaram sentados e foram servidos na sala de refeições do "Mercado da ...";
- No decurso da refeição a Autora estava no exercício das suas funções;
- No final da refeição os clientes referidos solicitaram a respectiva conta.
- Em circunstâncias que não foi possível apurar, a Autora não procedeu ao registo dos bens consumidos pelos clientes referidos, não emitiu factura ou recibo, nem recebeu o pagamento da respectiva refeição;
- E não informou a gerência da Ré do ocorrido;
- O EE presenciou a situação e informou o gerente BB desses factos;
- A Autora tinha integral conhecimento das ordens da gerência no sentido de ter de registar todos os bens consumidos no estabelecimento, inclusivamente quando se tratasse de refeições dos próprios gerentes ou oferecidos por estes a terceiros;
- Em 6 ou 7 de Março de 1999, BB manteve uma reunião com a Autora tendente a esclarecer os motivos pelos quais a mesma não havia procedido ao registo dos bens consumidos pelos clientes referidos;
- A partir do dia 6 ou 7 de Março de 1999 a Autora deixou de se apresentar no restaurante da Ré;
- Até data que não foi possível determinar de Janeiro de 1999, a Autora era a pessoa encarregada de proceder a todas as diligências tendo em vista o depósito dos cheques e quaisquer outros meios de pagamento do restaurante " O Mercado da...;
- A Autora estava encarregada de depositar directamente os cheques nos bancos;
- A partir de data que não foi possível determinar de Janeiro de 1999, passou a Autora a entregar os cheques recebidos ao BB;

- Em data que não foi possível apurar, mas posterior a 6 ou 7 de Março de 1999, na secretária pertencente à Autora foram encontrados cheques que não haviam sido creditados nas contas bancárias da Ré;
- Em 18 de Março de 1999, a Autora não tinha procedido ao depósito dos seguintes cheques emitidos sobre a sua conta nas datas indicadas a favor da Ré destinados ao pagamento de bens aí adquiridos:

- cheque nº 7682693666, da Nova Rede, datado de 23-3-1998, no valor de 43.132$50;
- cheque nº 7682694345, da Nova Rede, datado de 11-4-1998, no valor de 8.880$00;
- cheque nº 7682694442, da Nova Rede, datado de 4-5-1998, no valor de 28.121$00;
- Em 18 de Março de 1999, a Autora não tinha procedido ao depósito dos seguintes cheques, emitidos nas datas indicadas por colegas seus no restaurante, a favor da Ré, para pagamento de bens aí adquiridos:
- cheque nº 4571217433, da CGD, datado de 4-8-1997, no valor de 3.190$00;
- cheque nº 7527281736, da Nova Rede, datado de 17-8-1997, no valor de 2.900$00;
- Em 18 de Março de 1999, a Autora ainda não tinha procedido ao depósito dos seguintes cheques, emitidos, nas datas indicadas, por clientes do restaurante, a favor da Ré, para pagamentos de consumos e refeições:
- cheque nº 7180262880, do BES, datado de 20-9-90, no valor de 30.000$00;
- cheque nº 1878071248, do Banco Mello, datado de 14-11-1997, no valor de 6.060$00;
- cheque nº 3040280476, do Banco Mello, datado de 17-9-98, no valor de 22.500$00;
- cheque nº 4268434338, do BFB, datado de 17-9-98, no valor de 7.800$00;
- cheque nº 5871874470, do BPI, datado de 18-9-98, no valor de 15.800$00;
- cheque nº 4772485483, da Nova Rede, datado de 18-9-98, no valor de 26.000$00;
- cheque nº 3561933434, do BCP, datado de 21-9-98, no valor de 25.000$00;
- cheque nº 9354416850, do BTA, datado de 2-10-98, no valor de 35.000$00;
- cheque nº 7449877429, do BPA, datado de 3-10-98, no valor de 21.000$00;
- cheque nº 7901093081, do Banco Mello, datado 10-10-98, no valor de 9.500$00;
- cheque nº 4721262887, da Nova Rede, datado de 30-10-98, no valor de 9.000$00;
- cheque nº 3915735244, do BNCI, datado de 28-11-98, no valor de 14.300$00;
- cheque nº 6579328768, do BES, datado de 29-11-98, no valor de 17.700$00;
- cheque nº 4034067857, da Nova Rede, datado de 6-1-99, no valor de 71.000$00;
- cheque nº 3961227601, do BTA, datado de 6-1-99, no valor de 405.000$00;
- cheque nº 3030871610, da CGD, datado de 9-1-99, no valor de 19.100$00;
- cheque nº 6562535770, do Banco Santander, datado de 15-1-99, no valor de 12.000$00;
- cheque nº 6002789097, do BPA, datado de 16-1-99, no valor de 6.850$00;
- cheque nº 7032477401, do BANIF, datado de 17-1-99, no valor de 7.050$00;
- cheque nº 8313649770, do BNP, datado de 18-1-99, no valor de 11.400$00;
- cheque nº 1000456323, do BIC, datado de 22-1-99, no valor de 25.000$00;
- cheque nº 3245125210, da CGD, datado de 22-2-99, no valor de 7.050$00;

