Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
76/09.5YFLSB
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE
APREENSÃO
DEPÓSITO BANCÁRIO
DEPOSITÁRIO JUDICIAL
TÍTULO EXECUTIVO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário : I - O conceito de despacho de mero expediente está definido, actualmente, no art. 156.º, n.º 4, do CPC, que sucede, sem divergência de maior, ao art. 679.º do mesmo diploma, na sua redacção inicial, como sendo aquele cujo fim é prover ao andamento do processo, sem intervir no conflito de interesses entre as partes, sem tocar nos direitos ou deveres das partes, traduzindo, ao fim e ao cabo, o pensamento paradigmático do Prof. Alberto dos Reis, por isso que, em paralelo com os proferidos no exercício de um poder discricionário, fundados no prudente arbítrio do julgador, não admite recurso. São despachos que, de um ponto de vista formal ou substantivo, “são incapazes de provocar prejuízo jurídico a quem quer que seja”, pois visam unicamente a “realização do impulso processual”, sem acarretarem “ónus ou afectarem direitos”, não causando danos.
II - Afigura-se-nos que um despacho em que o juiz, no seguimento da apreensão dos saldos de duas contas de depósito bancário da titularidade do arguido abertas no banco executado, primitivamente alvo de apreensão judicial em inquérito e cuja restituição se reconhece à assistente e agora exequente, estando aqueles à guarda do banco executado, na qualidade de depositário judicial, ex vi dos arts. 178.º e 181.º do CPP, deferindo tal despacho ao pedido de pagamento das quantias respeitando aos saldos, face à recusa do executado em entregar-lhos voluntariamente, não é um despacho de catalogar de simples e mero expediente, sito no plano meramente procedimental, sem afectação de direitos, axiologicamente neutro.
III - Pelo contrário, apresentando uma linear feição bifronte: de um lado envolvendo o reconhecimento do direito da exequente aos espécimes monetários componentes dos saldos à guarda do banco executado; do outro, o correlativo dever imposto ao banco executado de restituir aquele produto, pouco importando, para efeitos da caracterização proclamada pelo banco executado, que tivesse sido eventualmente vítima de um estratagema por banda do arguido que o desapossou de tais saldos – foi-lhe em acusação pública imputado tal facto – fazendo remeter ao banco executado um ofício fazendo crer, falsamente, que provinha do tribunal da sua condenação, impondo este o desbloqueamento dos ditos saldos, o que se sabe não ser verdadeiro.
IV - É um despacho do qual derivam direitos e deveres para os seus destinatários, que não se identifica com a inocuidade própria dos despachos de mero expediente, pois o juiz disse em tal despacho, no processo principal, “tendo em conta o teor dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pela 1.ª instância e a não oposição do Ministério Público, defere-se ao requerido a fls. 2880”, ou seja, a requerida ordem de pagamento dos ditos saldos.
V - Os despachos, outras decisões ou actos da autoridade judicial, são equiparados às sentenças condenatórias, nos termos do art. 48.º, n.º 1, do CPC, sob o ponto de vista da força executiva, devendo entender-se que quando a lei fala em sentença de condenação quer, mais uma vez abranger nesta designação, e numa interpretação não restritiva, “todas as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade” – cf. Prof. Alberto dos Reis –, estando inequivocamente, em face de uma ordem judicial, impondo uma responsabilidade ao executado, uma obrigação com génese no estatuto de depositário judicial, em que ficou investido já na fase de inquérito e não na figura de depositário erigido à luz do nominado contrato de depósito.
VI - No processo executivo o depositário assume o papel de parte acessória em contraposição com o da parte principal reservado ao executado e exequente, por imposição judicial, ao abrigo de especial disposição de lei, sendo, quanto à obrigação de entrega dos bens atingido pela eficácia do julgado condenatório, apesar de não ser parte na acção que aquela determina, extrapolando aquela eficácia os simples limites subjectivos do caso julgado, por especiais razões.
VII - É que a obrigação ditada pelo tribunal de apresentação dos bens pelo depositário na forma apontada é o processo por que optou o legislador, por um lado, de assegurar o objectivo prático da execução, de pagamento forçado do credor à custa do património alheio, por outro, de fazer respeitar coactivamente as decisões dos tribunais às quais todos devem obediência – art. 205.º, n.º 2, da CRP –, podendo socorrer-se de terceiros para cumprimento daquela missão.
VIII - O despacho supra referido é um despacho com força executiva porque foi notificado ao executado, envolvendo a imposição do cumprimento de uma obrigação pelo banco executado, de restituição de saldos de depósitos, contra o qual não reagiu, ao ser-lhe notificada a ordem de pagamento dos saldos, e podia fazê-lo, transitando, por isso mesmo, em julgado, nos termos do art. 680.º, n.º 2, do CPC, porque não deixa o banco de ser directa e efectivamente prejudicado, impondo-se-lhe a restituição de uma soma em dinheiro, mesmo quando sustenta ser-lhe materialmente impossível a devolução.
IX - Como princípio-regra, executado é quem figura no título, mas a susceptibilidade de a legitimidade passiva se estender a partes acessórias deriva dos arts. 56.º e 57.º do CPC, como desvio ao princípio geral, vertido no art. 55.º.
X - Sendo facultado ao exequente fazer prosseguir a execução contra o depositário incumpridor, entranhadamente no processo executivo, não se descortina razão válida para o não poder fazer em execução autónoma.
XI - Advoga o banco executado que à data em que os saldos das contas bancárias foram levantados através da apresentação de documentos falsos, a titularidade desses saldos não se havia transferido para a esfera jurídica da assistente, o que não corresponde ao que resulta do processo, posto que nessa data já havia transitado em julgado o acórdão condenatório; mas, ainda que assim não fosse, sempre se poderá dizer que tais saldos estavam apreendidos e que sobre o banco continuava a recair o dever de cuidado na entrega.
XII - E nem se diga que, por ter entregue o dinheiro representativo dos saldos mercê de um expediente fraudulento, a partir de um ofício não emergente do tribunal, ao arguido, o banco executado ficou liberto da sua obrigação para com a exequente, atendendo a que o fundamento de embargos, a que se reportará a oposição, se reconduzirá ao art. 813.º, al. g), do CPC, na modalidade de facto extintivo ou modificativo da obrigação, já que assemelhando-se a força executiva dos despachos às sentenças, não pode deixar de essa modalidade de oposição se lhe aplicar, se for caso disso.
XIII - Na verdade, a exequente nenhum acto ilícito praticou, em nada concorrendo para aquela entrega, não podendo ser lesada por acto ilícito de falsificação de documento, não tipicizando os levantamentos causa extintiva ou modificativa da obrigação de oposição.
XIV - O banco foi constituído depositário judicial, obrigado à guarda e entrega à beneficiária, de todo alheia ao processo fraudulento desencadeado, a discutir em sede e processo próprio endereçado ao autor daquela fraude; atitude oposta seria perigosa, desde logo ao cumprimento das ordens dos tribunais e até à segurança bancária, que arranca de os bancos serem cuidadosos, como regra, no giro dos seus depósitos, que são depósitos irregulares, no sentido de a entrega não se referir, como regra, a concretos espécimes monetários, caso de depósito típico, mas a outros de igual valor pecuniário, por terem, na definição do art. 1185.º do CC, por objecto coisas fungíveis (art. 207.º do CC), para guarda do depositário e a sua restituição quando exigida.
XV - O banco executado pagou mal; a prestação feita a terceiro, à margem do consentimento do seu legítimo titular, não libera a obrigação em que foi investido judicialmente, à luz do princípio geral de direito que emana do art. 770.º do CC, que regula a extinção da obrigação mediante a prestação de terceiro, muito particularmente a sua al. a), logo tem de repetir a entrega, prosseguindo a execução.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

