Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1286/14.9TVLSB-A.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: PINTO DE ALMEIDA
Descritores: CUSTAS
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
CONTA DE CUSTAS
RECLAMAÇÃO DA CONTA
INCONSTITUCIONALIDADE
PRAZO
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS / ATOS EM GERAL / ATOS DAS PARTES / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / CUSTAS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO / PRAZOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLITICO / ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA / COMPETÊNCIA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, p. 356;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, p. 190;
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª Edição, p. 21.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 149.º, 537.º, N.º 1, 539.º, 629.º, N.º 2, ALÍNEA D) E 638.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 161.º, ALÍNEA C).
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 6.º, N.º 7 E 31.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 3327/10;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 669/10;
- DE 03-10-2017, PROCESSO N.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1;
- DE 24-05-2018, PROCESSO N.º 1194/14;
- DE 11-10-2018, PROCESSO N.º 103/13;
- DE 23-10-2018, PROCESSO N.º 673/12, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 15-10-2015, PROCESSO N.º 6431/09;
- DE 19-05-2016, PROCESSO N.º 670/14;
- DE 22-06-2016, PROCESSO N.º 1105/13;
- DE 16-03-2017, PROCESSO N.º 473/15, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 83/2013;
- ACÓRDÃO N.º 104/2013;
- ACÓRDÃO N.º 211/2013;
- ACÓRDÃO N.º 60/2016;
- ACÓRDÃO N.º 527/2016.


Sumário :
I - O pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a liquidar na elaboração da conta final, ao abrigo do art. 6.º, n.º 7, do RCP, pressupõe que o processo já se mostre transitado em julgado, mas tem que ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas.

II - Não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13-02, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA e BB intentaram contra CC, SA e DD, SA, providência cautelar comum que foi julgada improcedente na 1ª instância.

Foi interposto recurso dessa decisão, tendo a Relação fixado o valor da causa em 13.900.000,00 euros e proferido acórdão a revogar a sentença recorrida, decretando a providência cautelar e fixando a responsabilidade pelas custas pela parte vencida a final ou pelas requerentes no caso de não haver oposição.

Posteriormente, já na 1ª instância, foi homologada a desistência dos pedidos formulados pelas requerentes, com o levantamento da providência cautelar e a condenação das desistentes nas custas.

Foi depois elaborada a conta final de custas, da qual as requerentes vieram reclamar, alegando, em síntese, que o remanescente da taxa de justiça de 83.385,00 euros, calculado com base no valor de 13.900.000,00 euros é manifestamente desproporcionado, devendo ser dispensado ao abrigo do artigo 6° nº 1 do RCP, o que pode ser feito mediante a reclamação da conta, não sendo o processo de complexidade que justifique o seu pagamento, tendo em atenção os critérios do artigo 530° nº 7 do CPC, sendo também manifestamente injusto ter de suportar as custas do recurso em que obteve a revogação da decisão de 1ª instância que lhe havia sido desfavorável.

Concluiu pedindo que seja determinado que as requerentes não são responsáveis pelo pagamento do remanescente da taxa de justiça e arguindo a inconstitucionalidade da interpretação das normas dos artigos 6° nº 1, 2 e 7 e 7° nº 2 do RCP, no sentido de fazer depender o montante da taxa de justiça do valor da acção numa progressão infinita, bem como a interpretação das mesmas normas e ainda dos artigos 527° nº 1 e 539° do CPC, no sentido de que a parte que obteve total vencimento nesse recurso é responsável pelas respectivas custas, tudo por violação dos artigos 2°, 18° e 20° da CRP.

Foi proferido despacho que julgou improcedente a reclamação da conta e indeferiu o requerido.

Discordando desta decisão, as requerentes interpuseram recurso de apelação que a Relação julgou improcedente, confirmando essa decisão.

Ainda inconformadas, as requerentes vieram pedir revista, que foi admitida, nos termos do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, com fundamento em contradição de acórdãos, apresentando, quanto à aludida questão da extemporaneidade, estas conclusões:

 - Assim, só após a elaboração da conta, as Recorrentes tiveram conhecimento de que lhes seria imputado o pagamento do remanescente da taxa de justiça. É também a partir desse momento que o Tribunal pode aferir da proporcionalidade entre o valor do remanescente da taxa de justiça e o serviço efectivamente prestado e apreciar a verificação dos critérios para dispensa do pagamento desse remanescente, previstos no art. 6.°, n.º 7 do RCP.