- Os cheques nunca haviam sido apresentados a pagamento a qualquer Banco;
- E estavam entre os documentos da Ré cuja guarda estava confiada à Autora;
- Os três cheques emitidos pela Autora foram apresentados ao Banco por BB apenas depois da Autora ter cessado as suas funções no restaurante;
- Em 30-5-99, após diligências da Ré para proceder ao depósito de cheques em causa, foi devolvido o cheque nº 7449877429 no montante de 21.000$00 datado de 30-10-98 por falta de provisão;
- a Autora nunca se apresentou no seu local de trabalho para receber férias e subsídio de férias vencidas em 1-1-99, bem como os proporcionais pelo trabalho prestado nesse ano;
- A autora estava encarregada de exigir o pagamento de refeições servidas no restaurante da Ré a clientes que faziam reservas para grupos e de enviar-lhes a respectiva factura;
- A Autora não procedeu ao envio das seguintes facturas:
- nº 111388, datada de 19-5-98, da Agência de Viagens Team Quatro, no valor de 66.100$00;
- nº 523, datada de 25-9-98, da Aims Portugal, no valor de 174.000$00;
- nº 580, datada de 5-11-98, da Empresa-C, no valor de 114.900$00;
- nºs 582, 583, 584 e 585, datadas de 5-11-98, de Aims Portugal, no valor, respectivamente, de 13.500$00, 27.000$00, 1.800$00 e 649.000$00;
- nº 16545, datada de 16-12-98, da Bull Portuguesa - Computadores, no valor de 484.000$00;
- nº 16711, datada de 21-12-99, da Empresa-D, no valor de 288.750$00;
- nº 17219, datada de 17-1-99, da Empresa-C, no valor de 45.150$00;
- nºs 681 e 682, datadas de 5-2-99, da Mundiasol, respectivamente, no valor de 7.500$00 e 165.000$00;
- nº 17288, datada de 20-1-99, da Vermundos, no valor de 23.150$00;
- nºs 696 e 697, datadas de 11-2-99, da Aims Portugal, no valor, respectivamente, de 805.000$00 e de 20.000$00;
- nºs 708 e 709, datadas de 24-2-99, da Vermundos, no valor, respectivamente, de 1.000.000$00 e de 32.000$00;
- O envio das facturas referidas aos clientes motivou protestos da parte dos mesmos;
- Em 31-1-98 a Autora preencheu um vale no valor de 150.000$00, a título de adiantamento por subsídio de férias;
- Tendo levantado o referido valor do Banco;
- Em Agosto de 1998 a Autora recebeu o valor correspondente a tal subsídio;
- Nunca tendo procedido à devolução da quantia que lhe foi adiantada;
- A partir de data que não foi possível determinar de 1998 o estabelecimento da Ré passou a encerrar a partir das 16 horas de Domingo;
- Durante o ano de 1997 as folgas semanais dos trabalhadores da Ré eram gozadas rotativamente;
- A Autora entrava a serviço da Ré pelas 10 horas;
- A Autora tinha um período de descanso para o almoço;
- A Autora tinha um período de descanso para o jantar;
- A partir de data que não foi possível determinar de 1998 o estabelecimento comercial da Ré passou a encerrar à terça feira todo o dia;
- O horário de abertura do estabelecimento da Ré (restaurante Mercado da ...) ao publico era das 12 às 16 horas e das 19 às 23 horas;
- Por vezes nos dias de trabalho normal, a Autora permanecia nas instalações da Ré, entre as 16 e as 19 horas;
- A Autora reside na Pontinha;
- A Autora vendeu artigos em ouro a funcionários da Ré e a terceiros;
- A Autora preenchia diariamente as folhas de ponto constantes de folhas 69, 70,73, 74, 76, 77, 79 e 80 dos autos;
- As quais não eram assinadas pelo seu superior hierárquico;
- A Autora processava todos os salários dos trabalhadores da Ré, incluindo os seus;
- Procedendo ainda ao preenchimento dos respectivos recibos e cheques;
- Os quais apresentava posteriormente ao gerente BB;
- Os três cheques emitidos pela Autora já foram apresentados ao Banco e pagos;
- A última remuneração paga pela Ré à Autora foi a correspondente ao mês de Fevereiro de 1999.

