Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
284-C/1995.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ACÇÃO DE HONORÁRIOS
ADVOGADO
CONTRATO DE MANDATO
INSPECÇÃO JUDICIAL
PROVA DOCUMENTAL
CONSULTA DO PROCESSO
INTEGRAÇÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Não consubstancia prova obtida mediante inspecção judicial a consulta a que o Tribunal de 1.ª instância procedeu, em relação aos processos judiciais em que a autora, advogada em acção de honorários, interveio e que aí correm termos, por não se traduzir num meio de prova directa, já que se interpôs uma coisa entre o Juiz e o facto a averiguar, que consistiu nos documentos analisados, o que é, por essência, incompatível com a pretensa natureza da aludida prova por inspecção judicial.
II - A lacuna contratual de previsão, a preencher nos termos gerais da integração das lacunas contratuais, pressupõe uma situação concreta carecida de regulamentação, o que não acontece quando a remuneração do advogado pela aquisição futura de vantagens do resultado do seu trabalho processual, iniciado antes da cessação do contrato, depende, nos termos acordados, da efectiva cobrança dos créditos, traduzida numa vantagem patrimonial obtida pelo comitente, não se bastando com a mera potencialidade desses resultados.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA, advogada, residente na Rua ..., nº 000, 1º Esq., em Coimbra, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, CRL, com sede em Vagos, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a reconhecer que a autora prestou os serviços indicados, nos artigos 55º a 64º, 65º a 68º e 69º a 72º da petição inicial, e, consequentemente, a pagar-lhe a quantia de €237.400,21, acrescida de IVA, à taxa legal, e dos juros de capital vincendos, à taxa legal, contabilizados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, invocando, para o efeito, e, em síntese, que, em 11 de Maio de 2001, obrigou-se a prestar à ré os serviços de apoio e consulta jurídica e de contencioso de que esta viesse a carecer, no exercício da sua actividade, mediante a remuneração mensal líquida de 120.000$00, acrescida de IVA, à taxa legal em vigor, catorze vezes por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da autora e, de igual modo, com o direito a receber, em todos os processos ou intervenções, em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a ré obtivesse uma vantagem patrimonial, directa ou indirecta, designadamente, cobranças judiciais ou extrajudiciais, ou o não pagamento de multas, indemnizações ou quaisquer outras quantias, a percentagem de 5%, líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.
Tendo o acordo sido celebrado no pressuposto de que o contencioso da ré seria assegurado, no futuro, em acumulação, por dois advogados, tal não veio a acontecer, porquanto, posteriormente, por impedimento do outro advogado contratado, a autora passou a movimentar os processos que ao mesmo competiam, aumentando, significativamente, o trabalho despendido.
Então, autora e ré acordaram em estabelecer a remuneração mensal de €1.500,00, a que acresceria uma percentagem ilíquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos.
Tendo a autora sido contactada pela ré no sentido de receber a totalidade do serviço do contencioso, assumindo todos os processos judiciais do outro advogado, entretanto, prescindido, aceitou a elaboração de um estudo e respectivo relatório sobre o estado desses processos, em número de 76, ficando acordado que estes não seriam incluídos na avença da autora e que, para o cálculo dos honorários a pagar pelos serviços neles prestados, na hipótese da sua viabilidade, considerar-se-ia o grau da sua dificuldade, a praxe do foro e o estilo da comarca, de harmonia com o que, actualmente, está estatuído no artigo 100º, do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Na contestação, a ré alega, em resumo, que não teve como objectivo confiar o serviço do contencioso, em simultâneo, a dois advogados, e que os processos que a autora recebeu do anterior advogado não estavam fora do âmbito do contrato de avença, por não lhe ter sido conferido qualquer carácter de excepcionalidade.
Por outro lado, discorda da aplicação da percentagem de 5% sobre os processos que, como a autora reconhece, ainda se encontram pendentes, tendo concluído no sentido da improcedência da acção.
Na réplica, a autora termina como na petição inicial.
