Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2393/09.5TVPRT.L2.S1-A
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REQUISITOS LEGAIS
CONTRADIÇÃO ESSENCIAL VERSUS OBTER DICTUM
CONTRATO DE SWAP
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO POR ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS / CONDIÇÕES DE ADMISSIBILIDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA / FUNDAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos ao Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, p. 471 e ss.;
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume III, p. 118 e 119;
- Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, p. 290;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Edição, p. 556 e 557.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 437.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 688.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/08;
- DE 10-10-2013;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 268/03;
- DE 29-01-2015, PROCESSO N.º 20580/11;
- DE 26-03-2015, PROCESSO N.º 424/2001;
- DE 05-05-2016, PROCESSO N.º 535/11;
- DE 15-09-2016, PROCESSO N.º155/11;
- DE 02-02-2017, PROCESSO N.º 4902/14;
- DE 29-06-2017, PROCESSO N.º 366/13;
- DE 15-11-2017, PROCESSO Nº 56/14.
Sumário :
1. A admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência depende designadamente da verificação de uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento relativamente a questão de direito essencial para a resolução de ambos os litígios (art. 688º do CPC).

2. É pelo teor da fundamentação que se afere a existência da contradição essencial em matéria de direito; não bastando que a mesma se verifique relativamente a questões ou argumentos laterais, com mera função de obiter dicta, deve manifestar-se no núcleo essencial ou determinante para cada um dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça em confronto.

3. A apreciação rigorosa desse requisito legal constitui a garantia da estabilidade e da segurança inerentes ao caso julgado já formado, fazendo jus à natureza “extraordinária” do recurso.

4. Não se verifica contradição essencial entre o acórdão fundamento proferido numa ação em que se discutia apenas a resolução ou modificação de contrato de swap com fundamento na alteração anormal das circunstâncias regulada no art. 437º do CC e o acórdão recorrido no qual se discutia a forma a que deveriam obedecer os contratos de swap celebrados entre uma entidade financeira e um investidor, para efeitos da sua demonstração nessa ação.

5. O acórdão fundamento em cujo segmento introdutório se afirmou, como mero obiter dictum, que o contrato de swap obedece a forma escrita, sem qualquer interferência na resolução do litígio em torno da alteração anormal das circunstâncias, não pode servir para justificar a admissão de um recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência relativamente ao acórdão recorrido no qual se assumiu, para efeitos de fixação da matéria de facto, que não estava afastada a possibilidade de usar, além da prova documental e por confissão, a prova testemunhal e por presunções judiciais.

6. No acórdão fundamento, a alusão à exigência de forma escrita não teve natureza decisiva para a resolução do litígio, ao passo que no acórdão recorrido se revelou decisiva para a intervenção cassatória do Supremo Tribunal de Justiça, em sede da matéria de facto apurada pelas instâncias, a admissibilidade ou não de recurso a outros meios de prova.

Decisão Texto Integral:

1. Foi interposto pelo A. recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, o qual foi rejeitado por despacho do ora relator com fundamento na falta de contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido (a respeito da forma legal do contrato de swap) e do acórdão fundamento.

Insiste, contudo, o recorrente, nesta reclamação para a conferência, que se verifica esse requisito legal, já que a solução encontrada no acórdão fundamento não teria sido possível sem a assunção da tese acerca da forma legal a que devem obedecer os contratos swap, existindo por isso uma “frontal divergência jurisprudencial”.

Afirmando que o objeto de cada um acórdão em confronto não tem que ser idêntico, prossegue alegando que “tão pouco a questão de direito tem de ser resolvida em contradição direta, bastando a contradição por interpretação contrária, como acontece no caso”. Acaba por concluir que deve ser aceite o recurso extraordinário para uniformização e, além disso, deve ser determinado o reenvio prejudicial para o TJUE.