Inexistindo questões de conhecimento oficioso, é às equacionadas nas conclusões das alegações das Recorrentes que, aos factos materiais fixados no Acórdão recorrido, há que aplicar o regime jurídico adequado - art.s 684º nº3, 690º, nº 1 e 729º, nº1, todos do CPC. e são:

Recurso da A.
- Determinar se o Acórdão recorrido, ao anular a sentença na parte em que condenou a Ré para além do pedido, violou o art. 74º do CPT99, o aplicável; e
- Saber se a A. tem direito ao pagamento do trabalho suplementar.

Recurso da Ré:
- Saber do direito de indemnização pelos prejuízos decorrentes de não ter a A. enviado, atempadamente, facturas de refeição servidas a clientes; e
- Conhecer da não condenação da A., no Acórdão recorrido, no pagamento de juros moratórios à taxa legal desde a citação sobre 150.000$00, como o havia sido na sentença então recorrida.
Começando pela revista da A., quanto à primeira questão - violação do art. 74, do CPT99 (o aplicável) pelo douto Acórdão recorrido ao, anulando nessas partes a sentença, então recorrida, reduziu de 187.500$00 para 150.000$00 ( a verba pedida pela A.) a quantia a ela devida a título de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativamente ao trabalho prestado em 1999 e eliminou a condenação da Ré no pagamento de juros moratórios, por não pedidos - adiantado a conclusão, carece a A. de razão.
Com efeito o art. 74º, do CPT99, corresponde "ipsis verbis" ao art. 69º, do CPT81, pelo que os entendimentos existentes a propósito deste artigo valem para o agora estatuído no citado art. 69º.
Seguindo, de perto, o Parecer do Exmº Procurador Geral Adjunto, nesta parte, por concreto e sem fundamentado, dir-se-à que, como refere Leite Ferreira, no "Código e Processo Anotado", 4ª ed., 1996, a pág. 353, a condenação "extra vel ultra petitum", na medida em que constitui um desvio ao princípio dispositivo - art. 661º, nº1, do CPC - tem de apresentar-se como resultado da aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho aos factos provados, ainda que essa aplicação venha a traduzir-se numa condenação em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido formulado.

Porém, como este Autor salienta, é de entender que preceitos inderrogáveis são apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como será o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional ou do direito ao salário na vigência do contrato. Se, em vez disso, os preceitos são inderrogáveis apenas no plano jurídico, porque o exercício do direito que reconhecem está confinado à livre determinação da vontade das partes, a possibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido formulado tem de considerar-se excluída, devendo nestes casos a decisão condenatória ter por limite o pedido formulado nos aspectos quantitativo e qualificativo.
No mesmo sentido, Castro Mendes, "Pedido e Causa de Pedir no Processo de Trabalho", em "Curso de Direito Processual do Trabalho", Suplemento da REDUL, 1964, págs. 132-3.

E o STJ tem perfilhado o entendimento de que a indisponibilidade dos direitos de natureza pecuniária emergentes de contrato de trabalho apenas se mantém durante a vigência do contrato, por forma a obstar a que a subordinação jurídica e económica relativamente à entidade patronal possa afectar o exercício desses direitos pelo trabalhador, deixando a indisponibilidade de vigorar com a cessação do contrato de trabalho porque, cessada a subordinação, não há qualquer impedimento a que o trabalhador disponha livremente do seu direito aos salários e subsídios - vejam-se, por todos, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 7.3.86 e 4.4.86, em AD, nº 295, págs. 925 e 937, respectivamente de 4.4.88, no BMJ 356, pág. 138, de 22.9.93 e 6.7.94, em AD, nº 384, pág. 1332 e nº396, pág.1461, respectivamente, e de 12.12.01 - Proc. 2271/01.
E, no concernente a juros moratórios, entende-se óbvia a natureza disponível deste direito - confrontar o Acórdão do STJ de 10.2.99, no C.J. (Acs. STJ, 1999, T1, pág. 279.

