Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
066378
Nº Convencional: JSTJ00001577
Relator: ALVES PINTO
Descritores: SUBROGAÇÃO
PRESTAÇÕES FUTURAS
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197711090663782
Data do Acordão: 11/09/1977
Votação: MAIORIA COM 2 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1978/03/22, PÁG. 566 A 568 - BMJ Nº 271 ANO 1977 PAG.100
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: L 1942 DE 1936/07/27 ARTIGO 7.
CCIV867 ARTIGO 778.
CCIV66 ARTIGO 589.
CPC67 ARTIGO 472 N2 ARTIGO 662 ARTIGO 766 N1 N3 ARTIGO 804.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1973/01/16 IN BMJ N223 PAG205.
ACÓRDÃO STJ DE 1965/05/18 IN BMJ N147 PAG269.
ACÓRDÃO STJ DE 1965/06/18 IN BMJ N148 PAG233.
ACÓRDÃO STJ PROC65241 DE 1975/04/29.
ACÓRDÃO STJ DE 1964/11/03 IN BMJ N141 PAG302.
Sumário :
A subrogação não se verifica em relação a prestações futuras.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, em Tribunal Pleno:

"A Limitada" e outro ("B") recorreram para o tribunal pleno do acordão deste Supremo Tribunal, de 29 de Abril de 1975, tirado na revista n. 65241 (fotocopia de folhas 14), por considerarem tal acordão em contradição sobre a mesma questão fundamental de direito com o acordão de 3 de Novembro de 1964, tambem deste Supremo Tribunal, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 141, pagina 302.
A invocada contradição resultaria, segundo alegam, do facto de o acordão recorrido ter decidido que as entidades patronais e suas seguradoras que, por virtude de condenação imposta pelo competente tribunal por acidente de trabalho, e simultaneamente de viação, pagaram ou tem de pagar indemnização ao lesado, ficam sub-rogadas nos direitos deste contra o causador do acidente (lesante), quer relativamente as quantias ja pagas, quer as que devam para o futuro, enquanto o acordão de 3 de Novembro de 1964, invocado em contradição com aquele, decidiu que essas entidades apenas tem o direito de, por sub-rogação legal, haverem do terceiro responsavel pelo acidente as quantias ja pagas.
Verificados pela secção os pressupostos da admissibilidade do recurso para o tribunal pleno, alegaram oportunamente as partes e emitiu o Excelentissimo representante do Ministerio Publico, a folhas 43 e seguintes, seu douto parecer.
As recorrentes pretendem que se profira assento no sentido de que a sub-rogação não tem lugar em relação a prestações futuras, sendo tambem essa a posição do ilustre representante do Ministerio Publico no seu ja referido douto parecer.
Por seu lado a recorrida pronuncia-se no sentido de que, "a vir a ser proferido um assento neste processo, e qualquer que seja o seu teor, ...não deixara de se confirmar o acordão recorrido, pelo menos no que diz respeito aos pagamentos ja efectuados ao autor, a liquidar em execução de sentença, fazendo-se então depender de novas acções a intentar - uma por mes - o reembolso da autora...".
Tudo visto.
A secção, como ja se referiu no relato, pronuncia-se pela existencia da invocada contradição entre os acordãos em causa, mas porque essa decisão não vincula o tribunal pleno (n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil), importa reve-la sem contudo deixar de tomar-se em consideração a discordancia manifestada pela recorrida na sua resposta a folhas 41 relativamente a tal decisão.
Vejamos então.
O exame atento dos acordãos em apreço - o recorrido e o dito em oposição - permite concluir, tal como foi decidido no acordão de folhas 33, proferido ao abrigo do n. 1 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, pela existencia da invocada contradição de julgados.
O acerto de tal decisão e por demais evidente.
Dai que nova justificação da conclusão ali formulada envolveria a repetição da fundamentação ja produzida sobre o problema e que a posição assumida pela recorida na sua mencionada resposta de folhas 41 nada afecta de modo algum.