A parte contrária, que anteriormente apresentara contra-alegações, pedindo a rejeição do recurso extraordinário, não respondeu a esta reclamação para a conferência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. A decisão singular que foi proferida tem o seguinte teor:
“1. O recorrente expõe nas alegações de recurso a sua insatisfação quanto ao resultado declarado no acórdão recorrido.
Não se questiona a legitimidade de uma tal opção, mas apenas a sua oportunidade, já que o inconformismo quanto ao modo como foi resolvido o litígio não basta para sustentar a admissibilidade de um recurso extraordinário que, quando viável, acaba por interferir na estabilidade de acórdão do Supremo transitado em julgado.
Para que tal seja possível, é necessário que, nos termos do art. 688º do CPC, se demonstre a existência de uma contradição sobre o modo como foi resolvida uma ou diversas questões de direito que se tenham revelado essenciais ou determinantes para a resolução de cada um dos litígios envolvidos tanto no acórdão recorrido como noutro acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, anteriormente transitado em julgado.
2. Não nos alongaremos na circunscrição dos pressupostos do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, questão que tem sido tratada abundante e profundamente por jurisprudência deste Supremo acessível através de www.dgsi.pt, sendo disso exemplos os Acs. do STJ de 26-3-15, 424/2001, de 29-1-15, 20580/11 e de 2-10-14, 268/03.
O signatário também já apreciou tais requisitos, quer em diversas decisões singulares (v.g. de 15-9-16, 155/11) e acórdãos (v.g. de 5-5-16, 535/11 e de 29-6-17, 366/13), quer, de forma mais genérica, mas com larga ilustração doutrinal e jurisprudência, em Recursos no NCPC, 5ª ed., pp. 471 e ss.
Basta por agora enunciar em traços gerais que a admissibilidade de um recurso extraordinário pressupõe que se encontrem reunidos os requisitos legais que a lei prescreve, os quais devem ser (e têm sido) analisados de forma rigorosa, atenta a referida natureza extraordinária e os efeitos que se projetam com tal recurso.
Deve, assim, verificar-se uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido (a respeito da questão ou questões de direito que tenham sido decisivas) e do acórdão fundamento. Posto que o objeto de cada um dos acórdãos em confronto não tenha de ser idêntico, exige-se uma identidade substancial relativamente à questão ou questões de direito que tenham sido decisivas para qualquer deles, mas que foram resolvidas de modo contraditório, criando uma frontal divergência jurisprudencial que deva ser superada.
Ora, nada disso se verifica no caso presente, quando se coloca em confronto o acórdão recorrido com o anterior Ac. deste STJ de invocado pelo recorrente como fundamento deste recurso extraordinário, o que implica a sua rejeição liminar, como analisaremos com mais pormenor.
3. Sustenta o recorrente tal contradição num extrato do sumário do acórdão, no qual, reportando-se a contratos de swap, se enunciou que:
“São seus caracteres o serem contratos a prazo; consensuais (não estando sujeitos a forma legal obrigatória, exceto nos casos em que se insiram em serviços de intermediação financeira com o público investidor) …” (negrito nosso).
Independentemente do relevo de uma tal asserção para sustentar um meio tão drástico como um recurso extraordinário, não podemos deixar de constatar que o referido segmento do sumário nem sequer encontra na fundamentação do acórdão uma real correspondência.
Com efeito, na parte relevante dessa motivação, o que ficou expresso foi que:
“… os contratos de swap revestem usualmente, além da sua característica fundamental de contratos a prazo, uma natureza consensual (não estando sujeitos a forma legal obrigatória, revestem, todavia, usualmente forma escrita voluntária (art. 222º do CC), uma vez que remetem frequentemente para modelos contratuais padronizados que contêm um conjunto de condições gerais que virão a enquadrar e regular os diferentes contratos individuais de permuta financeira celebrados entre as partes) (negrito nosso).