Improcede, assim, nesta parte a revista da A., por não ter o Acórdão recorrido violado o art. 74º do CPT.
Vejamos, agora, do direito da A. ao pagamento de trabalho suplementar prestado em dias úteis.
Reconheceu-o a sentença, nos termos do ponto 4 da sua decisão -" Mais condena a Ré a pagar à Autora a quantia que se liquidar em execução de sentença respeitante ao trabalho suplementar prestado por esta última nos dias de trabalho normal entre as 14 h e as 16 horas e entre as 23h e as 23h30m no período compreendido entre 6 de Maio de 1997 e 28 de Fevereiro de 1999".
O douto Acórdão recorrido negou-lhe este direito tendo em conta que:
"Não se vê que a Autora haja pedido nesta acção a condenação da Ré em qualquer prestação retributiva (quantia) relativa a trabalho suplementar, pelo que, em face disso, ou seja, em face da inexistência do pedido a esse respeito, entendemos, que o tribunal não podia condenar a Ré nos termos em que o fez no nº 4 da parte decisória da sentença.

Mas ainda que se entenda que foi formulado nesta acção um pedido relativo a trabalho suplementar - e não é esse o nosso juízo - ainda assim não nos parece correcta a condenação feita pela 1ª instância, porquanto não resulta dos factos provados que tenha havido ordens prévias e expressas da Ré no sentido da Autora exercer as funções de operadora de caixa do restaurante "Mercado da ..." durante a hora do almoço entre as 12 e as 16 horas e de encerrar a caixa às 23 horas e 30 minutos, nem tão pouco que a Ré tinha conhecimento dessas prestações de trabalho e que nelas consentia.
Ora, para haver direito à retribuição por trabalho suplementar, em face do disposto no nº 4 do artigo 7º do Decreto-Lei n. 421/83, de 2/12, é necessário que o trabalhador alegue e prove a sua efectiva prestação e que a entidade patronal o tenha ordenado prévia e expressamente, ou, pelo menos, que esse trabalho tenha sido prestado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora (vidé douto acórdão do S.T.J. de 3 de Maio de 2000, publicado no C.J., Ac. STJ, Tomo II, Ano VIII-2000, páginas 257/259).

Dos factos apurados não resulta minimamente demonstrado ter havido essas ordens, nem o conhecimento pela Ré da prestação de trabalho pela Autora fora do seu horário, nem tão pouco o seu consentimento quanto a essa prestação.

De resto, quanto à prestação de trabalho das 23 às 23 horas e 30 minutos, nada se provou, já que apenas se fala que a Autora procedia ao encerramento da caixa cerca das 23 horas / 23 horas e 30 minutos, o que como é óbvio, não é o mesmo que trabalhar durante meia hora das 23 às 23 horas e 30 minutos.
Procedem, portanto, as conclusões da recorrente que versam sobre esta questão."
Com o respeito devido, entende-se que a A. já na p.i., peticionou o pagamento de trabalho suplementar em dias úteis e, mesmo que assim se não entendesse, sempre se teria de considerar que inequivocamente o peticionou no requerimento de complemento e correcção da p.i. - apresentado na sequência do convite feito, nos termos do art. 27º, al.b), do CPT, e do art. 508º do CPC - onde concluiu "deve a acção ser julgada procedente por provada, condenando-se a Ré ao pagamento da quantia de 3.710.043$00 como retribuição pelo trabalho suplementar prestado pela A. concluindo-se quanto aos restantes pedidos como na P.I.".
Peça processual a que a Ré respondeu, a fls. 359 a 363, concluindo - "Deve ser julgado improcedente o pedido da A. efectuado no esclarecimento agora apresentado, bem como os demais pedidos constantes da petição inicial, com as legais consequências".

