Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
003755
Nº Convencional: JSTJ00028371
Relator: CARVALHO PINHEIRO
Descritores: TRANSPORTE RODOVIÁRIO
TRABALHADOR
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ199510180037554
Data do Acordão: 10/18/1995
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: ASSENTO 2/96 DR IS-A DE 22-03-1996, PÁG. 572 A 578
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7061/93
Data: 03/29/1993
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: A DOUTRINA DO N3 DO SUMÁRIO TEM FORÇA DE ASSENTO NOS TERMOS DO ART180 DO CPT81.
Área Temática: DIR PROC CIV.
DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB / REG COL TRAB.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 672 ARTIGO 684 N3 ARTIGO 690 ARTIGO 712 N2 ARTIGO 722 N2 ARTIGO 729 N1 N3
ARTIGO 730 N1 ARTIGO 755 N2.
LCT69 ARTIGO 12 ARTIGO 13.
CPT81 ARTIGO 85 N1 N3 ARTIGO 180.
CCIV66 ARTIGO 9 N1 N3 ARTIGO 236.
DL 519-C1/79 DE 1979/12/29 ARTIGO 5 A B ARTIGO 10 ARTIGO 40.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1983/01/04 IN BMJ N323 PAG315.
ACÓRDÃO STJ DE 1986/06/06 IN BMJ N358 PAG435.
ACÓRDÃO STJ DE 1987/10/30 IN BMJ N370 PAG472.
Sumário :
O trabalhador que, na prossecução dos interesses
da entidade patronal e cumprindo ordens desta, mesmo
nos casos em que é mandado regressar ao seu local
de trabalho habitual antes de completar doze horas de
permanência em serviço, se encontrar ainda fora dos
limites referidos no n.o 1 da cláusula 54.a do acordo
de empresa, celebrado entre a Rodoviária Nacional e
a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários
e Urbanos e outros, de 8 de Dezembro de 1983, ao
ultrapassar doze horas de serviço, tem direito a segunda
refeição e, se a não tomar no período referido na
segunda parte do n.o 4 dessa cláusula, mantém o direito
ao ‘reembolso’ previsto no seu n.o 6.»
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - A "Federação dos Sindicatos de Trabalhadores Transportes e Urbanos - CGTP/IN", com sede na Travessa do Almada, n. 12 - 2. esq., Lisboa, propôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção com processo especial nos termos do artigo 177 e seguintes do C.P.T., contra "Rodoviária Nacional, EP", com sede na Av. Columbano Bordalo Pinheiro, n. 86, Lisboa, e as demais entidades autorgantes do "A.C." respeitante aos trabalhadores ao serviço da dita Ré, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, I série, n. 45, de 8 de Dezembro de 1983, pedindo seja a cláusula 54 dessa Convenção Colectiva de Trabalho interpretada no sentido de que o direito do trabalhador à segunda refeição ou ao reembolso, previsto no seu n. 6, existe mesmo nos casos em que o trabalhador é mandado regressar à base - local de trabalho habitual - antes de completadas as 12 horas de serviço após o início, desde que ao ultrapassar as 12 horas de trabalho se encontre nos limites definidos pelas alíneas a) e b) (deslocado) e tenha ultrapassado o prazo para a segunda refeição, definido no segundo parágrafo do n. 4 da dita cláusula.


Apenas a Ré "Rodoviária Nacional" contestou, o que fez por excepção e impugnação.
Elaborou-se o saneador, onde se julgaram improcedentes as excepções deduzidas; e considerando o Mmo. Juiz que o estado dos autos permitia já a apreciação do mérito da causa uma vez que a controvérsia era sobretudo jurídica, passou a conhecer directamente do pedido e acabando por julgar procedente a acção, fixou à aludida cláusula a seguinte interpretação : "Tem direito a receber a quantia de..., a partir de 1 de Julho de 1983, o trabalhador que permanecendo ao serviço da empresa mais de 12 horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição, se encontre na situação de deslocado, prevista no n. 1 da dita cláusula, no período compreendido entre o final da 11. hora e o final da 12. hora, desde o início do serviço, incluindo o período da primeira refeição, sendo tal quantia devida independentemente de ter ou não o trabalhador tomado a segunda refeição no período mencionado no n. 4 ".
Deste saneador-sentença apelou a Ré "Rodoviária Nacional", mas o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu acórdão de folhas 261, confirmou a decisão impugnada.


De novo inconformada, pediu a dita Ré revista a este Supremo Tribunal que, pelo seu Acórdão de folhas 312 e seguintes, anulou o referido acórdão da Relação e ordenou a baixa do processo à 2. instância para ser fixada a matéria de facto provada de modo a constituir base suficiente para a decisão de direito.


Nesta conformidade, proferiu a Relação de Lisboa o seu acórdão de folhas 339 e seguintes, em que de novo confirmou a sentença recorrida.
Outra vez a Ré "Rodoviária Nacional" recorreu de revista para este Supremo Tribunal, e, alegando o recurso nele sustentou as seguintes conclusões:-
"A) Cabe na competência do Supremo Tribunal de Justiça apreciar o mau uso feito pelo Tribunal da Relação do poder-dever consignado no n. 2 do artigo 712 do C.P.C..