Naturalmente que o que importa para efeitos de sustentar um recurso extraordinário é a resposta que se tenha dado a uma determinada questão de direito que se tenha revelado essencial, com os argumentos que tenham sido expostos na respetiva fundamentação.
O sumário do acórdão é da responsabilidade do relator, e não do coletivo que subscreve o respetivo acórdão cuja elaboração, nos termos do art. 663º, nº 7, do CPC. Cumprindo ao coletivo centrar-se na resolução de litígios, a obrigatoriedade da elaboração do sumário recai sobre relator.
Nem o facto de, no caso, ter sido inserido formalmente no texto do acórdão fundamento (em lugar de ser destacado formalmente de tal texto, como me pareceria mais ajustado) modifica o valor relativo do sumário que deve traduzir as ideias-base expostas na fundamentação do acórdão, mas sem que o seu teor ou sentido possa divergir do que pelo coletivo ficou expresso na fundamentação do aresto.
4. Mas não é neste pormenor formal que se funda a rejeição do recurso extraordinário. Razões mais profundas e substanciais determinam esse resultado.
Como se disse, para efeitos de admissibilidade do recurso que visa submeter de novo o litígio a um órgão jurisdicional mais alargado (Pleno das Secções Cíveis), com vista à assunção de uma solução uniformizadora, a contradição relevante deve situar-se no núcleo central da resposta que foi dada a uma ou diversas questões que se tenham revelado, em concreto, essenciais para o resultado declarado em cada um dos acórdãos em confronto.
No recurso de revista de que emerge o acórdão recorrido discutiu-se a forma a que deveriam obedecer as operações financeiras realizadas pelas partes (ainda que apenas para efeitos de ser sindicada por este Supremo a delimitação dos factos que deveriam considerar-se provados e não provados). Já no acórdão fundamento o cerne do diferendo respeitava à verificação ou não de uma situação que se reconduzisse às normas que regulam a resolução de contratos de swap com fundamento na alteração anormal das circunstâncias (questão que recebeu resposta positiva), a par da verificação da extensão dos efeitos da resolução quando se trate de contratos de execução periódica, por forma a ressalvar ou não as prestações já anteriormente realizadas (questão que obteve resposta negativa).
Sendo tão diversos os contextos que rodeavam cada um dos litígios, o único ponto em comum – ainda assim de fraca valia para o efeito que o recorrente pretende – incide sobre o facto de em ambos os arestos estarem em causa contratos de swap integrados num relacionamento contratual que era mais complexo no caso do recorrente e mais linear no caso do acórdão fundamento.
O facto de no acórdão fundamento também se ter aludido a aspetos formais ligados a tal contrato constitui um aspeto inequivocamente marginal, periférico, em suma, totalmente dispensável, uma vez que não estava em discussão de modo algum nesse caso a forma a que deveria obedecer ou a forma que foi adotada no concreto contrato de swap. Ninguém colocou em crise a validade formal de tal contrato, nem o modo com foi considerado provado pelas instâncias, discutindo-se apenas – e, diga-se, pela primeira vez neste Supremo Tribunal de Justiça – se contratos dessa natureza poderiam estar sujeitos às vicissitudes correspondentes à alteração anormal das circunstâncias decorrentes da crise financeira de nível internacional.
Diga-se ainda que, reparando na fundamentação de tal acórdão, a resposta que foi dada àquele aspeto de ordem marginal não só é compatível com a que foi adotada no acórdão recorrido como ainda vai além do que neste foi afirmado acerca do modo como poderiam as instâncias assumir a demonstração da existência de tal contrato.
