Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3488
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA GIRÃO
Descritores: VENDA JUDICIAL
REGISTO PREDIAL
TERCEIRO
ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
CAUSA DE PEDIR
USUCAPIÃO
Nº do Documento: SJ200312110034882
Data do Acordão: 12/11/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 3694/02
Data: 03/11/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - Na execução o tribunal não vende no exercício de poder originariamente pertencente ao executado, mas sim em virtude de um poder autónomo, que se reconhece à própria essência da função judiciária.
II - Assim, o anterior adquirente do direito de propriedade (sobre imóvel) não registado não é terceiro, para efeitos de registo nos termos do nº4 do artigo 5º do CRP, relativamente ao arrematante em venda executiva do direito de propriedade registado (sobre o mesmo imóvel), nem, muito menos, relativamente ao adquirente posterior ao arrematante;
III - Não sendo, assim, terceiro para efeito de registo, pode aquele anterior adquirente, na acção reivindicativa do prédio, que venha a propor, com fundamento na usucapião, contra este último adquirente, alegar e somar à sua posse a dos antepossuidores, nos termos do artigo 1256, nº1 do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Nesta acção ordinária, A e mulher B pedem que o Município de Oliveira de Frades seja condenado a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre o prédio rústico identificado nos autos, devendo, em consequência, abrir mão dele, restituindo-lho.
Em síntese alegam que:
-- adquiriram o prédio por escritura pública de 11 de Setembro de 1991, tendo, por si e antepossuidores, praticado sobre ele actos, que descrevem, conducentes à aquisição por usucapião;
-- o réu tem praticado actos de ocupação e usufruição do prédio, arrogando-se titular de registo a seu favor e alegando tê-lo adquirido a terceira pessoa, C, que, por sua vez, o arrematara em hasta pública.
Na contestação, o réu excepcionou a sua ilegitimidade assim como a caducidade da acção e contrapôs ser a verdadeira dona e senhora do prédio, por usucapião, beneficiando ainda da presunção do registo predial, quer a seu favor, quer, antes, a favor do transmitente.
Alegou também que os autores, embora tendo lavrado protesto na acção executiva, onde o prédio foi vendido em hasta pública, não propuseram acção nos termos e no prazo do artigo 910 do Código de Processo Civil.
Houve réplica e, realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar procedente a acção com a consequente condenação do réu no pedido, ordenando-se ainda o cancelamento de todos os registos a favor de pessoas diferentes dos autores e efectuados com base em factos divergentes do decidido.
Apelou o réu e a Relação de Coimbra, concedendo provimento à apelação, revogou a sentença e absolveu o réu do pedido.
É agora a vez dos autores pedirem revista deste acórdão, com as seguintes conclusões:
1. Os recorrentes invocam, como causa de pedir, a aquisição originária por usucapião aliada ao facto de o registo predial ter, entre nós, apenas valor declarativo e não constitutivo.
2. Para além disto, invocaram também a prescrição aquisitiva, para poderem beneficiar do regime excepcional previsto no artigo 5º, nº2 a) do C. Registo Predial.
3. O registo da aquisição do prédio por arrematação não prejudica os efeitos aquisitivos quanto a terceiro, por usucapião, relativamente ao mesmo prédio, em época anterior (Ac. STJ de 3/5/90).
4. A usucapião tem eficácia retroactiva plena em relação a quem quer que seja, independentemente do registo (Ac. STJ de 17/12/1998).
5. O registo é somente uma presunção legal que pode ser ilidida pela prova de usucapião por terceiros sem quaisquer restrições (Ac. STJ de 3/6/1992).
6. A usucapião em nada é prejudicada pelas vicissitudes registrais.
7. Aquele que adquiriu um direito de propriedade e omitiu o registo do negócio aquisitivo pode invocar a posse do prédio transmitido perante terceiro, protegido pelo registo, para efeitos de afastamento da prevalência do direito deste (Ac. STJ de 4/4/2002).
8. É, assim, ineficaz em relação aos respectivos adquirentes não só a venda judicial do prédio adquirido por essa venda originária, ainda que essa transmissão por via judicial, aquisição derivada, haja sido objecto de registo anterior, como também as penhoras de tal prédio que hajam sido registadas (Ac. STJ, de 21/5/1998).
9. A venda judicial é ineficaz, pois o verdadeiro dono da coisa não pode ser afectado nos seus direitos pelo contrato, que, em relação a si, não é válido nem nulo, mas apenas inexistente, visto ser res inter alios acta (Ac. STJ de 12/6/1951).
10. A invocação do direito de retenção é manifestamente extemporânea, não podendo agora ser apreciado.

