Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
948/09.7TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
JOGO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS
INIBIÇÃO
PROIBIÇÃO DE ACESSO
SALAS DE JOGOS
CASINO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
EXPECTATIVA JURÍDICA
CULPA
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CONDENAÇÃO
QUANTIA A LIQUIDAR
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
CITAÇÃO
CONTAGEM DOS JUROS
Data do Acordão: 06/25/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADDE CIVIL / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
Doutrina:
- Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 2002, p.545 e ss., 614 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 289.º, N.º2, 483.º, 486.º, 487.º, N.º2, 488.º, 563.º, 569.º, 570.º, N.º1, 661.º, N.º2, 662.º, N.º2.
DECRETO-LEI Nº 422/89, DE 2-12 (LEI DO JOGO): - ARTIGOS 32.º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 40.º, 41.º, 48.º, 49.º, 52.º, 125.º, 146.º, 147.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28 DE ABRIL DE 2009, PROC. Nº 08B0782;
-DE 7 DE JULHO DE 2010, PROC. Nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1;
-DE 14 DE OUTUBRO DE 2010, PROC. Nº 845/06.8TBVCD.P1;
-DE 24 DE MARÇO DE 2011, PROC. Nº 52/06.0TVPRT.P1.S1;
-DE 29 DE MARÇO DE 2012, PROC. Nº 1840/05.0TBESP;
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Sumário :

I - A par da facilitação no acesso às salas de jogos – salas de máquinas e salas mistas – criadas em 1995, e justificadas pelo legislador de 2005, com o objectivo de rentabilizar s exploração do jogo concessionado, assistiu-se a um acréscimo de responsabilização das concessionárias pela legalidade dessa exploração – “Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável …” (Preâmbulo do DL n.º 40/2005, de 17-02).

II - As concessionárias estão legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos, a organizar e manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, a determinar a quem “for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais” que se retire (art. 37.º da Lei do Jogo), e – em particular – a desenvolver os actos necessários a impedir o acesso às salas de jogos de quem requereu e obteve do Inspector-Geral de Jogos a proibição de acesso às mesmas, nos termos do art. 38.º da supra referida lei.

III - A Lei do Jogo – ao deixar de impor a identificação prévia – não pode ser interpretada no sentido de inviabilizar um controlo por parte da concessionária, que a própria lei exige, e a dificuldade de executar esse controlo não justifica o incumprimento do dever de vigilância.

IV - Não exclui a culpa da recorrente a circunstância de estar dificultada a identificação do autor pela fotocópia da fotografia, tanto mais que, conforme vem provado, o autor era conhecido por alguns dos funcionários do Casino, nomeadamente por um dos directores das salas de jogos.

V - É adequada a repartição de culpas efectuada pela Relação – 60% para a concessionária, 40% para o autor – uma vez que (i) o autor não sofre de nenhum grau de incapacidade juridicamente reconhecida; (ii) não vem provada qualquer “incapacidade de entender ou de querer” que pudesse ser enquadrada no art. 448.º do CC; (iii) o acesso e permanência do próprio lesado nas salas de jogos foi causa dos prejuízos que invoca; (iv) no confronto com a falta de diligência da ré, é menor a censurabilidade da sua actuação.

VI - A possibilidade de se remeter o montante da condenação para liquidação posterior não se coaduna com as situações – como a dos autos – em que o autor alegou oportunamente os danos e estes vieram a não resultar provados, aquando do julgamento da matéria de facto.

VII - Não obstante resultar do art. 289.º, n.º 2, do CC que quando se repete uma acção que terminou com a absolvição do réu da instância se mantêm os efeitos civis da citação do réu, o facto é que cabia ao autor o ónus de provar quando ocorreu essa primeira citação, pelo que a falta de prova desse momento resolve-se contra ele.


Decisão Texto Integral:


Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1.AA instaurou uma acção contra BB – Sociedade de Investimentos Turísticos da Costa Verde, SA, pedindo a sua condenação no pagamento:
– de € 44.600,00 “a título de indemnização pelo montante levantado ao balcão do Casino de Espinho e ali gasto na sala de jogo”;
– de € 375.400,00 “a título de indemnização pelo montante global, a acrescer àquele (…) gasto pelo Autor na sala de jogo do Casino de Espinho os quais não têm suporte documental”;
– de € 200.000,00 “pela perda patrimonial por este sofrida em virtude da venda da propriedade” identificada no artigo 94º “por € 100.000,00, ou seja, um valor muito inferior ao valor real/comercial da propriedade em questão”;
– de € 80.000,00 “a título de indemnização por danos morais sofridos”; acrescido de juros.
Para o efeito, e em síntese, alegou sofrer de um problema grave de saúde, por ser “um jogador compulsivo”; ter requerido ao Inspector-Geral de Jogos que determinasse a sua “proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos em virtude de achar que estas organizações induzem ao descontrolo do equilíbrio financeiro” por dois anos, o que foi deferido (de 2 de Setembro de 2005 a 2 de Setembro de 2007) e notificado à ré; que era frequentador assíduo do Casino de Espinho, do qual a ré é concessionária; que, no entanto, lhe foi permitido o acesso durante aquele período, repetidamente; que a ré e os seus funcionários conheciam a proibição; que sofreu diversos danos, que enumera.
Requereu ainda que fossem aproveitados os efeitos civis da citação da ré na acção que moveu contra ela e contra o Ministério da Economia e da Inovação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, e que terminou por absolvição da instância.
A ré BB contestou e pediu a intervenção acessória do Estado Português, que veio a ser admitida, invocando eventual direito de regresso. Além de impugnar diversos factos, sustentou, em resumo: que “não é possível a interdição administrativa ao interior dos casinos”; apenas é permitido solicitar a “interdição de entrada nas salas de jogos dos casinos”; que a fiscalização da actividade dos casinos cabe ao Serviço de Inspecção de Jogos; que o acesso às salas de jogo está legalmente regulado; que o acesso à sala de jogos tradicionais depende da obtenção de um cartão próprio e é controlado por funcionários da ré, que identificam as pessoas e fiscalizam as entradas; mas que não está legalmente previsto “qualquer sistema de controlo e fiscalização” do acesso às salas de máquinas e às salas mistas; que lhe foi comunicada a interdição de acesso do autor, mas que a fotocópia da fotografia fornecida não permitia a sua identificação; que introduziu a indicação da inibição no sistema informático; que distribuiu cópia da fotografia a todos os porteiros, mas com consciência da impossibilidade de identificação do réu; que admite que o autor tenha acedido às salas de jogo e procedido a levantamento de dinheiro; que não praticou nenhum acto ilícito e culposo.
O autor respondeu.
O Estado contestou, representado pelo Ministério Público, concluindo no sentido da incompetência material do tribunal e, em qualquer caso, pela improcedência da acção, no que ao Estado respeita.
A ré pronunciou-se no sentido da improcedência da excepção de incompetência, louvando-se no nº 1 do artigo 96º do Código de Processo Civil.
O autor replicou.
Pelo despacho de fls. 265, foi afastada a incompetência arguida, tendo em conta que não foi deduzido qualquer pedido contra o Estado, que apenas intervém como parte acessória.
A fls. 640, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente. Apesar de ter considerado que a concessionária ré agiu ilicitamente, por não ter impedido o acesso do autor às salas de jogos, em violação do dever resultante da conjugação dos artigos 38º e 125º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro (Lei do Jogo), o tribunal deu como não preenchido o pressuposto da culpa, porque a prova revelava que a ré “não estaria razoavelmente em condições de impedir, de forma sistemática, o acesso (e permanência) do autor às salas de máquinas automáticas e salas mistas”.
Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 2114, que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 85.1830,00, com juros de mora contados à taxa legal, desde 03 de Setembro de 2009 até efectivo e integral pagamento.
Em síntese, a Relação entendeu que não estava em discussão a ilicitude da actuação da ré e que se deveria ter como assente a respectiva culpa, seja por presunção natural, tendo em conta a violação da norma de protecção constante do artigo 38º da Lei do Jogo, seja por prova directa, mas, em qualquer caso, por estar positivamente provada; no entanto, verificava-se igualmente culpa do autor, devendo haver repartição de responsabilidades (60% para a ré e 40% para o autor); que, quanto aos danos, só ficara provado que o autor tinha gasto € 143.050,00 no Casino da ré, durante o período da interdição; que os juros de mora se contam desde a citação para esta acção.