A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente, por, parcialmente, provada e, em consequência, condenou a ré, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Vagos, CRL, a pagar à autora AA, a quantia de €28.675,00 (vinte e oito mil, seiscentos e setenta e cinco euros), acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa de 4%, desde a citação e até integral pagamento.
Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a apelação e, em consequência, confirmado a decisão impugnada.
Do acórdão da Relação de Coimbra, interpôs a autora, por seu turno, recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que julgue a acção procedente, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1a - O douto acórdão recorrido omite em absoluto qualquer apreciação sobre a matéria das conclusões 17 a 21, configurando esta omissão uma omissão de pronúncia, que torna a decisão recorrida nula - com o que deve ser anulada, nos termos dos arts. 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, alínea d), do CPC;
2a - A douta decisão recorrida, ao negar a apreciação da matéria inserida na conclusão 16, incorreu, também nesta parte, em omissão de pronúncia - com a consequente nulidade do acórdão, também nos termos dos arts. 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, alínea d), do CPC;
3a - Ao carrear para o presente processo dados constantes de outros processos, e ao fazê-lo sem extrair documentos mas por mera avaliação ou percepção directa, o Tribunal de 1a Instância realizou de facto uma inspecção;
4a - Ao fazê-lo, procedeu a uma inspecção duplamente inválida, na medida em que excedeu aquele que é o âmbito das inspecções relativamente a processos judiciais (interferindo com as regras relativas ao uso extraprocessual de elementos) e na medida em que, de todo, não observou as regras processuais próprias e, designadamente o princípio do contraditório (art. 3º do CPC) - com o que violou os preceitos dos arts. 390º do CCiv e 612º do CPC e dos arts. 613º, 615º e 3º do CPC.
5o - Ora, realizada inspecção (de facto) contra as regras legais, e tendo ela sido o fundamento da prova a um quesito fundamental para a sorte da acção - na medida em que a sua prova poderia acarretar a demonstração de vantagens patrimoniais e até a aplicação directa da Cláusula 6o do Contrato -, fica inquinada toda a decisão sobre a matéria de facto - com o que ela é nula, nos termos conjugados nos arts. 3º, 201º, 613º e 615º do CPC.
6a - Apurada nos autos a realização de serviços e a aquisição potencial de vantagens que só não foram sedimentadas na esfera da Caixa por esta ter feito cessar o contrato, deve, quer por integração da lacuna do contrato quanto a tal hipótese, quer por aplicação analógica do regime do DL 178/86, estabelecer-se uma remuneração da recorrente nos termos peticionados.
Nas suas contra-alegações, a ré conclui no sentido de que deve ser julgado improcedente o recurso e, em consequência, confirmado o acórdão proferido.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, antes do recebimento da revista, a autora juntou aos autos um parecer jurídico da autoria de um distinto Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1. A autora (advogada em Figueiró dos Vinhos) e a ré celebraram, em 11 de Maio de 2001, o contrato de prestação de serviços constante de folhas 49 e verso, nos termos do qual se estipulou, além do mais, o seguinte:
“1º A segunda outorgante (autora) obriga-se a prestar à primeira (ré) serviços de apoio e consulta jurídicos e de contencioso de que esta vier a carecer no exercício da sua actividade.
5º O presente contrato terá a duração de um ano, renovando-se automaticamente se não for denunciado por qualquer das partes com pelo menos 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial ou de qualquer das suas renovações.
6º A representada dos primeiros outorgantes obriga-se a pagar ao segundo a quantia mensal de Esc.: 120.000$00 liquida de IRS, acrescida de IVA, catorze meses por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da segunda outorgante, não podendo esta exigir qualquer outra quantia a título de remuneração, com excepção do que consta do § 1º.
§1º Em todos os processos ou intervenções da segunda outorgante em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a representada dos primeiros outorgantes obtenha uma vantagem patrimonial directa ou indirecta, designadamente cobranças judiciais ou extrajudiciais – ou não pagamento de multas, indemnizações ou quaisquer outras quantias, a autora teria direito a receber, além da quantia acima referida, a percentagem de 5% líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.
