Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8373/19.5T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
OBRIGAÇÕES DE MEIOS E DE RESULTADO
NEXO DE CAUSALIDADE
MEDIADOR
NEGÓCIO ALEATÓRIO
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
Data do Acordão: 06/17/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I – No contrato de mediação, regido pela Lei  nº15/2013 de 25/9, fazendo o cliente cessar o contrato imediata e imotivadamente, deverá pagar a remuneração à mediadora se vier a celebrar o contrato visado graças à atividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo contratual, ainda que a celebração do contrato visado ocorra fora do período do contrato.

II - Para haver direito à remuneração, é necessário que haja uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato objecto da mediação.

III - A cláusula post factum finitum acordada, no sentido de que a mediadora “deve ter o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o ativo durante o período do contrato inicial” não pode afastar a ideia de que existisse previamente, da actividade da Autora mediadora para a celebração do negócio definitivo, um nexo de continuidade lógica.

IV – Se não existe continuidade negocial, nexo de continuidade lógica entre os negócios apresentado e concluído, diversos pelos responsáveis, pelos termos do negócio, pelo tempo decorrido, pela capacidade negocial e de concretização do acordo revelada pelas partes, inexiste direito à remuneração.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça*


                  

As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo

Aguirre Newman Portugal - Mediação Imobiliária, Lda., com a actual denominação social de Savills Portugal - Mediação Imobiliária, Ldª, intentou a presente acção com processo declarativo e forma comum contra Novo Banco, S.A., pedindo a condenação deste a pagar-lhe:

a) a quantia de € 1.483.380,00 a título de honorários acordados e devidos nos termos da prestação de serviços contratada, ou sem conceder, subsidiariamente a título de comissão devida nos termos do contrato de mediação imobiliária;

b) Ainda subsidiariamente, caso venha a ser declarada a nulidade do contrato de mediação imobiliária por falta de forma, deve o Réu ser condenado a pagar-lhe igual quantia a título de remuneração compensatória, correspondente ao valor de retribuição acordada;

c) em juros de mora calculados à taxa legal aplicável aos juros comerciais, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou ser uma sociedade comercial que se dedica à mediação imobiliária, e que em Junho de 2016 o Réu incumbiu-a de, em regime da exclusividade, proceder à prestação de serviços de consultadoria a assessoria para a alienação do imóvel sito na Praça do ………, em ….., ou para a venda das acções da sociedade Praça do Marquês - Serviços Auxiliares, S.A., detidas pelo Réu, sociedade essa a proprietária do imóvel.

A A. apresentou ao Réu e este aceitou uma proposta de comercialização de alienação do imóvel, tendo ficado acordado o pagamento de honorários que variavam entre uma comissão de 1,3% e 1,8% sobre o preço de venda do imóvel consoante o valor da transacção e a data de contacto dos investidores.

A A. desenvolveu intensa atividade entre Junho de 2016 e 01/02/2017, e deu conhecimento ao Réu dos investidores que manifestaram interesse inicial no negócio.

O Réu, em 01/02/2017, através de um e-mail, comunicou à A. a cessação da colaboração, perante o que a A. manifestou o seu inconformismo junto do Réu.

Mas, em Setembro de 2017, a A. tomou conhecimento de que a Merlin Properties acabara de concretizar a compra ao Réu, por 60,3 milhões de euros, do edifício da Praça ………., através da aquisição da sociedade Praça do Marquês - Serviços Auxiliares, S.A.

Sucede que a Merlin Properties teve conhecimento do imóvel e do negócio exclusivamente através da A. e inclusive o seu diretor visitou o imóvel acompanhado de consultores da A. O interesse da Merlin na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A. e culminou com a aquisição do imóvel.

A A. interpelou o Réu para o pagamento dos honorários acordados mas o Réu não reconhece tal direito.

O acordo escrito deve ser reconduzido a um contrato de prestação de serviços de consultoria e que as partes acordaram que a A. teria direito à remuneração com a conclusão do negócio. Se se entender que o acordo é subsumível a uma mediação imobiliária, assiste à A. o direito a ser remunerada nos termos acordados, tendo o Réu incumprido o contrato ao cessar unilateralmente o contrato. Mais defende que a sua atuação foi determinante para a concretização da venda, pelo que deve receber uma comissão de 2% sobre o valor de € 60.300.000,00, conforme acordado, o que corresponde ao montante de € 1.206.000,00, acrescido de IVA à taxa legal, num total de € 1.483.380,00.

Contestando, o Réu sustentou que só em Junho de 2017 foi abordado pela Merlin, através da Hudson Advisors que a apresentou ao acionista principal do Réu, a Lone Star.

Os “relatórios de comercialização” que a A. foi apresentando ao Réu consubstanciavam a única informação que o Réu recebia ao longo do tempo e deles resulta, quanto à Merlin, que a apresentação do projeto lhe teria sido enviada, ainda se aguardando uma resposta, e que teria assinado um NDA (Non Disclosure Agreement) o que lhe conferia acesso a um VDR (Virtual Data Room). Nega existir qualquer relação direta ou causal entre a aquisição da sociedade pela Merlin ao Réu em Setembro de 2017 e as alegadas visitas e manifestações de interesse perante a A. cerca de um ano antes. As únicas propostas que a A. lhe comunicou foram apresentadas pelas entidades Aerium e CR Management/Oaktree, não tendo conhecimento de qualquer proposta da Merlin.

Acrescentou ainda que a A. aceitou pacificamente a retirada do imóvel do mercado.

Defende que, não sendo para si um ponto de ordem a exclusão de qualificação do contrato como mediação imobiliária, independentemente da correta qualificação - mediação imobiliária ou outra prestação de serviços - a obrigação de pagamento de uma comissão, acrescida ou não de success fee, tinha como pressuposto a celebração de um contrato como resultado do serviço até aí desenvolvido pela A., e no caso inexiste o nexo de causalidade entre a atuação do mediador e a celebração do contrato pretendido, assim como a não celebração de contrato com a Merlin na sequência da mediação da A. não é imputável ao Réu, tanto que a Merlin não apresentou na altura qualquer proposta muito menos vinculativa.

Acrescenta que, após o período inicial de três meses que a A. propôs como duração do contrato, não houve acordo expresso quanto à sua prorrogação.


As Decisões Judiciais

Julgada a acção em 1ª instância, a acção foi julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

Tendo a Autora recorrido de apelação, a Relação revogou a sentença e, na procedência da acção, o Réu foi condenado a pagar à A. a quantia de € 1.206.000,00, acrescidos de IVA à taxa em vigor (23%), no valor de € 277.380,00 (duzentos e setenta e sete mil, trezentos e oitenta euros), tudo no total de € 1.483.380,00 (um milhão, quatrocentos e oitenta e três mil, trezentos e oitenta euros), acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Inconformado agora o Réu, vem o mesmo recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões recursórias:

A. O Tribunal a quo começou por qualificar o contrato celebrado entre as partes como um contrato de prestação de serviços genérico, previsto no artigo 1154.º do Código Civil e sujeito, por força do artigo 1156.º, à disciplina aplicável ao contrato de mandato.

B. Cita depois um Acórdão deste Colendo Tribunal no qual é feita uma distinção entre os contratos de mediação imobiliária e as prestações de serviços genéricas (e.g. de consultoria), contudo, o Tribunal a quo falhou claramente na transposição dessa distinção para o caso dos autos.

C. A distinção que este Colendo Tribunal aí defendeu depende, fundamentalmente, de se aferir se a obrigação do prestador de serviços é uma obrigação de meios ou de resultado.

D. A chave da distinção é, afinal, a natureza da contrapartida contratualmente acordada para os serviços a prestar: no primeiro caso, uma contrapartida não condicionada; no segundo, uma comissão, indexada, quer quanto ao valor, quer quanto à sua exigibilidade, à celebração de um negócio final.

E. No caso, não só o valor a pagar seria variável de acordo com o valor do negócio final, como a mesma apenas seria devida pelo Recorrente “em caso de concretização do negócio”.

F. Que a contrapartida eventualmente devida à Recorrida era uma comissão dependente da celebração de um negócio final entre o Recorrente e um dos investidores não oferece dúvidas ao abrigo de nenhum dos critérios de interpretação de declarações negociais previstos no artigo 236.º do Código Civil, seja o da impressão do destinatário previsto no n.º 1, seja o da vontade real, previsto no n.º 2.

G. Qualificar o contrato nos termos em que o Tribunal a quo o fez é redutor e enganador, pois apenas considerou parte dos serviços que a Recorrida se comprometeu a prestar, desconsiderando a questão decisiva do resultado ao qual as partes condicionaram o pagamento da contrapartida.

H. O Tribunal a quo incorreu, assim, num primeiro erro de julgamento quando defendeu que o Recorrente estava obrigado a pagar uma contrapartida à Recorrida independentemente do resultado da sua actuação, como consequência da qualificação do contrato como uma prestação de serviços genérica, sem subordinação desses serviços à obtenção de um resultado, o que corresponde a um erro de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1154.º e 1156.º do Código Civil, bem como do disposto no artigo 236.º do mesmo Código,

I. Seja porque (i) ficamos sem compreender em que termos o Tribunal a quo aplicou ao caso dos autos a distinção a que este Colendo Tribunal aludiu no Acórdão citado, seja porque (ii) a vontade contratual das partes foi clara no sentido de a contrapartida pelos serviços da Recorrida ser uma comissão dependente da celebração de um negócio final.

J. O segundo erro do Tribunal a quo decorre da ideia de que, por se tratar de um contrato oneroso, a contrapartida seria sempre devida, desde que a Recorrida prestasse todos os serviços com que se comprometeu perante o Recorrente, independentemente de ser ou não obtido o resultado acordado.

K. Uma vez que os termos da comissão acordada e a sua natureza condicional são tão claros (vide factos provados sob os pontos 14 e 15), impunha-se ao Tribunal a quo que tivesse atentado no que dispõe o n.º 2 desse artigo 1158.º, o qual é inequívoco ao estabelecer que apenas se atende a critérios legais de fixação da contrapartida “não havendo ajuste entre as partes”.