2. Autor e ré recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça: os respectivos recursos foram admitidos como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, a ré formulou as seguintes conclusões:

«1.No caso dos presentes autos, a responsabilidade da recorrente, a título de responsabilidade civil extracontratual, exige, para além do requisito da ilicitude, que exista ainda culpa da sua parte .
2.A culpa da recorrente, como facto constitutivo do direito do recorrido, decorrerá de factos atinentes à conduta da recorrente que ao recorrido cabe provar, já que sobre ele recai o respectivo ónus.
3.Não se verifica no caso dos presentes autos qualquer situação de presunção de culpa por parte da recorrente, que levaria à inversão desse ónus de prova, já que faria com que coubesse à recorrente alegar e provar factos de que se deduzisse a exclusão dessa culpa.
4.Nem é legítimo invocar aqui a existência de uma presunção natural, no sentido de presunção judicial, já que se traduz ela na possibilidade de retirar de um facto conhecido um outro facto desconhecido, com base nas regras da experiência normal de vida.
5.Mas, no caso dos presentes autos, o que o douto acórdão recorrido fez foi coisa bem diferente, já que não deu nenhum facto novo e desconhecido como assente, por via de um outro tido por provado, mas antes, e com base nos factos provados, formulou um juízo de direito, concluindo ter havido culpa sem qualquer referência a aspectos da conduta concreta da recorrente. Por outro lado,
6.Não é também invocável, no caso dos presentes autos, o recurso à analogia com decisões jurisdicionais proferidas (e que o douto acórdão recorrido não cita), e referentes a situações de contra-ordenações estradais, já que sempre se trataria de normas e situações excepcionais de inversão do ónus da prova, tal como as previstas nos arts. 491º, 492º e 493º do CCivil, e as normas excepcionais não comportam aplicação analógica (vide art. IIº do CCivil).
7.Acresce ainda que, ainda que abstractamente possível essa analogia, ela não se aplicaria no caso presente, por duas ordens de razões, a saber: a) na contra-ordenação estradal a sua ocorrência não dispensa a culpa do agente, enquanto na responsabilidade administrativa das concessionárias de jogo ela existe, ou pode existir, independentemente de culpa; b) na contra-ordenação estradal a produção do dano decorrente da prática da contra-ordenação é imediata, directa e sem interferência do que quer que seja, enquanto no caso dos presentes autos, com a alegada violação da norma de protecção apenas é "aberta" ao lesado a possibilidade de vir a ter um prejuízo como a de ter um proveito, mas sempre como consequência de acto posterior de sua iniciativa.
8.A culpa da recorrente não pode nunca ser consequência do número de vezes que o recorrido logrou aceder às salas de jogos, sem a menor referência a conduta por si permissiva de tal acesso.
9.As funções de controlo e fiscalização do acesso às salas de jogos cabe ao Estado, agora por via de TURISMO DE PORTUGAL, IP, e não são de modo algum delegáveis, como actos de autoridade pública, de verdadeira polícia do jogo, primeiro através da legislação que para o efeito elabora, e depois através de instruções que pode dirigir às concessionárias.
10.A recorrente não dispõe da possibilidade legal de instalar e implementar um sistema de controlo e fiscalização no acesso às salas de jogos diferente daquele que se acha legalmente previsto, e que não contempla qualquer acção de identificação pessoal de todos e cada um dos clientes que acedem a tais salas.
11.Sendo certo que essa acção de identificação pessoal de todos e cada um clientes que frequentam as salas de jogos da recorrente sempre seria praticamente inviável, dado o elevado número de clientes que frequentam tais salas.
12.E, no que toca a sistemas electrónicos de videovigilância, sempre caberia ao Estado, via TURISMO DE PORTUGAL IP, e ao Serviço de Inspecção de Jogos que integra a respectiva estrutura orgânica, providenciar e custear tal investimento, o que até hoje não foi feito (vide art. 522 nºs 1 e 2 da Lei do Jogo).
13.É legítimo e legalmente possível que a douta sentença de primeira instância, com base em factos instrumentais que advieram ao seu conhecimento no decurso do julgamento, e se acham especificadamente mencionados na fundamentação da decisão relativa à matéria de facto, dê como inexistente a culpa da recorrente .
14.Tendo o douto acórdão recorrido entendido de modo diferente, e ao proceder a uma alteração parcial das respostas dadas à base instrutória, estava então obrigado o douto acórdão recorrido a apreciar e decidir sobre a pretensão da recorrente de ver ampliada a base instrutória com o aditamento dos factos constantes dos nºs 11, 12, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 40, 41, 42, 43, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 58 e 60 da contestação da recorrente, factos esses que haviam oportunamente sido objecto de reclamação da sua parte, desatendida pelo Mmo. Juiz de primeira instância, mas cuja apreciação fora suscitada subsidiariamente pela recorrente na sua contra-alegação no recurso de apelação.
15.Ao apenas apreciar os factos alegados nos nºs 40, 41, 49, 50 e 51 da dita contestação, omitindo qualquer referência e decisão sobre os demais acima citados, o douto acórdão recorrido incorreu em nulidade processual que deverá ser conhecida, com a anulação do julgamento nessa parte .
16.A apreciação da existência ou inexistência da culpa da ora recorrente não pode prescindir da verificação da sua conduta, como do quadro legal em que se insere a sua actividade.
17.Pois só assim será possível afirmar se essa conduta é ou não passível de um juízo de censura ético-jurídíca, pois esse é o verdadeiro conceito e, simultaneamente, conteúdo da culpa.
18.Não assenta em qualquer critério legalmente previsto e admissível afirmar-se que as dificuldades inerentes à fiscalização do acesso às salas de jogos dos casinos deveriam levar a recorrente a uma conduta mais proactiva, sem se dizer como, e onde, falhou a recorrente, face ao quadro legal existente.
19.O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as disposições dos arts. 11, 342 nº 1, 483 nºs 1 e 2, todos do CCivil, bem como as dos arts. 36 nºs 1 e 2, 41 nºs 1, 2 e 3, todos do Dec.lei nº 422/89, de 02.12, na redacção que lhes foi dada pelo Dec-lei nº 10/95, de 19.01, Lei nº 28/2004, de 16.07 e De-lei nº 40/2005, de 17.02 .»

O autor contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso da ré.

E concluiu desta forma as alegações do respectivo recurso:

«1 )O presente recurso resulta da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto na qual julga parcialmente procedente o pedido formulado pelo Recorrente.
2) Afigura-se ao ora Recorrente que o douto Acórdão não pode, de todo em todo, manter-se.
3) O mesmo viola diversos princípios legais, e, portanto, tem que ser revogada e substituída por decisão que, em face da prova produzida, condene a Ré no pagamento ao ora Recorrente de valor superior àquele que resultou da decisão agora colocada em crise (€85.830,00 acrescido de juros de mora contados desde 03.09.2009), bem como de juros contabilizados desde a data da citação da Recorrida na acção que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
4) Pese embora os Senhores Juízes Desembargadores tenham responsabilizado a Recorrida (com fundamento na culpa da mesma), decidiram que o Recorrente tinha, em sede de culpa do lesado, uma responsabilidade de 40% na produção dos danos por si sofridos.
5) O valor que permitiu apurar o quantum indemnizatório teve por base, apenas e só, o valor de €143.050,00.
6) O Recorrente não pode estar mais em desacordo com esta posição sendo certo que o quantum indemnizatório a ser atribuído tem que ser distinto, pese embora possa não ser apurado nesta sede.
7) O Recorrente sofre, como resultou provado nos presentes autos (factos 3.2.2 e 3.2.3 dos FUNDAMENTOS DE FACTO) de problemas psíquicos bem como de alterações comportamentais que apresentam um histórico com mais de nove anos, apresentando perturbações de controle de impulso e comportamentos compulsivos, entre os quais se destaca o jogo patológico.
8) Esta doença de que o Recorrente padece, que não depende de qualquer acto ou vontade sua tratando-se, isso sim, de um verdadeiro distúrbio comportamental.
9) Este distúrbio foi o motivo que deu origem à elaboração do requerimento que o Recorrente fez ao Senhor Inspector-Geral de Jogos para que proibisse a sua entrada nas salas de jogos de todos os casinos do país.
10) Tendo o pedido de proibição de acesso às salas de jogos dos Casinos sedeados em Portugal formulado pelo Recorrente sido deferido pelo Inspector-Geral de Jogos, essa proibição de acesso, mesmo que o Recorrente a tentasse "ultrapassar", tinha que ser cumprida pela Recorrida.
11) Era devido ao facto de o Recorrente estar doente e sofrer de perturbações de controlo de impulso e comportamentos compulsivos dos quais se destaca o jogo patológico (facto 3.2.2 e 3.2.3 dos FUNDAMENTOS DE FACTO) que impeliam o Recorrente a violar a proibição de acesso que o próprio solicitara à Inspecção-Geral de Jogos.
12) Inexistia qualquer margem de "vontade própria" e, portanto, de culpa, para o Recorrente que, no fundo, mais não é do que um "adicionado" que não consegue controlar o seu vício/doença.
13) Esta é, sem margem para dúvidas, a vontade que o Legislador manifesta quando procede à elaboração da Lei do Jogo, ou seja, é a vontade de proteger pessoas que, como sucede com o Recorrente, são doentes e, em face das características da sua doença – perturbações de controlo de impulso e comportamentos compulsivos, entre os quais se destaca o jogo patológico –, não estão em condições de poderem "decidir" se se dirigem ou não às salas de jogos dos Casinos.
14) Este é o espírito de protecção da lei, o escopo da lei.
15) Se o Recorrente não padecesse dos problemas de saúde que foram dados como provados, poderia até ter resultado da prova produzida, o que, de todo o modo, não sucedeu, que o Recorrente podia ter decidido não entrar no casino.
16) Sucede que o Recorrente padece de um problema de saúde cuja característica, apontada por toda a doutrina científica, é no sentido da compulsividade e da incapacidade de controlar o impulso de jogar e, nesse sentido, de entrar no casino da Recorrida.
17) Em face do exposto, o instituto da culpa do lesado nunca poderia ser aplicado ao Recorrente uma vez que este, como ficou amplamente demonstrado nos autos, apenas voltou a aceder ao Casino de Espinho porque padecia de uma doença que o impede de controlar a vontade de jogar: perturbação de controlo de impulso e comportamentos compulsivos, entre os quais se destaca o JOGO COMPULSIVO.
18) É de fundamental importância precisar quais as características, cientificamente comprovadas, de uma pessoa que sofre, como o Recorrente, de um síndrome de jogo patológico e de comportamentos compulsivos.
19) A característica essencial desta perturbação consiste num comportamento desadaptado relativo ao jogo, recorrente e persistente que conduz a disrupção nos objectivos pessoais, familiares e profissionais.
20) Os jogadores patológicos continuam a jogar apesar de repetidos esforços para controlarem, reduzirem ou pararem este comportamento.
21) Há geralmente uma progressão na frequência do comportamento patológico, da quantia apostada e das preocupações relacionadas com o jogo, tais como a obtenção de suporte financeiro para jogar.
22) A compulsão para jogar aumenta durante os períodos de stress ou depressão.
23) Os transtornos de hábitos ou impulsos, nos quais se inclui o Jogo Patológico, são caracterizados por actos repetidos que não têm nenhuma motivação racional clara e que geralmente prejudicam os interesses do próprio paciente e aqueles de outras pessoas.
24) O comportamento está associado a impulsos que não podem ser controlados.
25) O transtorno consiste em frequentes e repetidos episódios de jogo, os quais dominam a vida do indivíduo em detrimento de valores e compromissos sociais, ocupacionais, materiais ou familiares.
26) Aqueles que sofrem desse transtorno podem pôr em risco o seu trabalho, contrair grandes dívidas e mentir ou violar a lei para obter dinheiro ou evitar o pagamento de suas dívidas.
27) Eles descrevem um ímpeto intenso de jogar, o qual é difícil de controlar, junto com uma preocupação com ideias e imagens do ato de jogar e das circunstâncias que rodeiam o acto.
28) O Jogo Patológico só recentemente foi autonomizado como doença psiquiátrica, tendo sido caracterizado, primeiro como um "vício", ou comportamento aditivo, sendo actualmente considerado um Distúrbio do Controlo de Impulso.
29) A característica essencial do distúrbio consiste numa crónica e progressiva incapacidade de resistir ao impulso de jogar, que compromete ou prejudica a vida pessoal, familiar ou profissional.
30) O Jogo Patológico também partilha algumas características associados às adições, incluindo tolerância, dependência e síndrome de "abstinência", mas ao contrário das adições, o Jogo Patológico não é tão evidenciável e pode permanecer escondido por anos.
31) No Jogo Patológico, a tensão e ansiedade gerados pelas obsessões são aliviados pelo comportamento compulsivo.
32) Denomina-se obsessão um impulso ou ideia persistente que o indivíduo, apesar de todo o esforço mental que realiza, não consegue eliminar da sua consciência.
33) O Recorrente manifestava uma verdadeira incapacidade para controlar os seus impulsos de jogar, impulsos estes que acompanham uma pessoa que sofra de perturbações de controlo de impulso e comportamentos compulsivos, como o jogo patológico.
34) Admitir – pois a matéria de facto dada como provada assim o diz – que o Recorrente sofre de perturbações de controlo de impulso e, por outro lado, como fazem os Senhores Juízes desembargadores, admitir-se que o Recorrente tem plenas possibilidades de controlar esse impulso, é uma manifesta contradição de termos, pois uma coisa afasta necessariamente a outra.
35) Assim, não assiste razão ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto quando considera que ao Recorrente deve ser assacada a responsabilidade/culpa na produção de 40% dos danos que o mesmo sofreu.
36) Esta decisão não merece acolhimento, sendo mesmo iníqua, pois, por um lado o espírito da Lei do Jogo é, apenas e só, impedir que pessoas que solicitem a sua inibição de entrada nos casinos entrem ou permaneçam nas instalações dos mesmos e,