Porém, para a procedência não basta pedir o pagamento de trabalho suplementar. Há que provar a sua realização e, como doutamente se diz no Acórdão recorrido, que o foi por ordem prévia e expressa da entidade patronal ou, pelo menos, com o seu conhecimento e sem a sua oposição.
Dado que ao STJ cumpre respeitar a matéria de facto que vem provada as ilações de facto que as Instância dela retiram e, no caso vertente, não havendo lugar ao uso dos poderes conferidos pelos nºs 2 e 3, ambos do art. 729, do CPC, aplicável "ex vi" do art. 1, n. 2, al. a), do CPT, apenas há que referir a concordância com o Acórdão recorrido, na parte em que entende não estar provada a prévia e expressa determinação da Ré nem o seu conhecimento nem oposição.
Termos em que, também nesta parte, improcede o recurso da A..
Passemos, agora, ao conhecimento do recurso subordinado da Ré.
Quanto ao pretendido direito de indemnização por a A. não ter enviado, atempadamente, as facturas descriminadas na matéria de facto provada entendemos, como as Instâncias, que não se provou a verificação de dano na esfera patrimonial da Ré, sendo a ela que incumbia prova, por constitutivo do direito que se arroga - art. 342, nº1, do C. Civil.

No expressivo dizer da sentença:
"... salvo no tocante às facturas relativas à Aims International Portugal, não ficou minimamente provada a existência de qualquer prejuízo.
É certo que o envio tardio das facturas provocou alguns protestos por parte de clientes, mas não se provou que as mesmas não foram pagas.
E também não ficou provado que a Ré perdeu clientes ou que viu o seu bom nome afectado em consequência do referido incidente.
Mas não haverá que condenar a Autora no pagamento dos montantes referentes às facturas nºs 583, 584 e 582 (nos valores, respectivamente, de 27.000$00, 1.800$00 e 13.500$00) que foram devolvidas pelo Aims nos termos referidos em V)?
Salvo o devido respeito por opinião diversa, entendemos negativamente.
É certo que a conduta da Autora pode ser configurada como um acto susceptível de originar responsabilidade civil por omissão (vidé artigos 483º e 486º ambos do Código Civil).
E até se pode vislumbrar um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a conduta assumida pelo cliente em questão.

Porém, apesar da matéria assente em V) a verdade é que não ficou provado que a Aims Portugal não chegou a pagar as facturas em apreço.
ou seja não ficou provado o dano.
E afigura-se-nos que não há que extrair a esse título quaisquer presunções (vidé artigo 351º do Código Civil).
A Ré pode ter enveredado pela via litigiosa para obter o seu pagamento.
Também a Aims Portugal pode ter reconsiderado, tanto mais que a sua missiva não faz referência à factura nº 585 num montante seu mais elevado (649.000$00)...".

Constando do Acórdão recorrido:
"Rebela-se a apelante contra a sentença, na sua conclusão 10; por esta não ter condenado a Autora na totalidade do pedido reconvencional, referido que ela (Autora) também devia aí ter sido condenada pelos prejuízos causados pelo não envio atempado das facturas das refeições devidas aos clientes.
A esse respeito estamos de acordo com a sentença e com os fundamentos nela alinhados para a não condenação da Autora nos termos pretendidos pela Ré.
Aliás, se prejuízos a Ré teve com a má actuação da Autora, cabia-lhe o ónus de os ter referido e quantificado na reconvenção.
Certo é, todavia, que a Ré se limitou a dizer no articulado da sua reconvenção que teve elevados prejuízos, sem os precisar.
Ora nada se demonstrou na acção a respeito dos tais "elevados prejuízos", como se comprova da leitura da matéria de facto.

A sentença recorrida, nesse seu segmento, não merece, portanto, qualquer reparo.
Reafirma a Ré, nas suas alegações de revista, a fls. 801, que "...os prejuízos da R. não decorrem do pagamento ou não das facturas, mas sim da falta de envio atempado das mesmas." Ou seja, o prejuízo da Ré resultaria do não pagamento imediato das facturas, o que parte do pressuposto de que os clientes, de imediato, as pagariam, se atempadamente apresentadas. O que não vem provado.
Também alega a Ré, na mesma folha:
"De resto, é facto notório que o não recebimento das quantias em causa acarreta prejuízos à R. (v.art. 514º do CPC), tanto mais que esta tinha obrigações bancárias a cumprir.
Além disso, é inquestionável que a falta de envio atempado das facturas, viola frontalmente os deveres de diligência e zelo a que a A. estava obrigada, por força do contrato de trabalho (v. art. 20º /1/b) do RJICT)".