A extinção unilateral do presente contrato por qualquer das partes, salvo caso de justa causa de resolução ou denuncia nos termos da clausula 5º, confere à outra parte o direito a receber indemnização igual ao montante total da retribuição mensal acordada na cláusula anterior a multiplicar pelo número de meses que o contrato vigoraria a não ter ocorrido a extinção unilateral” – A).
2. No Verão de 2002, o Dr.BB também, advogado da ré, adoeceu - B).
3. Face ao referido impedimento, foram devolvidos à ré e, a pedido desta, os processos que aquele tinha no seu escritório e que ainda não tinha accionado, num total de 35 - C).
4. Não obstante o regresso ao serviço do Dr. BB, em Outubro de 2002, os mencionados 35 processos mantiveram-se com a autora - D).
5. No início do ano de 2003, autora e ré acordaram em rever o contrato, referido em A), passando, então, a autora a receber a quantia de €1.500,00 mensais, a que acresceria uma percentagem líquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos - E).
6. A partir de Março de 2003, a autora passou a ter, sob a sua responsabilidade, todo o crédito mal parado da ré, no valor de cerca de um milhão de contos/cinco milhões de euros, assegurando todos os processos judiciais, a cargo do Dr. BB, em número de 76, de cujos serviços a ré havia, entretanto, prescindido - F).
7. A autora elaborou e entregou à ré o relatório de folhas 52, referente aos processos recebidos do Dr. BB - G).
8. Em 26 de Fevereiro de 2004, a ré enviou à autora a carta de folhas 137, na qual comunicava que havia decidido rescindir, unilateralmente, o contrato com a autora e lhe solicitava que fosse efectuada a prestação de contas, com vista ao apuramento e pagamento dos serviços pendentes - H).
9. A autora apresentou à ré uma nota de honorários, no valor de €116.084,66, correspondente ao valor dos seus honorários, relativamente aos processos que transitassem para o novo advogado - I).
10. Em 30.4.2004, a autora apresentou à ré a nota de honorários constante de folhas 193, no valor global de €237.400,21, correspondente a:
1. Serviços prestados no âmbito de processos substabelecidos pelo Dr. BB: €92.640,55;
2. Elaboração do relatório, referido em G): €28.675,00;
3. Serviços prestados, originalmente, pela autora: €116.315,55 – J).
11. A ré recusou-se a pagar qualquer das apontadas quantias, tendo solicitado à Ordem dos Advogados a elaboração do laudo de honorários, que se encontra a folhas 212 e seg., que se pronunciou, apenas, relativamente aos serviços, referidos em J)2, e no pressuposto de que a actividade em causa não estava incluída no contrato, referido em A) - L).
12. A ré contactou a autora, em finais de Março de 2003, propondo-lhe que, além dos serviços já contratados, como referido em A), assegurasse, também, todos os processos judiciais, então, a cargo do Dr. BB, a que se referem os serviços, aludidos em J) 1 dos factos assentes - 1º.
13. A ré solicitou à autora a elaboração do relatório, referido em G) - 3º.
14. A execução do relatório não estava abrangida pelo pagamento acordado com a autora, nos termos referidos em A) e E) - 4º.
15. No âmbito das relações estabelecidas entre a autora e a ré, aquela executou os serviços discriminados no artigo 64º da petição - 5º.
16. E executou os serviços discriminados nos artigos 68º e 71º da petição inicial - 6º e 7º.
17. Na sequência da actividade da autora, no que concerne aos processos “herdados” do Dr.BB, o contencioso ficou, definitivamente, organizado e impulsionado, e houve processos recebidos com a indicação de “inexistência de bens”, em que foi assegurado o pagamento do crédito da ré com a penhora de bens - 8º.
18. Em todos os contratos de financiamento outorgados pela ré, está convencionado que as despesas efectuadas para cobrança dos seus créditos, incluindo as com honorários de advogados, são suportadas, integralmente, pelos mutuários - 10º.
19. O preço/hora médio, habitualmente, cobrado, na comarca de Figueiró dos Vinhos, por serviços análogos aos referidos em G), oscila entre €50,00 e €75,00 - 16º e 17º.
20. Até cessar o contrato entre autora e ré, como referido em H), a ré não obteve cobrança dos seus créditos, em qualquer dos processos em que a autora teve intervenção e que estão discriminados nos artigos 68º e 71º da petição inicial - 21º.