L. Havendo, como havia, um consenso contratual quanto aos termos e condições da retribuição potencialmente devida pelo Recorrente, era a esses que o Tribunal a quo devia ter atendido e, se o tivesse feito, facilmente alcançaria que a cláusula relativa à comissão é cristalina no sentido de a mesma estar – como está, por natureza, qualquer comissão – dependente da efectiva “concretização do negócio”.

M. A retribuição acordada apenas seria devida à Recorrida se esta, por força dos serviços por si prestados, obtivesse um determinado resultado, ou conduzisse a que ele fosse obtido, correspondente à celebração de um negócio, o que não sucedeu.

N. O que vem de dizer-se não é invalidado, ao contrário do que parece sustentar o Tribunal a quo, pelo disposto no artigo 1167.º, alínea b), do Código Civil, já que essa disposição estabelece claramente que a retribuição que o mandante está obrigado a pagar ao mandatário é aquela “que ao caso competir”, ou seja, in casu, a contrapartida condicional corporizada na comissão consensualizada entre as partes e dependente de um determinado resultado.

O. O Tribunal a quo entendeu que o Recorrente devia uma contrapartida à Recorrida pela simples prestação dos serviços e independentemente de ter, ou não, sido obtido o resultado acordado, e, ao ter assim entendido, o Tribunal a quo desrespeitou, errando na sua interpretação, o disposto nos artigos 1158.º, n.º 2, e 1167.º, alínea b), ambos do Código Civil,

P. Tendo feito tábua rasa da estipulação contratual feita pelas partes e provada nos autos, nos termos da qual é para lá de evidente que a contrapartida prevista era uma comissão e que só seria devida à Recorrida com a obtenção daquele resultado, o que não sucedeu.

Q. Com base nessa cláusula, o Tribunal a quo acaba o seu raciocínio a defender que foi sonegado à Recorrida o direito a terminar ou continuar negociações com a Merlin Properties, e que foi o Recorrente que o sonegou.

R. Entendeu o Tribunal a quo que, depois de a Merlin Properties ter participado no primeiro processo de venda, mediado pela Recorrida, o Recorrente estava impedido de negociar com esse investidor.

S. Por um lado, o Tribunal a quo parece concluir, sem mais, que a actuação da Recorrida no primeiro processo de venda foi decisiva para o negócio que o Recorrente veio a celebrar, embora depois acabe por não o desenvolver.

T. Por outro lado, ensaia aquele que nos parece ter sido o argumento decisivo, relacionado com a alegada violação, pelo Recorrente, da cláusula com eficácia post pactum finitum.

U. Como a primeira instância bem tinha clarificado, a comissão contratualmente prevista só seria devida à Recorrida se:

(a) na vigência do contrato entre as partes, o Recorrente tivesse contratado uma outra mediadora e tivesse vindo a celebrar o contrato final com um adquirente que lhe fosse apresentado por esta, o que não sucedeu; ou

(b) a Recorrida tivesse apresentado ao Recorrente a Merlin Properties em condições de celebrar o contrato visado, e este não tivesse sido celebrado, única e exclusivamente, por causa que lhe fosse imputável, o que não sucedeu; ou

(c) o contrato celebrado com a Merlin Properties o tivesse sido graças à actividade desenvolvida pela Recorrida durante o prazo contratual.

V. A conclusão de que o contrato que veio a ser celebrado com a Merlin Properties não se deveu à actividade da Recorrida resulta, tanto da matéria de facto provada, como da fundamentação dessa decisão pelo Tribunal de primeira instância – ambas inquestionáveis neste momento dos autos por não ter havido impugnação dessa decisão sobre a matéria de facto.

W. A Merlin Properties abandonou o primeiro processo de venda na segunda metade de Setembro de 2016, sem ter formulado qualquer proposta, nem sequer não vinculativa, e esse processo decorreu, pelo menos, até Dezembro de 2016 – altura em que já tinham sido apresentadas as propostas vinculativas por dois dos investidores (vide pontos 37 a 39, 45, 49 e 50 da matéria de facto provada).

X. Não há, nos autos, entre a matéria de facto provada, qualquer notícia de que a Merlin Properties tenha voltado a ter qualquer participação nesse processo, nem qualquer outra interacção com a Recorrida a propósito do imóvel relevante.

Y. Quando o Recorrente informou a Recorrida, em Fevereiro de 2017, da sua intenção de retirar o imóvel do mercado, como efectivamente fez, há mais de quatro meses que a Merlin Properties não tomava qualquer iniciativa no sentido de vir a adquirir o imóvel, directa ou indirectamente (vide pontos 53 e 54 da matéria de facto provada).

Z. Desde essa data, o Recorrente promoveu, efectivamente, diversas alterações no imóvel (vide ponto 1 da matéria de facto não provada e respectiva fundamentação).

AA. Quando, em Junho de 2017, decidiu promover a venda do imóvel, desta feita por sua iniciativa e englobado num vasto portfolio imobiliário, como bem afirmou o Tribunal de primeira instância, não pode entender-se “que a aquisição ocorrida em 2017 tenha representado o culminar do interesse manifestado à Autora em Julho de 2016, uma vez que as circunstâncias do prédio (ou se quisermos o próprio modelo de negócio) e sobretudo do mercado não eram exactamente iguais” (realce nosso).

BB. Como ficou claro da prova produzida nos autos e consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, mesmo da perspectiva da Merlin Properties não estava em causa qualquer continuidade de um processo anterior.

CC. A documentação e informação que antes tinham sido prestadas e fornecidas pela Recorrida não foram consultadas, uma vez que, por se encontrarem manifestamente desactualizadas, não foram consideradas relevantes nessa fase, e o colaborador da Merlin Properties encarregado de gerir o processo não era, sequer, o mesmo.

DD. Não houve, sequer, uma negociação directa e exclusiva entre o Recorrente e a Merlin Properties, já que, como consta da fundamentação dos pontos 57 e 58 da matéria de facto provada em primeira instância, a propósito do depoimento de AA, a Merlin Properties entrou “num processo de aquisição com ofertas em cartas fechadas”.

EE. A participação da Merlin Properties no processo de venda que decorreu a partir de Junho de 2017 teve um contexto completamente diferente da sua participação no primeiro processo (em que participou a Recorrida), não havendo qualquer relação relevante entre uma e outra, nem quanto à tomada de conhecimento da existência do imóvel aqui em causa, nem quanto à informação e documentação relativa ao mesmo, que então já se encontrava completamente desactualizada.

FF. Não há, nem entre a matéria de facto provada, nem entre a prova produzia em julgamento que lhe serviu de fundamento, qualquer justificação minimamente palpável para se poder considerar que a actividade da Recorrida no primeiro processo de venda (em 2016) foi a causa, ou que foi, sequer, determinante, para o negócio que o Recorrente veio a realizar.

GG. É que a cláusula, como consta do contrato, não parece apresentar um limite temporal, pelo que o seu âmbito de aplicação tem, necessariamente, que ser aferido pela via interpretativa.

HH. O Tribunal a quo não podia ter entendido que, depois de a Recorrida ter conduzido o primeiro processo de venda, o Recorrente nunca mais, em momento algum, poderia promover a alienação daquele imóvel junto de qualquer investidor que tivesse participado na primeira fase, senão através da Recorrida, pois tal seria um entendimento completamente desproporcional.

II. O único argumento que a Recorrida poderia utilizar seria o de que, na data em que o contrato cessou – fosse pela iniciativa do Recorrente, fosse de acordo com as renovações tácitas do contrato –, a mesma tinha em curso negociações com a Merlin Properties que pudesse pretender continuar ou concluir.

JJ. É isso que decorre claramente da teleologia da cláusula e da única interpretação possível da mesma à luz, uma vez mais, dos critérios previstos no artigo 236.º do Código Civil, tanto da perspectiva da impressão do destinatário (n.º 1), como da perspectiva da vontade real das partes (n.º 2).

KK. Aquilo que a cláusula aqui em discussão tipicamente pretende evitar é a situação em que, encontrando-se em curso negociações entre a mediadora e um potencial interessado, o vendedor faça cessar propositadamente o contrato, ou tire partido do seu termo pelo decurso do prazo, para se substituir à mediadora nessas negociações, evitando pagar-lhe a comissão acordada.

LL. Mas a cláusula já não pretende conferir uma ideia de exclusividade ad aeternum de uma mediadora relativamente a um determinado investidor, impedindo o vendedor de negociar directamente com esse investidor após a cessação do contrato (no caso, quase um ano depois da participação da Merlin Properties no primeiro processo de venda), mesmo quando esse investidor havia anteriormente desistido de um processo de venda e já não mantinha, há muito tempo, qualquer contacto ou negociação com a mediadora relativamente ao imóvel em causa.

MM. O recebimento da comissão pela mediadora estará sempre salvaguardado – de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes –, mesmo que não haja negociações em curso quando da cessação do contrato de mediação e, portanto, a cláusula em causa não tenha (como não tem aqui) aplicação, conquanto se possa, ainda assim, considerar que a actuação da mediadora foi decisiva para o negócio que o vendedor venha a celebrar com o investidor.

NN. Se (i) o contrato cessar, ou for feito cessar pelo vendedor, quando a mediadora tem em curso negociações com um investidor que podem levar à apresentação de uma proposta e à celebração do negócio pretendido entre o vendedor e esse investidor, tem aplicação a cláusula com eficácia pós-contratual.

OO. Se (ii) o contrato cessar, ou for feito cessar pelo vendedor, sem que a mediadora tenha em curso negociações com um investidor, esta encontra-se, ainda assim, protegida quanto ao recebimento da comissão, sob o argumento de que a sua actuação foi decisiva para a celebração de um negócio futuro entre o vendedor e um dos investidores a quem tiver apresentado o negócio.

PP. Contudo, se, (iii) como foi o caso aqui, o contrato for feito cessar num momento em que não havia quaisquer negociações em curso entre a mediadora (a Recorrida) e um dos investidores a quem o negócio tenha sido apresentado por esta, e o vendedor vier mais tarde a contratar directamente com esse investidor, sem que se possa considerar que foi a actuação da mediadora que deu causa a esse negócio, é justo, equilibrado e proporcional que a mediadora não tenha direito à comissão.

