Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1984
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MÁRIO PEREIRA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
AJUDAS DE CUSTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200810080019844
Data do Acordão: 10/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344.º, n.º 1 e 350.º do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, ou seja, que as respectivas importâncias foram devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas ao serviço dela, empregadora, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art. 260.º do CT e de valer a presunção do n.º 3 do art. 249.º do CT, de que se está perante prestação com natureza retributiva.
II - Feita esta prova, pode entrar em aplicação a ressalva contida na norma especial da 2.ª parte do n.º 1 do art. 260.º do CT que estabelece em que termos e medida as ajudas de custo revestem natureza retributiva.
III - Por não se encontrar demonstrada a causa concreta dos pagamentos, integram o conceito de retribuição, pelo que devem atender-se no cálculo dos direitos emergentes de acidente de trabalho, as importâncias pagas, mensalmente, pela empregadora (que se dedica à prestação de serviços de transporte de mercadorias) ao trabalhador (motorista de pesados de mercadorias), no período de Março de 2004 a Março de 2005, a título de ajudas de custo e das cláusulas 74.ª, n.º 7, 47.ª e 47.ª-A do CCT entre a Antram-Associação Nacional de Transportes públicos de Mercadorias e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Outros (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 9, de 8-3-1980, com alteração publicada no BTE, 1.ª Série, n.º 16, de 29-4-1982).
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
I – A AA interpôs a presente revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, nesta acção emergente de acidente de trabalho, julgou improcedente a apelação por si interposta e confirmou, na parte recorrida, a sentença que condenou:
- a ré BB, SA, a pagar ao autor CC a quantia de 10.145,76 euros (dez mil cento e quarenta e cinco euros e setenta e seis cêntimos), a título de capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, no montante de 617,59 euros, a partir de 23 de Novembro de 2005, e as despesas de transporte reclamadas no montante de 33,00 euros (trinta e três euros);
- a ré AA pagar ao referido autor a quantia de 13.433,50 euros (treze mil quatrocentos e trinta e três euros e cinquenta cêntimos), a título de capital de remição de uma pensão anual e vitalícia, no montante de 817,72 euros, a partir de 23 de Novembro de 2005, e a indemnização devida pelos períodos de incapacidade temporária no montante de 4.765,58 euros (quatro mil setecentos e sessenta e cinco euros e cinquenta e oito cêntimos), devida desde 12 de Novembro de 2005.
- as rés no pagamento de juros de mora sobre tais quantias desde os respectivos vencimentos.
Na alegação da revista, a ré AA apresentou as seguintes conclusões:
1ª. O douto acórdão recorrido errou ao considerar que as quantias pagas pela ré ao autor, a título de ajudas de custo, devem ser consideradas como fazendo parte da retribuição.
2ª. Pois, tais quantias não têm carácter permanente, sendo o seu valor variável, em função do tempo de duração da viagem, distâncias percorridas e período de ausência do domicílio.
3ª. E assim sendo, jamais poderá existir expectativa por parte do autor que todos os meses receberá aquela prestação, pois nunca tais ajudas de custo foram atribuídas de forma regular e permanente; aliás, pela matéria dada como provada verifica-se que os montantes são variáveis.
4ª. Não devendo tais importâncias serem consideradas como retribuição, nem tidas em conta para efeitos de cálculo de pensão.
5ª. Sendo que a situação dos autos cai na previsão da 1ª parte do n.° 1 do artigo 260 do Código de Trabalho.
E não na situação prevista na parte final do n.° 1 do artigo 260 do C. de Trabalho.
6ª. O douto acórdão, salvo melhor entendimento, violou por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 26, n.° 3 da Lei 100/97, de 13.9, a 1.ª parte do n.° 1 do artigo 260 do Código de Trabalho, bem como a sua parte final.
Violou, ainda, o artigo 249, n.°4 do C. de Trabalho.
Termina pedindo que tais quantias pagas pela ré ao autor não sejam consideradas retribuição e, como tal, não sejam tidas em conta para efeitos de cálculo da pensão, com a revogação do acórdão recorrido.

O A., patrocinado pelo Ministério Público, contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

II – Colhidos os vistos, cumpre decidir.
As instâncias entenderam, sem discordância das partes, que se estava perante um acidente de trabalho, reparável.
E daí o arbitramento das respectivas prestações, tendo sido entendido que as quantias pagas pela ré AA., a título de ajudas de custo, também entram na noção de retribuição atendível para o cálculo das prestações infortunísticas, respondendo as rés na medida da sua responsabilidade, face ao valor transferido pelo contrato de seguro, para a BB.