37) Por outro lado, padecendo o Recorrente de problemas psíquicos bem como de alterações comportamentais, apresentando perturbações de controlo de impulso e comportamentos compulsivos, entre os quais se destaca o jogo patológico, o mesmo não está em condições de controlar o impulso que a doença de que padece lhe incute e, por via disso, não se pode assacar ao mesmo culpa por ter entrado nas instalações da Recorrida pois só o fez porque, repete-se, está doente.
38) É certo, que não estamos em crer que os Senhores Juízes Desembargadores pretenderam dizer que, em suma, o recorrente tem culpa de padecer da doença em questão.
39) Nestes termos, deverá a Recorrida ser considerada como única culpada dos danos sofridos pelo Recorrente, revogando-se o douto Acórdão na parte em que assaca ao Recorrente a responsabilidade de 40% a título de culpa do lesado.
40) O douto Acórdão violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art.0 25.° da Constituição da República Portuguesa, nos art.°s 36.°, n.° 3 e 38.° do Dec.-Lei 422/89, de 2 de Fevereiro e art.°s 70.°, 483.°, 486.° e 570.° do Código Civil.
41) Mesmo que resultasse provada alguma culpa por parte do Recorrente, o que de todo em todo não se consente, sempre teria que ser num grau muito menor do que aquele que foi fixado pelo Tribunal da Relação do Porto.
42) Na verdade, a atribuição de 40% da responsabilidade ao Recorrente coloca quase no mesmo plano a actuação culposa da Recorrida com a actuação do Recorrente.
43) A Recorrida que estava legalmente obrigada a não deixar o Recorrente entrar nas sua instalações e que, apesar daquele ser conhecido de funcionários e de directores das salas de jogos da Recorrida, deixou o mesmo entrar pelo menos as vezes que estão descritas no ponto 3.2.12 dos FUNDAMENTOS DE FACTO, é colocada no mesmo patamar do Recorrente que, apresentando uma perturbação de controlo de impulso e comportamentos compulsivos, nomeadamente jogo patológico (factos 3.2.2 e 3.2.3 dos FUNDAMENTOS DE FACTO), é, na visão apresentada no douto Acórdão agora colocado em crise, quase tão culpado como a Recorrida.
44) Nenhum facto dos FUNDAMENTOS DE FACTO poderá levar, seja de que forma for, à conclusão de que o Recorrente agiu com culpa.
45) A Recorrida é que tinha a obrigação legal de não permitir o acesso do Recorrente às suas instalações.
46) A Recorrida é que tinha funcionários que conheciam o Recorrente e que, em certas ocasiões, o chegaram a expulsar das salas de jogos.
47) A Recorrida é que permitiu que o Recorrente fizesse, livremente, levantamentos de dinheiro nos seus balcões.
48) Ao Recorrente apenas lhe pode ser assacada a "culpa" de ser um homem doente que não consegue, fruto dessa doença, controlar a sua ânsia de jogar.
49) Assim, nunca a responsabilidade do recorrente poderia ser superior a 10% sob pena de se estar a punir o Recorrente sem factualidade para tal.
50) O douto Acórdão violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no art.0 25.° da Constituição da República Portuguesa, nos art.°s 36.°, n.° 3 e 38.° do Dec.-Lei 422/89, de 2 de Fevereiro e art.°s 70.°, 483.°, 486.° e 570.° do Código Civil.
51) Como resulta do ponto 3.2.19 dos FUNDAMENTOS DE FACTO, o Recorrente até ao dia 05.06.2007 gastou no Casino de Espinho pelo menos a quantia de €143.050,00.
52) Em acção declarativa visando a condenação do Réu no pagamento de quantia certa, sendo provada a dívida mas não se determinando o seu exacto valor, impõe-se ao Tribunal, ou julgar segundo a equidade, se se entender que mesmo na execução para liquidação o Recorrente não será capaz de efectuar tal liquidação, ou remeter para a liquidação em execução de sentença, caso se considerasse que o Recorrente na execução seria capaz de quantificar os prejuízos.
53) O Tribunal da Relação do Porto fez uma errada interpretação dos normativos legais, concretamente do citado art.º 661.° n.° 2 do CPC, cujos princípios se aplicam a todas as acções declarativas.
54) Perante a matéria de facto provada impunha-se a condenação da Recorrida, no montante que se viesse a liquidar em execução de sentença.
55) O Autor logrou demonstrar que "Até ao dia 05 de Junho de 2007, o autor gastou no Casino de Espinho pelo menos a quantia de € 143.050,00 (resposta ao artigo 18° da base instrutória)".
56) Apenas não fez a prova da totalidade do dinheiro gasto pelo Recorrente no Casino de Espinho, tendo-o feito, apenas, em parte.
57) Deste modo, estão reunidos os requisitos de aplicação do estatuído no art.0 661° n.° 2 do CPC.
58) Da redacção de tal preceito resulta que o Tribunal deve (e estamos aqui perante um poder dever do Juiz e não perante um poder discricionário) condenar no que se liquidar em execução de sentença sempre que se encontrem reunidas duas condições: a primeira que o réu tenha efectivamente causado danos ao autor (o que é manifesto no caso) e a segunda que o montante desses danos não esteja determinado, ou pelo menos, não esteja determinado na sua totalidade, na acção declarativa por não terem sido concretamente apurados (como foi o caso).
59) Apenas se deve relegar para execução de sentença o apuramento de um qualquer dano se não for possível fixar uma justa indemnização recorrendo às regras da equidade.
60) Não se compreende nem entende como poderia a Recorrida, uma vez que ficou provado que o Recorrente gastou no Casino de Espinho pelo menos a quantia de €143.050,00 e que gastava, nas mesas de jogo das salas de jogo do referido casino, quantia não concretamente apurada, ficar desobrigada de qualquer pagamento no que aos montantes não concretamente apurados diz respeito.
61) A própria lei substantiva, concretamente o art.0 569.° do CC, permite ao lesado a possibilidade de deduzir pedidos genéricos, a concretizar, posteriormente.
62) Por isso, se o lesado não necessita de indicar, logo no momento inicial do processo, a importância exacta em que avalia os danos que sofreu, podendo fazê-lo mais tarde, por maioria de razão isso também lhe deverá ser facultado quando formule um pedido líquido e certo e não logre fazer prova do respectivo montante
63) Quer isto dizer que, no caso vertente, apesar de se ter deduzido um pedido específico em relação aos prejuízos e de não ter logrado fazer a prova da totalidade dos mesmos, provando-se a existência de danos, a aplicação à situação desta disposição, é correcta.
64) A posição assumida no douto Acórdão não é, pois, correcta, impondo-se que a decisão seja substituída por outra que relegue para liquidar em execução de sentença os danos que não se encontram concretamente apurados.
65) O douto Acórdão violou o disposto nos art.°s 483.° e seguintes e 562.° e seguintes, todos do CC e o art.º 661.° do CPC.
66) A douta decisão recorrida violou o disposto no art.° 289.°, n.° 2 do CPC.
67) Na verdade, o Recorrente alegou na petição inicial que a citação verificada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu teve lugar e que o procedimento previsto no referido art.º 289.° teria que se verificar.
68) Assim, e pese embora não esteja junta aos autos certidão com indicação do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, dúvidas não restam de que a condenação, sob pena de violação do disposto no art.º 289.°, n.° 2 do CPC, teria que ser num determinado quantum acrescido de juros de mora contados desde a citação realizada no Proc. n.° 1621/07.6BEVIS que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu.
69) A prova da citação – sendo certo que a Recorrida nunca se pronunciou acerca deste aspecto nos presentes autos e, portanto, anuiu na indicação dada pelo Recorrente na sua petição inicial –, a ter que se realizar, ficará a cargo do Recorrente.
70) Nestes termos, deverá a Recorrida ser condenada no pagamento do quantum indemnizatório que se vier a apurar, acrescido dos juros de mora contados desde a data da citação no processo Proc. n.° 1621/07.6BEVIS que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, a qual ocorreu em 30.11.2007.
71) O douto Acórdão violou, deste modo, o disposto no art.º 289.°, n.° 2 do CPC.
Termos em que o presente recurso deve merecer total provimento, revogando-se o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto e substituindo-se o mesmo por decisão que contemple a totalidade das questões abordadas presente recurso.»