QQ. No caso concreto, é pacífico que (a) não havia quaisquer negociações em curso entre a Recorrida e a Merlin Properties quando o contrato com o Recorrente cessou, bem como é mais do que evidente que (b) o negócio que veio a ser celebrado entre o Recorrente e a Merlin Properties teve um contexto completamente diferente do primeiro processo de venda e não foi decorrência, nem consequência, da participação que a Recorrida teve nesse primeiro processo.

RR. O Tribunal a quo incorreu, assim, em erro de interpretação das normas previstas no artigo 236.º do Código Civil, o que releva como fundamento deste recurso nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

Por contra-alegações, a Autora sustenta a denegação da revista.

Factos Provados

1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem, sendo detentora da licença A.M.I. n.° 5446, emitida pelo Instituto dos Mercados Públicos do Mobiliário e da Construção (IMPIC) (art. 1° da p.i.).

2. O Réu é uma sociedade anónima que tem por objecto social o exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa actividade e permitidas por lei, e a aquisição de participações no capital de outras sociedades, bem como a integração em agrupamentos complementares de empresas, desde que sujeitos a responsabilidade limitada, ainda que com objecto social diferente do seu ou regulados por lei especial (art. 2° da p.i.).

3. Até Setembro de 2017, o Réu era o beneficiário da totalidade das ações da sociedade PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, SA., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de registo e de pessoa colectiva 501...39, com sede na Avenida ..., n.° ..., piso intermédio, ... Lisboa (art. 3° da p.i).

4. A sociedade PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, SA. é uma sociedade anónima que tem por objecto social a aquisição de prédios urbanos com vista ao arrendamento e desenvolvimento da actividade de venda e gestão de imóveis próprios, sendo detentora do capital social de €15.893.150,00 titulado por ações (art. 4° da p.i.).

5. Esta sociedade esteve integrada, desde a sua constituição, no grupo económico do BANCO ESPÍRITO SANTO e, posteriormente, com a resolução deste, no NOVO BANCO, SA., que detinha a totalidade do capital social desta sua empresa subsidiária (art. 5° da p.i.).

6. Encontra-se registada a favor da sociedade PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, S.A. a aquisição do prédio urbano sito na Praça …….., n.°s .., .. e .. e Rua …… n.°s .., .., .. e .., freguesia  ……., concelho  ….., descrito na Conservatória do Registo Predial de ….. sob o número .../....0603 da extinta freguesia  …….. (actual freguesia  …….), e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 1253, com a área total de 12.460 m2, da qual 9.425 m2 destinam-se a escritórios e os restantes 3.025 m2 ao comércio, distribuída por 10 andares (art. 6° da p.i.).

7. Em Junho de 2016, o Réu, através do seu Departamento de Gestão Imobiliária, incumbiu a A., em regime de exclusividade, da prestação de serviços de consultoria e assessoria para a alienação do identificado imóvel ou, preferencialmente, para a venda das ações da PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, SA., detidas pelo Réu nesta sua empresa subsidiária e proprietária do identificado imóvel (art. 7° da p.i).

8. A A. ficou investida da promoção, assessoria, consultoria e mediação do negócio que consistiria na venda do imóvel (“Asset Deal”) ou, preferencialmente, na venda da totalidade da participação social detida pelo Banco Réu na sociedade proprietária do imóvel (“Share Deal”) (art. 8° da p.i).

9. Anteriormente, o Réu já investira a A. em operações comerciais análogas, nomeadamente nas seguintes: Edifício “The Tower”, Edifício “Batista Russo”, Portfólio “Gago Coutinho”, Terreno “Olivais Norte”, operações essas que foram concluídas e que habilitaram a A. ao recebimento da comissão acordada que o Réu lhe pagou (arts. 9° e 10° da p.i.).

10. Em 23-06-2016, a A., na qualidade de consultora em regime de exclusividade, apresentou ao Réu que, por sua vez, aceitou, uma proposta de comercialização de alienação do imóvel, preferencialmente através da aquisição da sociedade proprietária do imóvel por investidores, nos termos do E-mail e proposta de comercialização juntos, à p.i., respectivamente, como Docs. 6 e 7, e que se dão por inteiramente reproduzidos (art. 11° da p.i).

11. Nos termos de tal proposta ficou definida a estratégia de comercialização da A. nos seguintes termos:

“4. Estratégia de Comercialização

“Estrategicamente, como referido na Introdução, propomos que a venda do ativo seja realizada num processo de venda estruturado da seguinte forma:

 A Aguirre Newman estruturará, em harmonia com o Novo Banco, todo o processo de venda através da sua Virtual Data Room (VDR), https://www.aguirrenewman.es/dataroom/ garantindo assim toda a transparência e organização que deve caracterizar um processo desta natureza.

 Na VDR serão disponibilizadas:

 Apresentação do Imóvel

 Plantas

 Fotos

 Legal: Caderneta Predial, Certidão do Registo Predial, Licença de Utilização e Certificado Energético; Contratos de Arrendamento

 Regulamento e condições de Venda

 NDA [sigla de Non-Disclosure Agreement (Acordo de Confidencialidade)]

 O acesso à VDR será realizado por convite aos investidores, que numa 1a fase, terão acesso a uma sintética informação comercial (teaser) e NDA, após a assinatura do qual, lhes ser facultado o acesso às restantes pastas de forma a dispor de toda a informação necessária para a elaboração de uma proposta de aquisição” (art. 12° da p.i.).

12. Consta ainda da mesma proposta de comercialização a seguinte estratégia de marketing:

“4. Estratégia de Marketing

• O Regulamento e Condições de Venda, deverá ser devidamente adaptado ao edifício e aos objetivos do Novo Banco, sendo o mais claro e especifico sobre os seguintes pontos:

CONDIÇÕES DE VENDA

• Objeto

• Regras para visitas e esclarecimento de dúvidas

• Constituição, apresentação e prazo para a entrega da proposta

• Conteúdo de cada proposta

• Documentação que deverá acompanhar a proposta (a definir):

• Cheque bancário ou Visado

• Declaração de não dívida a Finanças e Seg. Social

• Prazo e validade das propostas

• Análise das propostas

• Escolha do promitente comprador

• Adjudicação e Contratação:

• Celebração de CPCV e/ou

• Escritura Publica” (art. 13° da p.i.).

13. Mais consta da proposta de comercialização:

“Duração: Sugerimos um contrato de exclusividade por um período de 3 meses como Sell Side Advisors no processo de venda do Imóvel. Este contrato pode ser prorrogado por períodos sucessivos de 3 meses. No final do contrato, a Aguirre Newman, deve ter o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o ativo durante o período do contrato inicial.” (art. 14° da p.i.).

14. Em matéria de honorários, foi proposta pela A. uma comissão variável de 1,5% sobre o valor de venda do imóvel, acrescido de um success fee de 0,5% sobre o mesmo valor, em caso de concretização do negócio por valor superior a €50.000.000,00, valores estes acrescidos do IVA à taxa legal (art. 15° da p.i).

15. O Réu aceitou sem reservas as condições propostas, com excepção do valor dos honorários (art. 16° da p.i).

16. Em matéria de honorários, o Réu contrapôs, a coberto do email de 06-07-2016, junto à p.i como doc. n° 6, a fls. 36, subscrito por BB do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu, nos seguintes termos:

"CC,

Em relação à proposta para o Marquês precisamos de esclarecer a seguinte situação.

Como sabes existem já uma série de contactos efetuados, mais precisamente 10 investidores (com NDA assinado), e inclusive uma proposta concreta.

Admitindo que o banco aceitaria a estrutura de fees proposta (1,5% e 2% caso transação acima de 50M Euros), à semelhança do que aconteceu na proposta dos fundos, esta estrutura de fees teria de se aplicar apenas a novos contactos.

Em relação aos contactos já efetuados, o valor do fee teria de ser ajustado, sendo a nossa proposta baixar o fee nesses casos para 1,3% e 1,8% (se valor realizado acima dos 50M Euros).

Ficamos a aguardar o teu feedback relativamente a este tema.

Abr.

FS" (art. 17° da p.i.).

17. A A. anuiu à contraproposta do Réu, conforme decorre do email de 06-07-2016 junto a fls. 35 verso, onde se pode ler:

“Caro BB,

Estamos de acordo com a V. proposta, em linha com o acordado para a venda do portfolio dos FII.

Abraço,

CC” (art. 21° da p.i.).

18. Em resposta ao email supra, o Réu, mediante email de 07-07-2016, subscrito por BB, do Departamento de Gestão Imobiliária do NOVO BANCO, S.A., refere:

“Caro CC,

Podemos avançar com este processo nas condições acordadas.

O banco tem urgência em concluir este assunto, até porque temos já uma série de contactos efetuados, com análises a decorrer, e uma proposta entregue.

Assim sendo, gostaríamos de rapidamente pôr este processo dos contactos a investidores em marcha, até para tentar segurar esta proposta que já temos.

Na nossa conversa de amanhã gostaria de ver convosco, entre outros que surjam, os seguintes temas:

1. Planeamento do processo;

2. Passagem dos nossos contactos;

3. Lista de novos contactos, e

4. Informação necessária para o processo.

Estou a tentar marcar na GNB GA às 9h, volto a confirmar.

Abr.

FS" (art. 22° da p.i.).

19. Na sequência do acordado, a A. levou a efeito as diligências previstas no documento designado de «“MARQUÊS DE POMBAL, 3” OFFICE BUILDING PROCESS LETTER - DUE DILIGENCE/FINAL BINDING ORDER» (“MARQUÊS DE POMBAL, 3” EDIFÍCIO DE ESCRITÓRIOS CARTA DE PROCEDIMENTOS - “DUE DILIGENCE”/LICITAÇÃO FINAL), junto à p.i. como doc. n° 8 e que se dá por inteiramente reproduzido (art. 25° da p.i.)

20. Diligências essas que a A. levou a cabo para a promoção do negócio junto de potenciais investidores no sentido de apresentar e consolidar a oportunidade do negócio e os respectivos benefícios, aproximando tais investidores do Réu, o qual assessorou em todo o processo (art. 26° da p.i).