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, são as seguintes:
I – A questão da nulidade da inspecção judicial.
II - A questão da nulidade por omissão de pronúncia.
III – A questão da remuneração acordada.

I. DA NULIDADE DA INSPECÇÃO JUDICIAL

Defende a autora que o Tribunal de 1a instância realizou uma inspecção judicial, duplamente, inválida, na medida em que excedeu o respectivo âmbito, interferindo com as regras relativas ao uso extraprocessual de elementos, e não observou as regras processuais próprias, designadamente, o princípio do contraditório, inquinando toda a decisão sobre a matéria de facto, sendo, assim, nula, nos termos das disposições conjugados dos artigos 3º, 201º, 612º, 613º e 615º, do CPC, e 390º, do Código Civil (CC).
Constitui finalidade da prova por inspecção, em conformidade com o disposto pelo artigo 390º, do CC, “a percepção directa de factos pelo tribunal”, podendo incidir, ainda de acordo com o estipulado pelo artigo 612º, nº 1, do CPC, sobre “coisas ou pessoas, a fim de se esclarecer sobre qualquer facto que interesse à decisão da causa, podendo deslocar-se ao local da questão ou mandar proceder à reconstituição dos factos, quando a entender necessária”.
Trata-se do meio de prova directa, por excelência, em que nada se interpõe entre a percepção do julgador e o facto que se pretende averiguar, ao contrário do que sucede com as provas indirectas, em que entre o Juiz e o facto se interpõe uma pessoa, como acontece com a prova por confissão, por arbitramento ou com a prova testemunhal, ou em que se interpõe uma coisa, como sucede na prova por documentos (1)..
Assim sendo, constituindo o processo, na acepção veiculada pela autora e que agora interessa considerar, e, igualmente, vulgarizada na linguagem corrente do foro, as páginas escritas emanadas das partes, as decisões do tribunal e o relato dos actos e diligências praticados no desenvolvimento da acção(2), ou seja, o conjunto de documentos(3)que o integram, o acesso ao meio de prova em que se traduzem, por parte do Juiz, encontra um intermediário, que é a coisa, isto é, o caderno [autos], em que os mesmos se encontram.
Deste modo, a consulta a que o Tribunal de 1ª instância procedeu, em relação aos processos judiciais em que a autora interveio e que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, não se traduziu num meio de prova directa, já que se interpôs uma coisa entre o Juiz e o facto a averiguar, que consistiu nos documentos analisados, o que é, por essência, incompatível com a pretensa natureza de prova por inspecção judicial, que a autora sustenta ter ocorrido, na hipótese em apreço.
Não se está, assim, perante prova obtida mediante inspecção judicial, independentemente do grau de perfeccionismo processual-formal em que se consubstanciou a recolha dos elementos de facto que fundamentaram a convicção do tribunal, designadamente, dos meios de suporte material dessa convicção, atento o estipulado pelo artigo 535º, nº 1, do CPC, que lhe imporia mandar juntar aos autos todos os elementos probatórios destinados a convencer, inabalavelmente, as partes do acerto dessa posição.
Porém, os eventuais vícios em que se traduziu a diligência, a que alude a autora, através da invocação das normas jurídicas violadas, quer ao nível da convocação para o acto, quer do registo da diligência lavrada em auto, consistindo na omissão de formalidades que a lei prescreve, a que aludem os artigos 613º e 615º, do CPC, mas que não comina com a sanção da nulidade, não tendo sido, aliás, arguidas pelas partes, nem sendo sequer susceptível de conhecimento oficioso pelo Tribunal, atento o estipulado pelos artigos 201º, nº 1 e 202º, do mesmo diploma legal, consistem em meras nulidades secundárias, irrelevantes para a marcha processual.
Ora, tendo sido dada publicidade ao despacho que respondeu à matéria factual da base instrutória, em 13 de Março de 2008, que incluía a respectiva fundamentação, com referência expressa a que a resposta ao artigo 21º resultou da análise de todos os processos, a que a autora alude nos artigos 68º e 71º da petição inicial, que se encontram neste Tribunal, em conjugação com as informações prestadas quanto ao demais, a autora deveria ter arguido a respectiva nulidade, no prazo de dez dias, a que se reporta o artigo 153º, nº 1, do CPC, e do seu hipotético desatendimento, interposto o correspondente recurso de agravo, o que não aconteceu, porquanto, tão-só, com as alegações relativas ao recurso de apelação, apresentadas várias meses após a eventual nulidade verificada, veio arguir a sua ocorrência.
E, não tendo invocado as aludidas nulidades, nem, subsequentemente, interposto recurso de agravo, não podia, através da apelação, fazer renascer as questões ocorridas, em sede de tramitação processual, que, apenas, contendem com a tramitação do procedimento da acção.
Não colhem, por isso, nesta sede, as nulidades invocadas pela autora.

II. DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA

Sustenta, igualmente, a autora que o acórdão recorrido omitiu, em absoluto, qualquer apreciação sobre a matéria das conclusões 17 a 21, e negou-se a apreciar a matéria inserida na conclusão 16, configurando tal uma omissão de pronúncia, com a consequente nulidade da decisão, nos termos das disposições combinadas dos artigos 721º, n° 2, 716º e 661º, n° 1, d), do CPC.
Relativamente à conclusão nº 16 das alegações da apelação, diz a autora que “sem prescindir, procedendo a requerida alteração da resposta dada ao ponto 2 da Base Instrutória de Não Provado para Provado, e atento o facto de os pontos n°s 5o, 6°, 7o, 8o, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17° e 18° da Base Instrutória terem sido dados como provados, a Ré terá que pagar à A. a quantia de €121.315,55 respeitante aos honorários devidos pelos serviços que ela prestou relativamente aos 76 processos que vieram do escritório do Dr. BB, devendo ser condenada a proceder a tal pagamento”.
Ora, a este propósito, o Tribunal «a quo» disse que «como a recorrente fazia depender a diferente solução de direito, que propugnava nas conclusões de recurso, da alteração da matéria de facto, maxime, da modificação da resposta dada ao artigo segundo da base instrutória, ao manter-se esta resposta em conformidade com o que foi decidido no tribunal recorrido, cai pela base a única fundamentação em que a recorrente se sustentava para obter uma diferente decisão, razões pelas quais não tenha este tribunal que pronunciar-se sobre qualquer razão de direito que não foi suscitada, mantendo-se na sua integridade a decisão recorrida».
Assim sendo, é inadmissível, neste particular, defender-se que o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre a questão colocada, pois que não é sinónimo, sendo antes realidades bem distintas, a alegação de que, na hipótese de alteração da resposta à matéria do aludido ponto nº 2, conjuntamente com os demais factos demonstrados, a ré “…terá de pagar ou que, independentemente de tal demonstração, a ré deverá pagar…”, e só assim, a Relação estaria incursa na causa de nulidade da decisão, em que consiste a omissão de pronúncia, a que se reportam os artigos 668º, nº 1, d) 1ª parte, e 716º, nº 1, do CPC.
Relativamente às conclusões nºs 17 a 21 das alegações da apelação, diz a autora, na sequência da anterior conclusão nº 16, que “E o mesmo se diga quanto à quantia pedida e correspondente aos processos que a A. instaurou no período de tempo em que vigorou o contrato de avença” [17ª], “De facto a A. tem direito a uma percentagem de 5% sobre o valor das vantagens patrimoniais que a Ré aufira na sequência do trabalho da A. desenvolvido antes da denuncia daquele contrato” [18ª], “A Ré. Ao pretender que tudo o que tinha a pagar à A., já o fez quando cessou o contrato querendo escamotear o valor das vantagens patrimoniais que auferiu ou venha a auferir depois da referida denuncia na sequência do trabalho desenvolvido pela A., para aplicar a percentagem remuneratória dos 5% a que ela tem direito, constitui-se como contraente que não usa de boa-fé, quer nas negociações quer na aplicação do contrato a que se tem aludido” [19ª], “atento o disposto no n° 1 do art°. 227° do Cód. Civil; por isso, a A. tem o direito a receber da Ré o equivalente a 5% do valor patrimonial já auferido ou a auferir pela Ré depois do contrato de avença ter cessado em consequência do trabalho desenvolvido pela A., nisso sendo condenada” [20ª] e “sem embargo, não existindo nos autos elementos que permitam determinar o valor de tais vantagens, a Ré deverá ser condenada a pagar a este título a quantia que vier a ser liquidada como vantagem patrimonial da Ré. à qual será aplicada a taxa de 5%, de acordo com o disposto no n° do art°. 661, do Cód. Proc. Civil, disposição violada pela sentença de que se recorre” [21ª].
Revertendo à essência da questão, importa registar que, perguntando-se no ponto nº 2 da base instrutória “…comprometendo-se [a ré] a pagar à autora os respectivos honorários em função da dificuldade do assunto, praxe do foro e estilo da Comarca em que a autora estava inscrita?”, a respectiva resposta foi negativa, mesmo após a sindicância que sobre a mesma a Relação exerceu.
Ora, se a resposta negativa analisada determinava, inexoravelmente, a improcedência do segmento do pedido que contendia com a alegada autonomização, em relação ao contrato inicial celebrado pelas partes, dos processos substabelecidos na autora pelo anterior advogado de que a ré prescindira, outrotanto não acontece, como consequência necessária e imediata, quanto ao pedido alusivo à avença da autora.
Efectivamente, não sendo embora de apurado recorte literário, na sequência do teor da conclusão 16º, o início da conclusão 17ª, com a expressão, “e o mesmo se diga…”, como querendo, aparentemente, significar que, a improceder a alteração ao sobredito ponto nº 2, a ré já não teria que pagar “a quantia pedida e correspondente aos processos que a autora instaurou no período de tempo em que vigorou o contrato de avença”, da análise conjugada do articulado inicial e respectivo pedido, conjuntamente com a factualidade que ficou consagrada, impõe-se retirar que a autora reclama o pagamento de honorários, no valor de €121315,55, alusivo aos processos substabelecidos pelo Dr. BB, em número de 76, e no valor de €116084,66, relativo aos processos instaurados pela autora e incluídos no contrato de prestação de serviço.
E, quanto a esta parte do pedido de honorários, ou seja, os honorários relativos ao contrato inicial de prestação de serviço, no montante de €116084,66, ocorreu omissão de pronúncia, porquanto a Relação deixou de conhecer uma questão que deveria ter apreciado.
Ocorre, portanto, a nulidade da decisão a que se reportam os artigos 668º, nº 1, d), 1ª parte, e 716º, nº 1, do CPC
Contudo, não obstante o Exº Relator da apelação se ter limitado a determinar a subida dos autos, por não ser de suprir qualquer nulidade, nos termos e para os efeitos do preceituado pelos artigos 670º, nº 1 e 716º, nº 1, do CPC, será a mesma objecto de apreciação no ponto seguinte.