O Tribunal da Relação de Lisboa por seu acórdão de 16.10.2008 confirmando o proferido pela 1.ª Vara Criminal de Lisboa de 4.1.2008 , julgou improcedentes os embargos à execução n.º 355/99.8TDLSB-AE , que corre por apenso ao P.º comum com intervenção do Tribunal colectivo sob o número 355/99.8TDLSB em que é exequente AA , EP , sendo executado o BB Bank,.PLC. Do assim decidido , juntos dois pareceres de ilustres docentes universitários , interpôs recurso para este STJ , excepcionando a incompetência absoluta da Secção Criminal para dos embargos conhecer, no que foi , por acórdão deste STJ , aquele Banco desatendido , apresentando nas alegações de recurso as seguintes conclusões :

I. Independentemente de os despachos de fls. 2858 e de fls. 2885 terem conteúdo idêntico, os mesmos são acompanhados de circunstâncias processuais distintas, as quais também constituem matéria de defesa, pelo que a substituição dos despachos, sem audição prévia da recorrente, constitui violação do principio do contraditório e ofensa aos direitos de defesa do executado, acarretando a nulidade prevista no art° 201° do CPC por consubstanciar a omissão de uma formalidade que a lei prescreve (art° 3º, n° 3 do CPC), com influência no exame e decisão da causa.

II. A circunstância de o recorrente ter entendido o requerimento executivo apresentado pela exequente e fundado no despacho de 24-10-2005, a fls. 2858, em nada contribui para sanar o vício resultante da omissão na notificação à executada para se pronunciar sobre o prosseguimento de uma execução agora fundada noutro despacho, datado de 20-12-2005, a fls. 2885 dos autos.

III. É ilegal interpretação do n° 3 do art° 3.º do CPC contida no acórdão recorrido, segundo a qual a omissão na notificação à executada para se pronunciar sobre a substituição do título executivo não configura violação do princípio do contraditório. Tal interpretação é ainda inconstitucional por configurar a privação ao interessado de um direito fundamental inerente à realização da Justiça.

IV. Por outro lado, substituição do título executivo não pode ser implementada enquanto rectificação oficiosa de um erro material uma vez que: (i) não resulta dos autos que a execução do despacho de fls. 2858 decorra de lapso da exequente; (ii) a exequente não requereu qualquer rectificação, vindo, ao invés, confirmar que o título executivo da presente execução é o despacho de fls. 2858; (iii) a inexequibilidade do título executivo extingue a execução, constituindo uma falta de pressupostos processuais insanável; (iv) ainda que se entendesse esta falta como sanável, a sua regularização teria de contar com a intervenção e impulso da exequente.

V. Ao conceber e rectificar um lapso material da parte da exequente, viabilizando o prosseguimento da acção executiva mediante a substituição oficiosa de um título inexequível por outro considerado pelo Tribunal como exequível, o acórdão recorrido incorre em violação dos princípios do inquisitório e dispositivo, dos quais, em conjunto com o princípio do contraditório, imanam as regras estruturantes da lei processual civil.

VI. Acresce que o despacho de fls. 2885 - aquele que, segundo a emenda feita, seria o novo título executivo -, é um despacho de mero expediente, irrecorrível e inexequível, que se limita a dar andamento regular ao processo, sem interferir no conflito de interesses entre os interessados, e na sequência do qual a recorrente veio alegar e fundamentar a impossibilidade de proceder à entrega dos saldos bancários apreendidos nos autos (cfr. § 7 dos factos provados indicados no douto acórdão recorrido, pág. 12).

VII. Em função dessa resposta da Recorrente, o Tribunal de 1a Instância proferiu novo despacho, a fls. 2999 e 3000, que, no entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa expendido em acórdão proferido nos autos em 21 de Novembro de 2006: "não se limita a dar andamento regular ao processo, de acordo com o antes decidido, mas vai mais além, tentando dirimir interesses das partes ainda não definidos". Por força desse mesmo acórdão, foi revogado o referido despacho de fls. 2999 e 3000, considerando-se que aquele não constituía o meio adequado à efectivação do direito da assistente. Por maioria de razão, não poderia esse meio desadequado ter já transitado em julgado e vinculado as partes ao abrigo de um despacho anterior.

VIII. A atribuir força executiva a um despacho de mero expediente, a decisão recorrida viola os direitos constitucionalmente garantidos de acesso à justiça e a uma tutela jurisdicional efectiva (cfr. art° 20°, n° 1, da CRP).