21. Nomeadamente, a A. criou e geriu a plataforma informática Virtual Data Room exclusivamente concebida para a realização do projectado negócio (art. 27° da p.i).

22. A A. abordou directamente vários investidores nacionais e internacionais, seus clientes em carteira, para a realização do negócio, mediante o envio de um “Teaser” e de uma minuta de acordo de confidencialidade (“Non-Disclosure Agreement”) disponibilizada pelo Réu (art. 28° da p.i).

23. Levou a efeito acções de publicitação e divulgação do imóvel (art. 29° da p.i).

24. Facultou aos investidores interessados o acesso à dita plataforma Virtual Data Room que geriu ao longo do processo de comercialização (art. 30° da p.i).

25. Deu conhecimento ao Réu dos investidores que manifestaram interesse inicial no negócio, mediante a apresentação do acordo de confidencialidade assinado por estes e o seu ingresso na plataforma Virtual Data Room (art. 31° da p.i).

26. Prestou esclarecimentos de forma regular aos investidores interessados, mediante respostas a questionários com perguntas concretas por estes formuladas no âmbito de assuntos relacionados com o imóvel (art. 32° da p.i.).

27. Apresentou regularmente ao Réu relatórios de comercialização relativos às diversas fases do processo de comercialização, juntos à p.i. como docs. n°s 12 a 16 e que se dão por integralmente reproduzido (art. 33° da p.i).

28. Acompanhou vários investidores interessados em visitas ao imóvel, fazendo ali deslocar os seus colaboradores (art. 34° da p.i).

29. A MERLIN PROPERTIES é um investidor em carteira da A. com a qual manteve contactos comerciais em vários negócios assessorados e mediados por esta (art. 60° da p.i.).

30. Em 25 de Julho de 2016, a A. apresentou o negócio à MERLIN PROPERTIES, na pessoa de EE, nos termos do email junto à p.i como doc. n° 28, que se dá por reproduzido, com tradução a fls. 143 (art. 62° da p.i.).

31. Em 28-07-2016, a MERLIN PROPERTIES solicitou à A. o envio do teaser e da minuta do acordo de confidencialidade (“NDA - Non-Disclosure Agreement”) que já lhe haviam sido disponibilizados pela A. em 25-07-2016, e tais documentos foram novamente enviados pela A. no próprio dia 28-07- 2016 (arts. 63° e 64° da p.i.).

32. Em 12-09-2016, o então Director da MERLIN PROPERTIES, EE, enviou à A. a minuta do acordo de confidencialidade por si assinada em 03-09-2016, junto à p.i, como doc. n° 30, com tradução a fls. 143 verso a 145, e que se dá por reproduzido (art. 65° da p.i).

33. Em 12-09-2016, a A. franqueou o acesso da MERLIN PROPERTIES à plataforma Virtual Data Room (art. 66° da p.i).

34. Ainda em 12-09-2016, a MERLIN PROPERTIES colocou várias questões relativas ao imóvel, nomeadamente sobre os contratos de arrendamento vigentes, suas rendas e condições (art. 67° da p.i.).

35. Em 13-09-2016, a MERLIN PROPERTIES colocou mais questões à A. sobre o imóvel, entre outras, atinentes ao valor de despesas de condomínio, valor patrimonial do imóvel, disponibilização das telas finais, áreas de arrendamento comercial e prazos de arrendamento (art. 68° da p.i).

36. A A. obteve os esclarecimentos junto do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu, e, em 14-09-2016, deu resposta às questões suscitadas pela MERLIN PROPERTIES (art. 69° da p.i.).

37. Em 15-09-2016, EE, então Director da MERLIN PROPERTIES, visitou o imóvel acompanhado de consultores que a A. fez deslocar para o efeito (art. 70° da p.i.).

38. O Réu não participou na visita ao imóvel pela MERLIN PROPERTIES nem nela foi representado por qualquer colaborador seu (art. 18° da contestação).

39. O interesse da MERLIN PROPERTIES na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A., conforme lhe foi manifestando EE, porém, também mostrou apreensão por se estar a aproximar o termo do prazo para apresentação de propostas “não vinculativas” (art. 71° da p.i. - resposta explicativa).

40. Em 29-09-2016, para acautelar a concretização do negócio mediante a compra e venda directa do imóvel, o Gerente da A. enviou ao responsável do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu, BB, um email dando conta de que seguia em anexo o contrato de mediação imobiliária (minuta) (art. 41° da p.i.).

41. Como o destinatário do email acusou a omissão da junção da minuta do contrato como anexo ao email, o Director da A. dirigiu novo email em 30-09-2016 ao responsável do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu, anexando a minuta do contrato de mediação imobiliária que, por lapso, não juntou no email enviado na véspera (art. 42° da p.i.).

42. O Réu não devolveu a minuta do contrato assinada nem acusou a falta de recepção de tal minuta do contrato (arts. 43° e 44° da p.i).

43. Pese embora a mesma tenha sido efectivamente recebida pelo Réu, na pessoa do seu responsável do Departamento de Gestão Imobiliária, que tratou de todas as fases do processo em representação do Banco Réu (art. 45° da p.i).

44. A minuta do contrato, na respectiva Cláusula 5a, n° 7, contemplava o valor dos honorários de 1,8% se o valor de venda fosse superior a 50 milhões de euros, ou de 1,3% se o valor de venda fosse inferior a 50 milhões de euros, caso o negócio viesse a ser concretizado com a AVENTICUM, conforme doc. n° 24 junto à p.i a fls. 95 verso a 97, e que se dá por reproduzido (art. 46° da p.i. - resposta explicativa).

45. Entre Setembro e Dezembro de 2016 a A. efectuou diligências no sentido de esclarecer dúvidas suscitadas pelos interessados sobre a necessidade de ter lugares de estacionamento arrendados no exterior, face aos custos que representavam, e sobre a licença de utilização dos pisos 0 e -1 do imóvel e sua conformidade com o Plano Director Municipal  …… em vigor à data e o Plano de Urbanização  …. e Zona envolvente (art. 37° da p.i. - resposta explicativa).

46. A A. colaborou com a Pares Advogados com vista a solicitar um esclarecimento junto da Câmara Municipal de ….. acerca do número de lugares de estacionamento exigível pelo Plano Director Municipal em vigor, atendendo à zona de localização do prédio, ao alvará de utilização e à área bruta do edifício, vindo a concluir-se, em Dezembro de 2016, pela desnecessidade de manter os contratos de arrendamento de estacionamento fora do prédio (art. 38° da p.i. - resposta explicativa).

47. A apresentação de propostas pelos investidores e respectivo valor estava, como esteve, dependente destas informações (art. 39° da p.i.).

48. A A. cumpriu todas as solicitações do Réu que a respeito destas informações lhe foram transmitidas pelo seu Departamento de Gestão Imobiliária (art. 40° dap.i.).

49. A MERLIN PROPERTIES não formalizou nenhuma proposta, seja vinculativa ou não vinculativa, de aquisição do imóvel ou da sociedade (art. 3° al. c) da contestação).

50. A A. submeteu à avaliação do Réu as propostas finais vinculativas dos interessados/investidores AERIUM e CR MANAGEMENT/OAKTREE, apresentadas em Novembro de 2016, ambas entre 44 e 47 milhões de euros (art. 35° da p.i. em parte e art. 3° al. d) e 31° al. c) da contestação).

51. Não sem que antes tenha prestado consultoria nos termos da avaliação destas propostas finais (art. 36° da p.i).

52. O Réu declinou aquelas propostas por não satisfazerem o valor de mercado que este considerava corresponder ao activo a transmitir (art. 35° da p.i. em parte e art. 3° al. e) da contestação).

53. Por entender que não havia receptividade ao imóvel por parte do mercado pelos valores que o Réu considerava justos, e por entender que era necessário melhorar a rentabilidade e diminuir custos associados à sua exploração, o Réu decidiu retirá-lo temporariamente do mercado (art. 36° da contestação - resposta explicativa).

54. No dia 01-02-2017, o mesmo responsável do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu, BB, dirigiu um email à A. com o seguinte teor:

“Caros FF, e CC,

Conforme, e no seguimento, das nossas últimas conversas relativamente ao processo de colocação do MP3, o Banco analisou as propostas que lhe foram dirigidas, tendo infelizmente decidido pela não aceitação de nenhuma das propostas em causa, por considerar que as condições apresentadas, nomeadamente de preço, estão aquém daquilo que considera serem os valores reais de mercado para um ativo com estas características.

Assim sendo, o ativo irá ser retirado do mercado enquanto se tomam um conjunto de medidas que se acredita poderem contribuir para a melhoria da rentabilidade, e com a expectativa de que atuando operacionalmente sobre o edifício se consiga otimizar uma futura transação, nomeadamente através de valores de mercado mais consentâneos com a potencialidade e rentabilidade do edifício.

Na sequência desta decisão, será naturalmente dada por concluída a colaboração da Aguirre Newman neste processo organizado de venda, não sem no entanto deixar de enaltecer e agradecer toda a colaboração por vós prestada no âmbito deste processo.

Todos nós gostaríamos de ter um desfecho diferente para este processo, que tanto tempo nos tomou, de qualquer forma, outras oportunidades de colaboração surgirão, e contamos com a AN, como até aqui, para nos ajudar com a sua experiência e dedicação na condução desses desafios.

Cumprimentos FS" (art. 49° da p.i.).

55. A A. manifestou oralmente junto do Réu o seu inconformismo com a cessação por considerar que havia trabalho feito e questões pendentes relacionadas com o imóvel que afectavam o seu valor (art. 51° da p.i. - resposta explicativa).

56. No dia 03 de Fevereiro de 2017, a A. remeteu ao Réu o email junto à contestação como doc. n° 2 e que se dá por reproduzido e onde se pode ler: “Agradecemos o email recebido, tendo já informado a CR MANAGEMENT/OAK TREE e AERIUM em conformidade. Cumprimentos" (art. 27° da contestação).