Contra-alegou o réu, defendendo a improcedência da revista e ainda que, caso assim não venha a ser entendido, assiste-lhe o direito de retenção sobre o prédio enquanto não lhe for restituído o preço, por a acção não ter sido intentada no prazo de 30 dias, conforme dispõe o artigo 910, nº2 do CPCivil.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Os factos provados são os seguintes:

Por escritura de compra e venda, outorgada em 11 de Setembro de 1991, no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, os primeiros outorgantes, vendedores, D, e segundo outorgante, comprador, A, casado com B, declararam que entre si titulam um contrato de compra e venda, pelo qual os vendedores, pelo preço de um milhão e vinte e cinco mil escudos, já recebido, cedem e transferem para o comprador o seguinte: (...) por trezentos mil escudos, o prédio rústico denominado «Terra das Chãs», culto com área de quatro mil seiscentos e cinquenta metros quadrados, a confrontar do Norte com E, Sul com caminho, Nascente com F e do Poente com G, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 1470, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº207, da freguesia de Oliveira de Frades, e inscrito a favor da vendedora pelo G-2.

No processo de execução de sentença sumária nº65/95, em que foram exequentes H e executados D e mulher I foi penhorado o prédio identificado em 1º, tendo o exequente procedido à apresentação do referido registo em 9/4/1996.

No âmbito da execução referida em 2º, no dia 15 de Abril de 1997, o prédio identificado em 1º foi arrematado em hasta pública por C pelo valor de 250.000$00.

No dia designado para a realização da venda em hasta pública, J, na qualidade de gestor de negócios de A, declarou que as verbas constantes dos nos (...) 2 (...) lhe pertencem por as haver adquirido dos seus proprietários por escritura de compra e venda, outorgada no Cartório Notarial de Oliveira de Frades, de 11/9/1991, tendo juntado certidão e protestando reivindicar a sua propriedade.

Em 30/10/1997, através da apresentação nº3, foi efectuada a inscrição provisória por dúvidas da aquisição referida em 3º de em nome de C, na Conservatória do Registo Predial.

O registo anterior foi convertido em definitivo em 14/11/1997.

Por escritura pública, lavrada em 8 de Outubro de 1999, no Edifício dos Paços do Município de Oliveira de Frades, o primeiro outorgante, L, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Oliveira de Frades, e os segundos outorgantes, C e mulher, M, declararam que entre si titulam um contrato de compra e venda nas seguintes condições:
a)os segundos outorgantes são donos do seguinte prédio: id. em 1º;
b)o primeiro outorgante acordou com os segundos outorgantes, na compra dos referidos terrenos, mediante o pagamento da quantia de 2.906.250$00.

Em 20/3/2000, através da apresentação nº3, foi efectuada a inscrição da aquisição referida em 7º a favor do Município de Oliveira de Frades.

O réu, através do referido órgão Câmara Municipal, começou recentemente a fazer desaterros no prédio descrito em 1º, amontoando nele terra e aterros, terraplanando-o, cortando arbustos e fazendo acessos.
10º
Os autores, por si e antecessores, desde há mais de 30 e mais anos, têm semeado o prédio descrito em 1º, têm colhido os seus frutos e apascentado gados, à vista de toda a gente e sem oposição por parte de quem quer que fosse, convictos de serem seus proprietários.
11º
O prédio identificado em 1º foi penhorado no processo de execução sumária dinamizado por H contra o D e mulher I, no dia 15 de Fevereiro de 1996, penhora registada por apresentação de 9 de Abril de 1996.