Além disso, o que na motivação do acórdão fundamento se exarou acerca da natureza do contrato de swap nem sequer apresenta, como se disse, relevo para o cerne do litígio, constituindo uma afirmação puramente lateral integrada no enquadramento geral do litígio que importava resolver em torno da figura da alteração anormal das circunstâncias em que foi elaborado e executado um contrato que até então tinha estado alheio das preocupações do Supremo Tribunal de Justiça.
Efetivamente, a alusão à forma do contrato de swap foi introduzida do seguinte modo no acórdão fundamento:
 “Para melhor compreensão das questões suscitadas, importa analisar o que seja um contrato de swap, o que implicará uma prévia análise do que sejam instrumentos financeiros e instrumentos derivados.
…”.
Nada do que foi dito posteriormente, designadamente o extrato que acima foi reproduzido, apresenta relevo decisivo para o resultado final. Considerando as particularidades dos contratos de swap que até então não haviam sido discutidos nos tribunais (o acórdão fundamento foi o primeiro aresto do Supremo sobre um tal contrato que causou alguma estranheza), o coletivo respetivo entendeu que, antes de avançar para a resolução das questões verdadeiramente decisivas, deveria proceder a um enquadramento jurídico e genérico daquele contrato.
Foi nesse segmento interlocutório e explicativo que se inseriu a alusão a aspetos de ordem formal, mas que não eram questionados em tal processo, de modo que o teor de tal motivação não interferiu de modo algum na resolução das questões nucleares que já acima se enunciaram e de que dependia o sucesso ou o insucesso da ação. A resposta que foi dada (seja a que consta da fundamentação, seja a que, de conteúdo diverso, ficou a constar do sumário) não interferiu de modo algum na resolução da questão essencial que notoriamente nunca esteve centrada na forma a que deveria obedecer o contrato de swap ou no modo como as instâncias deveriam formar a sua convicção acerca dos factos atinentes à existência do swap.
Já no acórdão recorrido uma das questões que foi suscitada pelo recorrente girava precisamente em torno da forma (que em seu entender deveria ser necessariamente escrita) a que deveriam obedecer todas as operações financeiras que foram realizadas, incluindo os contratos de swap a que os autos se reportam.
Para resolução deste litígio foi considerado, em primeiro lugar, que não estava afastada a possibilidade de ponderar, para efeitos de fixação da matéria de facto, para além da documentação junta e da confissão feita pelo recorrente, outros meios de prova, sem exclusão da prova testemunhal e por presunções judiciais.
Mas acima de tudo, o que, em concreto, se mostrou decisivo para o resultado declarado, foi ter-se considerado que a este Supremo Tribunal de Justiça estava vedado sindicar a decisão da matéria de facto provada e não provada ante a inverificação do condicionalismo apertado que consta do art. 674º, nº 3, do CPC.
Ou seja, em face da ausência de uma situação que se traduzisse na violação, por parte das instâncias, de uma disposição expressa de lei que exigisse uma certa espécie de prova (prova tarifada), concluiu-se que não havia motivos para anular a decisão das instâncias relacionada com a decisão sobre os factos provados e não provados.
5. Assim, para além da diversidade do objeto de cada um dos recursos de revista subjacentes ao acórdão fundamento e ao acórdão recorrido, verifica-se a falta de identidade entre as questões que num e noutro se revelaram essenciais para a resolução de cada um dos litígios que lhes estavam subjacentes.
À diversidade das questões de direito suscitadas em cada um dos acórdãos corresponde naturalmente a ausência de contradição essencial entre o que foi afirmado em cada um deles que se mostraria necessária para a admissão liminar do recurso extraordinário.
Neste contexto e para rematar, não existem as condições mínimas que permitam submeter ao Pleno das Secções Cíveis a resolução de qualquer conflito jurisprudencial, devendo ser rejeitado o recurso extraordinário requerido pelo recorrente.
…”.