57. Mais tarde, o Réu voltou a ponderar a venda de activos imobiliários, mas agora de forma autónoma, e, em Junho de 2017 o Réu abordou alguns investidores, entre os quais a MERLIN PROPERTIES, na pessoa de AA, apresentando-lhe diversos activos incluindo o imóvel  …….., tendo estas negociações sido fomentadas pela Hudson Advisors, sociedade responsável pela gestão de activos do Fundo Lone Star que viria a adquirir grande parte do capital social da Réu, tendo em conta a relação próxima que já havia entre a MERLIN e a Lone Star (arts. 3° al. f) e 30° da contestação - resposta restritiva/explicativa).

58. A MERLIN manifestou interesse no imóvel  ……., e no âmbito destas negociações, o arrendamento do imóvel  … ao Réu foi renegociado, no sentido de este passar a ocupar uma área menor do prédio, assim como foi aumentada a renda paga pelos lugares de estacionamento, aumentando- se a rentabilidade do imóvel (facto instrumental resultante da discussão da causa).

59. Em Setembro de 2017, a A. tomou conhecimento pela imprensa de que a MERLIN PROPERTIES, a maior empresa imobiliária espanhola cotada em bolsa, acabara de concretizar a compra ao Novo Banco, por 60,3 milhões de euros, do edifício n.° .. da Praça … (art. 53° da p.i.).

60. Algumas dessas notícias referem: “Esta operação também acontece depois de o Novo Banco ter concluído a venda de uma dezena de edifícios, na sua maioria imóveis localizados na capital, como Castilho 50, num negócio avaliado em mais de 50 milhões de euros. Estes imóveis, cuja venda foi assessorada pela Aguirre Newman, foram adquiridos pela Finangeste” (art. 54° da p.i. - resposta explicativa, e art. 29° da contestação).

61. O negócio concretizou-se pela aquisição da Sociedade PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, S.A. pela MERLIN PROPERTIES, por compra e venda ao Réu das acções deste que titulavam a participação social nesta sua sociedade subsidiária, transferindo-se a posição do titular das acções do Réu para a dita MERLIN PROPERTIES (art. 55° da p.i.).

62. Em consequência de tal aquisição das acções da Sociedade PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, S.A., esta deliberou em 28-09-2017 a designação do novo Conselho de Administração que passou a ser composto pelos seguintes membros:

GG, Presidente;

HH, Vogal;

II, Vogal;

AA;

JJ (art. 56° da p.i ).

63. Respectivamente: “Director”, “Corporate Managing Director/COO”, “Financial Director”, “Director” e “Vice Chairman/CEO” da MERLIN PROPERTIES (art. 57° da p.i.).

64. O único activo imóvel da Sociedade PRAÇA DO MARQUÊS - SERVIÇOS AUXILIARES, S.A. foi adquirido pela MERLIN PROPERTIES pelo valor de € 60.300.000,00, através de operação comercial descrita (art. 58° da p.i).

65. Em Novembro de 2017 a A. interpelou o Réu para o pagamento dos honorários acordados, mas o Réu não reconhece tal direito e, portanto, nada pagou à A. (art. 73° da p.i.).

Conhecendo:


I

Como se sabe, a lei regula o contrato de mediação imobiliária e fá-lo desde 1999 (D-L nº 77/99 de 16/3, ao qual foram introduzidas alterações no D-L nº 258/2001 de 25/9).

Já antes, porém, o D-L nº 285/92 de 19/12, apesar de apenas destinado à regulamentação do exercício da actividade de mediação imobiliária, continha diversas disposições regendo directamente sobre o contrato (designadamente sobre o seu objecto – artº 2º).

Antes ainda, a doutrina tinha caracterizado este contrato, então atípico e inominado, e diplomas anteriores tinham regulado aspectos que poderiam ser aplicáveis ao exercício da actividade de mediação (p.e., D-L nº 43.767 de 30/6/61).

Trata-se, portanto, de uma figura contratual consabida e de grande actuação prática, hoje por hoje.

A esta data, e também à data da ocorrência dos factos relatados nos autos, vigora e vigorava, sobre a matéria, a Lei nº15/2013 de 8/2, que, no seu artº 2º nº 1, rege que “a actividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis”, contra o pagamento de remuneração convencionada – aqui, artº 19º Lei nº15/2013.

Da definição legal, bem como do que a doutrina e a jurisprudência disseram a propósito, extrai-se que o contrato de mediação imobiliária é uma modalidade de contrato de prestação de serviços (artº 1145º CCiv), na qual o mediador assume a obrigação de meios que consiste em aproximar duas ou mais pessoas com vista à celebração de um negócio, mediante retribuição.

Menezes Cordeiro, Do Contrato de Mediação, in O Direito 139º/III/516ss. (cit. in Ac.R.E. 17/3/2010 Col.II/242 – Bernardo Domingos), define tal contrato como segue:

“Em sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação.”

Portanto, na essência encontramo-nos nos autos perante uma modalidade do contrato de prestação de serviços, embora uma modalidade hoje tipificada e regulada por lei.

Um contrato para a obtenção de um negócio é uma prestação de serviço, embora nenhuma dúvida possa restar de que o contrato estabelecido entre as partes no processo constituía um contrato de mediação.

Mas sendo a obrigação da mediadora uma caracterizada obrigação de meios, a mesma surge no quadro de um “contrato aleatório”, na medida em que o direito à retribuição apenas nasce quando e se a mediação tiver êxito – artº 19º nº 1 Lei nº 15/2013 de 8/2.

Significa isto que, para que o contrato se considere cumprido não basta que o mediador seja diligente na angariação de um interessado no negócio imobiliário. É também necessário que o negócio se concretize com o destinatário/interessado angariado pelo mediador.

Só nessa altura nasce o direito à remuneração - até lá o direito está como que sujeito a uma condição suspensiva (cf. cit. Ac.R.E. 17/3/2010), condição essa que pode não se verificar se o negócio não chegar a se concluir ou se vier a ser concretizado com outrem que não o angariado, não cabendo aí lugar à remuneração.

Esta regra geral de pagamento da remuneração no momento da conclusão do negócio sofre porém a excepção do disposto no artº 19º nº 2 Lei nº 15/2013, no sentido de que “é igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel”.

A extinção deste contrato pode ocorrer consoante aquilo que o direito rege para a generalidade dos contratos: acordo revogatório, caducidade, oposição à renovação ou resolução (motivada, como é próprio da resolução).

Todavia, e porque a existência de um prazo contratual integra o contrato, como se observa da previsão de uma norma supletiva (artº 16º nº 3 Lei nº 15/2013 – 6 meses), não pode qualquer das partes fazer cessar esse contrato imediatamente ou para momento anterior ao termo do prazo contratual, por declaração unilateral e imotivada.

Fazendo-o o cliente, no caso de contrato de mediação com cláusula de exclusividade, terá ele de pagar a remuneração, nos seguintes casos:

a) Tal como no contrato de mediação simples, se o cliente vier a celebrar o contrato visado graças à atividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo contratual (nomeadamente por o celebrar com interessado que a mediadora lhe apresentou durante o prazo do contrato), ainda que a celebração do contrato visado ocorra fora do período do contrato;

b) Se o cliente, incumprindo o contrato de mediação com cláusula de exclusividade, celebrar contrato de mediação com outra mediadora e vier a celebrar o contrato visado com terceiro apresentado por esta outra mediadora durante a vigência do contrato incumprido – retribuirá a mediadora exclusiva nos termos do disposto no art. 795, n.º 2, do CC;

c) Sendo o cliente da empresa de mediação o proprietário ou o arrendatário trespassante do imóvel objeto do contrato visado, se, durante o prazo de vigência do contrato de mediação, a empresa mediadora apresentar ao cliente pessoa interessada, disposta e pronta a celebrar o contrato visado, e o cliente não o celebrar por causa que lhe seja imputável – há direito à remuneração nos termos do art. 19, n.º 2” (assim, Higina O. Castelo, Contrato de Mediação Imobiliária, disponível a partir de www.verbojuridico.net, cit. in Ac.R.L. 17/10/2017 Col.IV/98 – Rui Vouga).

Pode portanto afirmar-se que, para haver direito à remuneração, é necessário que haja uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato, ou seja, se puder afirmar-se que a empresa mediadora contribuiu para a conclusão ou perfeição do contrato – cf. Lacerda Barata, Contrato de Mediação, I/203 e Ac.S.T.J. 15/11/2007, pº 07B3569 (João Bernardo), com a demais jurisprudência aí citada.

A cláusula de exclusividade, desacompanhada de qualquer estipulação que o afaste, não impede o vendedor (e comitente) de proceder, ele próprio, à descoberta de interessados, com eles firmando o negócio visado - nada sendo especificamente estipulado (nos termos do artº 16º nº2 al.g) Lei nº 15/2013).

A cláusula referida apenas afasta a concorrência de outros mediadores e não a própria actividade do cliente; a regra encontra-se na cláusula de exclusividade simples (e não na cláusula de exclusividade absoluta/reforçada) – a exclusividade simples impede o cliente de recorrer a outras mediadoras, mas não o impede de encontrar ou de ser encontrado por um interessado (assim, Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, pg. 618, cit. in Ac.R.C. 8/9/2009 Col.IV/13 – Teles Pereira, Ac.R.G. 4/6/2013, pº 1264/12.2TBBCL.G1 – Fernandes Freitas, Ac.R.C. 18/2/2020, pº 91/18.8T8IDN.C1 – Arlindo Oliveira, Ac.R.C. 10/9/2019, pº 4996/17.5T8LRA.C1 – Carlos Moreira ou Ac.R.L. 24/9/2020, pº 5061/19.6T8LRS.L1-2 – Maria José Mouro).



II


É sobre esta matéria da causalidade da actividade da Autora, para a conclusão do negócio, que as instâncias se dividiram, sendo pacífico que a Autora se obrigou para com o Réu a promover a mediação do negócio de venda de acções de determinada sociedade proprietária de um imóvel ou a promover a venda directa do imóvel, em regime de exclusividade.

