Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
30/19.9YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CAUSA DE PEDIR
INQUÉRITO
CONVERSÃO
PROCESSO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
PERICULUM IN MORA
FUMUS BONI IURIS
PREJUÍZO DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS REFLEXOS
REQUISITOS
PRESSUPOSTOS
ANULABILIDADE
RECONSTITUIÇÃO NATURAL
INDEMNIZAÇÃO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DE EFICÂCIA
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSOS CAUTELARES / DISPOSIÇÕES COMUNS / CRITÉRIOS DE DECISÃO.
Doutrina:
- CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, Comentários à revisão do ETAF e do CPTA, AAFDUL, 2.ª ed., 2016, p. 741;
- ISABEL DA FONSECA, O Debate Universitário, p. 343;
- M. CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed. (reimp.), Vol. II, p. 835;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª. ed., 2017, p. 705 e 913;
- MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., p. 299-300 ; Manual de Processo Administrativo, 2016, p. 451;
- MIGUEL PRATA ROQUE, Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo, p. 588.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 120.º, N.º 1.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 170.º, N.º 2.
Sumário :
I. Do disposto nos artigos 170º., nº. 2, 2ª. parte, do EMJ, e 120ª., nº.1, do CPTA, decorre que a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: (i) a existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (critério do periculum in mora) e (ii)a probabilidade séria de a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (critério do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito, decorrente de uma "summario cognitio").
II. Nos termos do nº.2 do artigo 120º. do CPTA, o decretamento da providência será recusado quando, «devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências», constituindo tal ponderação e proporcionalidade um requisito negativo.
III. Na indagação do preenchimento do 1º. requisito, que se prende com a morosidade processual da impugnação contenciosa, caberá emitir um juízo de prognose em termos de avaliar se a não concessão da providência cautelar pode conduzir: (i) ou a uma situação de irreversibilidade, traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da atuação ilegal (situação de facto consumado); (ii) ou a uma situação em que, sendo a reconstituição natural, em abstrato, possível, esta se revele, todavia, muito difícil, em especial por não ser determinável a verdadeira extensão dos prejuízos causados (produção de prejuízo de difícil reparação).
IV. Na relevância deste requisito, importa atentar que (i) serão prejuízos de difícil reparação «aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente»; (ii) tais prejuízos terão de resultar direta, imediata e necessariamente do ato suspendendo, carecendo de relevância para o efeito, os danos ou prejuízos indiretos, mediatos ou eventuais; e (iii) terão de consistir em danos ou prejuízos efetivos, reais e concretos, sendo de desconsiderar os danos ou prejuízos meramente hipotéticos, conjeturais, ou aleatórios.
V. A falta de indicação da causa de pedir ocorrerá quando o Requerente (i) não alegar qualquer factualidade que leve ao preenchimento dos pressupostos essenciais da providência cautelar de suspensão da eficácia; (ii) ou alegar apenas, de forma abstrata, a facti species configurada nas normas aplicáveis à situação em apreço (artigos 170º., n.º.2, 2ª. parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA); (iii) ou, quando, muito embora aludindo a uma factualidade concreta, o faça em termos tão vagos, genéricos ou conclusivos, que não permita a respetiva individualização como acontecer fáctico.
VI. A conversão do inquérito em processo disciplinar (e o subsequente prosseguimento do processo disciplinar) não consubstancia uma consolidação irreversível da situação de facto, uma vez que, caso a pretensão no recurso contencioso (processo principal) venha a ser julgada procedente, tal posterior anulação do ato que converteu o inquérito em procedimento disciplinar (na sequência da declaração nulidade ou anulabilidade da deliberação em crise) acarretará a destruição dos efeitos jurídicos da conversão do inquérito em processo disciplinar, eliminando da ordem jurídica o processo disciplinar.
VII. Perante a falta de lesividade autónoma do ato que ordena a conversão do inquérito em processo disciplinar (e sem qualquer efetivação de responsabilidade disciplinar), não se vislumbra em que medida tal conversão do inquérito afetou, afeta e continuará a afetar negativamente, o nome, a honra, a imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, e configura danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de muito difícil reparação.
VIII. Não se pode ter por verificado o requisito do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação, porquanto os prejuízos invocados: (i) são insuscetíveis de se identificarem como consequência direta, imediata e necessária da conversão do inquérito em procedimento disciplinar, face à falta de lesividade autónoma do ato suspendendo; e (ii) são insuscetíveis de integrar o conceito de prejuízo de natureza irreparável ou de difícil reparação, dado que a irreparabilidade que os caracteriza, decorrendo em exclusivo da sua própria natureza, não afasta a possibilidade de compensação.
Decisão Texto Integral:                 

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA, Juiz ..., nos termos das disposições conjugadas dos artigos 170º., nº.2, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e 112º. e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), vem requerer, em sede cautelar, a suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) tomada na sessão de 23 de abril de 2019, que deliberou pela improcedência da Reclamação, datada de 14 de dezembro de 2018, apresentada pelo Requerente sobre a Deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13 de novembro de 2018 (que deliberou pela instauração de procedimento disciplinar ao Requerente, aproveitando-‑se os autos de inquérito em sede de instrução do processo disciplinar, sem prejuízo das demais diligências que se venham a revelar necessárias).

2. Para o efeito, o Requerente alega, em síntese, que:

Do fumus boni iuris:

— É evidente a forte probabilidade de o recurso, também hoje interposto para o Supremo Tribunal de Justiça (processo principal), ser julgado procedente, face às invalidades de que padece a deliberação suspendenda, e bem assim a deliberação impugnada;

— Concretamente por (i) deficit de instrução, (ii) violação de lei e princípio da igualdade (cf. artigo 266º., nº. 2, da CRP e artigo 6º. do CPA), (iii) falta de imparcialidade do então Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM e do Exmo. Sr. Inspetor Judicial, (iv) erro na forma de processo, (v) violação do princípio da defesa e audiência do Arguido, (vi) omissão de diligências essenciais de prova, (vii) da análise em concreto da factualidade dada como assente subjacente ao caso sub  judice, resulta que a mesma não corresponde à verdade, e, consequentemente, não se encontra corretamente fundamentada – vício de fundamentação e (viii) erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais através da não verificação do tipo objetivo de ilícito.

— Há (i) déficit de instrução porquanto o Requerente requereu, para a descoberta da verdade material dos factos, produção de prova junto do Conselho Plenário do CSM, precisamente para provar e demonstrar que a instrução, insuficiente, diga-se, (quase inexistente mesmo) feita pelo Exmo. Sr. Inspetor Judicial padecia de manifestos erros nos pressupostos de facto e de outros vícios, tais como, omissão de diligências essenciais de prova e violação do direito de defesa.

— Caso contrário, isto é, expurgados os vícios que o Requerente se propunha provar através da referida produção de prova, jamais poderia ter conduzido ao resultado de conversão do processo de inquérito em processo disciplinar.

— Ora, a referida produção de prova foi indeferida, enfermando tal decisão de manifesta violação do princípio da oficiosidade e do inquisitório ínsitos no artigo 115º. e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que devem nortear a atuação do Conselho Plenário do CSM.

— Caso tivesse sido produzida a prova requerida pelo Requerente jamais poderia a Reclamação sido julgada improcedente, uma vez que descoberta a verdade material dos factos, jamais haveria qualquer fundamento legal para considerar que a conduta do Requerente é passível de incorrer em violação dos deveres funcionais de reserva, de prossecução do interesse público e correção que lhe são imputados.

— Até à apresentação da Reclamação, não foi dada qualquer possibilidade de resposta ao aqui Requerente tendo, inclusivamente, a sua audição, em sede de inquérito disciplinar, sido realizada sem que o mesmo tenha sido previamente notificado ou informado dos direitos que lhe assistiam nessa sede, mais sem sequer ter tido consciência ou conhecimento de que estava a ser ouvido em “audiência” em sede de inquérito disciplinar.