Ora,

B) Há factos controvertidos, oportunamente articulados pela ora Recorrente, relevantes para a decisão da causa segundo uma das soluções plausíveis da questão de direito, que o Tribunal da Relação não fixou, nem ordenou a baixa dos autos à 1. instância para esse efeito, tendo desse modo, feito mau uso, e violado, o disposto no n. 2 do citado artigo 712.
C) Face à necessidade de ampliar a decisão de facto, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, deve, ao abrigo do disposto nos artigos 729 n. 3 e 730 n. 1 do C.P.C., ser mandada julgar novamente a causa na Relação, para que esta revogue o saneador sentença e ordene o prosseguimento dos autos com elaboração de especificação e questionário e subsequente tramitação.


Se se entender que os autos contêm os factos bastantes para proferir decisão de mérito, deverá, então,


D) Ser julgado improcedente o recurso, por extinção, ab initio, do seu objecto, porquanto,
E) A autora veio a juizo, em 1987, pedir que fosse fixado o sentido e o alcance a atribuir à cláusula 54. do AE publicado no BTE, 1. série, n. 45, de 8 de Dezembro de 1983, cuja cópia instruiu a petição.
Todavia,
F) A cláusula em apreço sofreu alterações quer na revisão de 1985, quer na de 1986, o mesmo sucedendo em relação à cláusula 53, n. 4, intimamente conexionada com com aquela, pelo que;


G) À data da instauração da presente acção de interpretação de cláusula de convenção colectiva (artigo 177 do C.P.T.), a cláusula interpretanda já não existia como direito vigente, na forma e com o conteúdo que a Autora lhe atribuiu na peça introdutória da lide em juízo;


H) Se, contra a evidência, se persistir no entendimento de que a cláusula interpretanda está em vigor, e de que os autos encerram os elementos adequados à emissão do Acórdão, com o valor de assento, previsto no artigo 180 do C.P.T., deverá, então, a decisão recorrida ser revogada, e pelas razões invocadas no decurso das presentes alegações.
I) Deverá ser fixada a seguinte interpretação para os ns. 6 e 7 da cláusula 54.
"6. Terá direito ao reembolso de 690 escudos o trabalhador que haja tomado a refeição fora dos limites estabelecidos no n. 1.
7. O trabalhador terá direito a 620 escudos por cada refeição que haja tomado dentro dos limites referidos no n. 1, quando:
"a) não tenha tomado a refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos do n. 2 e último parágrafo do n. 4;


"b) não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n. 5".
A Autora contra-alegou, sustentando o Acórdão recorrido.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal (Secção Social) emitiu douto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II - Nas conclusões do presente recurso, que, como é sabido, delimitam o respectivo objecto (cfr. artigos 684 n. 3 e 690 do C.P.C.), levantam-se fundamentalmente, três questões, a saber:

-
- A questão da censura que, segundo a Recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça deve exercer sobre a decisão da Relação relativa à suficiência ou insuficiência da matéria de facto com vista ao julgamento de mérito no saneador (concl. A), B) e C)).


- A questão da extinção, ab initio, do objecto do recurso (melhor seria dizer, do objecto da causa, da pretensão da Autora) por via das sucessivas alterações que a cláusula 54, em apreço, sofreu, quer na revisão de 1985, quer na de 1986 (concl. D), E), F) e G)).


- Questão da interpretação e fixação do sentido da dita cláusula 54.

(Concl. H) e I)).

Apreciemos estas questões pela ordem indicada.


Mas primeiro vejamos a matéria de facto fixada no acórdão recorrido.
III - Tal matéria de facto é a seguinte:-


1. A "Rodoviária Nacional" sempre que, antes de decorridas 12 horas de serviço, ordena que o trabalhador regresse à base, não lhe concede o direito à 2. refeição ou ao reembolso, apesar de a jornada de trabalho durar mais de 12 horas e de ter decorrido o limite horário para a 2. refeição, para além de estar o trabalhador "deslocado" a quando da ordem de regresso à base.


2. Se o tabalhador (deslocado) regressar à base por percurso dotado de meios para a 2. refeição, a "Rodoviária Nacional" reembolsa-o se ele, nos limites temporais definidos no n. 4 da cláusula, parasse durante uma hora para tomar a refeição.


3. O entendimento que vem sendo seguido pela Rodoviária Nacional está expresso no "Manual de procedimentos referentes às condições de trabalho", junto a folhas 74 e seguintes dos autos.


4. Não é, em geral, exequível a tomada da 2. refeição por coincidir com um período de ponta dos transportes e em que se não poderia parar a frota sem grande prejuízo para o serviço público prestado e para os restantes destinatários do mesmo.


IV - 1. No seu acórdão de folhas 312 e seguintes (dactilografado a folhas 332 e seguintes) este Supremo Tribunal anulou o acórdão de folhas 261 e seguintes da Relação de Lisboa, não nos termos dos artigos 729 n. 3 e 730 n. 1 do C.P.C. (cfr. artigo 85 n. 3 do C.P.T.) com vista à ampliação da matéria de facto para constituir base suficiente para a decisão de direito - mas pela simples razão de no acórdão da Relação, então recorrido, não se terem fixado quaisquer factos, impossibilitando o Supremo de observar o disposto no n. 1 do aludido artigo 729.