A ré também contra-alegou, defendendo o não provimento.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

«3.2.1. A ré é concessionária do Casino de Espinho (alínea A da matéria de facto assente).
3.2.2. O Autor padece de problemas psíquicos bem como de alterações comportamentais que apresentam um historial com mais de nove anos (resposta ao artigo 1º da base instrutória).
3.2.3. Apresentando perturbações de controlo de impulso e comportamentos compulsivos, entre os quais se destaca o jogo patológico (resposta ao artigo 2º da base instrutória).
3.2.4. O Autor era frequentador assíduo do Casino do qual a Ré é concessionária e que se situa na cidade de Espinho (resposta ao artigo 3º da base instrutória).
3.2.5. O Autor requereu ao Inspector-Geral de Jogos que ficasse inibido de entrar, não só no Casino propriedade da Ré, em Espinho, como em qualquer casino do país, apresentando como justificação para esse pedido o facto de “achar que estas organizações induzem ao descontrolo do equilíbrio financeiro” (resposta ao artigo 5º da base instrutória).
3.2.6. Na sequência de notificação datada de 12 de Julho de 2005, que se mostra junta a fls. 45 dos autos, o Autor remeteu à Inspecção-Geral de Jogos uma fotografia, tipo passe, com as características que lhe eram solicitadas nessa comunicação (resposta ao artigo 4º da base instrutória).
3.2.7. Por carta de 12 de Setembro de 2005, que se mostra junta a fls. 44, a Inspecção-Geral de Jogos comunicou ao Autor o seguinte: “Comunico a V. Exa. que o Ex.mo Subinspector-Geral em substituição do Inspector-Geral de Jogos, por despacho de 02 do corrente mês, deferiu o requerimento de 05-07-05, determinando, nos termos do nº 1 do artº 38º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, a proibição do seu acesso às salas de jogo tradicionais, máquinas automáticas e jogo de bingo de todos os casinos do País, pelo período de dois anos, o qual será contado em relação a cada casino a partir da data da notificação do respectivo Director do Serviço de Jogos”, referindo-se mais adiante “Mais informo V. Ex.ª de que, na vigência desta proibição, não será considerado eventual pedido de levantamento da mesma, cessando automaticamente os seus efeitos decorrido o referido prazo de dois anos” (alínea B da matéria de facto assente).
3.2.8. Em 14 de Setembro de 2005 a ré foi notificada pela Inspecção-Geral de Jogos, nos termos que constam de fls. 141 dos autos, que por despacho de 2 de Setembro desse mesmo ano do Sr. Inspector-Geral de Jogos, havia sido determinado, “nos termos do disposto no nº 1 do art. 38º do DL nº 422/89, de 2.12, na redacção dada pelo DL nº 10/95, de 19.01, a proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos” ao ora autor (alínea C da matéria de facto assente).
3.2.9. Em 15 de Novembro de 2007, a ré foi notificada, nos termos que constam de fls. 142 e seguinte, do despacho do Director do Serviço de Inspecção de Jogos, proferido em 6 de Novembro desse mesmo ano, que determinou, “nos termos do disposto no nº 1 do art. 38º do DL nº 422/89, de 2.12, na redacção dada pelo DL nº 10/95, de 19.01, a proibição de acesso às salas de jogos de todos os casinos do país, pelo período de dois anos” ao ora autor (alínea D) da matéria de facto assente).
3.2.10. O autor, posteriormente à decisão da Inspecção-Geral de Jogos referida em 3.2.7, mas em data concretamente não apurada, deslocou-se ao Casino de Espinho, e quando se aprestava para entrar na sala de jogos foi-lhe transmitido por um dos funcionários da ré que o mesmo não podia entrar pois estava proibido de aí aceder (resposta aos artigos 6º e 7º da base instrutória).
3.2.11. O Autor, já posteriormente à decisão da Inspecção-Geral de Jogos referida em 3.2.7, voltou a deslocar-se ao Casino de Espinho, com o intuito de voltar a tentar entrar nas salas de jogos, tendo conseguido entrar nas salas de máquinas automáticas e salas mistas (resposta aos artigos 8º e 9º da base instrutória).
3.2.12. No período compreendido entre 14 de Setembro de 2005 e Junho de 2007, o autor entrou nas salas de máquinas automáticas e salas mistas do Casino de Espinho, pelo menos, nas ocasiões referidas no documento que se mostra junto de fls. 249 a 255 dos autos (resposta aos artigos 10º e 16º da base instrutória).
3.2.13. Nesse local o autor era conhecido por alguns dos funcionários do Casino, mormente por um dos directores da sala de jogos (resposta ao artigo 11º da base instrutória).
3.2.14. Após a recepção da notificação a que se alude em 3.2.8 a ré introduziu imediatamente o nome do autor na listagem informática de clientes e frequentadores impedidos de aceder às salas de jogos e introduziu essa interdição na ficha pessoal do autor (resposta ao artigo 12º da base instrutória).
3.2.15. E a partir de então o autor não mais acedeu à sala de jogos tradicionais do Casino de Espinho (resposta ao artigo 13º da base instrutória).
3.2.16. Pelo menos, desde 2 de Novembro de 2005, o autor frequentou as salas de máquinas automáticas e salas mistas do Casino de Espinho, levantando dinheiro ao balcão que existe naquele local (na própria sala de jogos) e no qual se compram as fichas de jogo (resposta ao artigo 14º da base instrutória).
3.2.17. Tendo aí realizado os seguintes levantamentos, através de cartão:
- 10.06.2006 €1.500,00;
- 17.06.2006 €1.500,00;
- 07.07.2006 €2.000,00;
- 09.07.2006 €200,00;
- 09.07.2006 €1.000,00;
- 09.07.2006 €1.500,00;
- 09.07.2006 €2.000,00;
- 19.08.2006 €1.500,00;
- 27.08.2006 €1.000,00;
- 08.09.2006 €1.000,00;
- 08.09.2006 €1.000,00;
- 11.09.2006 €1.000,00;
- 11.09.2006 €1.200,00;
- 11.09.2006 €2.000,00;
- 29.09.2006 €1.000,00;
- 29.09.2006 €1.000,00;
- 29.09.2006 €1.000,00;
- 29.09.2006 €1.500,00;
- 30.09.2006 €1.000,00;
- 15.10.2006 €2.000,00;
- 15.10.2006 €3.000,00;
- 15.10.2006 €4.000,00;
- 05.11.2006 €2.500,00;
- 03.12.2006 €1.000,00;
- 20.01.2007 €1.000,00;
- 26.01.2007 €1.000,00;
- 28.01.2007 €1.000,00;
- 02.02.2007 €600,00;
- 02.02.2007 €1.000,00;
- 02.02.2007 €400,00;
- 12.02.2007 €1.200,00;
- 12.02.2007 €300,00;
- 09.03.2007 €500,00;
- 09.03.2007 €1.000,00;
- 10.03.2007 €200,00 (resposta ao artigo 15º da base instrutória).
3.2.18. Em cada uma dessas deslocações gastava, nas mesas de jogo da sala de jogos, quantia concretamente não apurada (resposta ao artigo 17º da base instrutória).
3.2.19. Até ao dia 05 de Junho de 2007, o autor gastou no Casino de Espinho pelo menos a quantia de € 143.050,00 (resposta ao artigo 18º da base instrutória).
3.2.20. O autor celebrou o negócio documentado na escritura junta a fls. 83 e seguintes, alienando a propriedade aí identificada pelo preço declarado de € 100.000,00 (resposta ao artigo 19º da base instrutória).
3.2.21. Tal imóvel era uma quinta, com casa de habitação que, a preços de mercado, valia cerca de € 283.443,00 (resposta ao artigo 20º da base instrutória).»

4. Estão assim em causa neste recurso as seguintes questões:

No recurso interposto pela ré:
– Anulação do julgamento, em consequência da nulidade do acórdão recorrido, resultante de ter sido omitida a apreciação da pretensão da recorrente de ampliação da base instrutória;
– Inexistência de culpa da recorrente.

No recurso interposto pelo autor:
– Inexistência de concorrência de culpas ou, pelo menos, limitação a 10% da percentagem de culpa do recorrente;
– Verificação dos pressupostos de condenação no montante que vier a liquidar-se, sendo ilegal a condenação apenas com referência ao montante que ficou provado (€ 143.050,00);
– Momento a partir do qual devem ser contados os juros de mora.