A recorrida, com efeito, coloca o problema em causa em termos inadmissiveis face ao decidido nos mencionados acordãos.
Efectivamente, tais arestos, contrariamente ao afirmado pela recorrida, embora aceitem que as entidades patronais e as suas seguradoras tem direito, por sub-rogação legal, ao reembolso do que for pago por virtude do acidente de trabalho, que o foi tambem de viação, acabaram por proferir decisões contrarias no que respeita as prestações reembolsaveis em termos de subrogação.
Enquanto o acordão recorrido decidiu que a entidade patronal e a sua seguradora podiam exigir do terceiro responsavel pelo acidente todas as quantias da condenação que lhes fora imposta, quer as que ja pagaram, quer as que devem para o futuro, o acordão de 3 de Novembro de 1964 so admitiu o ressarcimento das prestações ja satisfeitas.
E e esse precisamente o conflito de jurisprudencia que se pretende ver resolvido por um assento.
Não se verifica, pois, qualquer obstaculo legal ao conhecimento do objecto do recurso, designadamente no que respeita a terem sido proferidos no dominio da mesma legislação os referidos dois acordãos, o que o acordão de folhas 33 decidiu tambem em termos concludentes.
Quanto ao fundo:
Dispunha o artigo 7 da Lei n. 1942, de 27 de Julho de 1936, que "sem prejuizo da responsabilidade patronal, quando existir, os sinistrados ou, por sub-rogação legal, a entidade patronal ou seguradora tem, quando o acidente for produzido por culpa de terceiros, acção contra estes nos termos da lei geral".
Este preceito, segundo doutrinam o Professor Vaz Serra (Estudo sobre a sub-rogação do segurador, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 94, pagina 177, n. 13, pagina 257, 2 colectanea, nota I, e anotações a acordão deste Supremo Tribunal, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, anos 98, pagina 190, 99, pagina 24, 104, paginas 144 e seguintes, 105, pagina 42, e 108, pagina 39, nota I) e Antunes Varela (Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 103, paginas 22 e seguintes), ao conferir, por sub-rogação legal, a entidade patronal ou seguradora acção contra terceiros responsaveis pelo acidente, teve em vista não so reconhecer um direito de sub-rogação legal a favor daquelas entidades, mas ainda um direito de regresso independente dos direitos do lesado contra terceiros.
Reconheceu, pois, esse normativo o direito das referidas entidades serem indemnizadas por terceiros nos termos em que, segundo a lei geral, estes são responsaveis, sub-rogando-os, contudo, nos direitos do lesado contra o terceiro responsavel.
A sub-rogação assim criada em favor da entidade patronal ou da respectiva seguradora esta sujeita as regras gerais do referido instituto, das quais se destacam, com especial relevo no caso sub specie, a que a faz depender do facto do pagamento.
Não ha sub-rogação sem satisfação efectiva da prestação; o pagamento, como pressuposto daquela, e a condição e medida dos direitos do sub-rogado.
Dai que em principio se tenha por indiscutivel que a entidade patronal ou a seguradora so possam exigir do terceiro responsavel pelo acidente o que houverem pago e não o que tenham a pagar no futuro.
Sempre, de resto, a doutrina concebeu a figura juridica da sub-rogação como dependente do facto do pagamento, quer no dominio do Codigo Civil de 1867 (artigo 778 e seguintes). - Dias Ferreira, Codigo Civil Portugues Anotado, 2 edição, volume 2, pagina 75; Guilherme Moreira,
Instituições de Direito Civil Portugues, volume 2, paginas 218 e 222; Pires de Lima e Antunes Varela,
Noções Fundamentais de Direito Civil, volume I, pagina 388, e o estudo do Professor Vaz Serra, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 37, pagina 57 e seguintes, com vista a elaboração do novo Codigo Civil e, ainda, o estudo do mesmo ilustre Professor sobre a sub-rogação do segurador, na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 94, paginas 117 e seguintes
-, quer na vigencia do actual Codigo Civil (artigos
598 e seguintes) - Pires de Lima e Antunes Varela,
Codigo Civil Anotado, volume 1, paginas 421 e seguintes;
Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 2 edição, volume 2, paginas 295 e 307; Rodrigues Bastos, Obrigações em Geral, volume 3, pagina 160, e Mario de Brito,
Codigo Civil Anotado, volume 2, pagina 353.