IX. O douto acórdão recorrido incorre no erro clamoroso de valorar por comparação o que não é comparável: a posição da recorrente com a intervenção do CC, o qual, na qualidade de demandante cível nos autos principais, tinha conhecimento da evolução do processo, designadamente do acórdão condenatório proferido em 27.02.2003, o que lhe permitiu suspeitar, em 26.08.2004, da existência de uma ordem judicial para levantamento da apreensão sobre as contas bancárias do arguido. Fazendo-se uso do facto respeitante à conduta adoptada pelo CC para formar um juízo de valor sobre a conduta da Recorrente, são infringidas as disposições dos art°s 3º, n° 3, 510°, n° 1, alínea b) e 514°, n° 2, todos do CPC.

X. Ao ignorar a alegação feita pela recorrente de o CC ter sido parte no processo-crime sendo notificado de todas as decisões ali proferidas, salientando-se a enorme diferença entre a situação em que se encontravam cada uma destas instituições bancárias (cfr. n° XX. das Conclusões da Apelação), e ao considerar que a redacção do ponto 13. dos factos provados "não contém qualquer ilegalidade de que cumpra conhecer", o Tribunal “ a quo “ deixou de pronunciar-se sobre questões que deveria ter apreciado, ferindo de nulidade o douto acórdão recorrido (cfr. art° 668°, n° 1, alínea d) do CPC, aplicável ex vi do art° 716°, n° 1 do mesmo código).

XI. O enquadramento jurídico dos factos vertido no douto acórdão recorrido é ilegal porque desconsidera a natureza jurídica da apreensão e levantamento de saldos bancários e porque aplica apenas parcial e selectivamente o corpo normativo para o qual remete.

XII. Por um lado, as normas respeitantes ao cumprimento de obrigações de direito civil (art°s 762°, 769° e 770° do CC) não se adequam, sequer por analogia, a regular o desvio fraudulento de depósitos apreendidos nos termos dos art°s 178° e segs. do CPP; e o falso levantamento da apreensão judicial, que resultou dos documentos ofício e despacho, apresentados à Recorrente, e que permitiu a subsequente movimentação dos saldos pelo titular das contas bancárias, não é juridicamente equiparável ao instituto da "prestação feita a terceiro".

XIII. A apreensão judicial consiste no uso de um poder de autoridade que se sobrepõe aos interesses e direitos privados, cujas regras se encontram previstas no CPP e cuja eficácia e vigência não depende da vontade dos titulares da relação jurídica atingida. A apreensão judicial não é um contrato e nem o ramo de Direito que a regula, nem a posição jurídica relativa entre as partes (Tribunal - arguido - Banco), permite a aplicação analógica das disposições de direito privado.

XIV. Com relevância para determinação do corpo normativo aplicável, cumpre salientar que os levantamentos fraudulentos foram realizados em Julho e Setembro de 2004 e o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.02.2003 que ordenou a entrega à assistente das quantias em dinheiro depositadas nas contas apreendidas nos autos, só transitou em julgado em Maio de 2005 (e só foi notificado à Recorrente por ofício expedido em 30 de Dezembro de 2005). Ou seja, à data em que os saldos das contas bancárias foram levantados através da apresentação de documentos falsos, a titularidade desses saldos não se havia transferido para a esfera jurídica da assistente AA.

XV. Por outro lado, ainda que as supra referidas disposições do Código Civil, relativas ao cumprimento das obrigações, fossem aplicáveis in casu, por nenhuma forma se poderiam considerar irrelevantes "os factos que determinaram o BB a proceder à entrega das quantias apreendidas a terceiro". Com efeito, tendo-se tornado impossível a prestação por inexistência dos saldos cuja entrega é pretendida pela "credora", sempre haverá que apurar, através da apreciação dos factos que ocasionaram essa impossibilidade, se a mesma é ou não imputável ao devedor (arf 790°, n° 1 ou art° 801°, n°1, ambos do CC).

XVI. Ao rejeitar a apreciação de tais factos por entendê-la como irrelevante para a decisão a proferir quanto à responsabilidade da Recorrente, o Tribunal “ a quo “ incorre em violação do Direito, em concreto, por erro na aplicação e interpretação das normas do Código Civil atrás indicadas.

XVII. Por todo o exposto, conclui-se que a decisão recorrida incorreu em violação dos art°s 20°, n° 1, da CRP, 178° e segs., 400°, n° 1, alínea a) e 467° e segs. do CPP, 3º, n° 3, 48°, n° 1,156°, n° 4, 264°, 265°, n° 2, 508°, n°s 2, 3 e 4, 514°, n° 2, 668°, n° 1, alínea d), 679°, 716°, n°1 e 813° e segs. do CPC e 762°, 769°, 770°, 790°, n°1 e 801°, n° 1 do Código Civil, os quais deveriam ter sido interpretados e aplicados nos termos sobreditos.

Em contraalegações , disse a exequente :

1. O recorrente BB Bank PLC - Sucursal em Portugal veio pedir a revogação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 16 de Outubro de 2008, confirmativo da sentença da 1:ª Instância que julgou improcedente a oposição deduzida por aquele Banco contra a execução movida pela ora recorrida, AA E.P.

2. No referido acórdão, após uma análise muito ponderada e rigorosa de todas as questões equacionadas nos autos, reconheceu-se que "os fundamentos da sentença proferida estão de acordo com os preceitos legais, encontrando-se profunda e abundantemente fundamentada (. . .)"; que "em toda a decisão é mantido um raciocínio claro, com vasto apoio doutrinal e jurisprudencial"; e que, assim sendo, "sempre teria bastado remeter para os fundamentos da decisão, adertndo-se à decisão proferida pelo Tribunal de Ia Instância, para se confirmar a decisão proferida, nos termos do art° 713°, n°5 do C.P.C"

3. A ora recorrente, nas suas alegações de revista, veio insistir nos argumentos já anteriormente apresentados perante as Instâncias - não trazendo à colação novos pontos que pudessem suscitar quaisquer interrogações ou dúvidas relativamente às anteriores decisões conformes da Ia Instância e da Relação. Basta comparar as conclusões das alegações da apelação com as das alegações da revista para se ver que estão em causa precisamente os mesmos argumentos e as mesmas proposições – nada se acrescentando de novo.

4. As questões em causa foram jurisdicionalmente apreciadas, de modo uniforme e reiterado, por ambas as Instâncias - pelo que se afigura possível a aplicação do artigo 705° do C.P.C., se assim for entendido pelo Exmo. Relator.