Em interpretação de um nexo causal naturalístico, retirado dos factos provados, a sentença considerou:

“No momento em que o Réu resolve reintroduzir o activo no mercado é absolutamente claro que já não estava em vigor o contrato de mediação celebrado entre as partes, o Réu não estava obrigado a solicitar novamente a colaboração da Autora que efectivamente nada fez nesta segunda tentativa de venda do imóvel, ou de qualquer outra mediadora. O Réu podia também promover a venda de forma autónoma, sendo compreensível que o fizesse aproveitando a presença e os conhecimentos da Lone Star que já estava em negociações para entrar no capital social do Réu.”

“Nesta segunda tentativa de venda não vemos como a Autora possa ter contribuído para aproximar a Merlin do Réu, e nem esta aproximação ficou facilitada pela actuação anterior da Autora.”

“O Réu abordou a Merlin como abordou outros grandes investidores conhecidos do meio imobiliário. Na primeira tentativa de venda, mediada pela Autora, o Réu soube do interesse da Merlin a par de outros tantos interessados que assinaram acordos de confidencialidade e não chegaram a subscrever quaisquer propostas (cfr. os diversos relatórios de comercialização remetidos ao Réu). A Merlin era um grande e já conhecido investidor que não foi propriamente dado a conhecer ao Réu pela Autora e muito menos lhe foi apresentado na vigência do contrato (no sentido de alguma vez o Réu, até Fevereiro ou mesmo Abril de 2017, ter chegado a qualquer conversação directa com a Merlin, por via da Autora). É também relevante, a nosso ver, o facto de o interlocutor da Merlin na negociação em 2017 – AA (que inclusive visitou o imóvel novamente) - não ser o mesmo com quem a Autora havia travado conversações em 2016 – EE (pessoa que já não se encontrava na Merlin em Junho de 2017).”

“A renegociação de alguns contratos no prédio significa que não estávamos rigorosamente perante o mesmo modelo de negócio que o mediado pela Autora, ainda que parte da intervenção da Autora em 2016, na medida em que também actuou como consultora ou assessora, visasse contornar alguns aspectos que afectavam negativamente a sua rentabilidade.”

“E também entendemos que o Réu não estava impedido de usar uma estratégia semelhante à usada pela Autora, que convenhamos não foi inventada pela Autora. Conforme resultou da prova, um processo faseado e concursal de venda é até o habitual em negócios desta natureza quando estão em causa activos de valor avultado (de resto já anteriormente o Réu investira a Autora em operações comerciais análogas, em edifícios de elevado valor, operações essas que foram concluídas e habilitaram a Autora ao recebimento da comissão acordada que o Réu lhe pagou – ponto 9 dos factos provados).”

“Resultou amplamente demonstrado que, ainda que a Autora não tivesse contactado a Merlin e ainda que esta não tivesse assinado o acordo de confidencialidade e visitado o prédio, a Merlin seria sempre um investidor procurado pelo Réu, como o foi, não porque figurasse entre um dos interessados a par de outros nos relatórios de comercialização remetidos pela Autora, mas por sugestão ou indicação da Lone Star que facultou o contacto do AA, um dos directores da Merlin, pessoa que não havia chegado à fala com a Autora (e muito menos com o Réu) em 2016. É claro que estamos perante as mesmas entidades representadas, mas a circunstância de em 2017 serem diferentes os interlocutores, tanto da Merlin Properties como do Réu, ajuda a dissuadir a sugestão de má fé negocial constante da p.i.. Por conseguinte, não foi a actuação da Autora que aproximou as partes em 2017. Aliás, analisando de forma detalhada estes relatórios remetidos ao Réu vemos que não é feito qualquer destaque especial à Merlin: é referido que assinou o acordo de confidencialidade (NDA) tal como outros interessados o fizeram (dos relatórios resulta que ao todo foram assinados 19 NDA’s – cfr. fls. 71), sendo que só dois avançaram para propostas vinculativas e como tal aptos e dispostos a concretizar a aquisição.”

“Muito menos se provou que, não fora a venda efectivada pelo Réu, ela seria efectivada, dentro do período de vigência do contrato, com interessado apresentado pela Autora ou, sequer, a apresentar. No momento em que o Réu comunica à Autora a cessação do contrato nenhum negócio se perfilava entre o Réu e a Merlin, a Merlin não era então alguém apresentado ao Réu pronto a celebrar o negócio, e nada faria supor que em Setembro de 2017 o imóvel seria vendido a este investidor por um valor tão superior aos que estavam em cima de mesa no final de 2016. O preço pelo qual o negócio foi concretizado ficou muito distante das propostas oferecidas anteriormente, o que arreda qualquer ideia de intenção maliciosa do Réu quando decidiu cessar o contrato ou de um contributo da Autora para alcançar tal proposta. Não estamos perante um caso em que o Réu tivesse efectuado a denúncia em conluio com a Merlin ou para protelar a celebração do negócio com este cliente arranjado pela mediadora para mais tarde, já depois do período do contrato, com o propósito de se eximir da comissão.”

“Em suma, por todas as razões acima elencadas, os factos apurados não permitem concluir que a actuação da Autora tivesse influenciado de forma decisiva, determinante, ou causal, a realização do concreto negócio que se veio a operar (essa prova cabia ao mediador), não foi graças à actuação da Autora que o Réu logrou vender o activo e muito menos por aquele valor à Merlin Properties em Setembro de 2017, ainda que se admita que também não tenha sido de todo indiferente maxime pelas notas de consultoria ou assessoria prestadas, mas não o suficiente de modo a estabelecer um nexo de causalidade adequada entre a sua actuação e a conclusão do negócio.”



III


Por sua vez, o acórdão recorrido fundamentou o nexo causal desta forma:

“As partes, no âmbito da sua liberdade contratual, inscreveram no contrato entre ambas firmado uma cláusula com o seguinte teor: “No final do contrato, a Aguirre Newman (a A.), deve ter o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o ativo durante o período do contrato inicial” – Ponto 13 dos Factos Provados.”

“Esta cláusula tem perfeito cabimento no âmbito da liberdade contratual e corresponde ao dever de lisura que deve liderar o comportamento das partes no cumprimento dos contratos e que, neste caso, por acordo, foi estabelecido que deveria estender-se para além do termo do contrato, exatamente com o intuito de preservar essa mesma lisura a que, em termos jurídicos, designamos como comportamento de boa-fé que é imposto às partes.”

“No presente caso, como já acima referimos, foi a A. que contactou com a Merlin Properties, investidor que fazia parte da sua carteira de clientes, interessou-a no negócio aqui em análise, sendo este um facto que a própria Merlin assumiu. O facto de este investidor, na parte inicial do negócio, não ter apresentado uma proposta para a aquisição então em curso, em nada altera esta realidade uma vez que, como resulta da leitura da própria cláusula aqui em apreciação, a atuação da A. não estava relacionada com a apresentação ou não de propostas, mas sim, com a apresentação do “activo” aos interessados, no caso, do imóvel aqui em consideração e/ou da venda das ações da sociedade proprietária daquele imóvel.”

“(…) E é tendo em consideração esta distinção, expressa nos termos do contrato, que a A. apresentou os relatórios de comercialização ao Réu, bem como realizou todas as diligências que vêm enumeradas na matéria de facto dada como Provada das quais se destaca a constante do Ponto 20 (…)”.

“Na verdade, a importância desta intervenção da A. junto da Merlin Properties foi de tal ordem relevante – seja com as explicações dadas e deslocação ao imóvel, entre outras diligências, que o certo é que é este mesmo investidor que vem a adquirir ao Réu as acções que titulavam a participação social deste na sua sociedade subsidiária (Praça do Marquês – Serviços Auxiliares, SA), transferindo-se, assim, a posição do titular das ações do Réu para a Merlin que assim adquire o único imóvel daquela sociedade – Pontos 59 a 64 dos Factos Provados.”

“O facto de este investidor ter sido chamado pelo Réu, em Junho de 2017, através da Hudson Advisors, sociedade responsável pela gestão de activos do Fundo Lone Star (que viria a adquirir grande parte do capital social do Réu), em nada faz desmerecer a actuação desenvolvida pela A. ao longo da vigência do contrato celebrado com o Réu – Ponto 57 dos Factos Provados.”

“Na verdade, quando o Réu aborda esse investidor, tem já conhecimento dos contactos anteriores desenvolvidos pela A., quer em relação a este investidor quer aos demais, através das informações que lhe foram proporcionadas pelos relatórios enviados pela A. no decurso do contrato que então vigorava (…)”.

“Nos termos da cláusula contratual acima transcrita o que temos de observar é que a A. tinha já contactado com a Merlin, a quem o activo tinha sido apresentado na vigência do contrato e que, nessa medida, sempre lhe assistiria o direito de “(…) terminar ou continuar possíveis negociações” com este investidor, direito este que lhe foi sonegado tanto mais que os contactos realizados por iniciativa da Hudson Advisors e da Lone Star junto da Merlin, foram sem o conhecimento da aqui A., o que o Réu não podia ignorar e, muito menos o podia, em relação ao conteúdo da própria cláusula inscrita no contrato e que vigorava apara além do mesmo, permitindo à A. a continuação das negociações com este investidor (Merlin) que tinha sido trazido por si ao palco das negociações iniciais.”

“E a questão é tão ou tanto mais delicada quanto é certo que, como decorre da experiência comum, o Réu não podia deixar de saber em 01 de Fevereiro de 2017 – momento em que pôs fim ao contrato antes do termo do prazo negocial que apenas ocorreria a 07 de Abril de 2017 - estavam já em curso as negociações para a alienação dos seus activos imobiliários, entre os quais se encontrava o imóvel aqui em consideração e estavam também já a decorrer negociações para a operação da sua venda à Lone Star, já anunciadas em 31 de Março de 2017 e que viriam a concluir-se em Outubro de 2017, tendo encerrado “um complexo processo de negociações com o novo acionista, com as instituições europeias e com outras instituições nacionais, designadamente o Banco de Portugal e com o Governo”, conforme é salientado na sentença em apreciação.”

“São ainda factos do conhecimento comum que o fundo imobiliário Lone Star, através da sociedade gestora Hudson Adisers, procedeu à aquisição de vasto património imobiliário do Réu e à sua recolocação no mercado imobiliário.”