Inviavel sera, pois, por falta de efectiva satisfação da prestação, o exercicio de um direito sub-rogatorio relativamente a prestações futuras.
Neste sentido se havia fixado a jurisprudencia deste Supremo Tribunal (acordão de 16 de Janeiro de 1973, no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 223, pagina 205, e os demais ali referidos), da qual se afastaram os acordãos de 18 de Maio de 1965 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 147, pagina 296) e de 18 de Junho de 1965 (Boletim do Ministerio da Justiça, n. 148 pagina 233), este fundado no artigo 472, n. 2, do Codigo de Processo Civil, e aquele nos artigos 662 e 804 do mesmo diploma, bem como o ora recorrido, que seguiu a orientação deste ultimo.
A doutrina destes acordãos, que mereceu o apoio da Revista dos Tribunais (ano 85, pagina 247) enquanto fundamentada no n. 2 do artigo 472 do Codigo de Processo Civil, e parecer desfavoravel do Professor Vaz Serra (anotações aos respectivos acordãos na Revista de Legislação e de Jurisprudencia, ano 99, paginas 20 e notas, e 360), conquanto ofereça apreciaveis vantagens de ordem processual - redução do numero de acções que na orientação adversa sera necessario propor para o reembolso das prestações que foram sendo pagas e consequente beneficio para a boa administração da justiça - não e conforme ao rigor dos principios nem susceptivel de uma construção legal aceitavel.
Não e que se ponha em duvida a admissibilidade de um pedido de condenação em prestações futuras, alias permitido pelo n. 2 do artigo 472 do Codigo de Processo Civil, mas sim que a entidade patronal ou seguradora tenha legitimidade para formular.
Estas so podem pedir o que tiverem pago, visto que so pelo pagamento ficam sub-rogadas nos direitos do lesado contra o terceiro responsavel.
Se, pois, so pelo pagamento se verifica a substituição do credor originario, na titularidade do direito a prestação, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor, apresentando-se, assim o sub-rogado como que um sucessor do credor, dificilmente se justificaria a condenação do devedor a pagar aquele.
Afigura-se, portanto, inaceitavel a doutrina dos arestos em apreço, não obstante as vantagens que conferiria as entidades patronal e seguradora, visto a solução apontada ser, como acabou por ponderar o Professor
Vaz Serra no aludido comentario de paginas 361 do ano 99 da Revista de Legislação e de Jurisprudencia,
"...duvidosa, sendo preciso, para a aceitar, dar a lei uma interpretação bastante ousada".
Pelo exposto, revogam o acordão recorrido na parte em que condenou os reus, ora recorrentes, a satisfazerem as ora recorridas, entidade patronal e sua seguradora, respectivamente, as prestações que, merce da condenação imposta pelo competente tribunal de trabalho, estas estavam a pagar e as que ainda deverem pagar, e tiram o seguinte assento:

A sub-rogação não se verifica em relação a prestações futuras.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 9 de Novembro de 1977

Alberto Alves Pinto (Relator) - Bruto da Costa - Daniel Ferreira - Abel de Campos - Santos Vitor - Jose Montenegro
- Eduardo Botelho de Sousa - Avelino da Costa Ferreira Junior - Costa Soares - Octavio Dias Garcia - Hernani de Lencastre - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - João Moura - Artur Moreira da Fonseca - Aquilino Ribeiro - Jose Garcia da Fonseca (Vencido quanto a oposição entre os acordãos) - Rodrigues Bastos (Vencido. Votei a confirmação do acordão recorrido, firmando-se assento nesse sentido).