- Não existe nenhuma regra legal que indique o momento em que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça deve ser deduzido. O artigo 31.°, n.º 1 do RCP nada dispõe e nem enumera os vícios da conta de custas final que podem ser fundamento de uma reclamação e os elementos da conta que podem ser objecto dessa reclamação.

- Consequentemente, a reclamação da conta de custas, prevista no art. 31.°, n.º 1 do RCP, permite a impugnação não só de vícios materiais, mas também de vícios de outra natureza de que padeça.

- A este respeito, reiteram as Recorrentes que a reclamação da conta do Tribunal é o meio adequado ou, pelo menos, é um dos meios disponibilizados nos termos do art. 6.°, n.º 7 e 31.° do RCP, para uma qualquer parte processual solicitar a dispensa do remanescente da taxa de justiça.

- Em face do que se expôs, a dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode ser requerida após a notificação da elaboração da conta final de custas.

- E, como tal, o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça feito pelas Recorrentes é tempestivo.

- Por isso, o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa decidiram incorrectamente quando consideraram extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, denegando grave e manifestamente os princípios da proporcionalidade e do acesso ao direito, tribunais e tutela jurisdicional efectiva, devendo essas mesmas decisões serem revogadas e ser deferido o pedido de dispensa das Recorrentes, tendo em consideração que em parte alguma o despacho recorrido nega a verificação dos requisitos previstos no art. 6.°, n.º 7 do RCP.

Concluíram pedindo a revogação do acórdão recorrido e do despacho de 1ª instância e arguindo estas inconstitucionalidades:

1. É inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito e do acesso ao direito e aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva, conforme o art. 20.° da CRP, e da proporcionalidade, previsto nos arts. 2.° e 18°, n.º 2 da CRP, a interpretação das normas contidas nos arts. 6.°, n.º 1, 2 e 7, e 7°, n.º 2, do RCP, no sentido de fazer depender o montante da taxa de justiça do valor da acção numa progressão infinita, de tal modo que o valor das custas de um recurso de apelação, com o valor de €13.900.000, de um despacho de indeferimento liminar num procedimento cautelar corresponda a €83.385,00.

2. É inconstitucional, por violação do princípio constitucional de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, previsto no art. 20.°, n.º 1 da Constituição, a interpretação das normas contidas nos arts. 6.°, n.º 1, 2 e 7, e 7º, n.º 2, do RCP e 527.°, n.º 1, e 539° do CPC no sentido de que a parte que obteve vencimento total nesse recurso é responsável pelas custas respectivas.

II.

Questões a resolver:

No essencial, trata-se apenas de saber se o requerimento das recorrentes para dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado após a notificação da conta de custas, é ou não tempestivo.

Os elementos a considerar são os que constam do precedente relatório.

III.

Na fundamentação do Acórdão recorrido, a questão acima enunciada foi apreciada nestes termos:

"O despacho recorrido indeferiu a reclamação da conta, por entender que o seu fundamento, constituído pelo pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, é extemporâneo, pois deveria ter sido deduzido antes da elaboração da conta de custas final.

O artigo 6° nº 7 do RCP (Regulamento das Custas Processuais) estabelece que nas causas de valor superior a 275.000,00 euros, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz, de forma fundamentada, dispensar o pagamento.

Nos presentes autos, o valor da causa foi fixado em 13.900.000,00 euros pelo Tribunal da Relação, ao abrigo dos artigos 296° e 304° do CPC, valor este que se aplica ao processo de providência cautelar e não apenas ao recurso.

A conta encontra-se elaborada de acordo com o valor da causa assim fixado e, nos termos do artigo 31° do RCP, os interessados podem reclamar da conta ou pedir a sua reforma, sendo os únicos fundamentos para impugnar a conta a sua desconformidade com a decisão que fixou a responsabilidade pelo respectivo pagamento, ou a desconformidade da sua elaboração com as normas legais, sem prejuízo da correcção dos erros materiais.

Mas, como se refere no despacho recorrido, os fundamentos das apelantes para reclamar da conta não residem em qualquer vicio da conta, mas sim no facto de não ter sido dispensado pagamento do remanescente da taxa de justiça.

E a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não cabe ao contador, sendo sim uma decisão judicial prévia à elaboração da conta, que é proferida na sentença ou decisão que condene em custas, podendo oficiosamente nessa decisão ser dispensado o pagamento do remanescente, ou podendo os interessados requerer tal dispensa, quer antes da decisão, quer posteriormente, desde que até à elaboração da conta.