5. Por nossa parte, para além do que ficou exemplarmente esclarecido na douta sentença da 1.ª Instância e no Acórdão do Tribunal da Relação, limitamo-nos a invocar as contra-alegações apresentadas no recurso de apelação e o parecer oportunamente junto aos autos (contra-alegações e parecer que aqui damos por reproduzidos).

6. Uma última palavra para concluir, como justamente vem salientado no acórdão recorrido que a actuação do Banco recorrente em todo este assunto foi "í/e de pouco rigor em sede de boa fé". E não apenas no modo como libertou os fundos que se encontravam apreendidos à ordem do Tribunal (onde o BB actuou, como dissemos no artigo 49° da contestação da oposição à execução, "com negligência grosseira - e violando os seus estritos deveres de guarda e conservação dos valores de que era depositário")', mas também - e sobretudo - na posição assumida no presente processo, em que não quis reconhecer os próprios erros, refugiando-se num manto muito pouco diáfano de contradições e falsas polémicas

7.Improcedem, pois, todas as conclusões da alegação do recorrente BB Bane PLC - Sucursal de Portugal.

Em julgamento do mérito dos embargos , após audiência preliminar , em fase de saneador , e sem necessidade de produção de mais provas, tiveram-se por provados os seguintes factos :

1 - Por despacho do Ministério Público, confirmado por despacho do Juiz de Instrução Criminal de 03.03.2000, constantes de fls 434 e 441 dos autos principais, de que o "BB Bank PLC" foi notificado por ofício de fls 438, foram apreendidas as duas contas bancárias do "BB Bank PLC", tituladas pelo arguido DD, com os n°s 147203010761 e 174243001295/19/99, esta última em moeda estrangeira, nos valores respectivamente de Es:40.852.114$00 e USD 202.702,18 - (fls 434, 438, 441 e 544 dos autos principais - facto aceite por ambas as partes);

2 - Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 27.02.2003, já transitado em julgado, foi ordenada a restituição à Assistente AA, agora Exequente, e apenas a esta, das quantias em dinheiro depositadas nas contas do arguido DD apreendidas nos autos, com excepção das duas verbas de 74,48 dólars e 2.000 dólares - (acórdão proferido a fls 2403/2447 dos autos principais);

3 - Por despacho proferido em 20.12.2005 a fls 2885 dos autos principais, que recaiu sobre o requerimento da AA de fls 2880, foi ordenada a notificação do "BB Bank" para pagamento à Assistente dos valores apreendidos nas referidas contas bancárias, concretamente dos saldos das duas contas bancárias tituladas pelo arguido DD, nos valores respectivamente de Es:40.852.114$00 e USD 202.702,18 - (fls 2880 e 2885 dos autos principais);

4 - Tal despacho foi notificado ao "BB Bank, PLC" pelo ofício n° 1179526, de 30.12.2005 - (fls 2891 dos autos principais);

5 - De tal despacho não interpôs o "BB Bank PLC" qualquer recurso, tendo consequentemente o mesmo transitado em julgado - (autos principais);

6 - Por ofício de 02.12.2004 junto a fls 2834, a Polícia Judiciária solicitou informação sobre a sua autenticidade dos documentos que se mostram juntos a fls 2841 e 2842;

7 - Em 10.03.2006 o "Banco BB PLC" remeteu ao processo a carta de fls 2973/2974, acompanhando os documentos de fls 2975 e 2976, no qual, para além do mais, se lê:

« Informamos pela presente que em Julho de 2004 o BB recebeu uma ordem de liberação das contas, supostamente proveniente desse douto Tribunal, conforme cópia que junto anexamos tendo o Banco agido em conformidade, isto é, libertando as verbas, na convicção de que se tratava de uma ordem legítima e eficaz. Entretanto, em Julho de 2004 o cliente levantou os saldos das contas n°s 147203010761 e 147203001295, havendo actualmente nessas contas respectivamente, os saldos de €15,53 e €312,46.

Mais tarde, em Novembro de 2004 fomos notificados pela Policia Judiciária de Lisboa para no âmbito do Inquérito n° 10/04.9AILSB prestar declarações sobre movimentos fraudulentos ocorridos nas contas tituladas por DD, bem como a junção do original do oficio recebido alegadamente desse douto Tribunal e extractos bancários das contas tituladas pelo epigrafado, o que aconteceu.

Nessa altura tomámos conhecimento, no âmbito do Inquérito de que tinham sido cometidas irregularidades pelo arguido e de que V. Exas. seriam disso informados pela Polícia Judiciária, não tendo tido qualquer outra informação sobre a evolução processual do Inquérito supra referido.

Deste modo e em face de todo o circunstancialismo, é agora objectivamente impossível proceder em conformidade com o despacho recebido, por V. Exas....»- (fls 2973 a 2976 dos autos principais);

8-0 documento de fls 2975 (também junto a fls 2841) dos autos principais, no qual, entre o mais, se lê«Proc° n° 355/99.8 TDLSB - Execução Ordinária - N/oficio 3805 Data 01/07/2004», «Ass:V. Ref Fax Data 03/03/2000 - … Levantamento de Congelamento de Contas Bancárias» e « Com referência a Vosso Oficio n° 17/P3, Fax 03-03-2000, …, informa-se que por despacho proferido em 08 de junho de 2004 a Fls 2619, foi ordenado o levantamento do congelamento das contas tituladas pelo Sr. DD junto dessa Instituição Bancária » não foi emitido pela 1ª Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do Proc.º 355/99.8 TDLSB, de que estes autos são apenso - (autos principais e concretamente fls 2834, 2841, 2850 e 2851 dos mesmos);

9 - O documento de fls 2976 (também junto a fls 2842) dos autos principais, no qual, entre o mais, se lê «Oficie-se à entidade bancária competente, nomeadamente o Departamento de Auditoria, no sentido de dar-se sem efeito o congelamento, e a consequente liberação, dos valores referidos no Ofício n° 2/P3 de 14.03.2000 e incidindo sobre as contas n° 147/243001295 e n° 147/203010761 do BB Bank e titulados por DD» não foi emitido pela Ia Vara Criminal de Lisboa, no âmbito do Proc0 355/99.8 TDLSB, de que estes autos são apenso - (autos principais e concretamente fls 2834,2842, 2850 e 2851 dos mesmos);

10 - Por despacho proferido a fls 2999/3000 dos autos principais foi ordenado o depósito na CGD, no prazo de 10 dias, dos saldos bancários apreendidos, despacho que veio a ser revogado por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21.11.2006, proferido a fls 240/247 do apenso Y;