A Relação de Lisboa remediou o que considerou um lapso, fixando no acórdão agora recorrido os factos tidos por provados.
Não obstante, diz a Recorrente (concl. B) que há factos controvertidos, oportunamente articulados por si, relevantes para a decisão da causa sendo uma das soluções plausíveis da questão de direito, que o Tribunal da Relação não fixou, nem ordenou a baixa dos autos à 1. instância para esse efeito - queixando-se, assim, do mau uso e da violação que esse Tribunal teria feito do n. 2 do artigo 712 do C.P.C..


Mas, diferentemente de um "uso" (bom ou mau, não interessa agora), do que a Recorrente verdadeiramente se queixa é de um "não uso" pela Relação dos poderes que a Lei processual lhe faculta no n. 2 do dito artigo 712.


Ora, se é certo poder este Supremo Tribunal exercer censura (uma discreta censura, segundo Alberto dos Reis) sobre o "uso" feito pela Relação dos poderes previstos naquele artigo - certo é também que, segundo a jurisprudência dominante do Supremo (cfr. Acs. S.T.J. de 4 de Janeiro de 1983 in Bol. 323 ps. 315; de 6 de Junho de 1986 in Bol. 358 ps. 435; e de 30 de Outubro de 1987 in Bol. 370 ps. 472) não pode este Alto Tribunal, em recurso de revista (cfr. artigo 85 n. 1 do C.P.T.) censurar o eventual "não uso" de tais poderes - pois isso envolveria uma prévia apreciação da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias. E seria ainda assim se se tratasse de recurso de agravo. Na verdade, tal como sucede no recurso de revista, também no agravo mercê do disposto no artigo 755 do C.P.C., não pode o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa ser objecto desse recurso, salvo o disposto na 2. parte do n. 2 do artigo 722 do C.P.C..