Não constando na decisão que fixa a responsabilidade das custas a dispensa do pagamento do remanescente e nada tendo sido requerido nesse sentido antes da elaboração da conta, é extemporâneo o pedido de dispensa do remanescente do pagamento da taxa de justiça, neste sentido se vindo a pronunciar a maioria da jurisprudência (cfr. ac. STJ de 13/07/2017, p. 669/10 e da RL de 15/10/2015, p. 6431/09, de 16/03/2017, p. 473/15, de 19/05/2016, p. 670/14 e de 22/06/2016, p. 1105/13, todos em www.dgsi.pt).

Não obsta a este entendimento o alegado pelas apelantes de que não poderiam ter sido condenadas em custas no recurso, por dele terem obtido vencimento, desde logo porque se trata de questão que teria de ter sido levantada em sede de reforma de custas e, substancialmente, porque a fixação da responsabilidade das custas assim fixada está conforme ao artigo 539° do CPC, tal como está conforme com o artigo 537° n'º 1 do mesmo código a responsabilidade pelas custas no caso de desistência do pedido.

Sendo as apelantes responsáveis pelas custas, quer na providência, quer no recurso interposto, não tem aplicação, não devendo ser chamado à colação, o artigo 14° nº 9 do RCP, que trata do pagamento da taxa de justiça por quem tem o impulso processual, mas não foi condenado nas custas a final.

Conclui-se, portanto, que não merece censura o despacho recorrido, ao indeferir a reclamação da conta por extemporaneidade dos seus fundamentos".

O sentido e as razões em que assenta esta decisão, a considerar extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento de taxa de justiça remanescente formulado na reclamação da conta, tem, no essencial, estado também na base de jurisprudência francamente predominante deste Supremo, de que são exemplo os Acórdãos de 13.07.2017 (Proc. 669/10), de 03.10.2017 (relatado pelo ora Exmo Adjunto Conselheiro José Rainho - Proc. 473/12), de 24.05.2018 (Proc. 1194/14), de 11.10.2018 (Proc. 103/13) e de 23.10.2018 (Proc. 673/12), todos, com excepção, por ora, deste último, acessíveis em www.dgsi.pt.

Neste Acórdão de 23.10.2018 – em torno do qual se gerou ampla discussão nesta 6ª Secção do Supremo – a referida questão da tempestividade foi apreciada e decidida nestes termos:

"(…)

Vejamos, agora, qual o prazo para apresentação pelas partes do requerimento a pedir a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente.

Trata-se de acto processual a praticar pelas partes.

O RCP não fixa prazo para a sua prática.

Na falta de disposição especial, é de dez dias o prazo para as partes requererem qualquer acto ou diligência, arguirem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual (art.º 149º do CPC).

O prazo para as partes requererem a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente é, pois, de dez dias.

Resta-nos saber a partir de que momento é que se conta o prazo de dez dias.

Parece lógico e coerente que tal prazo se conte a partir do momento em que a parte tem conhecimento de todos os elementos necessários para accionar tal poder processual.

A parte conhece todos os elementos necessários ao exercício de tal poder quando a decisão proferida se torna definitiva, não passível de reclamação ou recurso, ou seja, com o respectivo trânsito.

Aliás, do preceituado pelo artº. 6º nº 7 do RCJ resulta que o processo deve ir à conta com a decisão sobre a eventual dispensa ou redução do pagamento da taxa de justiça remanescente, para que nela possa ser tomada em consideração.

Assim, entendemos que o prazo de 10 dias se conta a partir do momento em que a decisão transita em julgado, necessariamente antes da conta.

Quando a decisão transita em julgado, a parte fica a saber se foi condenada em custas, em que parte delas, se o juiz dispensou oficiosamente o pagamento da totalidade ou de parte da taxa de justiça remanescente, qual o montante desta, a complexidade da causa e o comportamento processual das partes, factores condicionantes da dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente.

Na verdade, basta consultar as tabelas inseridas no RCP para saber o montante da taxa de justiça remanescente em dívida.

Não é necessária a realização da conta e a sua notificação para a parte se aperceber se a taxa de justiça remanescente é ou não proporcionada ao serviço prestado pelo tribunal, tendo em conta a complexidade da acção e o comportamento processual das partes, decidindo se tem fundamento para pedir a dispensa total ou parcial do respectivo pagamento.