11 - Até ao momento, o "BB Bank, PLC" não procedeu ao pagamento à Assistente, aqui Exequente, das referidas quantias (facto aceite por ambas as partes);

12 - Em 23.04.2007, no âmbito do Proc.º 10/04.9 AILSB, foi deduzida acusação contra o arguido DD imputando-lhe a elaboração dos documentos remetidos às instituições bancárias que levaram ao "desbloqueamento" por aquelas das contas bancárias apreendidas nos autos principais - (fls 14 a 28 dos presentes autos);

13-0 "Banco CC, SA," remeteu a este Tribunal em 26.08.2004 o ofício de fls 2825, solicitando confirmação do levantamento da apreensão das contas bancárias, e, perante a resposta negativa do Tribunal, não libertou tais contas -(fls 2825, 2830, 2831, 2835 e 2836 dos autos principais).

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A primeira questão que importa solucionar respeita à natureza jurídica do despacho de fls. 2885 , em que o M.º Juiz da 1.ª Vara Criminal de Lisboa , deferindo ao requerimento da exequente –embargada , de fls. 2880 , ordenou a notificação do "BB Bank" para pagamento à assistente dos valores integrantes dos saldos das duas contas bancárias tituladas pelo arguido DD, nos valores respectivamente de Es:40.852.114$00 e USD 202.702,18 , isto na sequência da condenação imposta àquele por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 27.02.2003, já transitado em julgado, em que foi ordenada a restituição à assistente AA, agora exequente, e apenas a esta, das quantias em dinheiro depositadas no Banco embargante nas contas do arguido DD , apreendidas nos autos, com excepção das duas verbas de 74,48 dólares e 2.000 dólares

De reter que por despacho do Ministério Público, confirmado por despacho do Juiz de Instrução Criminal de 03.03.2000, em inquérito, foram apreendidas as duas contas bancárias do "BB Bank PLC", tituladas pelo arguido DD, com os n°s 147203010761 e 174243001295/19/99, esta última em moeda estrangeira, nos valores respectivamente de Es:40.852.114$00 e USD 202.702,18 - (fls 434, 438, 441 e 544 dos autos principais.

O conceito de despacho de mero expediente , está definido , actualmente , no art.º 156.º n.º 4 , do CPC , que sucede , sem divergência de maior , ao art.º 679 .º, do mesmo diploma , na sua redacção inicial , como sendo aquele cujo fim é prover ao andamento do processo , sem intervir no conflito de interesses entre as partes , sem tocar nos direitos ou deveres das partes traduzindo , ao fim e ao cabo , o pensamento paradigmático do Prof. José Alberto dos Reis , expresso no comentário ao CPC , Vol. V, , 250 , por isso que , em paralelo com os proferidos no exercício de um poder discricionário , fundados no prudente arbítrio do julgador , não admite recurso .

Fiéis , ainda , a esta linha de pensamento , sem inovarem , sediam-se Lebre de Freitas , João Redinha e Rui Pinto , in CPC , Anotado , de 1999 , em comentário ao art.º 156.º .

Numa visão , ainda correcta , pragmática , de Pedrosa Menezes , in Busca Legis , ccj ufsc.br. , são despachos , que de um ponto de vista formal ou substantivo , “ são incapazes de provocar prejuízo jurídico a quem quer que seja” , pois visam unicamente a “ realização do impulso processual “ , sem acarretarem “ónus ou afectarem direitos “ , não causando danos . .

A doutrina como a jurisprudência , aliás numerosa . manteve-se fiel na aplicação e compreensão da amplitude do conceito legal , dela sendo ex.ºs os ACs. deste STJ de 30.11.84 , Revista n.º 855, 12 .2003 , Rec.º n.º 03B3650 , de 5.12.2007 , da Rel . Porto , Rec.º n.º 074466, da Rel . Lisboa , de 15.7.2008 , Rec.º n.º 6324/2008 -5 , de 12.3.2008 , Rec.º n.º 728/2008 -3.ª Sec.,de 22.1.2003 , Rec.º n.º 0005779 , da Rel . Coimbra , de 14.4.2004 , Rec.º n.º 1031/04 ; cfr. , ainda , o Parecer da PGR n.º 692 /02 , de 22.2 2006 .

Afigura-se –nos que um despacho em que o M.º Juiz da 1.ª Vara Criminal de Lisboa , no seguimento da apreensão dos saldos de duas contas de depósito bancário da titularidade do arguido DD abertas no banco executado, primitivamente alvo de apreensão judicial em inquérito e cuja restituição se reconhece à assistente e agora exequente , AA , no Ac. da Relação de Lisboa de 27.2.2003 ,estando aqueles à guarda do executado , recorrente , na qualidade de depositário judicial , “ex vi “ dos art.°s 178° e 181° CPP, deferindo tal despacho ao pedido de pagamento das quantias respeitando aos saldos , face à recusa do executado em entregar-lhos voluntariamente não é um despacho de catalogar de simples , de mero expediente , sito no plano meramente procedimental , sem afectação de direitos , axiologicamente neutro .

Pelo contrário , apresentando uma linear feição bifronte : de um lado envolvendo o reconhecimento do direito da exequente aos espécimes monetários componentes dos saldos à guarda no banco executado ; do outro o correlativo dever imposto ao banco executado de restituir aquele produto , pouco importando , para efeitos da caracterização proclamada pelo banco executado , que tivesse sido eventualmente vitima de um estratagema por banda do arguido que o desapossou de tais saldos –foi-lhe em acusação pública imputado tal facto -ponto 12 dos factos assentes - fazendo remeter ao banco executado um ofício fazendo crer , falsamente , que provinha do tribunal da sua condenação , impondo este o desbloqueamento dos ditos saldos , o que se sabe não ser verdadeiro .

É um despacho do qual derivam direitos e deveres para os seus destinatários , que não se identifica com a inocuidade própria dos despachos de mero expediente , pois a M.ª Juiz disse em tal despacho no processo principal “ tendo em conta o teor dos acórdão proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pela 1.ª instância e a não oposição do Ministério Público , defere-se ao requerido a fls . 2880 “ , ou seja a requeridas ordens de pagamento dos ditos saldos .