Mas esta questão - que se reduz, no fundo, à pretendida insuficiência da matéria de facto para o conhecimento do mérito da causa no saneador - foi já decidida no Acórdão deste Supremo Tribunal de folhas 312 e seguintes no sentido de não se poder exercer censura sobre o uso (aqui, "não uso") que a Relação faz dos respectivos poderes para a resolver (cfr. folhas 315).
Sobre ela recaiu, pois, já o manto de caso julgado formal (cfr. artigo 672 do C.P.C.).
Improcedem, assim, as concl. A) e B) do recurso. E quanto à concl. 3., apenas no decorrer da apreciação da terceira e última questão, relativa já à interpretação da cláusula 54 em causa (apreciação aliás condicionada, como é bem de ver, pela resolução da segunda questão acima posta - cfr. supra II, se aferirá da necessidade de ampliação da decisão de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 729 n. 3 e 730 do C.P.C.
2. A segunda questão que no recurso se levanta, tem a ver, como acima se referiu (cfr. supra II) com a pretensa extinção, ab initio, do objecto do recurso por via das sucessivas alterações já sofridas pela referida cláusula 54.
A Recorrente sustenta que, à data da instauração da presente acção, a cláusula interpretanda já não estava em vigor na forma e com o conteúdo que a Autora, ora recorrida lhe atribuiu - dadas as revisões de que foi objecto em 1985 e 1986.
As alterações resultantes de tais revisões foram sucessivamente publicadas na 1. série do BTE, ns. 12, de 29 de Março de 1985, e 13 de 29 de Março de 1986 (folhas 65 e 70, respectivamente).
"Encarado o problema numa perspectiva normativa - diz a Recorrente nas suas alegações, a folhas 363 v. - estar-se-á perante uma derrogação de sistema: os autores do primeiro acto regularam ex novo a mesma matéria, o que implica necessariamente o fim da normação anterior".
Simplesmente, ainda que se aceitasse a derrogação pura e simples da referida cláusula e que, portanto, em 2 de Abril de 1987, ou seja, à data da prepositura da presente acção (cfr. folhas, 2), já ela não estaria em vigor, ainda assim permanece actual o interesse que a fixação judicial da sua interpretação viria acautelar, pois trata-se duma daquelas normas que, mesmo revogadas, são susceptíveis de cobrir os efeitos jurídicos de factos ocorridos durante a sua vigência.
E por outro lado, ao cotejarmos as alterações de 1985 e 1986 com o conteúdo inicial da cláusula em questão, verifica-se que, salvo esse um ou outro insignificante pormenor de redacção (como o desaparecimento da expressão "a partir de 1 de Julho de 1983" - os ns. 6 e 7 do texto primitivo da cláusula - no texto resultante das revisões) as alterações em causa incidiram sobre valores, sobre montantes de reembolsos, de penalizações, de subsídios, deixando incólume, na sua essência, o conteúdo normativo inicial da dita cláusula.
Como se diz no douto parecer da Ilustre Representante do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal (Secção Social), a revogação da cláusula deu-se por mera substituição, salvo no que se refere a valores, o que significa conter-se o seu sentido nas normas que, transcrevendo-as, na prática as substituíram.
Significa isto que a cláusula 54 em causa permanece no seu conteúdo normativo essencial.
A apreciação do recurso continua, pois, com interesse.
Improcedem, assim, as conclusões D), E), F) e G).
3.1. Somos chegados ao problema fulcral da interpretação da claúsula 54 em questão, que se transcreve no seu conteúdo relevante:-
"1 - Considera-se na situação de deslocado, para efeitos da presente claúsula todo o trabalhador que: a) se encontrar a uma distância superior a 5 km do seu local de trabalho, no caso dos centros interurbanos de passageiros: b) Se encontrar a uma distância superior a 10 km do seu local de trabalho, no caso dos restantes centros e serviços da empresa.
"2 - O trabalhador tem direito a tomar uma refeição ao fim de um mínimo de 4 horas e um máximo de 5 horas após o início de serviço.
"3 - Se o trabalhador não tiver o intervalo para refeição mencionado no número anterior, para além de ter direito ao estipulado nos ns. 5 e 6 desta cláusula, terá obrigatóriamente que parar para tomar a refeição ao fim do serviço que ocasionou ultrapassar os limites estipulados no número anterior.
"4 - O trabalhador terá direito a tomar segunda refeição se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de 12 horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição.
A segunda refeição com a duração de 1 hora terá início entre o fim da penúltima hora do período normal de trabalho, desde que esta não se verifique antes da quarta hora após o termo do intervalo da primeira refeição e o fim da décima segunda hora após o início do serviço, incluindo o período da primeira refeição.
"5 - O intervalo para refeições deverá ser determinado para local provido de meios que possibilitem ao trabalhador a tomada da refeição.
"6 - Terá direito ao reembolso por cada refeição a partir de 1 de Julho de 1983 o trabalhador que se encontre durante o período fixado para a refeição fora dos limites estabelecidos no n. 1 desta cláusula, no valor de 280 escudos.
"7 - Terá direito a 210 escudos por cada refeição a partir de 1 de Julho de 1983 o trabalhador que, encontrando-se dentro dos limites referidos no n. 1: a) Não tenha período para a refeição dentro dos limites de tempo estabelecido no n. 2 e último parágrafo do n. 4; b) Não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n. 5".