Na realização da conta, o contador já deve considerar a eventual dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

Uma vez realizada a conta, sem que o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte, tenha dispensado total ou parcialmente o pagamento da taxa de justiça remanescente, não prevê a lei forma de satisfazer a pretensão da parte requerente, já que a situação não é contemplada na reforma da conta (art. 312 do RCP).

Neste mesmo sentido se pronunciou o acórdão da 6ª secção deste STJ, de 03.10.2017, proferido no processo nº 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, relatado pelo Exmo. Conselheiro José Rainho.

Os actos processuais a praticar pelas partes sempre tiveram prazos preclusivos, sem os quais o processo seria caótico.

Não se compreende como a fixação de prazos preclusivos para a prática dos actos processuais pelas partes pode violar os princípios da proporcionalidade ou do livre acesso ao direito e à justiça".

No referido Acórdão de 03.10.2017 foi também relevada a interpretação da norma do nº 7 do art. 6º do RCP, cujo teor literal "aponta claramente no sentido de que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem de ser formulado pela parte (caso o não tenha feito anteriormente o juiz) em momento anterior à elaboração da conta de custas".

Por outro lado, é também aí "desmistificado" o argumento de que somente depois de notificada da conta de custas a parte pode ter conhecimento do remanescente a pagar: "é que o montante devido a título de taxa de justiça remanescente está directamente prevista na lei, resolvendo-se assim numa operação (…) ao alcance imediato do juiz e da autora", pelo que "se a autora entendia que devia haver lugar a dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, então estava em plenas condições de requerer antes da conta final aquilo que somente depois da conta veio requerer".

A fundamentação destes Acórdãos, a que se adere sem qualquer reserva, responde cabalmente a todas as razões e objecções aqui invocadas pelas recorrentes, pelo que se nos afigura redundante acrescentar o que quer que seja, que se traduziria em repetir razões – prazo normal para a prática de actos no processo (art. 149º do CPC); finalidade e objecto da reclamação da conta (art. 31º do RCP); sentido literal do art. 6º, nº 7, do RCP; momento (trânsito da decisão) em que a parte conhece os elementos necessários para accionar o pedido de dispensa da taxa – que, no essencial, já acima foram amplamente referidas.

Conclui-se, por conseguinte, que o requerimento das partes para dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado após a notificação da conta de custas, é extemporâneo, como se decidiu.

No que respeita às inconstitucionalidades invocadas pelas recorrentes:

Parece evidente, a nosso ver, que as recorrentes não têm razão quanto à violação dos princípios constitucionais – proporcionalidade, acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva – que derivaria da decisão sobre a extemporaneidade do pedido de dispensa (cfr. última conclusão acima reproduzida), ou, mais precisamente, da interpretação e aplicação da norma do art. 6º, nº 7, do RCP, em que a mesma assenta.

É indiscutível que esta questão não diz respeito ao regime substantivo da taxa de justiça remanescente – condições e factores de que depende a respectiva redução ou dispensa – tendo antes apenas incidência adjectiva, em especial, no que toca ao momento processual em que essa redução ou dispensa pode ser pedida ou concedida.

Ora, a este respeito, é reconhecido que o legislador dispõe de ampla margem de liberdade na concreta modelação do processo, não estando vedada a imposição de ónus processuais às partes. Todavia, os regimes adjectivos que consagre devem revelar-se funcionalmente adequados, não podendo o legislador criar obstáculos que dificultem arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (Rui Medeiros, em Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 190; Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., 21).

No caso, o referido regime legal, tal como foi interpretado e aplicado, nada tem de arbitrário ou desproporcionado, como decorre das razões que acima se alinharam e foi reconhecido nos citados Acórdãos do STJ de 13.07.2017 e de 03.10.2017.

Assim se decidiu também no Acórdão nº 527/16 do Tribunal Constitucional, ao Não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.

Em parte, com esta fundamentação, que se reproduz pelo seu manifesto interesse para a questão aqui debatida:

"2.2.3. É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria caráter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito no momento da elaboração da conta.

Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.

Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de atos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá refletir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.

Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exato conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da ação. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excecionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objeto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça refletido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos

Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.

Não se trata, ao contrário do que a Recorrente alega, de um resultado implícito, “não discernível” a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redação do preceito (“[…] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…”) – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspeto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um caráter surpreendente do resultado interpretativo.

Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de “[…] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria” nem se vê privada de “[…] questionar a adequação das quantias efetivamente liquidadas às concretas especificidades do processo”, como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não refletir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular corretamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça correto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.