III. DA REMUNERAÇÃO ACORDADA

Efectuando uma síntese do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter que, em 11 de Maio de 2001, a autora e a ré celebraram um contrato em que se estipulou que aquela se obrigava a prestar à última serviços de apoio e consulta jurídica e de contencioso de que esta viesse a carecer, no exercício da sua actividade, mediante a remuneração mensal de 120.000$00, liquida de IRS, acrescida de IVA, catorze meses por ano, independentemente do grau de utilização dos serviços da segunda outorgante, sendo certo, outrossim, que, em todos os processos ou intervenções desta, em assuntos com valor económico determinado, superior a 500.000$00, em que a ré obtivesse uma vantagem patrimonial, directa ou indirecta, a autora teria direito a receber, além da quantia acima referida, a percentagem de 5%, líquido de IRS, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida.
Porém, por força do impedimento do Dr BB, também advogado da ré, no Verão de 2002, foram devolvidos à ré, a pedido desta, os processos que aquele tinha no seu escritório e que ainda não havia accionado, num total de 35, sendo certo que, a partir de Março de 2003, a autora passou a ter, sob a sua responsabilidade, todo o crédito mal parado da ré, no valor de cerca de um milhão de contos/cinco milhões de euros, assegurando, também, todos os processos judiciais, então, a cargo do Dr.BB, em número de 76, de cujos serviços a ré havia, entretanto, prescindido.
Na ocasião, elaborou e entregou à ré, a solicitação desta, um relatório referente aos processos recebidos do Dr. BB, cuja execução não estava abrangida pelo pagamento ajustado entre ambas.
Assim sendo, no início do ano de 2003, autora e ré acordaram em rever o aludido contrato, passando, então, a autora a receber a quantia de €1.500,00 mensais, a que acresceria uma percentagem, líquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos.
Em 26 de Fevereiro de 2004, a ré comunicou à autora que havia rescindido, unilateralmente, o contrato.
Por seu turno, no caso de extinção do contrato, por vontade unilateral de qualquer das partes, a outra goza do direito de receber uma indemnização, a menos que tenha ocorrido a situação de justa causa de resolução ou a denúncia tenha sido efectuada com, pelo menos, 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial de um ano ou de qualquer das suas renovações.
Acresce que as partes convencionaram que a autora não podia exigir qualquer outra quantia a título de remuneração.
No âmbito das relações estabelecidas entre a autora e a ré, aquela executou os serviços discriminados nos artigos 64º, 68º e 71º da petição inicial, e, quanto aos processos “herdados” do Dr. BB, o contencioso ficou, definitivamente, organizado e impulsionado, sendo certo que, não obstante alguns deles terem sido recebidos com a indicação de “inexistência de bens”, foi assegurado o pagamento do crédito da ré, através de penhora.
Porém, até à data da cessação do contrato, a ré não obteve cobrança dos seus créditos, em qualquer um dos processos em que a autora teve intervenção e que se encontram individualizados nos artigos 68º e 71º da petição inicial.
Entende a autora que, tendo-se demonstrado a realização de serviços, por si levados a cabo, em benefício da ré, donde resultou a aquisição potencial de vantagens para esta, que só não foram sedimentadas na sua esfera jurídica, por ter feito cessar o contrato, deve, quer por integração duma lacuna existente no mesmo, quanto a tal hipótese, quer por aplicação analógica do regime do DL nº 178/86, de 3 de Julho, estabelecer-se a remuneração da recorrente, nos termos peticionados, ou seja, subentenda-se agora quanto à parte que ainda interessa considerar, isto é, a verba respeitante aos serviços prestados, originalmente, pela autora, no quantitativo de €116.315,55.
A figura negocial acordada entre as partes traduziu-se num contrato de prestação de serviço, que é aquele, segundo a definição do artigo 1154º, do CC, “em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”.
Para além do mandato, depósito e empreitada, modalidades tipificadas do contrato de prestação de serviço, que a lei regula, especialmente, outras existem, de carácter inominado, como seja a dos serviços prestados no exercício de artes e profissões liberais, que a lei já não contempla, especialmente, mas cujo regime é disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, de acordo com o previsto nos artigos 1155º e 1156º, do CC.
A sentença proferida em 1ª instância, e o acórdão da Relação que, sendo omisso, a esse respeito, como se disse, a confirmou, inteiramente, entenderam que não é devida a aludida remuneração de €116.315,55, por não se encontrar convencionada para as situações em que o contrato viesse a ser denunciado e porque os serviços, efectivamente, prestados foram remunerados nos termos acordados entre as partes.
Retornando à factualidade que ficou consagrada, ficou provado que as partes previram, para a hipótese de extinção do contrato, por vontade unilateral de qualquer uma delas, com excepção da situação de resolução com justa causa ou da denúncia efectuada com, pelo menos, 60 dias de antecedência sobre o fim do prazo inicial de um ano ou de qualquer uma das suas renovações, que a outra parte goza do direito de receber uma indemnização.
Assim sendo, as partes apenas clausularam o direito à indemnização decorrente da extinção do contrato, em relação à parte lesada com a sua resolução, sem justa causa, ou através da denúncia efectuada com uma antecedência inferior a 60 dias sobre o fim do prazo inicial de um ano ou de qualquer uma das suas renovações, afastando, expressamente, o direito da autora poder exigir qualquer outra quantia, a título de remuneração.
Tendo a ré exercido o direito de denúncia do contrato, em conformidade com as cláusulas acordadas, nem o contrário se demonstrou, e tal dependia da invocação da autora, que o não fez, de acordo com o disposto pelo artigo 342º, nº 2, do CC, face á natureza do facto impeditivo em causa, esta não goza do direito de reclamar o pagamento de qualquer indemnização pela extinção da relação contratual.
E o pagamento dos honorários, a título de remuneração pelo trabalho dispendido, como vem solicitado pela autora, é uma realidade distinta da obrigação de indemnização.
Porém, a título de remuneração mensal, foi acordado entre as partes, no início do ano de 2003, por ocasião da renegociação do contrato já existente, que a autora passaria a receber a quantia de €1.500,00 mensais, a que acresceria uma percentagem líquida de 5%, a aplicar sobre a vantagem patrimonial obtida, sendo que, nos processos cobrados após citação pelo tribunal, seria sempre pago, no mínimo, o montante de €500.00 líquidos.