3. Insiste o recorrente na existência de uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento.

Pode fazê-lo com a liberdade alegatória que a lei legitima, mas que, no entanto, é insuficiente para ultrapassar os argumentos que, desde o CPC de 1961, vêm sendo expostos por diversos processualistas (v.g. Alberto dos Reis, Castro Mendes, Ribeiro Mendes, Teixeira de Sousa, Lebre de Freitas ou Amâncio Ferreira), no sentido da limitação deste recurso extraordinário (ou do anterior recurso para o Pleno) a situações em que se verifique uma contradição direta a respeito das questões de direito que se tenham revelado essenciais para os acórdãos em confronto.

É claro que o objeto do processo pode ser diferente e a normas cuja interpretação está em conflito também não têm que ser formalmente idênticas, bastando a identidade substancial.

Porém, a contradição entre os arestos acerca da interpretação da questão ou questões de direito deve ser direta e não meramente implícita (Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, p. 290, reportando-se ao anterior recurso para o Pleno) e deve verificar-se uma relação de identidade substancial no que concerne à questão ou questões de direito em causa (cf. AUJ nº 4/08 e Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. III, p. 118). Ademais, a questão de direito que tenha sido objeto de resposta diversa deve revelar-se essencial para o resultado que foi obtido em cada um dos arestos (Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pp. 556 e 557 e Castro Mendes, ob. cit., p. 119).

Os arestos que foram enunciados na decisão singular e outros que se mostram acessíveis através de www.dgsi.pt revelam cada um dos referidos requisitos, sendo de fácil apreensão a necessidade da sua verificação rigorosa, tendo em vista evitar o uso abusivo de instrumentos de natureza extraordinária (Acs. do STJ de 2-2-17, 4902/14, de 26-3-15, 424/2001, de 29-1-15, 20580/11 e de 2-10-14, 268/03). Em Recursos no NCPC, 5ª ed., do ora relator, são indicados diversos acórdãos deste Supremo e diversas obras jurídicas que abordam esta problemática.

Deste mesmo relator e deste coletivo é o A. do STJ de 29-6-17, 366/13, com o seguinte sumário:

“I - É pressuposto essencial da admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência a verificação de uma contradição ou diversidade de resposta quanto à mesma questão essencial de direito.

II. Ainda que a situação de facto não tenha de ser coincidente, é de exigir que se estabeleça um confronto jurisprudencial na discussão e resolução de situações materiais litigiosas que, de um ponto de vista jurídico-normativo, sejam equiparáveis.

III. As soluções jurídicas em confronto devem assentar na mesma base normativa, não integrando contradição ou oposição de acórdãos soluções diferentes obtidas através da subsunção ou enquadramento em regimes normativos materialmente diferenciados.

…”.

E é do próprio Pleno do STJ o Ac. de 15-11-17, 56/14, do qual se extrai o seguinte sumário:

“I - O recurso para uniformização de jurisprudência tem na sua base e fundamenta-se numa contradição existente entre dois acórdãos do STJ no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

II - Importa, para isso, atender à contradição que tenha sido relevante, fundamental e decisiva para a decisão em ambos os acórdãos, ou seja, a questão de direito tem de ter constituído o fundamento decisivo para a resolução do litígio em ambos os acórdãos.

…”.

Só assim se protege o caso julgado entretanto formado, evitando que seja posto em causa com base em divergência periféricas ou meramente aparentes. Só deste modo se protege o valor da segurança jurídica que não pode ser afetado ou sequer perturbado pelo uso de instrumentos processuais que são de natureza “extraordinária”.

4. Como se referiu na precedente decisão singular, só aparentemente se verifica uma contradição entre os arestos em confronto. Analisados com o necessário pormenor que tenha em atenção o que se revelou essencial para cada um deles, facilmente se verifica que ambos podem persistir sem que daí resulte uma contradição jurisprudencial relevante que urja solucionar mediante a sujeição ao Pleno das Secções Cíveis deste Supremo.

Ultrapassada a “primeira impressão” que possa resultar da leitura isolada do sumário do acórdão fundamento (segmento que, aliás, é da exclusiva responsabilidade do relator, e não do coletivo), uma análise mais “fina” ajustada à natureza extraordinária deste recurso e aos valores que subjazem ao caso julgado, permite constatar que, afinal, a posição assumida na respetiva motivação relativamente à forma do contrato de swap não foi de modo algum decisiva de para a resolução do concreto litígio. Tratou-se, em boa verdade, de um obiter dictum que, sendo perfeitamente dispensável, poderia ter sido dispensado, sem que com isso ficasse prejudicada a solução que foi dada a uma questão (que até ao momento não fora debatida em qualquer acórdãos do Supremo) em torno da modificação ou resolução do contrato de swap com fundamento na alteração anormal das circunstâncias.