5. A recorrente pretende a anulação do julgamento, na parte correspondente à omissão de inclusão na base instrutória e de subsequente decisão sobre os “factos constantes dos nºs 11, 12, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, (…), 42, 43, 45, 47, 48, (…), 52, 53, 54, 58 e 60 da contestação”, sustentando a nulidade do acórdão recorrido por não ter apreciado a questão.
Com efeito, após concluir pela improcedência da pretensão de ampliação da base instrutória requerida pelo autor (relativamente aos artigos 1º, 2º, 7º, 9º, 13º, 54º, 55º, 70º a 75º, 79º, 80º, 82º, 83º, 88º, 90º, 95º, 96º, 98º e 99º da petição inicial), o acórdão recorrido entendeu que “improcedendo esta pretensão do autor, não há lugar ao conhecimento da pretensão da recorrida de ampliação do âmbito do recurso com inclusão na base instrutória da matéria vertida nos artigos 11º, 12º, 24º a 26º, 28º a 36º, 40º a 43º, 45º, 47º a 54º, 58º e 60º da contestação, sem prejuízo, se necessário, do uso dos poderes oficiosos deste tribunal de ampliação da matéria de facto, em conformidade com o disposto no nº 4, do artigo 712º do Código de Processo Civil.”.
Mas a recorrente não tem manifestamente razão. Nas alegações que apresentou na apelação, disse expressamente que requeria “a ampliação do objecto do presente recurso em termos de permitir a apreciação e julgamento da decisão que indeferiu a reclamação à base instrutória da ora apelada” quanto ao acrescentamento daqueles mesmos factos (e dos factos “alegados nos nºs 40, 41, 49, 50 e 51 da dita contestação”, mas que agora não estão em causa) “subsidiariamente”, “na eventualidade da procedência do recurso do ora apelante nesta parte”, ou seja, na hipótese de a Relação vir a dar razão ao apelante na parte em que impugnou “pretensão por si apresentada no sentido de ver incluídos na base instrutória os factos por si alegados nos nºs (…) da petição inicial” (cfr. alegações, fl. 2032); o que não sucedeu, como se verifica no acórdão recorrido.
Improcede, portanto, a arguição de nulidade do acórdão recorrido e, por conseguinte, o requerimento de anulação do julgamento.

6. Ambos os recorrentes discordam da conclusão a que chegou o acórdão recorrido no que respeita ao pressuposto da culpa pelos danos alegados pelo autor, como fundamento do pedido de indemnização deduzido contra a ré.
Para podermos apreciar este ponto, convém recordar o seguinte:
– Situando-se entre 2 de Setembro de 2005 e 2 de Setembro de 2007 o tempo da inibição de entrada nas salas de jogo que releva neste processo, não se tomarão em conta alterações posteriores da Lei do Jogo, o Decreto-Lei nº 422/89, de 2 Dezembro. A versão actual é a que resulta das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 114/2011, de 30 de Novembro, que a republicou (anexo II); e, também actualmente, a Inspecção-Geral de Jogos corresponde ao Serviço de Inspecção de Jogos do Turismo de Portugal, IP;
– Na versão original deste diploma, previa-se a existência, nos casinos, de salas de jogos tradicionais e de salas de jogos com máquinas de jogo de fortuna ou de azar e keno (artigo 32º); o acesso às salas de jogo estava sujeito “à obtenção de cartão ou documento equivalente”, que devia ser conservado em poder dos respectivos frequentadores enquanto se encontrassem nas salas (artigos 35º e 36º); as empresas concessionárias eram obrigadas a manter junto às entradas das salas um serviço destinado a identificar quem as quisesse frequentar e a fiscalizar as entradas (artigo 48º); os porteiros tinham de exigir a apresentação do cartão de acesso e, quando não conhecessem as pessoas, “a exibição do documento que haja servido de base à respectiva emissão” (art. 49º); previa-se que estivesse vedado a certos grupos de pessoas o acesso às salas de jogos, nomeadamente a menores, “incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tivessem sido reabilitados” (cfr. artigo 36º) e ainda que o acesso às salas de jogos pudesse ser proibido, a pedido dos próprios ou das concessionárias (art. 38º); as irregularidades nos acessos às salas de jogos eram sancionadas, quer quanto à concessionária (art. 125º), quer quanto aos próprios frequentadores (artigo 147º);
– Com o Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, passaram a estar previstas salas mistas, com jogos tradicionais e máquinas (artigo 32º); o acesso às salas de jogos tradicionais e mistas continuou a depender de cartão de acesso, que os frequentadores deviam ter em seu poder enquanto nelas se encontrassem (artigo 35º); as empresas concessionárias continuaram a estar obrigadas a manter junto às entradas das salas um serviço destinado a identificar quem as quisesse frequentar e a fiscalizar as entradas (artigo 48º), os porteiros continuaram a ter de exigir a apresentação do cartão de acesso e, quando não conhecessem as pessoas, “a exibição do documento que haja servido de base à emissão” (art. 41º); também se mantiveram as interdições de acesso, nomeadamente, a menores, “incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tivessem sido reabilitados” (cfr. artigo 36º), a possibilidade de proibição de acesso às salas de jogo, a pedido dos próprios ou das concessionárias (art. 38º) e o sancionamento das irregularidades nos acessos às salas de jogos, quer quanto à concessionária (art. 125º), quer quanto aos próprios frequentadores (artigo 146º);
– Em 2005, o Decreto-Lei nº 40/2005, de 17 de Fevereiro, veio reformular a Lei do Jogo, invocando, no respectivo preâmbulo, a necessidade de adaptação “às alterações de natureza sócio-económica verificadas nos últimos anos e, fundamentalmente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas. (…) Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável, factor que beneficia, designadamente, a animação e equipamento turístico das regiões, bem como a respectiva promoção nos mercados interno e externo. Opera-se uma liberalização, de acordo com os princípios constitucionais, nos condicionamentos a que se sujeitam os acessos às salas de jogos de fortuna ou azar, mas, por outro lado, ao acentuar-se o princípio da reserva de admissão, visa-se melhorar o nível de frequência das salas de jogos e das restantes dependências dos casinos.”
Interessa agora referir especialmente o seguinte: mantiveram-se as salas de jogos tradicionais, de máquinas e mistas (artigo 32º); passou a ser exigido cartão de acesso apenas para as salas de jogos tradicionais (artigos 35º e 40º) e a estar prevista a obrigatoriedade de ter um serviço “devidamente apetrechado e dotado de pessoal competente, destinado à identificação dos indivíduos que as pretendam frequentar e à fiscalização das respectivas entradas”, bem como de os porteiros solicitarem identificação aos frequentadores respectivos (artigo 41º); quanto às salas de máquinas e mistas, a lei passou apenas a dizer que “A entrada e permanência nas salas mistas, de máquinas e de bingo, e nas salas de jogo do keno é condicionada à posse de um dos documentos de identificação previstos no artigo 39.º, devendo os porteiros de tais salas solicitar a exibição do mesmo, quando a aparência do frequentador for de molde a suscitar dúvidas sobre o cumprimento do requisito constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 36º” (menores de 18 anos). Continuou a ser vedado o acesso às categorias de pessoas já indicadas (artigo 36º) e a ser permitido solicitar a inibição de aceder a salas de jogo, a pedido do próprio ou da concessionária (artigo 38º), a ser sancionada a infracção das regras de acesso, quanto à concessionária (artigo 125º) e aos frequentadores, mas, no que toca às salas mistas ou de máquinas, apenas para o caso de não terem documento de identificação (artigo 146º);
– Manteve-se a possibilidade de “utilização de equipamentos de vigilância e controlo nas salas de jogos, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens” (artigo 52º), embora inicialmente se previsse que a concessionária era obrigada a instalá-lo (Decreto-Lei nº 422/89), se passasse a dizer em 1995, apenas, que “as salas de jogo são dotadas de equipamento (…)” e, em 2004 (Lei nº 28/2004, de 16 de Julho), se eliminasse tal indicação, passando a referir-se que compete à Inspecção-Geral de Jogos autorizar a utilização dos equipamentos.
Deste artigo 52º, na versão em vigor nas datas relevantes (com as alterações de 2004, e que ainda se mantêm), decorre, para além da necessidade de autorização já referida, e com especial interesse para o caso presente, que a “fiscalização das salas de jogos, seus acessos e instalações de apoio” pode ser feita através de “equipamentos electrónicos de vigilância e controlo” (nºs 1 e 4); e que “as concessionárias devem criar um quadro de, pelo menos, três operadores obrigados ao sigilo profissional previsto no artigo 81.º e devidamente habilitados para proceder a todas as operações do sistema, por forma a assegurar uma fiscalização eficaz e regular dos sectores vigiados.”