À semelhança do que já acontecera na apelação, a discordância da AA, na revista, limita-se à parte da decisão que mandou atender a tais quantias no cálculo das prestações, defendendo posição contrária, do que resultaria, em seu entender, que toda a sua responsabilidade estava transferida para a ré seguradora, com a absolvição dela, recorrente, do pedido.
É, pois, esta a única questão da revista (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC).

O acórdão recorrido deu como provados, sem impugnação das partes, os factos referidos sob os n.ºs 1 a 25, a fls. 255 a 257, que se dão por reproduzidos, nos termos dos art.ºs 713º, n.º 6 e 726º do CPC - (1)., a dos quais interessa aqui considerar, atento o objecto da revista, os seguintes:
1. A Ré AA dedica-se à prestação de serviços de transporte de mercadorias.
2. Transferiu para a Ré BB a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho ocorridos com o pessoal que emprega naquela sua actividade, titulado pela apólice n°00000000000.
3. Naquela sua actividade, a Ré AA admitiu, pelo menos há cerca de um ano, o Autor para prestar serviço sob as suas ordens, direcção e fiscalização dos órgãos e representantes, com a categoria de motorista de pesados.
4. No dia 4.4.2005, entre as 14 e as 15 horas, na Bélgica, quando o Autor, durante a sua prestação laboral ao serviço da Ré AA, conduzia um camião desta, sofreu um acidente de viação.
7. Na tentativa de conciliação de fls.82 a 85, não foi possível obter acordo entre as partes.
8. A Ré BB reconheceu: a existência do contrato de seguro, ramo acidente de trabalho, celebrado com a Ré AA; que o acidente sofrido pelo Autor ocorreu no lugar e no tempo da sua prestação laboral; que as lesões sofridas pelo Autor são consequência directa e necessária daquele acidente; que o Autor ficou afectado com a ITA e ITP referidas no auto e que lhe resultou a IPP de 10%; a transferência da responsabilidade infortunística mas pela retribuição anual de € 630,19xl4meses; as despesas de transporte de € 33,00 reclamadas pelo Autor; aceita pagar ao Autor o capital de remição pelo salário e IPP referidos e as despesas de transportes.
9. A Ré AA reconheceu que: o Autor era trabalhador sob as suas ordens e por conta dos seus órgãos e representantes; que se sinistrou no tempo e no local da sua prestação laboral; que lhe pagava o salário de € 630,19xl4meses; por via do acidente, o Autor sofreu os ferimentos e lesões descritos no auto de exame médico; que tinha celebrado um contrato de seguro com a Ré BB; mas não aceita conciliar-se por não concordar com o salário indicado pelo Autor, com as incapacidades temporárias e respectivos graus e com a IPP de 10% e data da alta atribuída pelo perito médico.
11. A Ré AA pagava ao Autor, em Abril de 2005, a retribuição mensal de € 630,19x14 meses, incluído já o subsídio de refeição.
12. Por via dos ferimentos resultantes do acidente o Autor ficou afectado de ITA desde 5.4.2005 a 16.10.2005 e com ITP de 40% desde 17.10.2005 a 11.11.2005.
13. O Autor, em consequência do acidente, encontra-se afectado de IPP de 10%.:
14. Em Março de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 1.036,96.
15. Em Abril de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 1.036,96.
16. Em Maio de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 1036,96.
17. Em Junho de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 1.036,96.
18. Em Julho de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 1.036,96.
19. Em Agosto de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 69,13.
20. Em Setembro de 2004, a Ré pagou ao Autor, a título de ajudas de custo, a quantia de € 1.036,96.
21. Em Outubro de 2004, a Ré pagou ao Autor: a) a título de ajudas de custo, a quantia de € 877,89; b) a título de cl.ª 74ª n°7 do CCTV a quantia de € 270,00; c) € 1,00, a título de cl.ª 47ª e 47ªA.
22. Em Novembro de 2004, a Ré pagou ao Autor as mesmas quantias referidas em 21.
23. Em Dezembro de 2004, a Ré pagou ao Autor: a) € 609,82, a título de ajudas de custo; b) € 270,00, a título de cl.ª 74ª n°7; c) € 1,00 a título de cl:ª 47ª e 47ªA.
23. Em Janeiro de 2005, a Ré pagou ao Autor: a) € 727,89, a título de ajudas de custo; b) € 270,00, a título de cl.ª 74 n.º 7; c) € 1,00, a título de cl.ª.47ª e 47ªA.
24. Em Fevereiro de 2005, a Ré pagou ao Autor: a) a título de ajudas de custo, € 877,89; b) € 270,00, a título de cl.ª74ª n°7; c) € 1,00, a título de cl.ª 47ª e 47ªA.
25. Em Março de 2005, a Ré pagou ao Autor as mesmas quantias referidas em 24.