Vejamos.
Se se pode considerar que é facto notório que o não recebimento de quantias causa prejuízos, na generalidade dos casos, já o não é que o prejuízo de um não envio atempado da factura,, porque também é do conhecimento geral que, infelizmente, nem todas são pagas e as que são, não são, muitas vezes, de imediato. Porém, não é facto notório que a Ré tivesse obrigações bancárias a cumprir.
E a violação dos deveres de diligência e zelo foram ponderadas quanto à constatação da existência da justa causa de despedimento, irrelevando para a questão em análise.
E, diferentemente do que a Ré diz a fls. 802, não era apenas o montante do dano que não era determinável à data da apresentação da constituição, mas também a própria existência aos prejuízos que a Ré invocou e não conseguiu provar, sendo que sobre ela impendia o ónus da prova.
Ora, não estando provado a ocorrência de danos (e não apenas o seu montante) não pode proceder o pedido da Ré, por fundado em hipotéticos danos. Por isso, nesta parte, improcede a revista da Ré, sem tendo decidido o Acórdão recorrido.
Vejamos, por fim, a questão da condenação da A. no pagamento de juros moratórios, não considerada na compensação operada no Acórdão recorrido.
A sentença condenou a A. a pagar à Ré o montante de €748,20 (150.000$00, verba relativa ao recebimento indevido de um segundo subsídio de férias de 1998, quantia a vencer juros moratórios, à taxa legal, desde a data da citação.

Apenas a Ré apelou pelo que, inquestionavelmente, esta parte da decisão transitou em julgado, sendo certo que onde se lê "citação" tem de se entender "notificação da contestação", porque a A. não é citada da contestação em que é deduzido pedido reconvencional, mas dela notificado, como de qualquer contestação.
O douto Acórdão recorrido procedeu à compensação dos créditos da A. e da Ré não tendo, porém, em conta os juros moratórios vencidos pelo crédito da Ré até à data da compensação pelo que, nesta parte, não pode subsistir o decidido, por ter havido violação do caso julgado quanto à condenação do A. no pagamento de juros moratórios.
Há, assim, que revogar a compensação aí feita e proceder, agora, à compensação de créditos, para o que é necessário determinar o montante dos juros até hoje vencidos.
Tendo em conta que a expedição da carta para notificação do articulado de contestação onde a Ré deduziu o seu pedido reconvencional ocorreu em 13.3.2000 (vide fls. 296), a notificação da A. ocorreu em 16.3.2000 (art. 254º, nº 3, do CPC).
Assim, os juros de mora são de calcular desde essa data até hoje, da forma seguinte: De 16.3.2000 até 31.4.03 à taxa de 7% (art.559º, do C.Civil e Portaria nº263/99, de 12.4) e de 1.5.03 até hoje à Taxa de 4% (mesmo artigo do C.Civil e Portaria nº 291/03, de 8.4).

O que dá:
- Ano de 2000
150.000$00x291 dias: 365x7%= 8.371$00 (ou € 41,75);
- Ano de 2001
150.000$00x7% = 10.500$00 (ou € 52,37);
- Ano de 2002
150.000$00x7% = 10.500$00 (ou € 52,37);
- Ano de 2003
150.000$00x 120: 365x7% = 3452$00 (ou € 17,22) e
150.000$00x 49: 365x 4% = 805$00 (ou € 4,02)
Total do ano - 34.257$00 (ou € 21,24).

Assim, o valor total dos juros moratórios vencidos é de 33 628$00 ( ou € 167, 23).
Acrescido este valor ao de 150.000$00 (ou € 748, 20) perfaz a quantia global de 183.628$00 (ou € 915, 93).
Efectuada a compensação de créditos tem a Ré de pagar à A. a quantia de € 3.373,73 (três mil trezentos e setenta e três euros e setenta e três cêntimos), correspondente à diferença entre 4.289,66 e € 915,93, quantia em que se condenou a Ré a pagar à A..
Assim e decidindo, no improvimento da revista da A. e no provimento parcial da Ré, condenou-se esta a pagar à A. a quantia de € 3.373,73 (três mil trezentos e setenta e três euros e setenta e três cêntimos) em vez da verba em que vinha condenado em Acórdão recorrido, no mais se confirmando o aí decidido.

Custas do recurso da A. pela Recorrente e do recurso subordinado da Ré pelas Partes, sendo 19/20 pela Ré e 1/20 pelo A., sendo que a condenação do A. em custas ocorre sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 18 de Junho de 2003
Azambuja Fonseca,
Victor Mesquita,
Ferreira Neto.