7. A evolução legislativa que se sumariou revela uma facilitação no acesso às salas de máquinas e salas mistas, criadas em 1995, justificada pelo legislador de 2005, como se viu, pelo objectivo de rentabilizar a exploração do jogo concessionado; facilitação essa, nas palavras da lei, acompanhada de um acréscimo de responsabilização das concessionárias pela legalidade dessa exploração (“Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável (…)”, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 40/2005, acima parcialmente transcrito).
E revela, ainda, que essa facilitação não é incompatível com a fiscalização do acesso às salas de jogo, mesmo àquelas em que não é obrigatória a identificação dos frequentadores que nelas pretendem entrar. Na verdade, não é possível sustentar que o legislador, que impede certas categorias de pessoas de frequentar as salas de jogos e que reconhece mesmo a possibilidade de, a pedido (do próprio ou da concessionária), lhes ser interdito o acesso, não permita às concessionárias o cumprimento da obrigação de fazer respeitar as correspondentes prescrições legais, expressamente recordadas, quanto à ré, pelo contrato de concessão (cfr. respectiva cláusula 3ª), e sancionadas, “por cada entrada” irregular (artigo 125º), em reconhecimento de que é de interesse público a existência de restrições.
Admitir a hipótese de que, ao deixar de impor a identificação prévia, o legislador quis tornar o cumprimento das regras de acesso dependente da memória visual dos funcionários das concessionárias não respeita as regras de interpretação da lei, definidas em geral pelo artigo 9º do Código Civil, e das quais se salienta a presunção de que “consagrou as soluções mais acertadas”.
As concessionárias estão legal e contratualmente obrigadas a cumprir as exigências de acesso às salas de jogos; estão, pois obrigadas a organizar e a manter os meios necessários ao cabal cumprimento dessa obrigação, respeitando, naturalmente, as regras legais aplicáveis (cfr., por exemplo, o artigo 52º já citado); e são ainda obrigadas a determinar a quem “for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais”que se retire (artigo 37º da Lei do Jogo).
Em particular, estão obrigadas a desenvolver os actos necessários a impedir o acesso às salas de jogos a quem requereu e obteve do Inspector-Geral de Jogos a proibição de acesso, nos termos do disposto no artigo 38º da Lei do Jogo (nestes sentido, cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de 29 de Março de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 1840/05.0TBESP); se os omitirem, em violação da lei e, por essa via, do contrato de concessão, incorrem em responsabilidade pelos prejuízos sofridos, se estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil. Com efeito, a ilicitude fica assim verificada (artigos 483º e 486º do Código Civil): não se levantarão dúvidas de que o citado artigo 38º visa, em primeira linha, a protecção dos interesses dos frequentadores das salas de jogos.
Estas afirmações em nada são contrariadas pelas funções de fiscalização exercidas pelo Estado, através da Inspecção-Geral de Jogos (actualmente, como se disse já, do Serviço de Inspecção de Jogos do Turismo de Portugal, IP), analisadas no Parecer da Procuradoria Geral da República que o recorrente cita, nomeadamente, no que ao acesso às salas de jogo respeita; cfr., em particular, os preceitos indicados pela recorrente para ilustrar “o complexo de poderes tutelares” que lhe são atribuídos, e que envolvem a definição de regras (por exemplo, de utilização de espaço), os tipos de salas que podem existir, a autorização ou a inibição de acesso, a fiscalização do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato, das práticas de jogo ou de obrigações tributárias, bem como o poder de apreciar reclamações de decisões da concessionária. A exploração do jogo é feita consabidamente através de um contrato de concessão, a concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar (cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 2002, pág. 545 e segs.), conservando o concedente os poderes de regulação, de fiscalização e de controlo do cumprimento do contrato que são próprios do exercício dos respectivos poderes de autoridade (cfr. autor e op. cit., pág. 614 e segs.).
Recorde-se o disposto no artigo 37º, que impõe à concessionária (“director do serviço de jogos”) e aos inspectores da Inspecção-Geral de jogos (Serviço de Inspecção de Jogos) o dever de ordenar a retirada das pessoas que se encontrem nas salas de jogos, em infracção às disposições legais relativas à entrada e permanência nas mesmas.

8. A ré sustenta, nas alegações, que deveria ser absolvida do pedido de indemnização, desde logo porque:
– A evolução legislativa “liberalizante do acesso ás salas de jogos”, da “exclusiva iniciativa e responsabilidade do Estado” levou à “impossibilidade prática de controlo” do acesso às salas mistas (alegações, fls. 2170); o único controlo previsto é o da aparente menoridade;
– Não se verifica o pressuposto da culpa: os factos provados, entendidos em conjunto com a “reconhecida impossibilidade legal de a ora recorrente instituir sistema de controlo de entradas nas ditas salas de máquinas automáticas e salas mistas diferente daquele que a legislação em vigor consagra e permite e não se tendo provado, nem sequer alegado, que a ora recorrente tinha deixado de cumprir esses procedimentos de controlo legalmente instituídos” implicam esta conclusão.
Mas não tem razão, como já decorre em parte do que se disse. A lei não impede a concessionária de controlar os acessos e as permanências nas salas de jogos mistas e de máquinas automáticas; o controlo poderá ser difícil ou implicar alguns incómodos, mas é imposto pela obrigação de não permitir o acesso e permanência, nomeadamente às pessoas inibidas de aceder às salas de jogo, nos termos do artigo 38º da Lei do Jogo. Em particular, não impede a instalação de equipamentos de vigilância electrónica, nos termos do artigo 52º da Lei do Jogo. O que o nº 1 deste artigo prevê é que compete à Inspecção-Geral de Jogos autorizá-los; note-se, aliás, que, à data da revisão do contrato de concessão (14 de Dezembro de 2001, segundo consta do Aviso publicado no Diário da República, III Série, de 1 de Fevereiro de 2002, estava em vigor a anterior redacção do artigo 52º do Decreto-Lei nº 422/89, cujo nº 1 antes dizia “1 - As salas de jogos são dotadas de equipamento electrónico de vigilância e controlo, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens.”
Em nada releva, neste contexto, a previsão expressa do controlo da entrada e permanência de menores; compreende-se que, neste caso, a condição de menoridade possa ser aparente, diferentemente com o que sucede, por exemplo, com os (outros) incapazes, nomeadamente os inabilitados, ou os insolventes, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 36º, ou com quem foi inibido de entrar por decisão do Inspector-Geral de Jogos, de acordo com o artigo 38º.