“Se é certo que não podemos partir destes factos que são do conhecimento comum, e malgrado a sua incontornável coincidência com os factos aqui em apreciação, para a afirmação de um estratégia concertada para afastar a A. do negócio e da necessidade de se proceder ao correspondente pagamento dos honorários contratualmente estipulados, certo é também que, no caso, não é necessário a realização dessa prova diabólica bastando o simples facto da existência de uma cláusula acordada entre as partes e que expressamente consta do contrato assumido entre a A. e o Réu: a mencionada cláusula post factum finitum.”



IV


O acórdão recorrido, na verdade, retira da cláusula post factum finitum do contrato, conjugada com a actividade desenvolvida pela Ré na promoção do negócio, junto de várias entidades, entre elas a que viria a ser a efectiva compradora, a responsabilização da vendedora pelo pagamento da remuneração.

Recordamos a cláusula – “a Aguirre Newman (Autora), deve ter o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o ativo durante o período do contrato inicial”.

Esta cláusula post factum finitum acordada não poderia afastar a ideia de que existisse previamente, da actividade da Autora mediadora para a celebração do negócio definitivo, um nexo de continuidade lógica.

Não é possível colocar o ênfase interpretativo na “apresentação do activo durante o período do contrato inicial”, para esquecer “o direito a terminar ou continuar possíveis negociações”.

Fere a nossa atenção o seguinte:

- a compradora nunca chegou a formular qualquer proposta de aquisição à Autora mediadora;

- Novembro de 2016 foi a data de formalização junto da Ré de duas propostas para compra efectuadas junto da Autora, propostas essas que a Ré vendedora declinou, por serem baixas e, portanto, não lhe interessarem a ela Ré;

- a última data referenciada de contactos entre a Autora e a futura compradora é a data de 15/9/2016 – o negócio de transmissão das acções da proprietária foi concretizado em Setembro de 2017;

- o contacto inicial de 2017, da Ré com a compradora, é feito com um elemento da administração, e não com um director / quadro da compradora, como o fez a Autora;

- ao contrário das negociações anteriores, entre o Réu Novo Banco e a Autora, desta vez as negociações foram fomentadas, a partir de Junho de 2017, pela sociedade responsável pela gestão de activos do Fundo Lone Star, fundo que viria a adquirir o Banco pouco tempo depois e, pode afoitamente presumir-se, na perspectiva dessa aquisição, de Outubro de 2017;

- o edifício é retirado do mercado em Fevereiro de 2017 e a reponderação da respectiva venda ocorre em Junho seguinte, nas novas condições de negociação referidas;

- o preço da transacção foi substancialmente superior ao preço da angariação da Autora; de € 47.000.000 (o máximo apresentado por outros interessados) passou-se para € 60.300.000, valor substancialmente superior e não estranho à capacidade negocial de todos os interessados;

- a cláusula de exclusividade não afastava que o Réu comitente descobrisse, ele próprio, o terceiro interessado;

- visto o facto 58, a alienação do edifício também envolveu a renegociação do arrendamento do imóvel e dos lugares de estacionamento, matéria não prevista na transacção projectada mediar pela Autora.

Este conjunto factual, a nosso ver, descaracteriza uma aproximação não interpretada, meramente literal, à realidade “direito a terminar ou continuar possíveis negociações”, que, manifestamente, na segunda aproximação à Autora, tiveram contornos diferentes e ocorreram após o imóvel ter sido retirado do mercado.

Existiu “apresentação do activo durante o período do contrato inicial”.

Não existiu continuidade negocial – o nexo de continuidade lógica entre os negócios, que eram diversos, pelos responsáveis, pelos termos do negócio, pelo tempo decorrido, pela capacidade negocial e de concretização do acordo revelada pelas partes.

Inexistem indícios de actuação maliciosa ou que permitam a imputação pela não consumação de transação arranjada pela mediadora.

Face aos factos apurados, não é caso de falar em presunção (natural ou de primeira aparência) de que a actividade da empresa mediadora contribuiu para a aproximação entre o comitente e terceiros, facilitando o negócio.

A convicção que formamos implica a repristinação da sentença.


Concluindo:

I – No contrato de mediação, regido pela Lei  nº15/2013 de 25/9, fazendo o cliente cessar o contrato imediata e imotivadamente, deverá pagar a remuneração à mediadora se vier a celebrar o contrato visado graças à atividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo contratual, ainda que a celebração do contrato visado ocorra fora do período do contrato.

II - Para haver direito à remuneração, é necessário que haja uma relação causal entre a actuação do mediador e a conclusão e perfeição do contrato objecto da mediação.

III - A cláusula post factum finitum acordada, no sentido de que a mediadora “deve ter o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o ativo durante o período do contrato inicial” não pode afastar a ideia de que existisse previamente, da actividade da Autora mediadora para a celebração do negócio definitivo, um nexo de continuidade lógica.

IV – Se não existe continuidade negocial, nexo de continuidade lógica entre os negócios apresentado e concluído, diversos pelos responsáveis, pelos termos do negócio, pelo tempo decorrido, pela capacidade negocial e de concretização do acordo revelada pelas partes, inexiste direito à remuneração.


Decisão:

Concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando a sentença proferida em 1ª instância.

Custas pela Autora.


STJ, 17/6/2021


Vieira e Cunha (relator por vencimento)

Abrantes Geraldes

Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A, de 13-3, aditado pelo DL nº 20/20, de 1-5, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade do Exmº Conselheiro António Abrantes Geraldes, que compõe este coletivo.


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DECLARAÇÃO DE VOTO (vencido)


Discordo do acórdão que fez vencimento, por considerar que a razão está do lado da Autora, assistindo-lhe o direito à remuneração acordada com o Réu por, para além do mais, a meu ver, se encontrar preenchido o nexo de causalidade entre a sua actividade e a conclusão do negócio visado no contrato de mediação imobiliária.

E as razões são várias, como passo a expor.


**


Como consta do contrato, foi acordado, para além do mais, que assistia à Autora o direito a uma comissão/retribuição (honorários) de 2% do valor de venda se esta ocorresse por montante superior a 50 milhões de euros e de 1,5% se fosse inferior.


Atentemos, então, em algumas das questões ponderosas na análise do caso sub judice e que nos levaram discordar da posição que fez vencimento.

 

I. Se a retribuição acordada apenas era devida se a Autora/Recorrida obtivesse um resultado, ou conduzisse a que ele fosse obtido, correspondente à celebração do negócio visado; ou se tal retribuição era devida à Autora independentemente daquele resultado.


· Da obrigação do mediador

Sobre as obrigações das partes no contrato, ver FERNANDO BAPTISTA, Manual da Mediação Imobiliária, Almedina, pp 93 ss[1].

Como ali concluímos, o mediador tem, apenas e só, que encontrar alguém genuinamente interessado na celebração do negócio, independentemente de este se vir ou não a concretizar. A sua função esgota-se aí, pois a efectiva concretização do negócio visado, não dependendo da vontade do mediador nunca pode, nunca pode consubstanciar a sua obrigação. O mediador não pode garantir o negócio. Apenas tem de procurar destinatário para o mesmo.


II. Da cláusula de exclusividade

A inserção de uma cláusula de exclusividade no contrato de mediação imobiliária sub judice e respectivo significado e alcance prático, é absolutamente crucial na economia da decisão de mérito nos autos.


Qual o significado (prático) dessa exclusividade?

Dispõe o artº 16º, nº2, al. g), do RJAMI:

“2 — Do contrato constam, obrigatoriamente, os seguintes elementos:

(…).

g) A referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.”.

E quanto à remuneração no caso de inserção de cláusula de exclusividade, reza o artº 19º/2:

“2 — É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”.

Isto é, aqui, não se celebrando o contrato visado por causa imputável ao cliente, a remuneração da mediadora depende apenas do cumprimento da sua obrigação e do sucesso desta (…nexo causal).

Ora, diferentemente do que se dispunha no 19º, n º 4 do DL 211/2004 de 20 de Agosto[2], o RJAMI não nos dá uma noção de exclusividade. Temos apenas o citado artº 16º, nº2, al. g), do RJAMI a exigir que do contrato conste obrigatoriamenteA referência ao regime de exclusividade, quando acordado, com especificação dos efeitos que do mesmo decorrem, quer para a empresa quer para o cliente.”.

Sobre o significado exclusividade, remete-se para o que escrevemos no nosso, já citado, Manual da Mediação Imobiliária[3] (ali se diferenciando a exclusividade restrita ou simples da exclusividade ampla ou reforçada).

Lembramos ali que a dúvida que se tem suscitado na doutrina e na jurisprudência consiste em saber se a cláusula de exclusividade visa apenas afastar a concorrência de outras mediadoras ou se, para além disso, visa ainda impedir o cliente de celebrar, ele próprio, o contrato visado com um interessado por si diretamente encontrado. Sendo nosso entendimento que a exclusividade impede o comitente de contratar outras mediadoras, mas já o não impede de procurar (directamente) interessados no negócio visado.

Ou seja, se o contrato não impedir expressamente a promoção directa do cliente (ou seja, não disser de forma inequívoca, que o cliente fica “impedido” de procurar directamente interessados para o negócio visado), teremos de nos quedar pela exclusividade simples e consequentes efeitos, isto é, que apenas se impede a contratação de outras mediadoras.

O que se verifica no contrato sub judice.

O que, porém, não significa que não haja lugar à remuneração acordada mesmo que não tenha intervindo outra mediadora no negócio e este venha a ser efectuado por intervenção directa do cliente (Réu), verificada a previsão ínsita no artº 19º, nº 2 da Lei 15/2013[4].


*


Ora, respondendo à questão supra, diremos que a retribuição acordada apenas era devida se a Autora/Recorrida obtivesse um resultado consubstanciado em encontrar alguém genuinamente interessado na celebração do negócio visado (alienação do imóvel ou venda das acções), independentemente de, depois, esse negócio se vir ou não a efectivar (o que não dependeria da vontade da Autora mediadora, mas, sim, do seu comitente, a Ré).

Situação essa que, in casu, consideramos ter verificada, como abaixo melhor se evidenciará, dado que o negócio veio a ser concretizado com o cliente encontrado pela Autora mediadora, embora já depois da revogação unilateral do contrato pelo Réu. Revogação esta, porém - como igualmente se verá - , concretizada em plena vigência do contrato e não admissível dada a cláusula de exclusividade, para além do facto de ter sido violada a cláusula post pactum finitum, no mesmo contrato clausulada.