Entretanto, na altura da cessação do contrato, a ré ainda não tinha obtido a cobrança dos seus créditos, em qualquer um dos processos em que a autora teve intervenção.
Assim sendo, há que conjugar a factualidade que ficou provada, segundo a qual, para além da remuneração fixa de €1.500,00 mensais, a que a autora tinha direito, independentemente dos resultados do seu exercício profissional, esta auferiria ainda um montante indeterminado, correspondente à percentagem líquida de 5%, calculada em função da vantagem patrimonial obtida, com o montante mínimo de €500.00 líquidos, nos processos cobrados após citação pelo tribunal.
Quer isto dizer, que esta remuneração aleatória incidente sobre qualquer processo individual movimentado pela autora, que variava entre o montante mínimo de €500.00 líquidos e a percentagem líquida de 5%, calculada em função da vantagem patrimonial obtida, tinha como pressupostos insubstituíveis a obtenção de uma vantagem patrimonial e ainda que a respectiva cobrança acontecesse após citação judicial.
Ora, a autora não demonstrou que, sem embargo de a ré ainda não ter obtido cobrança dos seus créditos, na ocasião da cessação do contrato, em qualquer um dos processos em que aquela teve intervenção e que se encontram discriminados nos artigos 68º e 71º da petição inicial, os mesmos viriam a conhecer ganho de causa, com a obtenção da cobrança, após citação judicial, em termos de uma vantagem patrimonial obtida ou pela ré.
E esta prova, que a autora não fez, mostrava-se indispensável para sustentar, aliás, com todo o propósito e cabimento, que a actividade processual por si desenvolvida, antes do trânsito em julgado das decisões proferidas em cada um dos processos em que interveio, deveria revestir uma ponderação positiva, independentemente do grau de empenhamento do sucessor da autora que a ré viesse a constituir, mas desde que, como resulta de toda a precedente argumentação, a ré viesse a lograr a efectivação de cobrança, após citação judicial, em termos de vantagem patrimonial por si obtida.
E não se diga, como sustenta a autora, com o muito devido respeito, que a cláusula que consagrava a cessação contratual, existindo processos em curso, conduziria, em potência, a uma vantagem patrimonial da ré.
É que, como bem resulta da análise crítica da materialidade de facto que ficou consagrada, a autora, com vista a beneficiar da remuneração extraordinária que o contrato estabelecia, encontrava-se constituída, perante a ré, numa obrigação de resultado, não sendo suficiente um empenho porfiado ou a criação de garantias creditórias, desde que não viessem a corresponder a uma cobrança efectiva, em termos de vantagem patrimonial obtida pela ré, após citação judicial.
A lacuna de previsão decorrente da não consagração da justa remuneração da autora pela aquisição futura de vantagens pelo resultado do trabalho processual iniciado antes da cessação do contrato, não pode partir do pressuposto da potencialidade desses resultados, mas antes requer a verificação efectiva de uma cobrança que se traduza numa vantagem patrimonial obtida pela ré, após citação judicial.
Não se demonstrando a realização de qualquer cobrança que se traduza numa vantagem patrimonial obtida pela ré, após citação judicial, inexiste uma correspondente lacuna de previsão susceptível de ser integrada segundo a norma aplicável aos casos análogos, como o primeiro dos processos prescritos pelo artigo 10º, nº 1, do CC.
Então, a analogia seria, à partida, um processo válido, independentemente de consagração legislativa, podendo legitimar-se pela vontade das partes expressa no clausulado contratual.
Ora, inexistindo uma situação concreta carecida de regulamentação, não ocorre uma lacuna contratual de previsão, a preencher nos termos gerais da integração das lacunas contratuais
E se a remuneração fixa corresponde à disponibilidade e ao trabalho da autora, independentemente das vantagens alcançadas pela ré, já a remuneração acidental, na economia do contrato, pressupõe e exige a obtenção de vantagens patrimoniais resultantes de um acto de cobrança subsequente a citação judicial, não se bastando com a mera potencialidade da sua consecução.
E, note-se, como bem resulta de todo o exposto, a discordância com a tese da autora não se situa na questão de princípio que defende, ou seja, que a extinção do contrato signifique, necessariamente, o afastamento da retribuição acidental da parte inocente, mas antes que não é a mera virtualidade da obtenção de uma vantagem patrimonial, mas o seu efectivo recebimento, que justifica a constatação de uma lacuna de previsão, a integrar pelas vias e critérios legais em vigor.
Mas tudo isto, repita-se, dependia da prova da consumação de uma vantagem patrimonial, com a efectiva cobrança subsequente à citação judicial, a efectuar pela autora, relativamente aos processo em que interveio e que se vieram a concluir após a data da cessação do contrato.
A liberdade negocial, ao abrigo da qual a autora e a ré celebraram o contrato de prestação de serviço em análise, vem definida no artigo 405º, nºs1 e 2 do CC, como sendo a faculdade que as partes têm, dentro dos limites da lei, de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver, e bem assim como reunir no mesmo contrato regras de dois ou mais negócios, total ou parcialmente, regulados na lei.
A autonomia da vontade ou a autonomia privada tem a sua dimensão mais visível no principio da liberdade contratual, que constitui um dos grandes princípios que definem as coordenadas básicas dos negócios jurídicos, que representam a principal fonte e o seu campo de actuação mais importante e, por via deles, dos contratos e das relações de crédito em geral.
A liberdade de contratar envolve, nos seus próprios termos, duas ideias contraditórias, isto é, exprime a faculdade de os indivíduos formularem, livremente, as suas propostas contratuais e decidirem, livremente, sobre a adesão às propostas que os outros lhes apresentem, correspondendo ao interesse da livre ordenação dos interesses recíprocos das partes, mas, por outro lado, concluído o contrato, como acto dotado de força obrigatória, nega a qualquer das partes a possibilidade de se afastarem, unilateralmente, dele, correspondendo à necessidade de protecção da confiança de cada uma delas na sua validade.
Improcedem, pois, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações da autora.