— A douta deliberação impugnada é ilegal por manifesto deficit de instrução, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163º., nº. 1, do CPA.

— Quanto à (ii) violação de lei e princípio da igualdade, a douta deliberação impugnada, ao considerar que: «Finalmente, a instrução (produção de prova) só tem sentido, havendo processo disciplinar (e, não o havendo a questão nem se coloca), em sede desse mesmo processo, onde o Exmo. Juiz Reclamante poderá exercer os seus legítimos direitos de defesa e a sua eventual audição em sede de Conselho Plenário depende da conclusão do processo disciplinar e da sanção que aí seja proposta» é ilegal e viola clara e frontalmente o princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente no artigo 13º. da Constituição da República Portuguesa e densificado nos termos do CPA no artigo 6º..

— A deliberação impugnada viola o disposto no artigo 133º. do EMJ, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163º. do CPA.

— A deliberação impugnada, nesta sede, viola, inclusivamente, o princípio da igualdade na medida em que, em inúmeros processos de inquérito disciplinar instaurados pelo CSM a Magistrados foram concedidas aos visados todas as garantias de defesa – garantias de defesa que no caso foram negadas ao Requerente.

— Considerando que a violação do princípio da igualdade afeta o conteúdo essencial de um direito fundamental, a douta deliberação impugnada deve ser declarada nula [cfr. alínea d) do nº. 2 do artigo 161º. do CPA].

— No que concerne à (iii) falta de imparcialidade do então Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM e do Exmo. Sr. Inspetor Judicial, pensa-se que o facto de o Exmo. Senhor Vice-Presidente do CSM ter decido instaurar o processo de inquérito nas circunstâncias referidas manifestamente revela, no mínimo, falta de equidistância face aos autos.

— Várias ocorrências no processo de inquérito são algo estranhas quer face à natureza do processo quer face à atitude de rigor e imparcialidade que por regra é assumida pelos Exmos. Senhores Inspetores Judiciais dos processos disciplinares instaurados pelo CSM.

— No que respeita ao (iv) erro na forma de processo, o mesmo verifica-se porquanto atentas as circunstâncias que nortearam a instauração do processo de inquérito constata-se que a sua instauração viola, antes de mais, o seu próprio fundamento (cfr. artigo 132º. do EMJ e artigo 229º. da LTFP, aplicável ex vi artigo 131º. do EMJ), na medida em que, perante factos concretos como expressamente referiu o Exmo. Sr. Vice-Presidente, como por exemplo ao dizer no decurso do dia de hoje, a RTP tem transmitido extratos de entrevista ao Sr. Dr. AA, os quais estão a ser interpretados em diversos órgãos de comunicação social como reportados a determinado processo concreto e dirigidos a pôr em causa o respetivo acto de distribuição no TCIC. | Dada a gravidade das declarações prestadas, determina-se a abertura de inquérito, deveria ter sido instaurado processo disciplinar e não processo de inquérito, além do dever de terem sido garantidos ao Requerente todos os direitos que lhe assistiam decorrentes do procedimento disciplinar, o que não sucedeu, como também não aconteceu, como já referido, no âmbito do processo de inquérito instaurado.

— Verifica-se ainda (v) violação do princípio da defesa e audiência do Arguido, dado que atenta a fase de instrução de um processo disciplinar é sempre concedido aos visados o direito de “Resposta”, podendo os mesmos arrolarem testemunhas e outros meios de prova, e fazerem-se representar por mandatário.

— No caso há uma total preterição das garantias do Arguido, havendo como tal uma manifesta violação do direito de defesa e audição do arguido, ora Requerente (cfr. artigos 32º., nº. 10, e 269º., nº. 3, da CRP), e tal violação do direito de audição e defesa do arguido, consagra uma nulidade insanável (cfr. artigo 119º. do CPP aplicável ex vi artigo 131º. do EMJ), determinando a nulidade do processado por ofensa ao conteúdo de um direito fundamental [cfr. artigos 161º., nº. 2, al. d), e 162º., ambos do CPA].

— No que diz respeito à (vi) omissão de diligências essenciais de prova, verifica-se uma manifesta omissão de diligências essenciais de prova para a descoberta da verdade material, como seja, o Exmo. Sr. Inspetor Judicial cingiu-se apenas à audição e transcrição da entrevista editada e emitida na RTP 1, não ouvindo sequer o “bruto” da entrevista.

— O Exmo. Sr. Inspetor Judicial nem se dignou a ouvir qualquer testemunha com conexão aos autos, como seja, o Exmo. Sr. Dr. Juiz CC, para aferir da violação do dever de correção que afirmou que foi cometido pelo Requerente em relação ao seu Colega.

— Nem sequer o Exmo. Sr. Inspetor Judicial ouviu como testemunha o Exmo. Sr. Jornalista BB, nem que fosse, pelo menos, para confrontar o Requerente com o que referiu na entrevista.

— Em momento algum consta do PA que o Exmo. Sr. Inspetor Judicial se dignou a encetar diligências instrutórias para aferir se o Requerente havia ou não desmentido ou contradito as ditas interpretações jornalísticas, tal como veio a suceder visto que o aqui Requerente disse ao “Sol” que as suas declarações tinham sido truncadas pela RTP 1.

— É inequívoca a omissão de diligências essenciais de instrução que constitui nulidade insanável [cfr. artigo 119º., al. d), ou, pelo menos, a nulidade prevista no artigo 120º., nº. 2, al. d), ambos do CPP, aplicável ex vi artigo 131º do EMJ].

— No que toca ao (vii) vício de fundamentação por, da análise em concreto da factualidade dada como assente subjacente ao caso sub judice, resulta que a mesma não corresponde à verdade.

— Sintetizando, o Requerente concedeu, antes de tudo, uma entrevista a título pessoal e não enquanto Juiz.

— Em momento algum, o Requerente falou de um concreto processo judicial, se não apenas respondeu, de um modo geral, à pergunta do Jornalista sobre a distribuição dos processos, conforme decorre do “bruto” da entrevista.

— Em momento algum, o Requerente visou falar do exercício das suas funções em particular ou sequer levantar dúvidas sobre o mesmo, bem como nunca falou de qualquer Colega.

— Jamais o Requerente pode ser responsabilizado pelas notícias que vieram a público, distorcidas da realidade da entrevista.

— Não retratando a matéria de facto dada como provada de todo a realidade, não correspondendo à verdade, inquinando, por isso, a validade da fundamentação vertida na deliberação impugnada, deve a mesma deliberação ser anulável, nos termos e para os efeitos do artigo 163º do CPA.

— Há (viii) erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais através da não verificação do tipo objetivo de ilícito, visto que ao comportamento do Requerente não pode, pelo menos, ser assacada ilicitude, um dos pressupostos cumulativos do tipo de ilícito disciplinar.

Do periculum in mora:

— A deliberação suspendenda, se não for objeto de suspensão, causará ao Requerente prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável.

— O douto Acórdão que vier a ser proferido no recurso, ainda que seja favorável à pretensão do Requerente, como se espera e (e pensa-se) se afigura evidente, não terá, lamentavelmente, qualquer efeito útil, considerando que, entretanto, o processo disciplinar irá retomar o seu andamento uma vez que o recurso não tem efeito suspensivo.

— Nesse pressuposto, retomado o procedimento disciplinar, com tudo o que o mesmo implica e acarreta a nível pessoal e profissional, ainda que se viesse a obter ganho de causa no recurso, o certo é que seria impossível a reconstituição da situação do Requerente em decorrência da anulação ou nulidade da deliberação impugnada (prejuízos irreversíveis).