III – Está apenas em causa, na revista, como já estava na apelação, a questão de saber se as quantias recebidas pelo A. sob a designação de ajudas de custo e de claúsulas 74ª, n.º 7, 47ª e 47ª A do CCT entre a Antram-Associação Nacional de Transportes Públicos de Mercadorias e a Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, no BTE n.º 9, 1ª série, de 8.3.1980, pág.591 e ss., com a alteração publicada no BTE n.º 16, de 29.04.1982, pág. 924 e ss. - (2)”. , integram o conceito de retribuição com base no qual devem ser calculados os seus direitos emergentes do acidente de trabalho em apreço.

Conhecendo:
Como foi entendido nas instâncias, sem discordância das partes, tendo o acidente ocorrido em 4 de Abril de 2005, é-lhe aplicável a denominada Lei dos Acidentes de Trabalho de 1997, aprovada pela referida LAT97, entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2000, por força do disposto no art.º 1° do DL n° 382-A/99 de 22 de Setembro.
Ora, dispõe o art.º 26º da LAT (preceito que rege sobre a retribuição atendível para o cálculo das indemnizações e pensões), na parte que aqui interessa:
“1. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta representar a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado.
2. As pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado.
3. Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
4. Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade.”
E, por sua vez, dispõe, o Código do Trabalho, no que aqui interessa:
Art.º 249º - (3):
“1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador
4. (...)”.
Art.º 260°:
“1. Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição ao trabalhador” - (4).
É neste quadro legal que há que apreciar a questão suscitada, na revista.
Somos, pois, reconduzidos à previsão do n.º 3 do art.º 26º da LAT97, que remete para a noção legal de retribuição, no caso a que consta do Código do Trabalho, vigente à data do acidente (idêntica, aliás, à que constava da LCT), acrescentando que também se abrange na retribuição atendível para cálculo das pensões e indemnizações por acidente de trabalho “todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”.
Comentando esse art.º, escreve Carlos Alegre - (5), no domínio ainda do regime da LCT, idêntico, repete-se, ao do Cód. do Trabalho, nos aspectos em apreço:
«Para o conceito de “retribuição normalmente recebida”, usado pelo artigo 26º (...), o artigo 82º da LCT fornece um critério que associa três aspectos: a obrigatoriedade, fundamentada normativa ou contratualmente; a co-respectividade com a efectiva prestação do trabalho e a regularidade e periodicidade do seu pagamento.
Com base nesse critério, é possível excluir, quase liminarmente, os acrescentos salariais que assumam o expresso carácter de liberalidade (artigo 88º da LCT), como são de excluir os que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada – artigo 87º da LCT ou participação nos lucros da empresa – artigo 89º da LCT), por não poderem ser considerados contrapartidas do trabalho prestado (...)».
No quadro apontado e como também foi entendido no acórdão recorrido, somos reconduzidos à previsão e aplicação dos art.ºs 249º e 260º do CT.
Este último preceito define, dentre as atribuições patrimoniais nele previstas e que revestem, efectiva ou tendencialmente, carácter aleatório - (6), ligado à eventualidade ou contingência das deslocações ou novas instalações do trabalhador, com o inerente acréscimo de despesas, quais as que revestem e em que termos natureza retributiva - (7).

Posto isto há que proceder à tarefa de conciliação dos preceitos contidos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 249º e no n.º 1 do art.º 260º do CT.
Tal conciliação faz-se nos seguintes termos:
Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344º, n.º 1 e 350º, n.º 1 do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes (por comodidade, passaremos a designar tais atribuições apenas por “ajudas de custo”), sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260º do CT e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249º do CT de que se está perante prestação com natureza retributiva - (8) .
Feita essa prova, entra em aplicação a norma especial do n.º 1 do art.º 260º do CT que estabelece que ajudas de custo revestem e não revestem natureza retributiva e em que termos e medida a revestem.
Sendo que, como resulta do seu próprio teor literal (“não se consideram retribuição ...”) e finalidade, essa norma especial afasta, torna inaplicável, no estrito âmbito da sua regulamentação, a aplicação das presunções dos n.ºs 2 e 3 do art.º 249º do CT - (9).
E, nos termos desse art.º 260º, só têm natureza retributiva as importâncias pagas a título de ajudas de custo por deslocações frequentes na parte que exceda as respectivas despesas normais e quando tais importâncias tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração ao trabalhador- (10).