Face a estes termos da cláusula 54 a Autora ora recorrida dá-lhes, na acção, o seguinte sentido: -
"O direito do trabalhador à segunda refeição ou ao reembolso previsto no n. 6, existe, mesmo nos casos em que o trabalhador é mandado regressar à base - local de trabalho habitual - antes de completadas as
12 horas de serviço, após o início, desde que ao ultrapassar as 12 horas de trabalho se encontre nos limites definidos pela alíneas a) e b) (deslocado), e tenha sido ultrapassado o prazo para a 2. refeição definido no segundo parágrafo do n. 4".
Por uma vez, a Recorrente defende a seguinte interpretação para os ns. 6 e 7 da dita cláusula (com os valores actualizados):
"6. Terá direito ao reembolso de 690 escudos o trabalhador que haja tomado a refeição fora dos limites estabelecidos no n. 1.
"7. O trabalhador terá direito a 620 escudos por cada refeição que haja tomado dentro dos limites referidos no n. 1 quando: a) não tenha tomado a refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos no n. 2 e último parágrafo do n. 4; b) não tenha tido intervalo com respeito pelo disposto no n. 5."
A diferença entre as duas propostas de interpretação é flagrante se tivermos presente o disposto na 1. parte do n. 4, pelo qual o direito do trabalho a tomar segunda refeição nasce se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de 12 horas após o respectivo início.
Assim, se por determinação da Empresa, o trabalhador deslocado (isto é, se encontrar para além dos limites referidos no n. 1 da dita cláusula) permanecer nessa situação por mais de 12 horas, terá direito a segunda refeição e ao seu reembolso (no montante, actualizado, de 690 escudos) quer a tenha tomado ou não. Neste ponto as partes não divergem.
As divergências surgem quando a Empresa manda o trabalhador regressar à base (ou seja, ao local de trabalho) antes de completar as 12 horas de serviço.
Nestes casos - em que a Empresa, ora recorrente, ao contrário do que sucede no caso anterior, nem sequer contempla, no seu manual de instruções (folhas 74 e seguintes), um intervalo para refeição - mesmo que o trabalhador ultrapasse aquele período de 12 horas de serviço e se encontre ainda fora dos limites referidos no n. 1 (portanto, na situação de deslocado), a Empresa, invocando o n. 7, entende não haver lugar para qualquer reembolso de refeição, mas apenas que lhe cabe suportar, a favor do trabalhador, uma "penalização" (de montante inferior ao reembolso) porque fez com que o trabalhador tomasse com atraso a sua refeição, já, em princípio, na área de local de trabalho.
Ao invés, a Federação recorrida sustenta que o trabalhador, desde que se encontre deslocado ao ultrapassar as 12 horas de trabalho, tem sempre direito ao reembolso, mesmo que a Empresa o mande regressar ao local de trabalho antes de decorrido aquele período de 12 horas.
Nisto consiste a controvérsia sobre a interpretação da referida claúsula.
3.2. Há que assentar na metodologia a seguir na interpretação das convenções colectivas de trabalho (em cujo elenco se inscreve o "Acordo de Empresa", de que a cláusula em questão faz parte).
Neste tema há a considerar a diversidade de regras existentes para a interpretação da lei e a interpretação do negócio jurídico. A primeira, seguindo o prescrito no artigo 9 do Código Civil, com todas as projecções doutrinárias que esse preceito envolve; a segunda, pautando-se pelo disposto nos artigos 236 e seguintes do mesmo Código, com as complementações doutrinárias conhecidas. Assim, e em traços largos, a interpretação da lei segue uma linha mais marcadamente objectivista e actualista, devendo atender-se à "occasio legis",
à "ratio legis" e ainda ao sistema; a interpretação do negócio preocupa-se sobretudo com a vontade das partes, sendo, pois, de configuração mais subjectivista, temperada, embora, pela tutela da confiança.
Na sugestiva linguagem de Menezes Cordeiro (cuja lição - in "Manual de Direito do Trabalhador", 1994, p. 305 e seguintes - temos vindo a seguir), suspensa a convenção colectiva algures entre o negócio e a lei, a sua interpretação teria de optar por um dos dois esquemas apresentados.
Muito embora se pense que na esmagadora maioria dos casos (como no presente) os conflitos jurídicos de interpretação de convenções colectivas de trabalho significam, no fundo, a renovação sob diversa forma dum conflito económico, de interesse, incompletamente dirimido pelo acordo celebrado - o que leva uma corrente doutrinal (cfr. Monteiro Fernandes, "Direito do Trabalho", II, 3. edição, p. 218) a não descortinar no conteúdo da convenção colectiva matéria susceptível de abordagem pelas técnicas estritas de interpretação de normas ou de declarações negociais, vendo a interpretação e a integração das suas cláusulas como momentos adicionais na procura do equilíbrio de interesses colectivos - o certo é que um conflito dessa natureza, a dirimir judicialmente surge ancorado numa realidade objectiva que é o texto da convenção, importando para o tribunal a tarefa de resolver o conflito elegendo, entre as possíveis, a interpretação mais correcta duma dada cláusula e impondo-a às partes, com o valor de assento, nos termos do artigo 180 do C.P.T..