9. E também não tem razão quanto às críticas dirigidas ao acórdão recorrido, que chega a um juízo positivo sobre a existência de culpa, em larga medida subtraído ao controlo deste Supremo Tribunal, por assentar em ilações retiradas pelo julgador dos factos que ficaram provados (cfr., a título de exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 52/06.0TVPRT.P1.S1).
No caso, a Relação alterou o julgamento da 1ª Instância, que considerara não ser possível concluir pela existência de culpa, por um lado, por razões de direito (relativas à “impossibilidade legal de (…) adoptar regras ou procedimentos distintos dos legalmente previstos” – pág. 47 do acórdão recorrido); por outro, por alterar a base de facto a considerar. Trata-se, portanto, de hipótese diversa da que foi censurada pelo acórdão de 7 de Julho de 2010 (www.dgsi.pt, proc. nº 2273/03.8TBFLG.G1.S1).
E sucede ainda que a apreciação da culpa que é possível na revista é restrita à verificação da observância do critério definido pelo nº 2 do artigo 487º do Código Civil,”u seja, a determinar se o agente actuou com o grau de diligência que seria exigível, e que a lei fixa fazendo apelo àquela que teria um homem médio, colocado nas circunstâncias concretas do caso, assim adoptando um conceito objectivado de culpa” (acórdão de 14 de Outubro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 845/06.8TBVCD.P1).
Ora a contestação da ré e as presentes alegações assentam: na impossibilidade legal e prática de ter agido de outra forma; na impossibilidade de identificação do autor pela fotocópia da fotografia que lhe foi enviada pela Inspecção-Geral de Jogos, com a notificação do deferimento do pedido de inibição de acesso às salas de jogos; e nas diligências a que procedeu na sequência dessa notificação, adequadas para vedar o acesso às salas de jogos tradicionais mas não às demais, como ela própria reconhece, criticando a “legislação em vigor neste domínio do acesso às salas de jogo dos casinos portugueses” (contestação, artigo 57).
Todavia, e independentemente de estar provado que o autor era conhecido de alguns dos funcionários da ré, observou-se já que a lei não pode ser interpretada no sentido de inviabilizar um controlo que ela própria exige; que a dificuldade de o executar não justifica o incumprimento do dever de vigilância; e, acrescenta-se agora, tem plena razão o acórdão recorrido, quando observa que a dificuldade de identificação pela fotocópia da fotografia não exclui a culpa da recorrente, que não reagiu, ou quando dá relevo ao elevado número de vezes que o autor logrou aceder às salas de jogos, durante o período de interdição que releva neste processo. Pese embora o comentário constante das alegações, tal repetição é manifesta e ostensivamente reveladora de uma diligência inferior à média, tanto mais que vem provado que o autor era conhecido “por alguns dos funcionários do Casino, mormente por um dos directores da sala de jogos” (ponto 3.2.13 da matéria de facto provada; bem como da inadequação dos meios de controlo que a ré afirma ter posto em prática.
Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, quando entende estar assente a culpa efectiva no incumprimento da obrigação de impedir o acesso do réu às salas de jogo: era efectivamente exigível à ré que adoptasse medidas para o evitar, tendo a ré consciência da insuficiência das diligências que efectuou.

10. O autor discorda da proporção que lhe foi atribuída quanto à culpa. No entanto, também não há motivo para censurar a proporção definida pelo acórdão recorrido: 60% para a concessionária, 40% para o autor.
Em primeiro lugar, cumpre ter presente que o autor não sofre de nenhum grau de incapacidade juridicamente reconhecida; nomeadamente, que não foi inabilitado. O que significa que, do ponto de vista do direito, não sofre de nenhuma exclusão de imputabilidade; nem tão pouco vem provada qualquer incapacidade “de entender ou querer” que pudesse ser enquadrada no artigo 488º do Código Civil, o que desde logo afasta a pretensão do autor, de que seja atribuída à ré a culpa exclusiva pelos danos que invoca.
Em segundo lugar, cabe também recordar que a actuação do lesado (ao aceder e permanecer nas salas de jogos) foi também causa dos prejuízos que invoca, nos termos definidos para o apuramento do nexo de causalidade pelo artigo 563º do Código Civil: verificou-se uma situação de concorrência de causas, qualquer uma delas apta a provocá-lo (ambas foram causas naturalísticas e adequadas, artigo 563º citado).
Significa isto que hão-de ser as circunstâncias do caso que hão-de relevar para saber qual a relevância que essa concorrência de causas e de culpas há-de ter na determinação da responsabilidade da ré e do autor (nº 1 do artigo 570º).
Ora, tal como se entendeu no acórdão recorrido, pese embora não sofrer o autor de nenhuma incapacidade juridicamente reconhecida, a verdade é que a prova aponta no sentido de uma menor censurabilidade da sua actuação, por confronto com a falta de diligência da ré; o que, contrariamente ao que o autor afirma, não significa estar-se “a punir o Recorrente sem factualidade para tal” (ponto 57 das alegações). Há que não esquecer que se trata de uma acção de indemnização proposta pelo lesado, cujo objectivo é o de responsabilizar a ré pelos danos alegados pelo autor; o que cumpre provar são os pressupostos dessa responsabilidade da ré e até que ponto é que essa responsabilidade é ou não diminuída pela actuação do autor.
Mantém-se a repartição de culpas determinada pelo acórdão recorrido, cuja fundamentação não merece qualquer reparo. Recorde-se, ainda, que a percentagem determinada é quase coincidente com aquela que fez vencimento no citado acórdão de 29 de Março de 2012, 2/3 e 1/3, justificando-se a diferença na matéria de facto ali provada, justificativa de uma maior censurabilidade da actuação da concessionária),

11. O autor sustenta que, para além da condenação no pagamento da quantia de € 143.050,00, a ré deveria ter ainda sido condenada “no montante que se viesse a liquidar”, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 661º do Código Civil, “sem prejuízo de poder ter recorrido às regras da equidade”. Recorda, nomeadamente, a admissibilidade de pedidos de condenação genéricos (artigo 569º do Código Civil), bem como o objectivo prosseguido pela reforma do Código de Processo Civil de 1995/1996 de “que a verdade formal se sobrepusesse à verdade material”. Conclui que a decisão deve ser “substituída por outra que relegue para liquidar em execução de sentença [a liquidar, nos termos da redacção aplicável do nº 2 do artigo 662º do Código Civil] os danos que não se encontram concretamente apurados”.
Sobre este ponto – quantificação dos danos indemnizáveis – o acórdão recorrido considerou que não havia prova que suportasse o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e, quanto aos demais, que o autor “apenas conseguiu provar que até ao dia 05 de Junho de 2007, gastou no Casino de Espinho, pelo menos, a quantia de € 143.050,00 (resposta ao quesito 18º da base instrutória)”.
Resulta das alegações que o autor se refere a não ter ficado provada a quantia total gasta no casino de Espinho (para além dos € 143.050,00).
Como se entendeu, por exemplo, no acórdão deste Tribunal de 28 de Abril de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 08B0782), “A possibilidade de se remeter para liquidação posterior o montante da condenação, constante do nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil (…), numa sentença que condene no pagamento de uma indemnização, não se destina a ultrapassar a falta de prova de factos oportunamente alegados para demonstrar os prejuízos. Antes se destina a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir (artigo 378º do Código de Processo Civil).”
Ora os danos alegados pelo autor (as quantias despendidas no Casino no período relevante) não estão nessas condições. Foram oportunamente alegados, sujeitos a prova e não provados, quando se julgou a matéria de facto (e a Relação apreciou a impugnação correspondente).
Também não seria viável recorrer à equidade para ultrapassar a falta de prova; nem é isso que o recorrente pretende.

12. Finalmente, o autor defende que os juros de mora devem ser contados desde a citação realizada no Proc. nº 1621/07.6BEVIS, “a qual ocorreu em 30.11.2007”, sob pena de violação do disposto no nº 2 do artigo 289º do Código de Processo Civil.
A Relação não atendeu a esta pretensão com o fundamento de não haver prova, nem da data da citação, nem do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância. Mas o recorrente, reconhecendo não ter sido feita prova, vem dizer (1) que alegou na petição inicial que a citação “teve lugar e que o procedimento previsto no referido artº 289º teria que se verificar” (alegações, ponto 101) e (2) que a recorrida não se pronunciou “e, portanto, anuiu na indicação dada pelo Recorrente na sua petição inicial” (alegações, ponto 103).
Resulta na verdade da lei que, quando se repete uma acção que terminou com a absolvição do réu da instância, se mantêm os efeitos civis da citação do réu (nº 2 do artigo 289º citado); mas a verdade é que, sem prova de quando se efectuou a citação e de quando transitou em julgado a decisão de absolvição da instância, não se pode saber se está presente a condição de aproveitamento daqueles efeitos (ter sido o réu citado “dentro de 30 dias, a contar do trânsito”), nem quando ocorreu a primeira citação. Cabendo ao autor o ónus da prova, como o próprio reconhece, a falta de prova resolve-se contra ele.
É irrelevante que a ré nada tenha dito sobre o assunto: o seu silêncio não prova, nem uma data, nem outra; e não tem consequências quanto à definição do regime legal aplicável.
A terminar, acrescenta-se que o autor não juntou a prova, tendo tido a oportunidade de o fazer ao longo do processo.

13. Nestes termos, nega-se provimento à revista.
Custas por ambos os recorrentes, relativamente ao recurso que interpuseram.

Maria dos Prazeres Beleza (Relator)
Salazar Casanova
Lopes do Rego