E , de seguida , questionar-se-à se é dotado de força executiva .

A exequente , como tem oportunidade de significar no requerimento executivo , entrado em juízo em 9..5.2007 , não funda especificamente a restituição ordenada nas decisões condenatórias criminais , mas em despacho judicial ordenando o pagamento ao banco executado dos supracitados saldos , surgindo aquele numa linha de complementaridade e , pois , em devida contextualização , como forma de , sem abdicar de tais condenações criminais , ou seja dar exequibilidade prática ao seu dispositivo, materializar a entrega , logrando conseguir que através da ordem de pagamento requerida e deferida os valores de esc. 40.852.114$00 e USD 202.702, 18 , entrassem na sua titularidade, pondo termo à dilação de entrega para o que foi ordenada notificação judicial de tal despacho em 20.12.2005 .

O banco executado só em 10.3.206 respondeu , negativamente, no sentido de ser “ objectivamente impossível proceder em conformidade com o despacho recebido “

Os despachos , outras decisões ou actos da autoridade judicial, são equiparados às sentenças condenatórias nos termos do art.º 48.º n.º 1 , do CPC sob o ponto de vista da força executiva , devendo entender-se que quando a lei fala em sentença de condenação quer , mais uma vez socorrendo-nos dos ensinamentos do Prof. José Alberto dos Reis , abranger nesta designação , e numa interpretação não restritiva , como a letra da lei podia fazer sugerir , mas mais ampla , transcreve-se , “ todas as sentenças em que o juiz , expressa ou tacitamente , impõe a alguém determinada responsabilidade “ .-cfr. , ainda , op. cit., pág. 127 -, estando-se inequivocamente , em face de uma ordem judicial , impondo uma responsabilidade ao executado, uma obrigação com génese no estatuto de depositário judicial , em que ficou investido já na fase de inquérito e não na figura de depositário erigido à luz do nominado contrato de depósito .

São objecto de apreensão , enquanto meio de obtenção de prova e também de segurança dos bens , enquanto garantia da execução( Cfr. Germano Marques da Silva , in Curso de Processo Penal , II, 169) –art.º 171.º e segs . do CPP –os produtos do crime –art.º 178.º , do CPP -, confiados a um fiel depositário , se não for possível juntá-los ao processo , sendo que , para o caso particular de quantias ou valores depositados em banco ou instituições de crédito , rege a norma do art.º 181.º , do CPP , tendo como seu pressuposto a existência de “ fundadas razões para crer que eles estão relacionados com um crime e se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova , mesmo que não pertençam ao arguido ou não estejam depositados em seu nome “ .-n.º1 .

O depositário exerce , então , posse em nome do tribunal (Lebre de Freitas , in A Acção Executiva , pág. 210 . ) , mas uma posse precária , “ pendente conditione “ de entrega quando solicitada ou ordenada e de guarda , sem prejuízo para a essência da coisa confiada .

Logo que transitar em julgado a sentença , os objectos apreendidos são restituídos a quem de direito , salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado –n.º 2 , do art.º 186.º , do CPP .

Nos termos do art.º 843.º n.º 1 , do CPC , a função de depositário é o de guarda da coisa depositada , que lhe incumbe administrar com a diligência e o zelo de bom pai de família cessando funções quando lhe for ordenada a apresentação da coisa nos termos do art.º 854.º n.º 1 ,do CPC , em paralelo com as obrigações que , quando com origem contratual , derivam dos art.ºs 1185º e 1187 º , do CC.

E se sendo-o de bens penhorados os não apresentar dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo , na execução , ordenado arresto em bens seus , suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal; ao mesmo tempo é executado , no próprio processo, para o pagamento daquele valor e acréscimos.-n.º 2 , do art.º 854.º , do CPC .

Por aquele preceito do art.º 854.º , do CPC , se vê o âmbito da responsabilidade que lhe incumbe , que vai ao ponto de , modificando-se , por alargamento da relação jurídica executiva , o procedimento executivo passar a dirigir-se contra o depositário , coexistindo com o executado inicialmente demandado em função do título executivo , que delimita os fins e os limites da execução –art.º 45.º n.º 1 , do CPC .

No processo executivo o depositário assume , mesmo , o papel de parte acessória em contraposição com o de parte principal reservado ao executado e exequente, por imposição judicial , ao abrigo de especial disposição de lei , sendo , quanto à obrigação de entrega dos bens atingido pela eficácia do julgado condenatório apesar de não ser parte na acção que aquela determina , extrapolando aquela eficácia os simples limites subjectivos do caso julgado , por especiais razões .

É que , avançar-se-à:, a obrigação ditada pelo tribunal de apresentação dos bens pelo depositário na forma apontada é o processo por que optou o legislador , por um lado , de assegurar o objectivo prático da execução, de pagamento forçado do credor à custa do património alheio , por outro , de fazer respeitar coactivamente as decisões dos tribunais às quais todos devem obediência –art.º 205.º n.º 2 , da CRP . –, podendo socorrer-se de terceiros para cumprimento daquela missão .

A sua condição de obrigado à entrega , não o dispensando do dever de guarda , de apresentar a coisa , sem modificabilidade da sua substância , deriva , assim , dessa vinculação pessoal , indissociável , resultante da lei .

Aliás o destino dos bens apreendidos em processo penal é , mesmo em sede de sentença , visado no seu dispositivo , nos termos do art.º 374.º n.º 3 c) , do CPP , para clarificação da posição do destinatário , mormente em ordem a saber ante quem se desvincula pela apresentação .

De concluir que : O despacho judicial de 20.12.2005 é um despacho com força executiva porque foi notificado ao executado , envolvendo a imposição do cumprimento de uma obrigação pelo banco executado , de restituição de saldos dos depósitos , contra a qual não reagiu , ao ser-lhe notificada a ordem de pagamento dos saldos , e podia fazê-lo , transitando , por isso mesmo , em julgado , nos termos do art.º 680.º , n.º 2 , do CPC . porque não deixa o banco de ser directa e efectivamente prejudicado , impondo-se-lhe a restituição de uma soma de dinheiro , cujo montante ascende a 396.294.70 €.-, mesmo quando sustenta ser-lhe materialmente impossível a devolução .