Há, pois como se disse acima, que optar por um critério de interpretação.
3.3. O conteúdo das convenções colectivas de trabalho desdobra-se num conteúdo obrigacional e num conteúdo regulativo.
Esta bipartição acha-se consagrada, ao menos formalmente, no artigo 5 alíneas a) e b) da LRCT (Decreto-Lei 519-C1/79 de 29 de Dezembro).
O conteúdo obrigacional traduz o confronto de elementos que adstringem as partes na convenção: sindicatos e entidades empregadoras ou suas associações (cfr. alínea a) do citado artigo 5.).
O conteúdo regulativo tem a ver com a matéria respeitante às situações jurídicas laborais (cfr. alínea b)) do aludido artigo).
Nestas situações uma pessoa encontra-se vinculada a desenvolver, em benefício e sob a direcção de outra, uma actividade mediante remuneração.
Quando seja possível, com recurso a elementos auxiliares, retirados nomeadamente das negociações colectivas que as precedem, determinar o consenso real das partes, reconstruir a sua vontade real ou arquitectar a sua vontade hipotética, é nesse consenso, nestas vontades que se deve centrar o cerne da interpretação e integração das convenções colectivas.
Mas a utilização desses elementos apenas se compreende no domínio do conteúdo obrigacional, numa linha interpretativa que só pode seguir-se relativamente aos aspectos relevantes apenas e exclusivamente para as partes celebrantes das convenções.
Compreende-se assim que às áreas obrigacionais das convenções colectivas haja que aplicar as regras próprias de interpretação dos negócios jurídicos (cfr. artigos 236 e seguintes do Código Civil).
Todavia, em tudo o que toca a terceiros, e portanto nos domínios regulativos das convenções colectivas, a convenção objectiva-se, devendo ser tratada como uma lei - e assim, não se vê como exigir a pessoas, aos trabalhadores, que não tiveram qualquer vontade na altura da sua celebração, e que desconhecem o que possa ter-se passado no decurso da negociação colectiva, comportamentos em consonância com os elementos, factores interpretativos, emanados dessa negociação (cfr. artigo 10 LRCT).
Daí que à interpretação do conteúdo regulativo das convenções colectivas se devam aplicar as normas sobre a interpretação da lei, constantes do artigo 9 do Código Civil.
Afigura-se, deste modo, indubitável dever a cláusula 54 do AE em apreço submeter-se aos critérios de interpretação da lei, já que, para além da Recorrente
- mas ela parte celebrante da convenção - surgem, como destinatários dessa cláusula, pessoas que, individualmente, nela não manifestaram qualquer vontade, ou sejam, os seus próprios trabalhadores directamente afectos às carreiras.
3.4. Postula-se no n. 1 do artigo 9 do Código Civil que a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas antes reconstituir a partir dela, dos "textos", o pensamento legislativo, tendo em conta, sobretudo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias históricas da sua elaboração e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
Resumindo, embora sem grande rigor - escrevem Pires de Lima e Antunes Varela in "Cod. Civ. Anot. I, 4. ed., pas. 58 e 59) - o pensamento geral desta disposição, pode dizer-se que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei. Quando, porém, assim não suceda - ainda segundo aqueles Mestres - o código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo (cfr. n. 3 do citado artigo 9).
Mas tenhamos presente o que nos ensina o saudoso Prof. Manuel de Andrade na sua luminosa "Oração de Sapiência" proferida na abertura solene do ano lectivo de 1953-1954 mas ainda inteiramente actual, sendo possível detectar, sem dificuldade, a profunda influência tida na doutrina do referido artigo 9 - e publicada - tal a sua actualidade - no "Boletim da Faculdade de Direito, vol. XLVIII (1972) - É de particular importância o elemento racional ou teleológico.
Um legislador razoável olha à justiça das normas a sancionar.
Olha a isso também, e principalmente a isso. Até certo ponto, mais vale um legislador pouco feliz na redacção dos textos, do que um legislador mal inspirado na determinação do seu conteúdo normativo. Daí que seja de preferir o sentido legal mais justo, se não for contraindicado muito insistentemente pela letra da lei e pelo elemento histórico" (cfr. cit. vol., pág. 275).
3.5. Ora, no caso presente, estamos perante um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, um "Acordo de Empresa", que é, por definição, resultante das negociações havidas entre uma entidade empregadora, no caso a Empresa recorrente e a Federação de Sindicatos ora recorrida. Exprime esse "AE" a fórmula encontrada para em determinada época se resolver um conflito económico ou de interesses.
Trata-se, portanto, dum instrumento jurídico que é fonte de direito de trabalho (cfr. artigos 12 e 13 da LCT) e a considerar, nos termos já referidos, e para os efeitos tidos agora em vista, como "lei" (cfr. artigos 10 e 40 da LRCT).
Esta "lei" emana, contudo, dum legislador bicéfalo e dominado por interesses contraditórios, opostos. Daí que a reconstituição do "pensamento legislativo" esbarra numa dupla "vontade real" de tal legislador
- não devendo esquecer-se, como se sublinhou já, que o conflito de interpretação ou de aplicação é muitas vezes a renovação, sob forma diversa, duma controvérsia de interesses imperfeitamente dirimida pelo acordo a que se chegou (diga-se, entre parênteses que poderia pensar-se aconselharem, antes, estas circunstâncias uma interpretação da norma em causa segundo os critérios interpretativos próprios das declarações negociais, previstos nos artigos 236 e seguintes do Código Civil; para além da ausência de melhor fundamentação teórica que a seguida, o certo, porém, é que essa via não arrendaria os escolhos à interpretação pretendida, antes pelo contrário - basta pensar que os sujeitos da convenção colectiva surgem, relativamente ás suas cláusulas simultaneamente como declarantes e declaratários, o que, sem dúvida, impossibilitaria praticamente a aplicação da teoria da impressão do declaratário).
Para além do texto da convenção, nada se documenta acerca das circunstâncias históricas em que esta foi elaborada.
Não há razão, de resto, para crer possuírem tais circunstâncias algum especial relevo para a resolução do problema em causa. Carece igualmente esse instrumento de qualquer relatório e não existe (pelo menos nos autos) documentação relativa a trabalhos preparatórios,
às negociações havidas entre as partes.
Quer dizer, para além da letra do "A.E." não há outros textos para reconstituir o pensamento que o dominou, ou seja, o chamado "pensamento legislativo".