A questão fulcral na presente revista é a de saber se os recorrentes lograram provar os elementos constitutivos da usucapião, fundante da aquisição originária do seu direito de propriedade sobre o prédio em causa, que, por escritura de 11/9/1991, não registada, compraram a D, de forma a poderem opô-la, nos termos da alínea a) do nº2 do artigo 5º do Código de Registo Predial (CRP), ao registo, efectivado em 20/3/2000, da escritura de 8/10/1999, através da qual o recorrido comprou o mesmo prédio a C, que, por sua vez, o tinha arrematado, em 15/4/1997 - arrematação também registada, por inscrição tornada definitiva em 14/11/1997 - na execução instaurada contra o referido D e na qual o prédio em causa fora penhorado em 15/2/1996, penhora esta também submetida a registo por apresentação de 9/4/1996.

Ora, está provado que os autores, por si e antecessores, desde há mais de 30 e mais anos, têm semeado o prédio em causa, têm colhido os seus frutos e apascentado gados, à vista de toda a gente e sem oposição por parte de quem quer que fosse, convictos de serem seus proprietários (supra 10º).

Estando, assim, provado que os recorrentes e os seus antecessores se comportaram em relação ao prédio como verdadeiros proprietários, de forma pacífica, publicamente e de boa fé, durante mais de 15 anos, considerou a 1ª instância mostrar-se verificada a usucapião, nos termos do artigo 1296 do Código Civil, e, em consequência, julgou a acção procedente.

A Relação, no entanto, considerando não estar provada a usucapião invocada pelos recorrentes, privilegiou o registo predial a favor do réu e, revogando a sentença, absolveu-o do pedido.

Para tanto, argumenta-se no acórdão sob recurso que os recorrentes não podem invocar a seu favor, fazendo-a acrescer à sua posse, nos termos do artigo 1256, nº1 do Código Civil, a dos antepossuidores do prédio, designadamente a do A, pois que, sendo este o transmitente comum dos dois direitos de propriedade conflituantes, recorrentes e recorrido têm que se considerar terceiros entre si, para efeitos do artigo 5º do Código de Registo Predial.

Consequentemente, sendo terceiros para efeitos registrais, não podendo, por isso, os recorrentes opor ao recorrido, por não a terem registado, a aquisição derivada e consubstanciada pela escritura que outorgaram com o D em 11/9/1991, também não poderão invocar perante ele, para efeitos de usucapião, a posse, quer do referido transmitente (comum), quer dos demais antepossuidores, sob pena de a regra da inoponibilidade por falta de registo deixar de ter, na prática, qualquer eficácia.

É a tese defendida por Antunes Varela e Henrique Mesquita, RLJ, anos 126 e 127, onde, a páginas 382 e 326 respectivamente, escrevem o seguinte:
«Ora, se o direito de propriedade adquirido através de um título sujeito a registo não produz efeitos contra terceiros, enquanto o título não for registado, não pode deixar de entender-se que ao adquirente (...) também não é permitido invocar perante os terceiros protegidos pelo registo, para efeito de aquisição do mesmo direito de propriedade, a posse do transmitente, que mais não é do que a face ou lado material do direito transmitido.
De outro modo, o instituto do registo tornar-se-ia em grande parte inútil.
...
Deste modo, o adquirente que não registasse, mas entrasse na posse da coisa adquirida, teria sempre, no comum dos casos, a possibilidade de neutralizar os efeitos do registo promovido por um terceiro adquirente da mesma coisa: bastar-lhe-ia invocar a sua posse e a posse ou as posses antecedentes, até onde se tornasse necessário para completar o prazo de que a lei faz depender a usucapião.»
(Cfr. no mesmo sentido o ac. do STJ, de 7/7/1999, CJSTJ, ano VII, tomo II, página 168)

Concordamos inteiramente com esta argumentação, desde que se verifique o pressuposto da sua aplicabilidade, ou seja e no caso que ora nos ocupa, que os recorrentes possam ser considerados terceiros, relativamente ao recorrido e para efeitos de registo, na definição dada pelo nº4 do artigo 5º do CRP, do seguinte teor:
«Terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.».