— Nem mesmo uma eventual indemnização que viesse a ser fixada para ressarcimento dos danos causados ao Requerente supriria os danos morais, pessoais e profissionais sofridos pelo Requerente e que o mesmo irá continuar a sofrer.

— A instauração infundada e precedida de invalidades de um processo de inquérito disciplinar, entretanto convolado em processo disciplinar, eivado de invalidades, afetou, afeta e continuará a afetar negativamente o nome, a honra, a imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, configurando danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de difícil reparação.

— O Requerente é um Juiz conhecido do público em geral, estando a maioria dos seus actos pessoais e profissionais totalmente expostos ao escrutínio por parte da opinião pública e órgãos de comunicação social, sem que em algum momento tenha o Requerente para isso contribuído.

— Se a deliberação suspendenda não for suspensa, o que determinará a retoma do processo disciplinar, chegando, muito provavelmente, tal informação aos meios de comunicação social, tal poderá ter um impacto negativo significativo no exercício de funções do Requerente.

— Existe a possibilidade real de os vários intervenientes processuais dos processos em que o requerente é Juiz, sabendo da existência do decurso do processo disciplinar poderem, ainda que por razões infundadas, fomentar e instigar a dúvida quanto à idoneidade do Requerente.

— A natureza dos processos em que o Requerente é Juiz é mais do que propícia a que tal aconteça; muitas vezes os mandatários dos arguidos, à falta de melhores argumentos, utilizam todo o tipo de argumentação e expedientes para adiarem a realização da justiça.

— O próprio exercício de funções do Requerente, por muito que este se esforce, não deixa de ser afetado pela existência do processo disciplinar.

— No caso do Requerente a existência do processo disciplinar assume, de facto, uma dimensão negativa que o afeta nos seus direitos ao bom nome, honra, imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, não só porque, designadamente, (i) é manifestamente infundada e ilegal a existência do processo disciplinar como demonstrado adrede e em sede de recurso, como também (ii) por saber que já foi “julgado em praça pública”, pelo menos, aquando da divulgação nos meios de comunicação social de que o CSM havia instaurado processo disciplinar contra o Requerente, quando nem sequer lhe havia sido concedida previamente a faculdade de poder exercer devidamente o seu direito de defesa, ao que acresce (iii) o facto de até à data de hoje, na sua longa carreia de Magistrado não ter pretérito disciplinar e (iv) o significado “punitivo” que entre os Colegas é suscetível de ser atribuído a um processo disciplinar.

— A decisão da ação principal que venha a dar razão ao Requerente, o que se pensa ser manifestamente provável, não será, todavia, adequada a repristinar juridicamente o statu quo ante.

— A não suspensão da eficácia da douta deliberação suspendenda acarretaria, para o Requerente, prejuízos não só de difícil reparação, mas até mesmo irreparáveis, encontrando-se, desta forma, verificado o pressuposto do periculum in mora.

Da ponderação dos interesses em presença:

— A suspensão da eficácia da douta deliberação suspendenda não é lesiva na perspetiva do interesse público.

— Do ponto de vista das exigências de prevenção geral e de assegurar o prestígio, credibilidade e boa imagem pública do serviço, não há objetivamente qualquer razão para que não se suspenda a execução da deliberação suspendenda, pois trata-se de uma questão interna inerente à instituição, e só a esta dizendo respeito.

— A não suspensão da douta deliberação suspendenda prejudica, por si só, muito provavelmente de forma irreversível, os interesses do Requerente.

— A ponderação global dos interesses em presença resulta no sentido da procedência da providência.

Conclui pela suspensão da deliberação suspendenda, bem como da deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13/11/2018.

3. O Conselho Superior da Magistratura apresentou resposta, em que pugna pela inexistência de prejuízo irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), sustentando, no essencial, que:

— Na presente situação os alegados prejuízos irreparáveis para os interesses do Exm.° Requerente são de ordem abstrata e indeterminada.

— Em acréscimo, os prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação têm que estar devidamente alegados e indiciados, sendo certo que o Exm.° Requerente não logrou cumprir o ónus de alegação que sobre si impende a tal respeito.

— Na presente situação, não se verifica nenhuma lesão ou perigo de facto consumado, porquanto a mera conversão de inquérito em processo disciplinar não equivale a aplicação de pena disciplinar, nem é suscetível de provocar qualquer dano irreparável.

— No que respeita ao aludido requisito periculum in mora, o Exm.° Requerente nada alega e muito menos prova em concreto, antes se bastando com a alegação dos efeitos típicos da interposição de recurso e com juízos conclusivos (v.g. artigos 73.° a 77.° e 88.° a 91.° do requerimento suspensivo), bem como com juízos subjetivos e infundados (v.g. artigos 78.° a 86.° do requerimento suspensivo)

— Para que possa ser considerado preenchido o requisito periculum in mora tem que haver a alegação, através de factos concretos constitutivos, e a prova, ainda que indiciária, da existência de prejuízos, não sendo suficiente a vaga e genérica referência a que determinada conduta está a causar prejuízos, o que se traduz em puro e simples juízo conclusivo.

— Ainda que se pudesse considerar que a verificação de tais prejuízos se encontra demonstrada - o que se admite apenas a título de argumentação - é indiscutível, e manifesto, que no requerimento apresentado inexiste qualquer demonstração a respeito da qualidade irreparável ou de difícil reparação de tais prejuízos.

— No requerimento sub judice também não se demonstra que em caso de indeferimento da suspensão requerida resulte para o Exm.° Requerente qualquer facto consumado, nem quaisquer danos ou prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, não estando pois verificado o requisito legal do periculum in mora.

Termina pela procedência da invocada exceção dilatória de ineptidão do requerimento recursório, com a consequente absolvição da instância.

II. Saneamento

1. Da arguida ineptidão do requerimento cautelar

Vem o Requerido CSM arguir a ineptidão do requerimento cautelar de suspensão da eficácia decorrente de, no que respeita ao requisito periculum in mora, o Requerente nada alegar, antes se bastando com a alegação dos efeitos típicos da interposição de recurso e com juízos conclusivos (v.g. artigos 73º. a 77º. e 88º. a 91º. do requerimento suspensivo), bem como com juízos subjetivos e infundados (v.g. artigos 78º. a 86º. do requerimento suspensivo).

Efetivamente, na formulação da pretensão cautelar, o Requerente deverá «especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência», nos termos da alínea g) do nº. 3 do artigo 114º. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável à presente situação nos termos infra analisados (sob o ponto III.2.1.1.).

Sendo que, no caso em presença, constituem fundamentos nucleares da pretensão cautelar deduzida pelo Requerente (conforme adiante melhor se analisará sob o ponto III.2.1.2.):

(i) A existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado irreparável ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora);

(ii) A probabilidade séria de a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (fumus boni iuris).

Por outro lado, à luz do disposto, supletivamente (cfr. artigo 1º do CPTA), na lei de processo civil, a arguida ineptidão do requerimento cautelar por falta de causa de pedir (quanto ao pressuposto do periculum in mora) importa a nulidade de todo o processo, constituindo uma exceção dilatória, que conduz à absolvição do Requerente da instância [cfr. artigos 186º., nº. 1, 278º., nº. 1, alínea b), e 577º., alínea b), todos do CPC].

Assim, tomando como referência o perímetro da facti species que legalmente corresponde à pretensão cautelar deduzida (artigos 170º., nº. 2, 2º. parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA), tal falta de indicação da causa de pedir ocorrerá se o Requerente:

— Não alegar qualquer factualidade que leve ao preenchimento daquele pressuposto essencial da providência cautelar de suspensão da eficácia;

— Ou alegar apenas, de forma abstrata, a facti species configurada nas normas aplicáveis à situação em apreço (artigos 170º., nº. 2, 2º. parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA);

 — Ou, ainda, quando, muito embora aludindo a uma factualidade concreta, o faça em termos tão vagos, genéricos ou conclusivos, que não permita a respetiva individualização como acontecer fáctico. 