Aqui chegados, vem a propósito referir não imporem os "factos" invocados pela Recorrente sob as alíneas A) a V) das suas alegações de recurso e articulados na sua contestação, a necessidade de ampliação da matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 729 n. 3 e 730 n. 1 do C.P.C.. Nomeadamente, em alguns casos, a sua alegação litima-se a evidenciar um imperativo legal (v.g., casos das alíneas A), B),C), D), G). ou ocorrências de conhecimento geral (v.g. alíneas C), E), N), ou tem natureza afirmativa, coincidente algumas vezes com o próprio "thema decidendum" (v.g. alíneas F), G), H), J), L) M), O),
P), Q), T)), ou carece de interesse relevante para o efeito pretendido (v.g. alíneas U), V)). Daí que a conclusão C) do recurso deva improceder.
Resta, portanto, para apreender o sentido da cláusula 54. no seu conteúdo ora relevante, operar com o elemento racional ou teleológico -
- Tendo sempre presente a lição de Manuel de Andrade já citada: um legislador razoável olha à justiça das normas a sancionar. É este princípio, de índole objectiva, que se reflecte no disposto sob o n. 3 do artigo 9 do Código Civil: - "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
3.6. A cláusula 54. "A.E." traça o regime das refeições que o trabalhador é forçado a não tomar ou a tomar fora de horas, por razões de serviço da Empresa.
Segundo a 1. parte do n. 4 (todos os "ns." referidos sem expressa menção dos artigos ou normas a que pertencem, entende-se, em princípio, fazerem parte da referida cláusula 54) o trabalhador terá direito a tomar segunda refeição se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de 12 horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição.
Essa segunda refeição terá início entre o fim da penúltima hora do período normal de trabalho e o fim da 12. hora após o início do serviço (2. parte do aludido n. 4).
Nos termos do n. 6, terá direito ao "reembolso" por cada refeição o trabalhador que se encontre durante o período fixado para a refeição, fora dos limites estabelecidos no n. 1 (ou seja, quando estiver "deslocado").
Se estiver dentro de tais limites, o n. 7 atribui ao trabalhador que não tenha tido período para refeição nos limites de tempo referidos no ns. 2 e 4 (2. parte) ou não tenha tido intervalo para refeições, uma indemnização de montante inferior ao aludido "reembolso".
O cerne do problema em apreço gira à volta destas disposições.
O primeiro aspecto a considerar respeita à génese do direito do trabalhador à segunda refeição. A ele anda estreitamente ligado o direito ao "reembolso".
Quando é que aquele direito surge?
A resposta contem-se na 1. parte do n. 4: o direito a tomar segunda refeição nasce para o trabalhador se lhe for determinado permanecer ao serviço para além de 12 horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição. O período da segunda refeição, com uma hora de duração (2. parte do n. 4) cairá sempre, atentos os limites variáveis dos horários normais de trabalho previstos nas cláusulas 20 n. 2, 21 n. 5 e 22 n. 4, do "A.E.", entre o início da 9. hora e o fim da 12. (como diz a Ilustre Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, a elasticidade do período é de 4 horas para efectiva utilização de 1 apenas).
Mas o seu limite temporal máximo é o fim da 12. hora, devendo o intervalo para refeições ser determinado ainda para local provido de meios, que possibilitem ao trabalhador a tomada da refeição (n. 5).
A finalidade desta disposição (n. 4) é bastante clara: trata-se de compensar a maior penosidade do serviço, o desgaste psico-físico sofrido pelo trabalhador ao fim de certo tempo de duração do trabalho, imposta pela entidade patronal. Essa compensação mede-se por um montante teoricamente correspondente ao preço da refeição a que o trabalhador tem direito. Trata-se dum montante fixo, o "reembolso" - e é atribuído ao trabalhador quer este tome ou não a refeição.
Tal direito verifica-se mesmo que o trabalhador se não encontre na situação de "deslocado", e, portanto, dentro dos limites referidos no n. 1.
Na verdade, se se encontrar dentro desses limites, a regra definida no n. 4 (direito à segunda refeição) continua a aplicar-se, o que só não se verificará nos casos concretamente referidos no "AE" (cláusula 54.). E esses casos resumem-se, afinal, a um só: não ter tido, o trabalhador, um intervalo de tempo com respeito pelo disposto no n. 5 (cfr. n. 7, alínea b)).
Assim, o trabalhador terá ainda direito ao "reembolso", na situação de não deslocado, se coincidir com o período para a segunda refeição (regra do n. 4, que define como limite temporal máximo desse período o termo da 12. hora de permanência ao serviço) um intervalo para refeição em local provido de meios que possibilitem ao trabalhador a sua tomada.
É isto que decorre, "a contrário", do disposto no n. 7, onde na sua alínea b) se estabelece uma excepção ao regime regra definido no n. 4.
Nesse n. 7 define-se o regime do direito do trabalhador à atribuição duma indemnização (a chamada "penalização" da entidade patronal) por cada refeição tomada, mas de montante inferior ao do "reembolso". Encontra-se o trabalhador dentro dos limites referidos no n. 1 ("não deslocado", portanto) é o pressuposto fundamental desse regime. Mas torna-se igualmente necessário (alínea a)) que não tenha período para refeição dentro dos limites de tempo estabelecidos no n. 2 (primeira refeição) e último parágrafo do n. 4 (segunda refeição); e (ou) não tenha tido intervalo com respeito pelo n. 5 (alínea b) do n. 7).
O não ter período para refeição (no caso da segunda refeição que é agora o que interessa), nos termos da alínea a) do n. 7, significa que o tempo de permanência ao serviço é sempre inferior a 12 horas.
O que afasta o pressuposto de aplicação do n. 4, não conferindo nunca, assim, direito à tomada da segunda refeição e correspondente "reembolso". Mas se, por hipótese, o trabalhador tivesse esse período, ou seja, se o trabalhador permanecesse ao serviço por mais de 12 horas, teria já este direito se, com tal período, coincidisse um intervalo para a tomada da refeição conforme se dispõe na alínea b) do n. 7.
Caso não tivesse este intervalo, o trabalhador apenas à indemnização ("penalização") prevista n. 7 podia aspirar. O que se compreende, visto o trabalhador, nos casos do referido n. 7, se encontrar sempre na área do seu local de trabalho ("não deslocado") - pelo que só muito excepcionalmente (praticamente nunca) se verificaria em tal situação o condicionalismo de que depende a atribuição do direito a segunda refeição e do correspondente "reembolso".