Ou seja, para a apreciação do litígio que estava envolvido no acórdão fundamento era totalmente dispensável apurar qual a forma a que deveria ter obedecido o concreto contrato de swap, já que estava unicamente em causa a figura problemática da alteração anormal das circunstâncias, sem que tivesse sido objeto de discussão ou de apreciação relevante a forma a que deveriam obedecer contratos de swap.

A resposta à questão que as partes colocaram em tal processo não dependia, pois, da forma legal do referido contrato, matéria que, aliás, foi abordada no segmento introdutório do acórdão unicamente com a função de enquadrar juridicamente um contrato que, até ao momento, ainda não tinha sido objeto de apreciação em qualquer outro acórdão do Supremo e que apenas surgiu no radar jurisprudencial com a crise financeira de 2007.

Ora o Pleno das Secções Cíveis apenas deve ser chamado a intervir para solucionar conflitos jurisprudenciais reais e não para resolver questões de natureza doutrinária ou de questões marginais ou periféricas que, embora possam ter obtido uma resposta diversa nos arestos em causa, se revelem anódinas para a resolução do litígio.

O que, em concreto, se mostrou decisivo para o resultado declarado no acórdão sob recurso, foi ter-se considerado que a este Supremo Tribunal de Justiça estava vedado sindicar a decisão da matéria de facto provada e não provada ante a inverificação do condicionalismo apertado que consta do art. 674º, nº 3, do CPC. Em face da ausência de uma situação que se traduzisse na violação, por parte das instâncias, de disposição expressa de lei que exigisse uma certa espécie de prova (prova tarifada), concluiu-se que não havia motivos para anular a decisão das instâncias relacionada com a decisão sobre os factos provados e não provados.

Para resolução deste litígio foi considerado que não estava afastada a possibilidade de ponderar, para efeitos de fixação da matéria de facto, para além da documentação junta e da confissão feita pelo recorrente, outros meios de prova, sem exclusão da prova testemunhal e por presunções judiciais.

Ora, não foi esta a matéria apreciada no acórdão fundamento em torno de uma questão que não dizia respeito ao direito probatório material ou formal, antes ao regime substantivo da alteração anormal das circunstâncias, com especial incidência nas circunstâncias que rodeiam contratos de swap.

Para além da diversidade do objeto de cada um dos recursos de revista subjacentes ao acórdão fundamento e ao acórdão recorrido, verifica-se a falta de identidade entre as questões que num e noutro se revelaram essenciais para a resolução de cada um dos litígios que lhes estavam subjacentes, estando, por isso, ausente a verificação de alguma contradição essencial entre o que foi afirmado em cada um dos arestos.

Não existindo as condições mínimas que permitam submeter ao Pleno das Secções Cíveis a resolução de qualquer conflito jurisprudencial, confirma-se a decisão singular que rejeitou o recurso extraordinário.

5. Igualmente se confirma a decisão singular que rejeitou o reenvio prejudicial para o TJUE, pretensão que, aliás, se mostra prejudicada pela resposta anterior.

Com efeito, a intervenção de tal instituição europeia apenas se justifica para dar uma resposta uniformizadora a questões que envolvam normas de direito europeu e que se mostrem necessárias para a resolução de litígios no âmbito interno de cada Estado da União Europeia. Não apresenta autonomia e apenas se justifica como precedente da correspondente decisão por parte de tribunal nacional, o que, como se observa, não se verifica no caso concreto: o acórdão recorrido já transitou em julgado; o recurso extraordinário que sobre o mesmo incidiu é rejeitado.

6. Face ao exposto, acorda-se em confirmar a decisão singular que rejeitou o recurso extraordinário e o reenvio prejudicial.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

Lisboa, 6-12-18



Abrantes Geraldes (Relator)


Tomé Gomes


Maria da Graça Trigo