Importa, assim, ajuizar da suficiência alegatória dos fundamentos invocados pelo Requerente sob os artigos 73º. a 91º. do requerimento cautelar, no que respeita ao fundado receio de que a Deliberação suspendenda, se não for objeto de suspensão, cause ao Requerente prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável.

Sob tais artigos 73º. a 91º. do requerimento cautelar, alegou, então, o Requerente:

— O douto Acórdão que vier a ser proferido no recurso, ainda que seja favorável à pretensão do Requerente, como se espera e (e pensa-se) se afigura evidente, não terá, lamentavelmente, qualquer efeito útil, considerando que, entretanto, o processo disciplinar irá retomar o seu andamento uma vez que o recurso não tem efeito suspensivo.

— Nesse pressuposto, retomado o procedimento disciplinar, com tudo o que o mesmo implica e acarreta a nível pessoal e profissional, ainda que se viesse a obter ganho de causa no recurso, o certo é que seria impossível a reconstituição da situação do Requerente em decorrência da anulação ou nulidade da deliberação impugnada (prejuízos irreversíveis).

— Nem mesmo uma eventual indemnização que viesse a ser fixada para ressarcimento dos danos causados ao Requerente supriria os danos morais, pessoais e profissionais sofridos pelo Requerente e que o mesmo irá continuar a sofrer.

— A instauração infundada e precedida de invalidades de um processo de inquérito disciplinar, entretanto convolado em processo disciplinar, eivado de invalidades, afetou, afeta e continuará a afetar negativamente o nome, a honra, a imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, configurando danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de difícil reparação.

— O Requerente é um Juiz conhecido do público em geral, estando a maioria dos seus atos pessoais e profissionais totalmente expostos ao escrutínio por parte da opinião pública e órgãos de comunicação social, sem que em algum momento tenha o Requerente para isso contribuído.

— Se a deliberação suspendenda não for suspensa, o que determinará a retoma do processo disciplinar, chegando, muito provavelmente, tal informação aos meios de comunicação social, tal poderá ter um impacto negativo significativo no exercício de funções do Requerente.

— Existe a possibilidade real de os vários intervenientes processuais dos processos em que o requerente é Juiz, sabendo da existência do decurso do processo disciplinar poderem, ainda que por razões infundadas, fomentar e instigar a dúvida quanto à idoneidade do Requerente.

— A natureza dos processos em que o Requerente é Juiz é mais do que propícia a que tal aconteça; muitas vezes os mandatários dos arguidos, à falta de melhores argumentos, utilizam todo o tipo de argumentação e expedientes para adiarem a realização da justiça.

— O próprio exercício de funções do Requerente, por muito que este se esforce, não deixa de ser afetado pela existência do processo disciplinar.

— No caso do Requerente a existência do processo disciplinar assume, de facto, uma dimensão negativa que o afeta nos seus direitos ao bom nome, honra, imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, não só porque, designadamente, (i) é manifestamente infundada e ilegal a existência do processo disciplinar como demonstrado adrede e em sede de recurso, como também (ii) por saber que já foi “julgado em praça pública”, pelo menos, aquando da divulgação nos meios de comunicação social de que o CSM havia instaurado processo disciplinar contra o Requerente, quando nem sequer lhe havia sido concedida previamente a faculdade de poder exercer devidamente o seu direito de defesa, ao que acresce (iii) o facto de até à data de hoje, na sua longa carreia de Magistrado não ter pretérito disciplinar e (iv) o significado “punitivo” que entre os Colegas é suscetível de ser atribuído a um processo disciplinar.

— A decisão da ação principal que venha a dar razão ao Requerente, o que se pensa ser manifestamente provável, não será, todavia, adequada a repristinar juridicamente o statu quo ante.

— A não suspensão da eficácia da douta deliberação suspendenda acarretaria, para o Requerente, prejuízos não só de difícil reparação, mas até mesmo irreparáveis, encontrando-se, desta forma, verificado o pressuposto do periculum in mora.

E, da análise de tal quadro alegatório, resulta que a enunciação dos factos com vista ao preenchimento daquele pressuposto essencial da providência cautelar de suspensão da eficácia:

 — Não se limita à mera alegação, de forma abstrata, da facti species configurada nas normas aplicáveis à situação em apreço (artigos 170º., nº. 2, 2ª. parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA), antes concretizando: por um lado, que, se a Deliberação suspendenda não for objeto de suspensão, o Acórdão que vier a ser proferido no recurso não terá qualquer efeito útil, uma vez que o processo disciplinar irá retomar o seu andamento, sendo, assim, impossível a reconstituição da situação do Requerente em decorrência da anulação ou nulidade da deliberação impugnada (arquivamento do inquérito); por outro lado, ser a instauração infundada e precedida de invalidades de um processo de inquérito disciplinar, entretanto convolado em processo disciplinar, eivado de invalidades, que afetou, afeta e continuará a afetar negativamente o nome, a honra, a imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, configurando danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de difícil reparação;

Nem se limita a uma vaga e genérica referência quanto a, em caso de indeferimento da suspensão requerida, resultar para o Requerente qualquer situação de facto consumado ou quaisquer danos ou prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, não obstando a enunciação mais abstrata, genérica e conclusiva constante, designadamente, dos artigos 73º., 75º., 76º., 77º., 90º. e 91º. do requerimento cautelar (por alcançar apenas o segmentos do invocado periculum in mora respeitante aos danos morais irreparáveis ou de difícil reparação) à individualização da situação de facto consumado invocada, nem sequer à individualização da alegada produção de prejuízos de difícil reparação, enquanto realidades singulares.

Tal enunciação mais abstrata, genérica e conclusiva poderá revelar-se, outrossim, insuficiente para justificar o preenchimento do pressuposto em causa (ou seja, para suportar a solução jurídica adotada pelo Requerente), o que se traduzirá já numa questão de mérito.

Não ocorre, por isso, falta de causa de pedir determinativa da ineptidão do requerimento cautelar.

2. Não se vislumbram quaisquer outras nulidades ou questões que inviabilizem o conhecimento do mérito da providência, pelo que cumpre apreciar e decidir.

III. Fundamentação.

1. Contexto factual relevante

Dos elementos documentais juntos pelo Requerente e corroborados pela documentação junta pelo CSM, releva o seguinte contexto factual:

1.1. Por despacho do Senhor Vice-Presidente do CSM de 17 de outubro de 2018 foi determinada a instauração de inquérito «relativamente a todas as questões suscitadas pela entrevista» «do Sr. Dr. Juiz AA» [entrevista concedida no dia 05 de Outubro de 2018 ao Senhor Jornalista BB, da ...] difundida naquele dia e «que sejam suscetíveis de relevar no âmbito das competências do Conselho Superior da Magistratura», a que foi atribuído o n.º 2018/396/IN.

1.2. No dia 2 de novembro de 2018, nos termos do artigo 134º. do EMJ, o Sr. Inspetor Judicial DD elaborou relatório final nos autos de inquérito nº. 2018/396/IN, no qual, após concluir que «ao proceder nos termos indiciariamente indicados, o Senhor Juiz de Direito AA violou inequivocamente os seus deveres de reserva, prossecução do interesse público e correção, motivo pelo qual urge propor a instauração do respetivo procedimento disciplinar», propôs «a instauração de processo disciplinar relativamente ao Senhor Juiz ... AA, quanto aos factos indicados como fortemente indiciados, respetivo contexto, bem como ulteriores explicitações e decorrências dos mesmos, aproveitando-se os presentes autos em sede de instrução do processo disciplinar, sem prejuízo das demais diligências que se venham a revelar necessárias.»