Ora, no caso dos autos apenas vem provado, com interesse, que o A. foi admitido ao serviço da R. AA – sociedade que se dedica à prestação de serviços de transporte de mercadorias – com a categoria de motorista de pesados, que a R. lhe pagava, em Abril de 2005, a retribuição mensal de € 630,19 x 14 meses, e que a R., nos meses de Março de 2004 e Março de 2005 pagou ao A. as quantias discriminadas nos factos n.ºs 14 a 25, a título de ajudas de custo e das cláusulas 74ª, n.º 7, 47ª e 47ª-A do aludido CCT.
Não vem, pois, provada a causa concreta dos pagamentos referidos nesses factos, isto é, qual o correspectivo dessas contrapartidas – designadamente, se a prestação da actividade laboral ou da respectiva disponibilidade pelo A., em si mesmas, ou a compensação devida pela R AA por deslocações, novas instalações ou despesas por este feitas ao seu serviço, como, neste caso, se tornava necessário para que tais importâncias não revestissem, nos termos do n.º 1 do art.º 260º, a natureza de retribuição, e se subsumissem à noção de ajudas de custo ou à previsão das referidas cláusulas, 47ª, 47ª-A e 74ª, n.º 7 - (11) .
Assim sendo, não podemos ter como assente que as prestações pecuniárias em causa, por parte da R. AA., têm a natureza constante dos factos n.ºs 14 a 25 (ou seja, a de ajudas de custo ou de prestações das cláusulas 47ª, 47ª-A e 74ª, n.º 7 do mencionado CCT, coincidente, aliás, com os dizeres constantes dos recibos de fls. 62 a 74 dos autos).
Cai-se, por isso, na previsão do n.º 3 do art.º 26º da LAT, por força da presunção, não ilidida pela R. AA, do n.º 3 do art.º 249º do CT.
E, assim sendo, é de considerar, como o fizeram as instâncias, que tais verbas entram na noção de retribuição auferida pelo A. e entram no cálculo das prestações infortunísticas a que este tem direito.
Improcede, pois, a revista.

IV – Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas da revista a cargo da R.AA
Lisboa, 08 de Outubro de 2008

Mário Pereira (Relator)
Sousa Peixoto
Sousa Grandão
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(1)- Os art.ºs do CPC acima referidos e os que o venham a ser sem outra indicação são os da redacção anterior à introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24.08, a aplicável ao caso dos autos.
(2) - A cláusula 47ª do citado CCT refere-se a alojamento e subsídio de deslocação; a cláusula 47ª- A refere-se às despesas de refeições e alojamento e ao subsídio de deslocação de trabalhadores deslocados no estrangeiro; e a cláusula 74ª, com a epígrafe “Regime de trabalho para os trabalhadores deslocados no estrangeiro”, dispõe, no seu n.º 7, que “os trabalhadores têm direito a uma retribuição mensal, que não será inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia”.
(3) - Corresponde, no essencial, ao artº 82º da LCT, aprovada pelo DL n.º 49 408, de 24.11.1969.
(4) - Este n.º 1 corresponde, no essencial, ao que constava do art.º 87º da LCT.
(5) - Em “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª ed., p. 136.
(6) - Conforme o “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea” da Academia das Ciências de Lisboa, “aleatório” é o “que depende das circunstâncias, de um acontecimento incerto, do acaso; que está sujeito às contingências”.
(7) - No domínio da anterior LAT, de 1965 – cuja Base XXIII, n.º 2 não continha a ressalva “e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”, que hoje figura no n.º 3 do art.º 26º da LAT97 – e no sentido da aplicação do art.º 87º da LCT à definição da retribuição atendível para cálculo das pensões por acidente de trabalho, veja-se o ac. do STJ de 8.3.1995, no BMJ n.º 445/379.
(8) - No sentido defendido, no domínio da LAT65 e da LCT, vejam-se os acórdãos do STJ- 4ª Secção, de 23.05.2001 (Rev. n.º 880/01), de 29.01.2003 (Rev. n.º 1192/02) e de 05.02.2003 (Rev. n.º 3607/02).
(9) - Nesse sentido veja-se o acórdão do STJ, 4ª Secção, de 24.11.1999 (Rev. n.º 53/98).
(10)- No domínio da LCT e na linha de orientação que aqui foi seguida, vejam-se os acórdãos deste STJ, 4ª Secção, de 13.7.2006, no Recurso n.º 1539.06, de 8.11.2006, no Recurso n.º 2440.06, e de 6.2.2008, no Recurso n.º 2886.07.
(11) - Nesta linha, podem ver-se, entre outros, os acórdãos acima referidos na nota 9, e bem assim o acórdão de 23.11.2005, desta 4.ª Secção, proferido no Proc. n.º 2260/05, onde se defendeu que o simples facto de as quantias pagas pelo empregador virem designadas nos recibos como ajudas de custo não lhes confere tal natureza.