Este normativo foi introduzido pelo DL 533/99, de 11 de Dezembro, em cujo preâmbulo se esclarece que «se aproveita tomando partido pela clássica definição de Manuel de Andrade, para inserir no artigo 5º do Código de Registo Predial o que deve entender-se por terceiros, para efeitos de registo, pondo-se cobro a divergências jurisprudenciais geradoras de insegurança sobre a titularidade dos bens».

As divergências jurisprudenciais tiveram, como se sabe, o seu auge de expressividade com a prolação, num curto espaço de tempo, de dois Acórdãos Uniformizadores de pendor oposto sobre a amplitude do conceito de terceiros, para efeito de registo:
-- no primeiro, com o nº 15/97, de 20/5/1997, DR IS-A, de 4/7/97, defendeu-se o conceito lato, doutrinando-se que «terceiros, para efeitos do registo predial, são todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado anteriormente»;
-- no segundo, com o nº3/99, de 18/5/99, DR IS-A, de 10/7/1999, perfilhou-se o conceito restrito -- que, logo a seguir, veio a ser acolhido (com excepção do requisito da boa fé) pelo legislador no referido nº4 do artigo 5º do CRP - no sentido de que «terceiros, para efeitos do artigo 5º do Código de Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis sobre a mesma coisa».

De tudo isto, com especial realce para o teor do preâmbulo do DL 533/99 na parte acima transcrita, vem sendo entendido por este Supremo Tribunal - cfr. acórdãos de 23/1/2001 (Proc.2659/00-2ª), de 25/1/2001 (Proc.299/00-7ª), de 1/2/2001 (Proc.3751/00-2ª) e de 30/4/2003 (Proc.996/03-7ª) - que a redacção dada ao nº 4 do artigo 5º do CRP não pode deixar de se ter como interpretativa para os efeitos do nº 1 do artigo 13º do Código Civil, como tal se integrando na lei interpretada.
Tem por isso aplicação ao caso em apreço.

Contudo, apesar desta clarificação legal sobre o conceito de terceiro, para efeito de registo predial, mantém-se a divergência, designadamente a nível deste Supremo, sobre se o anterior adquirente do direito de propriedade não registado e o adquirente em venda executiva de direito de propriedade registado são terceiros para efeitos de registo, nos termos do referido nº 4 do artigo 5º do CRP.

Centra-se o busilis da questão em aceitar-se ou não que, na venda judicial, apesar da intervenção do Estado (através do Juiz) e de efectivada sem ou contra a vontade do executado, não deixa de ser este o vendedor.

Para citar os mais recentes, temos, no sentido afirmativo, o acórdão de 4/4/4002, CJSTJ, ano X, tomo I, páginas 154-158, onde, após exaustiva recensão doutrinal e jurisprudencial sobre o tema, se conclui que «...as diversas posições doutrinárias e jurisprudenciais confluem na ideia de que a intervenção do Estado sem e, eventualmente, contra a vontade do próprio executado, e substituindo-se a este, faz vender o bem penhorado para assegurar o cumprimento coercivo do crédito do exequente (e demais créditos reclamados), de sorte que, nessa venda (que configura uma aquisição derivada) surge como vendedor o próprio executado.».