1.3. Na sessão do Conselho Permanente do CSM, realizada em 13 de novembro de 2018, foi deliberado, por unanimidade, concordar com a proposta do Sr. Inspector Judicial, Dr. DD, no âmbito de Processo de Inquérito nº 2018/396/IN, e instaurar procedimento disciplinar ao Sr. Juiz de Direito Dr. AA, aproveitando-se os autos de inquérito em sede de instrução do processo disciplinar, sem prejuízo das demais diligências que se venham a revelar necessárias.

1.4. Notificado da Deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13 de novembro de 2018, o Requerente apresentou reclamação para o Conselho Plenário do CSM, requerendo que «se declare a nulidade ou pelo menos a anulação da douta deliberação reclamada e o arquivamento do processo de inquérito e consequentemente do processo disciplinar já convolado, por se entender que o mesmo padece de invalidades várias».

Na parte final da reclamação, o Requerente apresentou prova documental e testemunhal, pretendendo que fossem ouvidas 33 testemunhas, além da sua própria audição e a audição presencial e integral do “bruto” da entrevista (em sede de Conselho Plenário).

1.5. Por deliberação do Plenário do CSM tomada em 23 de abril de 2019, foi «considerada improcedente a reclamação apresentada pela Exmo. Senhor Juiz de Direito AA», concluindo-se o seguinte quanto às questões suscitadas:

— Quanto à viabilidade da produção de prova requerida pelo Exmo. Juiz Reclamante:

«Feitas as considerações anteriores importa agora, em sede de questão prévia, apreciar a viabilidade de produção da prova requerida pelo Exmo. Juiz Reclamante.

A esse propósito, e com todo o respeito por outra opinião, parece-nos que tal pretensão só pode ser indeferida.

Efetivamente, não cabe ao órgão competente para conhecer da reclamação/recurso hierárquico proceder a qualquer instrução, podendo, isso sim, como resultado da reclamação, determinar nova instrução ou diligências complementares— artigo 197, nº 1 e nº 3 do CPA.

Por outro lado, a validade ou invalidade (eventual e hipotética) da instrução feita em sede de inquérito não resulta de nova instrução: o que aqui se aprecia é o que foi feito e como o foi.

Finalmente, a instrução (produção de prova) só tem sentido, havendo processo disciplinar (e, não o havendo a questão nem se coloca), em sede desse mesmo processo, onde o Exmo. Juiz Reclamante poderá exercer os seus legítimos direitos de defesa e a sua eventual audição em sede de Conselho Plenário depende da conclusão do processo disciplinar e da sanção que aí seja proposta.

Por tudo, indefere-se a pretendida produção de prova.»

— Quanto à parcialidade do Senhor Vice-Presidente do CSM:

«Salvo o devido respeito, o Exmo. Sr. Juiz Reclamante não tem fundamento válido para a sua pretensão anulatória.

(...)

Por um lado, não corresponde à realidade fáctica a alegação de o CSM só ter agido no caso do Exmo. Juiz Reclamante ou de não ter agido em casos semelhantes ou equiparáveis: os exemplos que carreia o Exmo. Reclamante – como, aliás, é de conhecimento público (publicado) – infirmam cabalmente esse pressuposto. Dito de outro modo, o pressuposto de facto que funda, nesta parte, a impugnação, não se verifica.

Por outro lado, e ainda que assim não fosse, importa não esquecer que o despacho do Exmo. Conselheiro Vice-Presidente do CSM (...) foi ratificado pelo Plenário do CSM, sem qualquer impugnação posterior por parte do Exmo. Reclamante, e a ratificação é uma “sanação ou supressão da própria ilegalidade” do ato, admitindo, por cautela, que a mesma pudesse existir.

Não ocorre, por tudo, o invocado vício da ilegalidade do despacho que determinou a abertura do inquérito.»

— Quanto à suspeição do Exmo. Inspector Judicial:

«Em primeiro lugar, e numa leitura adaptada do disposto no artigo 44 do CPP, não faz sentido suscitar a suspeição do Instrutor do Inquérito depois de este estar findo.

Em segundo lugar – e mais relevantemente -, a suspeição do Instrutor só tem sentido – como decorre da leitura do artigo 43, nº. 1 do CPP – quando houver motivo sério e grave adequado a gerar desconfiança sobre a imparcialidade.

Permitimo-nos repetir: motivo sério e grave, causal à desconfiança – necessariamente objetiva – sobre a imparcialidade do Instrutor/Inspetor.

Pensamos – e assim concluímos – que é manifesto, atendendo ao relatado pelo Exmo. Reclamante – que se admite, por raciocínio, como certo -, não haver motivo de suspeita, ainda menos séria e grave, sequer causal a uma eventual desconfiança sobre a imparcialidade.

A natureza do inquérito e os factos alegados – reconhecidamente, cada um de per si, incapazes que abalar a imparcialidade do Exmo. Inspetor Judicial são disso reveladores.

Assim, e sem necessidade doutros acrescentos, indefere-se o incidente.»

— Quanto ao erro na forma do processo:

«Assim, e em conclusão, considerando o teor do despacho (ratificado) que determinou a instauração do inquérito e tendo em conta a finalidade e natureza deste procedimento, mostrando-se o mesmo justificado nos seus próprios termos, ou seja, sendo ele o procedimento adequado, não ocorre qualquer erro na forma de processo.»

— Quanto à violação do princípio da defesa e audiência do Arguido:

«Por tais razões, entende-se que o inquérito aqui em causa não violou direitos de defesa do Exmo. Juiz Reclamante, não tendo dado azo à nulidade invocada ou a qualquer outra.»

— Quanto à omissão de diligências essenciais de prova:

«Em conclusão, não ocorreram as nulidades invocadas, mesmo que diretamente, e sem mais, recorrêssemos aos normativos do CPP; por maioria de razão, não vislumbramos qualquer irregularidade, quando estamos perante um inquérito, não um processo disciplinar, e nem sequer se mostram desrespeitados os impositivos que disciplinam este último.»

— Quanto à factualidade assente não corresponder à verdade e, consequentemente, a deliberação não se encontrar corretamente fundamentada – vício de fundamentação

«A decisão do Conselho Permanente de instaurar um processo disciplinar é decorrente, coerente e percetível com a matéria de facto que o inquérito apurou.

(...) Independentemente de não sermos capazes de facilmente vislumbrar uma despersonalização da personalidade do juiz, mormente quando o mesmo fala de distribuição de processos (note-se que a entrevista seria ao cidadão e por causa dos fogos), o que importa dizer é que o relatório do Exmo. Inspetor, acolhido na deliberação sob censura, é fundamentado de modo coerente, perceptível e adequado.

Nenhuma invalidade, por isso, lhe vemos.»

— Quanto à deliberação enfermar de erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais através da não verificação do tipo objetivo de ilícito:

«As considerações feitas pelo Exmo. Juiz Reclamante, que o levam a sustentar que não se verifica, no caso concreto e também objetivamente o ilícito disciplinar, revelam-se, com todo o respeito, improcedentes.»

2. Apreciação jurídica

2.1. Enquadramento preliminar

2.1.1. Da suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do CSM tomada em 23/04/2019

Estamos no âmbito de uma pretensão cautelar de suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), tomada em 23/04/2019, deduzida pelo Sr. Juiz ..., AA, ao abrigo do disposto nos artigos 170º., nº. 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), e 112º. e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Com efeito, das deliberações do CSM recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 168º., nº. 1, do EMJ), encontrando-se a tramitação de tais recursos para a Secção do Contencioso do STJ especialmente prevista nos artigos 168.º e segs. do EMJ.

 E, dado o carácter simplificado de tal tramitação, mais determina o artigo 178º. do mesmo EMJ a aplicação subsidiária das normas (hoje) constantes do CPTA.