CONCLUSÕES:

I - Não consubstancia prova obtida mediante inspecção judicial a consulta a que o Tribunal de 1ª instância procedeu, em relação aos processos judiciais em que a autora, advogada em acção de honorários, interveio e que aí correm termos, por não se traduzir num meio de prova directa, já que se interpôs uma coisa entre o Juiz e o facto a averiguar, que consistiu nos documentos analisados, o que é, por essência, incompatível com a pretensa natureza da aludida prova por inspecção judicial.
II - A lacuna contratual de previsão, a preencher nos termos gerais da integração das lacunas contratuais, pressupõe uma situação concreta carecida de regulamentação, o que não acontece quando a remuneração do advogado pela aquisição futura de vantagens do resultado do seu trabalho processual, iniciado antes da cessação do contrato, depende, nos termos acordados, da efectiva cobrança dos créditos, traduzida numa vantagem patrimonial obtida pelo comitente, não se bastando com a mera potencialidade desses resultados.

DECISÃO:

Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, com o suprimento verificado, o acórdão recorrido.

Custas pela autora.

Lisboa,

Notifique.

Lisboa, 07 de Julho de 2009

Helder Roque (relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves.

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(1) Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV, 1981, 306 a 308.
(2) Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil 1976, 13.
(3) A noção ampla de documento, de acordo com o disposto pelo artigo 362º, do Código Civil, consiste em “qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”.