No sentido negativo, podemos apontar o já referido acórdão, de 30/4/2003, ainda inédito, prolatado no processo nº 996/03, da 7ª secção, cuja argumentação, por fortemente convincente, vale a pena reproduzir, o que, data venia, passamos de imediato a fazer:
«Dir-se-á, em contrário, que, na execução, o tribunal não vende no exercício de poder originariamente pertencente ao credor ou ao devedor, mas sim em virtude de um poder autónomo que se reconhece à própria essência da função judiciária.
Estamos perante uma venda forçada, naturalmente alheia à vontade do executado -- que, aliás, nem tem legitimidade para proceder à venda, na medida em que estará a vender coisa alheia (art.892 do C. Civil) - e para a qual, em princípio, em nada contribui, sobretudo não emitindo qualquer declaração negocial nesse sentido.
Constitui, nesta medida, mero artifício a afirmação de que na venda judicial é o executado que deve ser visto como vendedor.
Ademais, o direito de propriedade derivado da venda judicial (ao contrário do direito derivado da compra e venda, que se transfere e consolida no património do comprador por mero efeito do contrato - arts.879º, al. a) e 408 do C. Civil) advém para o respectivo titular por força da lei e não por acto do executado, pelo que se não pode defender que ocorra um conflito de dois direitos adquiridos do mesmo transmitente.
Tanto mais quanto é certo que, tendo ele já alienado a terceiro o bem imóvel (e a eficácia da transmissão do direito de propriedade entre as partes não depende do registo - art.4º, nº1, do C. Registo Predial), quando a penhora foi feita e se lhe seguiu a venda executiva, este de todo lhe não pertencia, não se encontrando, como tal, sujeito a execução (arts.601 do C. Civil e 821, nº1, do C. Proc. Civil).
Razão por que se impõe admitir que, «tratando-se de coisa imobiliária, o adquirente, mesmo de boa fé, não adquire a propriedade de coisa não pertencente ao executado» «e que, sendo o bem vendido em execução propriedade de terceiro, estar-se-á perante um execução de coisa alheia, e o proprietário, terceiro no processo executivo, pode, nos termos gerais, recorrer, designadamente, à acção de reivindicação».
Donde provado que, à data em que foi penhorado o imóvel (e registada a penhora) já se efectivara a venda pelo executado..., a penhora foi de bens alheios, sendo a venda judicial também de bens alheios.».

Como já deixámos antever, consideramos ser esta a melhor interpretação sobre a natureza da venda judicial de imóveis por forma a podermos concluir que os recorrentes não podem ser considerados terceiros, para efeitos do nº4 do artigo 5º do CRP, relativamente ao recorrido e quanto ao direito de propriedade, sobre o prédio em causa, a que ambos se arrogam.

Acresce que o recorrido nem sequer é o arrematante do prédio na execução onde este foi penhorado.
O arrematante foi o C, a quem o recorrido comprou o prédio, posteriormente, por escritura pública de 8/10/1999.
Não estamos, assim, perante um transmitente comum dos dois direitos em conflito:
-- o transmitente do direito dos recorrentes foi o D, executado na posterior execução onde o prédio foi penhorado;
-- o transmitente do direito do recorrido foi o L, arrematante do prédio na mesma execução.

Mais uma razão, portanto, para que os recorrentes não possam ser considerados terceiros, para efeito de registo, relativamente ao recorrido.

Consequentemente e face ao acima expendido acerca da acessão da posse, a que alude o artigo 1256 do Código Civil, não há qualquer obstáculo a que seja considerada, para efeitos de usucapião, a comprovada posse dos antecessores dos recorrentes sobre o prédio dos autos e por eles alegada como título da aquisição originária do direito de propriedade que invocam.

Segundo a lição do Prof. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 2ª ed., página 413, «a base de toda a nossa ordem imobiliária não está no registo, mas na usucapião», de tal modo que «o que se fiou no registo passa à frente dos títulos substantivos existentes, mas nada pode contra a usucapião» (cfr. al. a) do nº2 do artigo 5º do CRP).

Nesta conformidade, mostrando-se provados os requisitos da usucapião, exigidos pelos artigos 1287 e 1296 do Código Civil, a favor dos recorrentes, conforme bem decidiu a 1ª instância, tem de ser repristinada a respectiva sentença, em detrimento do acórdão recorrido, cuja revogação se impõe.

Resta dizer que, como bem concluem os recorrentes, o direito de retenção sobre o prédio reivindicado, a que alude o nº2 do artigo 910 do Código de Processo Civil e invocado pelo recorrido, para a hipótese da procedência da acção, não pode ser agora apreciado, por manifesta extemporaneidade.
Na verdade, era na contestação que o recorrido deveria ter invocado esse direito e não, tardia e inapropriadamente, na fase recursiva.
DECISÃO
Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão sob recurso, mantendo-se o decidido em 1ª instância.
Sem custas, por delas estar isento o recorrido (al. e), do nº1 do artigo 2º do Código de Custas Judiciais).

Lisboa, 11 de Dezembro de 2003
Ferreira Girão
Luís Fonseca
Lucas Coelho