Todavia, nos termos do artigo 170º., nº 1, do mesmo Estatuto, «a interposição do recurso não suspende a eficácia do acto recorrido, salvo quando, a requerimento do interessado, se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação».

Neste específico contexto, trata-se, então, de uma providência cautelar dependente de um meio de tutela definitiva (qual seja, o recurso contencioso / a impugnação judicial das deliberações do CSM previsto nos artigos 168º. e seguintes do EMJ), a que são subsidiariamente aplicáveis, nomeadamente, as normas dos artigos 112º., nº. 2, al. a), e 120º. do CPTA (respeitantes aos "processos cautelares"), por força do preceituado no aludido artigo 178º. do EMJ e no artigo 192º. do CPTA.

2.1.2. Dos pressupostos da providência cautelar de suspensão da eficácia de um acto administrativo

Do disposto nos artigos 170º., nº. 2, 2.ª parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA, decorre que a adoção da providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:

 (i) A existência de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado irreparável ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (critério do periculum in mora).

Encontrando a tutela cautelar a sua justificação, quer do ponto de vista teleológico (a sua função), quer do ponto de vista ontológico (o que é e o que não pode ser) nas garantias processuais (na garantia de efectividade a uma forma de tutela jurisdicional principal), este primeiro pressuposto enunciado no nº. 1 do artigo 120º. do CPTA, traduz-se, assim, no fundado receio (não bastando, por isso, qualquer simples receio, que pode corresponder a um estado de espírito que derivou de uma apreciação ligeira da realidade, num juízo precipitado das circunstâncias) de que, quando o processo principal chegue ao fim e sobre ele venha a recair uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar a resposta adequada às situações jurídicas envolvidas no litígio:

Seja porque a evolução das circunstâncias, durante a pendência do processo, conduziu a que se formassem situações de facto definitivas, consumadas e irreversíveis para o futuro, tornando a decisão (no processo principal) totalmente inútil;

Seja, pelo menos, porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.

(Neste sentido: cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in "Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos", 4ª. ed., 2017, pág. 913)

Na indagação do preenchimento deste requisito, que se prende com a morosidade processual da impugnação contenciosa, caberá, então, emitir um juízo de prognose em termos de avaliar se a não concessão da providência cautelar pode conduzir:

 — Ou a uma situação de irreversibilidade, traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da atuação ilegal (situação de facto consumado);

[Quanto a esta situação de facto consumado, mais explicita MÁRIO AROSO DE ALMEIDA (in "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 4ª ed., pág. 299-300) que «desde que os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio de que, se for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade - é este o sentido a atribuir à expressão facto consumado».]

— Ou a uma situação em que, sendo a reconstituição natural, em abstrato, possível, esta se revele, todavia, muito difícil, em especial por não ser determinável a verdadeira extensão dos prejuízos causados (produção de prejuízo de difícil reparação).

(Cfr. "Comentários à revisão do ETAF e do CPTA", coordenação de CARLA AMADO GOMES, ANA FERNANDA NEVES, TIAGO SERRÃO, AAFDUL, 2ª ed., 2016, p. 741.)

Daí que o periculum in mora não se traduza em qualquer perigo genérico de dano, mas antes no prejuízo de ulterior dano marginal derivado da demora a que está sujeito o processo principal, só assumindo relevância os prejuízos que coloquem em risco a efetividade da decisão proferida no processo principal.

 (Assim: ISABEL DA FONSECA, in "O Debate Universitário”, pág. 343)

Na relevância deste requisito, e no que aos danos ou prejuízos concerne, mais importa atentar que:

— Serão prejuízos de difícil reparação «aqueles cuja reintegração no plano dos factos se perspectiva difícil, seja por que pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente» (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, in ob. cit., pág. 705);

Tais prejuízos terão de resultar direta, imediata e necessariamente do ato suspendendo, carecendo de relevância para o efeito, os danos ou prejuízos indiretos, mediatos ou eventuais;

E terão de consistir em danos ou prejuízos efetivos, reais e concretos, sendo de desconsiderar os danos ou prejuízos meramente hipotéticos, conjeturais, ou aleatórios.

(ii) A probabilidade séria de a pretensão formulada ou a formular pelo requerente no recurso contencioso vir a ser julgada procedente (critério do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito, decorrente de uma "summario cognitio").

A propósito deste requisito, salienta MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, «a atribuição das providências cautelares depende de um juízo, ainda que perfunctório, por parte do juiz, sobre o bem fundado da pretensão que o requerente faz valer no processo declarativo. O juiz deve, portanto, avaliar o grau de probabilidade de êxito do requerente no processo declarativo. Essa avaliação deve, naturalmente, conservar-se dentro dos estritos limites que são próprios da tutela cautelar, para não comprometer nem antecipar o juízo de fundo que caberá́ formular no processo principal» (in  "Manual de Processo Administrativo", 2016, pág. 451).

Porém, nos termos do nº. 2 do artigo 120º. do CPTA, o decretamento da providência será recusado quando, «devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências».

Tal ponderação (de todos os interesses, públicos e privados) e proporcionalidade entre os danos ou prejuízos que se pretende evitar com a concessão da providência e os danos que adviriam em resultado da concessão da mesma constitui, assim, um requisito negativo.

À luz destas considerações, importa agora analisar o caso em apreço.

2.2. Aferição do preenchimento do periculum in mora

2.2.1. Breve contextualização

No caso em presença, considerada a finalidade da (antecedente) "impugnação administrativa", constata-se, desde logo, que a Reclamação, de 14/12/2018, para o Conselho Plenário do CSM [alicerçada na discordância do Relatório Final, e, consequentemente da deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13/11/2018, que naquele se fundamenta, por a mesma padecer de invalidades várias que determinam a sua nulidade ou pelo menos a sua anulação, na medida em que se verifica erro na forma de processo, violação do princípio da defesa e audiência do Arguido, omissão de diligências essenciais de prova, vício de fundamentação e erro manifesto na apreciação dos pressupostos jurídico-factuais através da não verificação do tipo objetivo de ilícito, e na qual se requer que «se declare a nulidade ou pelo menos a anulação da douta deliberação reclamada e o arquivamento do processo de inquérito e consequentemente do processo disciplinar já convolado, por se entender que o mesmo padece de invalidades várias»] dirigiu-se:

 (i) à admissão da prova documental apresentada e à realização das diligências de prova nos termos requeridos (audição de 33 testemunhas, além da própria audição do Requerente e a audição presencial e integral do “bruto” da entrevista, em sede de Conselho Plenário);

(ii) à prática do acto de pronunciamento sobre as invocadas invalidades e consequente decisão de arquivamento do processo de inquérito e do processo disciplinar já convolado.

            Por sua vez, a presente providência, no plano jurisdicional, dirige-se à suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do CSM, tomada em 23/04/2019, que, apreciando aquela Reclamação (apresentada pelo Requerente sobre a Deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13/11/2018), indeferiu a pretendida produção de prova, indeferiu o incidente de suspeição do Exmo. Inspetor Judicial e considerou inverificadas as invalidades invocadas, concluindo em «considerar improcedente a reclamação apresentada pelo Exmo. Senhor Juiz de Direito AA».

Assim, com a presente providência de suspensão da eficácia do ato, pretende o Requerente paralisar os efeitos da Deliberação do Plenário do CSM tomada em 23/04/2019 — que deliberou pela improcedência da Reclamação apresentada pelo Requerente sobre a Deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13 de novembro de 2018 — até à decisão sobre a sua validade/invalidade em sede de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto ação principal.

E, para preenchimento do pressuposto do periculum in mora, invoca o Requerente, no essencial:

— A deliberação suspendenda, se não for objeto de suspensão, causará ao Requerente prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável.