2.2.4. Cumpre referir, ainda, que – tal como a decisão recorrida evidencia – pese embora a discussão que vinha sendo mantida na jurisprudência, a interpretação em causa já havia sido afirmada em outras decisões, pelo que a Autora, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais, podia e devia ter contado com a interpretação afirmada pelo tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação.

Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça. (…)"

No que concerne aos demais (invocados) fundamentos de inconstitucionalidade, importa notar que têm a ver, no primeiro caso, com o montante da taxa de justiça e a sua dependência do valor da acção, numa "progressão infinita" e, no segundo caso, com a própria condenação em custas da parte que obteve vencimento total no recurso.

Todavia, não nos parece, com o devido respeito, que estas questões tenham aqui cabimento.

Com efeito, por um lado, respeitam ao montante das custas e respectiva condenação, pelo que, como se aflorou no acórdão recorrido, o lugar próprio para as suscitar seria a reforma dessa decisão, momento processual há muito ultrapassado.

Por outro lado, o objecto deste recurso restringe-se à questão que justificou a sua admissão, ou seja, a questão fundamental de direito sobre que existia contradição de julgados (art. 629º, nº 2, al. d) do CPC) – no caso, a tempestividade do pedido de dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente formulado na reclamação da conta – sendo vedado o conhecimento de questões estranhas a esse tema – cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 356 e, entre outros, os Acórdãos do STJ de 14.02.2013 (Proc. 3327/10) e de 13.07.2017 (acima citado) –, como  é o caso das referidas inconstitucionalidades, que não têm a ver com essa questão.

IV.

Em face do exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelas recorrentes.

                                              Lisboa, 11 de dezembro de 2018

Pinto de Almeida (Relator)

José Rainho

Ana Paula Boularot (Vencido no termo da declaração de voto que junto.) *

_____________

* VOTO DE VENCIDA

Votei vencida o Acórdão, com os seguintes fundamentos.

No cumprimento dos seus objectivos programáticos o legislador fez introduzir um segmento normativo, o incluso no nº7 do artigo 6º do RCProcessuais, onde se prevê uma forma de «correcção» por banda do julgador, dos montantes devidos pelas partes a título de taxa de justiça, que possam violar os princípios emanentes ao Regulamento, e assim ali se especificou que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.».

Trata-se, pois, de um poder dever do Juiz, que o pode exercitar de motu proprio.

Contudo, nada existe na Lei que impeça as partes de solicitar tal dispensa, nos casos em que o Juiz se abstenha de usar tal poder dever, sem que se possa utilizar como argumento que, se o Juiz não se pronunciou, é porque entendeu não haver lugar à atribuição da benesse ali conferida.

Resulta da aludida norma que a dispensa poderá provir do Juiz oficiosamente ou a requerimento das partes.

Outrossim dela resulta que o legislador ali não estabeleceu qualquer prazo para que as partes possam requerer ao Tribunal a prevista dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente.

No caso dos autos, tendo em atenção o valor do procedimento cautelar de €13.900.000,00, a taxa de justiça remanescente cifra-se em € 83.385,00 estando por isso à partida, dentro dos condicionalismos daquele mencionado preceito no que tange ao seu valor, sendo que o julgador não usou oficiosamente do poder aí consignado, de dispensar o pagamento da taxa de justiça remanescente, entendendo as Recorrentes que os montantes resultantes da elaboração da conta de custas a final se revelam excessivos face ao processado desenvolvido, vieram após a notificação que lhes foi efectuada de tal contagem final, reclamar da mesma, pedindo a dispensa da satisfação das quantias apuradas nos termos do mencionado ínsito legal.

As Recorrentes suscitaram o problema em sede de reclamação da conta.

O incidente da reclamação da conta, vertido no artigo 31º do RCProcessuais, tem por objecto os vicíos próprios da liquidação da taxa de justiça, isto é, um erro do contador face ao conteúdo do segmento decisório relativo à condenação no respectivo pagamento e, mutatis mutantis o mesmo se passa no concernente ao incidente de reforma da conta de custas: ambas as intercorrências têm como base um erro na formulação da conta.

Mas se o requerimento para dispensa do remanescente da taxa de justiça, efectuado pelas partes no prazo de dez dias - prazo normal para a dedução de qualquer pedido nos termos do artigo 149° do CPCivil -deduzido naquele prazo da reclamação da conta, mesmo que assim apelidado, não seja o próprio para as partes exercerem o seu direito de pedirem ao Tribunal para as dispensar do pagamento de uma taxa de justiça que consideram excessiva, certo é que os deveres de gestão processual, os princípios da cooperação e da adequação formal que regem o nosso processo civil e que resultam dos artigos 6º, 7º, 193° e 547° do CPCivil, impõem, que se aproveitem os actos praticados e se corrijam os mesmos oficiosamente, não estando o Juiz vinculado ao nomen júris utilizado pelas partes, pelo que tal requerimento teria de ser visto como um requerimento de dispensa de pagamento de taxa de justiça «tout court».