Trata-se pois, nestes casos, de penalizar a entidade patronal pelo atraso imposto ao trabalhdor na tomada da refeição, que ele sempre faria na área do seu local de trabalho.
É de justiça diferençar destas hipóteses contempladas no n. 7, os casos em que o trabalhador, cumprindo ordens da entidade patronal, se encontre ainda, ao ultrapassar 12 horas de permanência ao serviço, fora dos limites referidos no n. 1 (ou seja, na situação de "deslocado").
Trata-se de casos de maior penosidade (ao menos, presumidamente). Sobretudo se ao período, com a duração de uma hora, para a tomada da segunda refeição - nos termos da 2. parte do n. 4 - não corresponder um intervalo com respeito pelo disposto no n. 2.
Efectivamente, provou-se que se o trabalhador "deslocado" regressar à base por percurso dotado de meios para a segunda refeição, a "Rodoviária Nacional" o reembolsa se ele, nos limites temporais definidos no n. 4, parasse durante uma hora para tomar a refeição (cfr. supra III - n. 2).
Todavia, provou-se também não ser em geral exequível a tomada dessa refeição por coincidir com um período de ponta dos transportes, em que se não poderia parar a frota sem grande prejuízo para o serviço público prestado e para os utentes destinatários do mesmo (cfr. supra III-n. 4). Seria na verdade chocante que, nestes casos, em que existe um maior sacrifício do trabalhador "deslocado" - pois, do estabelecimento dos horários e percursos das carreiras se mostra ausente qualquer preocupação com um intervalo para a tomada da segunda refeição - este se visse privado do direito ao "reembolso" previsto no n. 6. O retardamento da refeição - que o trabalhador acabará sempre por tomar, mas já na área do seu local de trabalho - realiza-se, sobretudo, em benefício da empresa que, assim, melhor serviço pode prestar ao público.
Mas seria injusto que tal retardamento revertesse em prejuízo do trabalhador, subtraindo-lhe, v.g., o direito ao "reembolso" e dando-lhe, em vez deste, uma indemnização inferior.
Não se afigura, pois, em tal caso, justificável a atribuição ao trabalhador duma indemnização inferior ao "reembolso", a título de "penalização" da entidade patronal por via daquele retardamento. É o próprio direito ao "reembolso" que deve ser concedido - já que o trabalhador na situação de deslocado tinha forçosamente de se encontrar ainda nessa situação, cumprindo ordens da entidade patronal, ao transpor o limite temporal máximo do período para a tomada da segunda refeição (fim da 12. hora de permanência ao serviço). Portanto, para além da 12. hora referida na 1. parte do n. 4, v.g. no primeiro minuto da 13. hora.
No fundo, a Recorrente goza com a circunstância de, nestes casos, antes do decurso de 12 horas de serviço, ordenar o regresso do trabalhador "deslocado" ao local de trabalho (base). Com efeito, provou-se que a "Rodoviária Nacional" sempre que, antes de decorridas 12 horas de serviço, ordena que o trabalhador regresse à base, não lhe concede o direito à segunda refeição ou ao reembolso, apesar da jornada de trabalho durar mais de 12 horas e de ter decorrido o limite horário para a segunda refeição, para além de estar o trabalhador deslocado o quando da ordem de regresso à base (cfr. supra III -n. 1).
A tal actividade subjaz certamente a ideia de que a ordem de regresso à base anula a determinação para o trabalhador permanecer ao serviço para além das 12 horas após o respectivo início, incluindo o período da primeira refeição (cfr. n. 4); e de que, assim, desaparece o pressuposto do direito do trabalhador a tomar segunda refeição.
Deve, porém, entender-se que, mesmo no caso da entidade patronal ordenar o regresso do trabalhador "deslocado" antes de decorridas 12 horas de permanência ao serviço, sempre se manterá a determinação referida na 1. parte do n. 4, quando, pela própria dimensão do referido serviço, o trabalhador nele tenha de permanecer, em situação de deslocado, para além de 12 horas após o seu início, e ainda que em via de regresso à base.
A ordem de regresso à base compreende-se ainda naquele determinação de serviço. O trabalhador encontra-se, assim, sempre cumprindo ordens.
3.7. Verifica-se, pois, em síntese, que o direito à segunda refeição, e portanto ao correspondente "reembolso", depende, em teoria, mais do tempo de serviço (para além de 12 horas) determinado pela entidade patronal, do que da situação de "deslocado" ou não do trabalhador. Na prática, porém, o direito a tomar segunda refeição, e portanto, o direito ao reembolso, surgirá apenas em relação às situações de trabalhador "deslocado", nos termos dos ns. 4 e 6; enquanto o direito à indemnização ("penalização") apenas em relação as situações "de não deslocado", conforme o n. 7.
O primeiro (direito ao reembolso), se o trabalhador, cumprindo ordens da entidade patronal, se encontrar ainda fora dos limites referidos no n. 1 (situação de deslocado) ao ultrapassar 12 horas de permanência em serviço (ns. 4 e 6).
O segundo (direito à indemnização), se o trabalhador estiver dentro desses limites e não tiver período para refeição nos termos dos ns. 2 e 4 (último parágrafo), ou não tenha tido intervalo para refeição com respeito pelo disposto no n. 5 (n. 7 alíneas a) e b)).
As soluções apontadas parecem-nos ser, com efeito, as soluções mais justas e acertadas na perspectiva dum legislador razoável, mais conformes à "ratio legis" da cláusula 54 (que é a de conferir maior compensação ao serviço mais penoso), surgindo, aliás, em perfeita correspondência verbal com a letra das normas em questão.
V - Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Nos termos do artigo 180 do C.P.T., formula-se o seguinte assento:
- "O trabalhador que, na prossecução dos interesses da entidade patronal e cumprindo ordens desta, mesma nos casos em que é mandado regressar ao seu local de trabalho habitual antes de completar 12 horas de permanência em serviço, se encontrar ainda fora dos limites referidos no n. 1 da cláusula 54 do "AE" celebrado entre a "Rodoviária Nacional" e a "Federação dos Sindicatos de Transporte Rodoviário e Urbano" e outros, de 8 de Dezembro de 1983, ao ultrapassar 12 horas de serviço, tem direito a segunda refeição e mesmo que a não tome no período referido na 2. parte do n. 4 dessa cláusula, tem ainda direito ao "reembolso" previsto no seu n. 6".
Custas pela Recorrente.


Lisboa, 18 de Outubro de 1995.


Carvalho Pinheiro.

Correia de Sousa.
Loureiro Pipa.
Almeida Deveza.
Matos Canas.