— O Acórdão que vier a ser proferido no recurso, ainda que seja favorável à pretensão do Requerente, como se espera e (e pensa-se) se afigura evidente, não terá, lamentavelmente, qualquer efeito útil, considerando que, entretanto, o processo disciplinar irá retomar o seu andamento uma vez que o recurso não tem efeito suspensivo.

— Nesse pressuposto, retomado o procedimento disciplinar, com tudo o que o mesmo implica e acarreta a nível pessoal e profissional, ainda que se viesse a obter ganho de causa no recurso, o certo é que seria impossível a reconstituição da situação do Requerente em decorrência da anulação ou nulidade da deliberação impugnada (prejuízos irreversíveis).

— Nem mesmo uma eventual indemnização que viesse a ser fixada para ressarcimento dos danos causados ao Requerente supriria os danos morais, pessoais e profissionais sofridos pelo Requerente e que o mesmo irá continuar a sofrer.

— A instauração infundada e precedida de invalidades de um processo de inquérito disciplinar, entretanto convolado em processo disciplinar, eivado de invalidades, afetou, afeta e continuará a afetar negativamente o nome, a honra, a imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, configurando danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de difícil reparação.

— O Requerente é um Juiz conhecido do público em geral, estando a maioria dos seus atos pessoais e profissionais totalmente expostos ao escrutínio por parte da opinião pública e órgãos de comunicação social, sem que em algum momento tenha o Requerente para isso contribuído.

— Se a deliberação suspendenda não for suspensa, o que determinará a retoma do processo disciplinar, chegando, muito provavelmente, tal informação aos meios de comunicação social, tal poderá ter um impacto negativo significativo no exercício de funções do Requerente.

— Existe a possibilidade real de os vários intervenientes processuais dos processos em que o requerente é Juiz, sabendo da existência do decurso do processo disciplinar poderem, ainda que por razões infundadas, fomentar e instigar a dúvida quanto à idoneidade do Requerente.

— A natureza dos processos em que o Requerente é Juiz é mais do que propícia a que tal aconteça; muitas vezes os mandatários dos arguidos, à falta de melhores argumentos, utilizam todo o tipo de argumentação e expedientes para adiarem a realização da justiça.

— O próprio exercício de funções do Requerente, por muito que este se esforce, não deixa de ser afetado pela existência do processo disciplinar.

— No caso do Requerente a existência do processo disciplinar assume, de facto, uma dimensão negativa que o afeta nos seus direitos ao bom nome, honra, imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, não só porque, designadamente, (i) é manifestamente infundada e ilegal a existência do processo disciplinar como demonstrado adrede e em sede de recurso, como também (ii) por saber que já foi “julgado em praça pública”, pelo menos, aquando da divulgação nos meios de comunicação social de que o CSM havia instaurado processo disciplinar contra o Requerente, quando nem sequer lhe havia sido concedida previamente a faculdade de poder exercer devidamente o seu direito de defesa, ao que acresce (iii) o facto de até à data de hoje, na sua longa carreia de Magistrado não ter pretérito disciplinar e (iv) o significado “punitivo” que entre os Colegas é suscetível de ser atribuído a um processo disciplinar.

— A decisão da ação principal que venha a dar razão ao Requerente, o que se pensa ser manifestamente provável, não será, todavia, adequada a repristinar juridicamente o statu quo ante,

— A não suspensão da eficácia da douta deliberação suspendenda acarretaria, para o Requerente, prejuízos não só de difícil reparação, mas até mesmo irreparáveis, encontrando-se, desta forma, verificado o pressuposto do periculum in mora.

Comecemos, então, por ajuizar sobre a verificação do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado, isto é, sobre se há razões para recear que, não sendo a Deliberação do Plenário do CSM de 23/04/2019 suspensa, a decisão que venha a ser proferida na acção principal (acção administrativa de impugnação / recurso contencioso) não tenha qualquer efeito útil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto (conversão do inquérito em processo disciplinar e prosseguimento do processo disciplinar) com ela incompatível.           

2.2.2. Da verificação do fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado

Conforme referido, o fundado receio a que alude o do artigo 120º. do CPTA reporta-se, desde logo, à ocorrência de situações em que seja de prever que o restabelecimento da situação que existiria não fosse a conduta ilegal se tornará impossível pela mora do processo.

Assim, dado que a tutela cautelar visa garantir efetividade a uma forma de tutela jurisdicional principal, tal fundado receio de constituição de facto consumado exigirá a adoção de uma providência cautelar, de forma a evitar que se formem situações de facto definitivas, consumadas e irreversíveis para o futuro, assim se obstando a que a passagem do tempo, só por si mesma, decida definitivamente a questão.

(Cfr. MIGUEL PRATA ROQUE, in "Novas e Velhas Andanças do Contencioso Administrativo", pág. 588).

Neste particular, vem o Requerente sustentar que a convolação do inquérito em processo disciplinar se traduz na constituição de uma verdadeira situação de facto consumado, já que, retomado o processo disciplinar, já não é possível a reintegração específica da esfera jurídica do Requerente como se essa situação não tivesse ocorrido (ou seja, ainda que a decisão da ação principal que venha a dar razão ao Requerente, não será, todavia, adequada a repristinar juridicamente o statu quo ante), sendo de considerar verificado o periculum in mora.

Vejamos, então:

— Se a execução da deliberação do Plenário do CSM, de 23/04/2019, que concluiu pela improcedência da Reclamação apresentada pelo Requerente sobre a Deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13 /11/2018 (que deliberou pela instauração de procedimento disciplinar ao Requerente, aproveitando-se os autos de inquérito em sede de instrução do processo disciplinar, sem prejuízo das demais diligências que se venham a revelar necessárias), em caso de não ser suspensa, redunda em irreversibilidade (situação de facto consumado).

Ou seja, se, em função da não suspensão da Deliberação que confirma (ao julgar improcedente a Reclamação) a conversão do inquérito em processo disciplinar, a decisão final da ação principal (ação fundada em vícios de anulação e de nulidade da Deliberação impugnanda) acarretará a impossibilidade de proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade (arquivamento do inquérito eivado de nulidades), uma vez que o processo disciplinar prosseguiu.

E, dado que toda a censura da Reclamação julgada improcedente pela Deliberação impugnanda se consubstancia num procedimento anterior, qual seja o inquérito (discute-se a instauração do inquérito, a atuação do Inspetor Judicial no inquérito, a omissão de diligência de prova relevantes durante o inquérito, a postergação dos direitos de defesa no inquérito, a omissão de diligência de prova relevantes durante o inquérito, a insuficiência fáctica do inquérito e a indemonstração, subjetiva e objetiva, no inquérito, da prática da infração disciplinar), importa efetuar uma breve análise do conspecto normativo em que se inscrevem tais procedimentos.

Consabido é que, na sua feição estrita, o procedimento disciplinar constitui um conjunto de atos e formalidades que preparam uma decisão em matéria disciplinar, sendo que o concretismo do apuramento que envolve e as garantias do arguido (que, no exercício pleno do contraditório, se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão) sobre que se molda fazem dele um procedimento de referência, comum ou principal, no que respeita à efetivação da responsabilidade disciplinar (cfr. artigos 110º. a 124º. do EMJ).

Em sede de processo disciplinar, finda a instrução, o instrutor toma uma de duas posições:

— Ou conclui pela existência de indícios suficientes dos factos constitutivos da infração disciplinar e deduz acusação;

— Ou considera não existirem indícios suficientes dos factos constitutivos da infração e elabora relatório com proposta de arquivamento do processo, submetendo o relatório a decisão do CSM.

(Cfr. artigo 117º., nº.s 1 e 2, do EMJ)

Por sua vez, o procedimento de inquérito coloca-se num momento precedente, enquanto meio de averiguação de factos determinados, embora com finalidade disciplinar (avaliação preliminar e indiciária da necessidade de procedimento disciplinar).