Como princípio regra , executado é quem figura no título , mas a susceptibilidade de a legitimidade passiva se estender a partes acessórias , deriva dos art.ºs 56.º e 57.º , do CPC , como desvio ao princípio geral , vertido no art.º 55.º , do CPC .

Sendo facultado ao exequente fazer prosseguir a execução contra o depositário incumpridor entranhadamente no processo executivo não se descortina razão válida para o não poder fazer em execução autónoma , argumento exarado , aliás , no parecer junto pela exequente e que se subscreve .

Àquela eficácia executiva é oposta , desde logo , a natureza de despacho de mero expediente , mas é , com o respeito devido , nenhuma a validade da argumentação .

Não se quedando por aqui o banco executado objecta , ainda , a nulidade da sentença proferida nos embargos porque o tribunal teve ali ( na sentença de embargos ) como título executivo o despacho de fls . 2885 , quando , no requerimento executivo , se invocou outro, justamente o de fls 2856 ; atribui-lhe , ao fim e ao cabo , título executivo que não se lhe respeita , que lhe falta , indo além do que lhe é permitido em violação dos princípios do inquisitório e contraditório

O legislador do Código do Processo Civil , após as alterações introduzidas àquele diploma pelo Dec.º -Lei n.º 329-A/95 , de 12/12 , no plano das intenções , plasmadas no seu preâmbulo , fez questão de nele verter , para melhoria da sua eficácia , princípios estruturantes do desenvolvimento , concretização e densificação do princípio constitucional do acesso à justiça ., envolvendo a eliminação injustificada da obtenção de decisão de mérito por forma a que se opere uma justa composição de interesses em benefício de uma decisão formal .

Consagra-se como princípio geral , indica o preâmbulo , o poder-dever de o juiz providenciar pela remoção oficiosa das excepções dilatórias susceptíveis de sanação praticando os actos precisos à regularização da instância , de obviar a que regras rígidas de natureza procedimental obviem à efectivação em juízo dos direitos e a justa composição de interesses ; afirma-se , ainda , o princípio da adequação , facultando ao juiz a susceptibilidade de adaptar o processado à justa decisão da causa ., através da prática de actos que melhor se revelem idóneos à decisão da causa .

A M.ª Juiz de 1.ª instância em sede de sentença na fase do saneador detectou no requerimento executivo uma discrepância consistente em ali se declarar que se pretendia dar à execução o despacho de fls .2858 , incidente sobre o requerimento de fls. 2856 , notificado pelo ofício de fls . 1179526 , de 30.12., constante da cota de fls. 2891 , quando a notificação e a cota se referiam ao despacho de fls . 2885( assistiu-se a uma troca de algarismos , escrevendo-se 2858 em lugar de 2885) , procedendo-se à rectificação na sentença que conheceu de mérito no saneador –fls . 3 da decisão .

Argui o executado , desde logo , a violação do princípio do contraditório , princípio estruturante do processo civil , previsto no art.º 3.º do CPC , ao abrigo do qual o julgador não é permitido decidir do pleito sem que à parte haja sido dada a oportunidade de pronúncia sobre a causa , a fim de acautelarem sobejamente os seus interesses .

O banco executado estava ao corrente do contencioso que o opunha à AA , primeiro porque os saldos depositados foram alvo de apreensão judicial ficando o banco fiel depositário , depois porque a AA encetou infrutíferas diligências no sentido de recuperar os depósitos .

Dizendo o banco que “ recebeu ,- diz -ut ponto 6.º da oposição por embargos –o despacho de fls . 2885 , proferido em 20.12.2005 , a coberto do ofício n.º 1179526 , de 30.12.2005 e as duas últimas folhas do Ac. condenatório da Relação , de 27.2.2003 , na parte do dispositivo que lhe respeita onde se reconhecia o direito aos saldos pela AA , é menos exacto , lançar mão do desconhecimento do objecto da execução e da inexistência de título executivo .

O título executivo é o documento que incorpora a obrigação a executar ; “ conditio sine qua “ da execução , base desta , englobante do facto jurídico suporte do direito a executar , sua indispensável prova , na doutrina do Prof. Germano Marques da Silva , in Curso de Processo Civil Executivo , UCP , 1995 , 28 , documento atestando , certificativamente , a obrigação em que se ancora o procedimento executivo , no ensinamento do Prof. Manuel de Andrade , in Noções Elementares de Processo Civil , ed. 1976 , pág. 58 .

Não é minimamente curial que , pois , conjugando todos supracitados elementos , em face do expediente remetido abstrair do objecto da execução que lhe é movida e de só dela se defender como o fez , aliás , a não ser em nome de um exacerbado rigor formal , que se lhe não deve credenciar .

A rectificação que é lícito exercer , nos termos do art.º 249.º , do CC , por de mero lapso material , de escrita , se tratar , está, também , sob a alçada do art.º 266.º , do CPC , em nome do princípio da cooperação , por força do qual durante a intervenção no processo não só as partes e seus mandatários , como os próprios magistrados , de acordo com o princípio do maior aproveitamento dos actos processuais , devem concorrer para se obter a eficácia e justa composição do litígio .

Um outro princípio de índole processual que se diz ter sido indevidamente actuado , subvertido , substituindo-se o tribunal indevidamente ao dever de alegação da parte , do princípio do dispositivo é o do inquisitório , cujo conteúdo tem de ser interpretado em termos razoáveis e a que o art.º 265.º , do CPC , dá guarida .

O princípio faculta ao juiz , o dever de impulsionar o andamento regular e célere do processo , removendo tudo o que for dilatório à prossecução do processo . –n.º 1 .

O juiz poderá mesmo suprir oficiosamente os pressupostos processuais passíveis de sanação –n.º 2 –praticando os actos imprescindíveis à regularização da instância ; mesmo oficiosamente poderá realizar ou ordenar diligências com vista ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio , quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer –n.º 3 .

Concebido com este alcance e latitude , cria-se assim –cfr. Abílio Neto , CPC Anotado , pág. 304 –um poder inquisitório , dificilmente compatível com a natureza privada dos interesses , em regra em jogo , mas que não foi actuado excessivamente , o tribunal não se substituiu intolerável , chocantemente, ao dever de alegação das partes , actuando com moderação e contenção ao sanar o lapso de escrita , ininfluente sobre os direitos de defesa do banco executado . tal como invoca .