Temos pois, como boa, a ideia de que nada obstaria a que se considerasse o requerimento apresentado, não como reclamação, mas como simples demanda de dispensa de pagamento das quantias contabilizadas a título de taxa de justiça exercitado no prazo de dez dias aludido no artigo 149° do CPCivil, prazo este coincidente com aqueloutro, cfr no sentido de o requerimento ser tempestivo os Ac STJ de 14 de Fevereiro de 2017 proferido no processo n°1105/13.3T2SNT.Ll.Sl (Relator Júlio Gomes), in SASTJ, site do STJ e de 12 de Outubro de 2017 (Relator Salazar Casanova), in www.dgsi.pt.

Ademais, entendemos, sempre s.d.r.o.c, que aquele prazo de dez dias consignado no artigo 31° do RCProcessuais, para a dedução de reclamação e/ou pedido de reforma da conta, constitui o prazo de consolidação da conta de custas e, por isso, constituirá, também ele, o termo ad quem, para a dedução do pedido de dispensa a que alude o normativo inserto no artigo 6º, n°7 daquele Regulamento.

A tese que fez vencimento arrima-se segundo diz, na « jurisprudência francamente predominante deste Supremo, de que são exemplo os Acórdãos de 13.07.2017 (Proc. 669/10), de 03.10.2017 (relatado pelo ora Exmo Adjunto Conselheiro José Rainho - Proc. 473/12), de 24.05.2018 (Proc. 1194/14), de 11.10.2018 (Proc. 103/13) e de 23.10.2018 (Proc. 673/12), todos, com excepção, por ora, deste último, acessíveis em www.dgsi.pt.».

Ora, sempre s.d.r.o.c., enquanto nos primeiro, terceiro e quarto Arestos, em que foram Relatores respectivamente Lopes do Rego, Rosa Tching e Olindo Geraldes, se defende que o prazo para as partes requerem a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, terá de ocorrer no prazo do trânsito em julgado da decisão final, isto é, nos dez dias subsequentes à sua notificação às partes, no segundo (Relator José Rainho, aqui primeiro Adjunto) entende-se que tal pedido poderá ser formulado até à elaboração da conta e o último (Relator Salreta Pereira, onde intervim como segunda Adjunta e votei vencida), fixa-se o termo ad quem nos dez dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão.

Ora, para além de estarmos perante uma dualidade de prazos, não se podendo pois afirmar que se trata de um entendimento predominante, sendo que um e outro prazo para além de não serem compatíveis entre si, não encontram qualquer respaldo na legislação aplicável, pois a condenação no pagamento das custas ocorre na decisão final, e a elaboração da conta de custas, com a inerente liquidação da taxa de justiça, tem lugar após aquela decisão e no prazo dez dias após o trânsito em julgado da decisão final, como deflui do disposto no artigo 29º, nº1 do RCProcessuais, não podendo, no bom rigor dos princípios, estar a correr um prazo para a parte exercer um direito, concomitantemente com outro para a secretaria elaborar a conta de custas.

De outra banda, o argumento retirado da jurisprudência do Tribunal Constitucional, não colhe, pois que, para além do seu cariz mais formal, entendendo-se que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à Lei, bem como tem entendido não julgar inconstitucional aquela norma extraída do nº 7 do artigo 6º do Regulamento na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, cfr inter alia, os Ac TC 83/2013, 104/2013, 211/2013, 60/2016 e 527/2016, in www.dgsi.pt, terá sempre de se atentar que estes juízos formulados por este Órgão se destinam, tão só, a aferir da conformidade das normas em equação com a Constituição, não se tratando pois de qualquer juízo sobre a bondade do decidido pelos Tribunais, o que sempre transcenderia as competências daquele Órgão: está em causa a (in)constitucionalidade da interpretação normativa levada a cabo e não a substancialidade legal da respectiva aplicação.

(Ana Paula Boularot, Relatora vencida)


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[1] Proc. nº 1286/14.9TVLSB-A.L1.S2
F. Pinto de Almeida (R. 279)
Cons. José Rainho; Cons.ª Ana Paula Boularot