Assim:

Nos termos do disposto no artigo 132º., nº. 1, do EMJ, «os inquéritos têm por finalidade a averiguação de factos determinados», sendo aplicáveis à respetiva instrução, com as necessárias adaptações, as disposições relativas a processos disciplinares (artigo 133º. do mesmo diploma).

Prevê, depois, o artigo 134º. do EMJ, sob a epígrafe "Relatório" que: «Terminada a instrução, o inquiridor ou sindicante elabora relatório, propondo o arquivamento ou a instauração do procedimento, conforme os casos».

E, por último, o artigo 135º. do referido EMJ, prevê os termos em que se opera a conversão do inquérito em processo disciplinar.

Assim, a realização de inquérito visa esclarecer uma situação concreta, apurando se foram ou não praticados determinados factos e qual o seu carácter e imputação (M. Caetano, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed. (reimp.), vol. II, 835). E, caso não permita concluir que foi praticada infração disciplinar, o inquérito será sem mais, arquivado. Em caso contrário, ou seja, quando nele se recolha prova da existência dos factos participados e da identidade dos respetivos autores, será proposta, então, a instauração de processo disciplinar, que é o meio de efetivar a responsabilidade disciplinar e que, diversamente do que sucede com o inquérito, será dirigido contra pessoa(s) determinada(s), à qual deve ser dado conhecimento da respetiva instauração.

À luz deste quadro normativo, constata-se, então, que a conversão do inquérito em processo disciplinar (e o subsequente prosseguimento do processo disciplinar) não se traduz na constituição de uma verdadeira situação de facto consumado, não consubstancia uma consolidação irreversível da situação de facto, porquanto, caso a pretensão formulada pelo Requerente na ação administrativa de impugnação / no recurso contencioso (processo principal) venha a ser julgada procedente, tal posterior anulação do ato que converteu o inquérito em procedimento disciplinar (declaração nulidade ou anulabilidade da deliberação em crise) acarretará a destruição dos efeitos jurídicos da conversão do inquérito em processo disciplinar, eliminando da ordem jurídica o processo disciplinar [cfr. artigos 162º. e 163º. do Código do Procedimento Administrativo (CPA)].

Não se verifica, assim, o requisito ora em análise (fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado) da existência do periculum in mora.

                  2.2.3. Da ocorrência do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal

Na sequência do que vem referido, o fundado receio a que alude o do artigo 120º. do CPTA reporta-se, ainda, à ocorrência de uma outra situação, qual seja: quando os factos concretos alegados pelo requerente inspirem o fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação no caso de a providência ser recusada, seja porque a reintegração no plano dos factos se perspetiva difícil, seja porque pode haver prejuízos que, em qualquer caso, se produzirão ao longo do tempo e que a reintegração da legalidade não é capaz de reparar ou, pelo menos, de reparar integralmente.

Ora, ainda que não se esteja perante uma situação de facto consumado, será que a não suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do CSM, tomada em 23/04/2019, é suscetível de produzir prejuízos de natureza irreparável ou de difícil reparação para os interesses que o Requerente deseja ver reconhecidos na ação principal?

Considerando que (i) qualquer execução pode acarretar prejuízos e que (ii) à execução do ato suspendendo se ligam inevitavelmente efeitos concretos que a eventual anulação dele (por efeito do êxito obtido na ação principal) não eliminará, importa analisar se os danos morais, pessoais e profissionais, invocados sob os artigos 73º. a 91º. do requerimento cautelar são suscetíveis de ser qualificados como irreparáveis ou de difícil reparação no sentido visado pelos artigos 170º., nº.1, 2º. parte, do EMJ, e 120º., nº. 1, do CPTA.

Procedendo a tal análise, temos que:

Desde logo, relativamente aos alegados prejuízos não apenas de difícil reparação mas mesmo de natureza irreparável, aos afirmados danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de muito difícil reparação (sob os artigos 73º., 75º., 76º., 77º., 90º. e 91º. do requerimento cautelar), o Requerente não procedeu à respetiva concretização, limitando-se a afirmações abstratas, genéricas e conclusivas, sem especificação (a que estava onerado) dos factos concretos de onde emergem;

— Perante a falta de lesividade autónoma do ato que ordena a conversão do inquérito em processo disciplinar (e sem qualquer efetivação de responsabilidade disciplinar), também não se vislumbra em que medida tal conversão do inquérito afetou, afeta e continuará a afetar negativamente, o nome, a honra, a imagem, bem como o prestígio pessoal e profissional do Requerente, e configura danos morais de relevo, de natureza irreparável ou de muito difícil reparação, porquanto: (i) por um lado, a instauração do inquérito não tem alcance lesivo dos direitos ou interesses legalmente protegidos dos magistrados envolvidos nos factos a averiguar, sendo apenas no processo disciplinar que se determinará se ocorre responsabilidade disciplinar; (ii) por outro lado, a conversão do inquérito em processo disciplinar não representa qualquer presunção de culpa, visando antes apurar da eventual responsabilidade disciplinar do visado, que, no exercício pleno do contraditório, se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão;

Ainda que os danos morais invocados pelo Requerente se pudessem alicerçar no ato suspendendo (fossem resultantes da conversão do inquérito, eivado de nulidades, em processo disciplinar), tais danos morais seriam insuscetíveis de integrar o conceito de prejuízo de natureza irreparável ou de difícil reparação, porquanto tal noção abrange todos os danos resultantes da imediata execução do ato e que não sejam facilmente reparáveis ex post, caso o requerente obtenha êxito na ação principal;

— Tais eventuais prejuízos pela abertura, alegadamente infundada e precedida de invalidades, do processo disciplinar (dado que a irreparabilidade que os caracteriza, decorrendo em exclusivo da sua própria natureza, não afasta a possibilidade de compensação), sempre serão suscetíveis de compensação, caso o Requerente obtenha êxito na ação principal, e desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Como assim, e no que ora releva, os prejuízos invocados:

— São insuscetíveis de se identificarem como consequência direta, imediata e necessária da conversão do inquérito em procedimento disciplinar, face à falta de lesividade autónoma do ato que ordena a conversão do inquérito em processo disciplinar;

— E são insuscetíveis de integrar o conceito de prejuízo de natureza irreparável ou de difícil reparação, porquanto a irreparabilidade que os caracteriza, decorrendo em exclusivo da sua própria natureza, não afasta a possibilidade de compensação.

Não se pode, assim e igualmente, ter por verificado o requisito do fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação da existência do periculum in mora.

2.3. Em conclusão

Na confluência das anteriores constatações, tem-se por inverificado o elemento constitutivo da providência requerida exigido pela 1ª. parte do nº. 1 do artigo 120º. do CPTA e pelo nº. 1 do artigo 170º. do EMJ.

Ora, sendo de verificação cumulativa os requisitos de que depende a concessão da requerida providência cautelar, a inverificação do periculum in mora:

 — À luz da sumariedade que caracteriza a presente providência cautelar, implica que fique prejudicada a apreciação do requisito atinente à aparência do direito, bem como que seja efetuada a ponderação a que se refere o nº. 2 do artigo 120º. do CPTA,

— E obsta ao decretamento da mesma providência cautelar.

IV. Decisão

Posto o que precede, acordam os juízes, que constituem a Secção do Contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça, em indeferir a requerida suspensão da eficácia da Deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, tomada em 23/04/2019, que julgou improcedente a Reclamação deduzida pelo Requerente contra a Deliberação do Conselho Permanente do CSM de 13/11/2018 (que deliberou pela instauração de procedimento disciplinar ao Requerente, aproveitando-se os autos de inquérito em sede de instrução do processo disciplinar, sem prejuízo das demais diligências que se venham a revelar necessárias), mantendo-a nos seus precisos termos.

Custas a cargo do Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.



Lisboa, 4 de julho de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)