Advoga o banco executado que os levantamentos fraudulentos foram realizados em Julho e Setembro de 2004 e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.02.2003 que ordenou a entrega à assistente das quantias em dinheiro depositadas nas contas apreendidas nos autos, só transitou em julgado em Maio de 2005 (e só foi notificado à Recorrente por ofício expedido em 30 de Dezembro de 2005), ou seja, à data em que os saldos das contas bancárias foram levantados através da apresentação de documentos falsos, a titularidade desses saldos não se havia transferido para a esfera jurídica da assistente AA.

De acordo como os elementos disponibilizados nos autos tendo sido interposto recurso de acórdão condenatório do DD emitido pela Relação de Lisboa em 27.2.2003 , o qual não foi admitido neste STJ ao abrigo do art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , na redacção anterior à alteração anterior à Lei n.º 48/07 , de 29/8 , por despacho de 19.3.2003 , e depois interposto , de novo , por anulação do processado e , depois , rejeitado por intempestivo o seu trânsito em julgado ocorreu antes de Maio de 2005 ( concretamente em 25.3.2003 , pois se trata de mero lapso a alusão a 25.3.2005 , a fls.2697 , no Ac. deste STJ de 12.5.2005 .

E portanto carece de solidez a consideração de que na data da entrega do dinheiro depositado a a AA não se tornara titular dele ; mas ainda que assim não fosse , aderindo à sua versão , sempre se poderá dizer que tais saldos estavam apreendidos e que sobre o banco continuava a recair dever de cuidado na entrega .

Um homem de médio saber , minimamente avisado , suposto como padrão pela ordem jurídica , muito particularmente em presença do contencioso conhecido pelo banco , da vultuosa importância a entregar e porque o “ ofício “ de desbloqueamento se mostrava eivado de anomalias visíveis , em quase falso grosseiro , por muito evidente , mandava uma prática bancária precavida indagar sobre a legalidade do pedido junto do Tribunal supostamente emitente , a que um departamento de auditoria não devia deixar de prestar atenção , sustando o levantamento , que teve lugar em Julho de 2004 e Setembro de 2004 , deixando em saldo 15, 33 € e 312, 46 € , mormente , ainda , pela consideração da simples assinatura por oficial de justiça , cuja assinatura aparenta falsificação , utiliza uma linguagem nada escorreita ao nível jurídico, rogando o “ levantamento do congelamento de contas bancárias “ , referindo uma execução ordinária , quando a referência devia ser à apreensão em processo criminal , a incoincidência de referência nos ofícios que o seu suposto falsário diz o tribunal ter expedido – “ ofício 3805 “ ( fls . 2975 ) e “ 2/P3 “

E nem sequer se diga que , por ter entregue o dinheiro representativo dos saldos mercê de um expediente fraudulento , a partir de um ofício não emergente do tribunal , ao arguido DD , ficou liberto da sua obrigação para com a AA , atendendo a que o fundamento de embargos , a que reportará a oposição , se reconduzirá ao art.º 813 º g) , do CPC, na modalidade de facto extintivo ou modificativo da obrigação , já que assemelhando-se a força executiva dos despachos às sentenças não pode deixar de essa modalidade de oposição se lhe aplicar .se disso for caso .

Na verdade a exequente AA nenhum acto ilícito praticou , em nada concorrendo para aquela entrega , não podendo ser lesada por acto ilícito de falsificação de documento não tipicizando os levantamentos causa extintiva ou modificativa da obrigação da oposição logo sem razão a oposição à execução .

O banco foi constituído depositário judicial , obrigado à guarda e entrega à beneficiária AA , de todo alheia ao processo fraudulento desencadeado , a discutir em sede e processo próprio endereçado ao autor daquela fraude , atitude oposta seria perigosa, desde logo ao cumprimento das ordens dos tribunais e até à segurança bancária , que arranca de os bancos serem cuidadosos , como regra , no giro dos seus depósitos , que , como de todos é sabido , são depósitos irregulares , no sentido de a entrega não se referir , como regra , a concretos espécimes monetários , caso de depósito típico , mas a outros de igual valor pecuniário , por terem , na definição do art.º 1185 .º , do CC , por objecto coisas fungíveis ( art.º 207.º , do CC ) , para guarda do depositário e a sua restituição quando for exigida

De ponderar que a AA face à recusa em reaver os saldos , ao seu protelamento na entrega pelo executado , requereu em 15.2.2006 , que aqueles fossem depositados na CGD , e , posteriormente , pudesse requerer directamente ao tribunal a entrega ,obtendo deferimento, recorrendo, no entanto , aquele banco de tal despacho proferido no processo principal a fls. 2999/3000 , que a Relação por acórdão de 21.11.2006 , revogou .

Aí se decidiu que , estando reconhecidos direitos de índole pecuniária em acórdão transitado , do conhecimento já do recorrente , Banco BB , terceiro em relação a tal processo , não se justifica a interpelação pelo tribunal , sob pena de pura inutilidade , para os satisfazer em prazo fixado , antes devia a assistente “ a ter a iniciativa de lançar mão de meios processuais adequados a tornar efectivos aqueles direitos “

Ali se disse , também , que o requerido não se inscreve em qualquer procedimento executivo , e ainda que “ não seria possível discutir e apreciar factos que os aqui recorrentes , eventualmente , pretendam alegar como fundamento de oposição à execução ou exigibilidade imediata das obrigações que para eles resultam de contratos de depósito …“

O decidido em tal acórdão não vincula , em termos de caso julgado , a AA , impedindo-a de instaurar a execução , pelo contrário até sugere ser esse o caminho a trilhar , porque o pedido é incoincidente , a pretensão jurídica não é idêntica nos dois processos .

Por isso o fundamento da execução arranca do sobredito despacho erradamente indicado de fls . 2858 , mas que , na verdade , é o de fls. 2885 .

O banco executado pagou mal; a prestação feita a terceiro , à margem do consentimento do seu legítimo titular , não libera a obrigação em que foi investido judicialmente , à luz do princípio geral de direito que emana do art.º 770.º , do CC. que regula a extinção da obrigação mediante a prestação a terceiro , muito particularmente a sua al. a) , logo tem de repetir a entrega , prosseguido a execução .

Termos em que se nega provimento ao recurso .

Taxa de justiça : 15Uc,s .

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010

Armindo Monteiro (Relator)

Santos Cabral