III. Do nexo de causalidade entre a actividade da Autora e a conclusão do negócio e direito à remuneração acordada.

Do âmbito e alcance da cláusula com eficácia post factum finitum (ponto 13º dos factos provados) e da sua eventual violação pela Ré/Recorrida e respectivas consequências.


A questão da relação da causalidade que deve intercorrer entre a actividade desenvolvida pelo mediador e a conclusão do negócio é um dos temas mais melindrosos e mais debatidos da teoria da mediação, como bem se compreende, desde logo pelas suas relevantes consequências práticas.


Sobre esta temática do nexo de causalidade e direito à remuneração, remete-se para o que escrevemos na obra que vimos citando[5].

Como ali deixámos dito, por regra e sem prejuízo das excepções previstas na lei, tem sido entendimento generalizado na jurisprudência que o mediador, no contrato de mediação imobiliária, só tem direito à remuneração/comissão convencionada com o comitente/cliente verificados vários pressupostos (ali elencados), entre os quais, a existência de nexo causal: a celebração do negócio visado deve ser o corolário ou a consequência da actividade do mediador (no âmbito da mediação).

E, como ali deixámos dito, para preenchimento do nexo causal:

- Basta que o trabalho do mediador tenha contribuído/influído decisivamente para a conclusão do negócio (causa determinante)[6];

- Não é necessário que a actividade do mediador seja a única causa determinante da realização ao negócio pretendido pelo comitente.

- Muito menos é necessário que a intervenção do mediador constitua a causa exclusiva (da celebração do negócio), pois pode haver outras concausas concorrentes - afirmação que se justifica na hipótese de intervenção de vários mediadores.

Para além de que:

- O direito à remuneração não impõe que o mediador esteja presente até à conclusão do negócio, bastando ao mediador a prova do nexo causal entre a sua actividade e a conclusão do negócio,

- ….. ainda que os termos do contrato tenham resultado, eventualmente, de negociações directas entre os interessados que o mediador pôs em contacto.

- Como se não exige que a actividade do mediador, com vista à consecução do negócio, seja contínua e ininterrupta[7].

- Precisamente por causa desse nexo causal, pode uma remuneração ser devida ao mediador mesmo que o contrato principal tenha sido concluído depois de resolução do contrato pelo mediador.

- Da mesma forma que pode subsistir o nexo causal apesar de ter havido uma interrupção temporária nas negociações entre o principal e o potencial comprador.

- Preenchido que esteja o nexo causal, o direito à remuneração não deixa de se manter no caso de ter lugar uma quebra aparente desse mesmo nexo (por via de actos alheios ao comportamento do mediador).

- Sendo, por outro lado, irrelevante, ou pouco relevante, o tempo decorrido entre as diligências do mediador e a conclusão do contrato principal.


*


Ora, estas notas são assaz relevantes na economia do caso sub judice, tendo em conta que o contacto e/ou negociações entre Autora e Réu (e entre Autora e o cliente que veio, a final, a concluir o negócio visado (a MERLIN PROPERTIES), cliente esse com quem a Autora/Mediadora estava em negociação quando o Réu pôs  termo, unilateralmente e sem mais, ao contrato de mediação outorgado, contrato este que, como se verá, estava plenamente em vigor, no período da sua prorrogação)  havia sido “cortado”/revogado, unilateralmente e sem justa causa, pelo Réu, comunicando à Autora que ia retirar do mercado a venda do prédio (o que, em verdade, não pode dizer-se ter acontecido, dado que o Réu pouco depois (como se verá) procedeu à venda directa do imóvel… precisamente ao cliente que a Autora tinha angariado).


Temos, assim, por seguro que, in casu, se preencheu o nexo causal aqui sob apreciação.

Com efeito, as diligências da Autora na vigência do contrato, foram, sem dúvida para nós, absolutamente determinantes para o negócio que a Ré veio a fazer com a MERLIN PROPERTIES. A Autora/Mediadora só não teve intervenção até final, ou até à efectiva concretização do negócio visado, porque a Ré lho “impediu”, revogando unilateralmente (mas de forma indevida, sem justa causa) o contrato. O que, como melhor diremos, se enquadra na previsão ínsita no referido artº 19º, nº2, da Lei 1572013 (o negócio visado no contrato de mediação, celebrado em regime de exclusividade e que se veio a concretizar com o cliente conseguido anteriormente pela mediadora, só não se concretizou por acção exclusiva da mediadora “por causa imputável ao cliente proprietáriodo bem imóvel”, que, rompendo indevidamente a relação, a tal a impediu).

Houve, como melhor se verá, um rompimento abrupto, injustificado, do contrato, atentatório da boa fé contratual e mesmo da cláusula post pactum finitum nele clausulada por acordo inter partes.

Com a aceitação pela Autora, em 06/07/2016, da contraproposta efectuada pelo Réu[8], na mesma data, em matéria de honorários (sendo que este era o único ponto da proposta, que sendo essencial, não havia sido aceite integralmente pelo Réu, ao que contrapôs proposta a coberto do email de 06.07.2016, ut doc. 6, a fls. 36[9]), seguida da confirmação, pelo Réu, em 07.07.2016, do fecho do negócio (cfr. pontos 17 e 18 dos factos provados), o contrato acordado entre as partes ficou concluído. Assim, “na sequência do acordado. A Autora levou a cabo diligências “para a promoção do negócio junto de potenciais investidores no sentido de apresentar e consolidar a oportunidade do negócio e os respectivos benefícios, aproximando tais investidores do R., o qual assessorou em todo o processo (art. 26º da p.i.).” - facto provado 20.

E foram muitas essas diligências da Autora (cfr. pontos 19 e segs dos factos provados) – designadamente:

- Criou e geriu a plataforma informática Virtual Data Room exclusivamente concebida para a realização do projectado negócio.

- Prestou esclarecimentos de forma regular aos investidores interessados, mediante respostas a questionários com perguntas concretas por estes formuladas no âmbito de assuntos relacionados com o imóvel.

- Apresentou regularmente ao Réu relatórios de comercialização relativos às diversas fases do processo de comercialização, juntos à p.i. como docs. nºs 12 a 16.

- Acompanhou vários investidores interessados em visitas ao imóvel, fazendo ali deslocar os seus colaboradores (art. 34º da p.i.).

- Sendo a MERLIN PROPERTIES um investidor em carteira da A. com a qual manteve contactos comerciais em vários negócios assessorados e mediados por esta (ponto 29 - art. 60º da p.i.), em 25 de Julho de 2016, a Autora apresentou o negócio à MERLIN PROPERTIES, na pessoa de AA, nos termos do email junto à p.i como doc. nº 28, com tradução a fls. 143.

- Em 28-07-2016, a MERLIN PROPERTIES solicitou à A. o envio do teaser e da minuta do acordo de confidencialidade (“NDA - Non-Disclosure Agreement”) que já lhe haviam sido disponibilizados pela A. em 25-07-2016, e tais documentos foram novamente enviados pela A. no próprio dia 28-07- 2016 (arts. 63º e 64º da p.i.).

- Em 12-09-2016, o então Director da MERLIN PROPERTIES, AA, enviou à A. a minuta do acordo de confidencialidade por si assinada em 03-09-2016, junto à p.i, como doc. nº 30, com tradução a fls. 143 verso a 145, e que se dá por reproduzido (art. 65º da p.i.).

- Em 12-09-2016, a A. franqueou o acesso da MERLIN PROPERTIES à plataforma Virtual Data Room (art. 66º da p.i.),

- …sendo que, ainda em 12-09-2016, a MERLIN PROPERTIES colocou várias questões relativas ao imóvel, nomeadamente sobre os contratos de arrendamento vigentes, suas rendas e condições e em 13-09-2016 a MERLIN PROPERTIES colocou mais questões à A. sobre o imóvel, entre outras, atinentes ao valor de despesas de condomínio, valor patrimonial do imóvel, disponibilização das telas finais, áreas de arrendamento comercial e prazos de arrendamento.

- A todas estas questões suscitadas pela MERLIN PROPERTIES respondeu a Autora, em 14.09.2016, após ter obtido os pertinentes esclarecimentos junto do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu (facto 37).

- Nessa sequência - portanto, revelando claro interesse no negócio - , em 15-09-2016, AA, então Director da MERLIN PROPERTIES, visitou o imóvel acompanhado de consultores que a A. fez deslocar para o efeito, sendo que o Réu não participou na visita ao imóvel pela MERLIN PROPERTIES nem nela foi representado por qualquer colaborador seu.

- Assim, o interesse da MERLIN PROPERTIES na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A., conforme lhe foi manifestando AA, apenas tendo mostrado apreensão por se estar a aproximar o termo do prazo para apresentação de propostas “não vinculativas”.

- E preocupada estava também a Autora, pois em 29-09-2016, para acautelar a concretização do negócio mediante a compra e venda directa do imóvel, o Gerente da A. enviou ao responsável do Departamento de Gestão Imobiliária do Réu, BB, um email dando conta de que seguia em anexo o contrato de mediação imobiliária (minuta), minuta esta que, pese embora a mesma tenha sido efectivamente recebida pelo R., este não veio a assinar.

E a Autora continuou sempre com as diligências tendentes à concretização do negócio visado no acordo de mediação imobiliária que havia firmado com o Réu. Assim, entre Setembro e Dezembro de 2016 a Autora efectuou diligências no sentido de esclarecer dúvidas suscitadas pelos interessados sobre a necessidade de ter lugares de estacionamento arrendados no exterior, face aos custos que representavam, e sobre a licença de utilização dos pisos 0 e -1 do imóvel e sua conformidade com o Plano Director Municipal de ….. em vigor à data e o Plano de Urbanização da Avenida da Liberdade e Zona envolvente.

Tendo, ainda, colaborado com a Pares Advogados com vista a solicitar um esclarecimento junto da Câmara Municipal de ..... acerca do número de lugares de estacionamento exigível pelo Plano Director Municipal em vigor, atendendo à zona de localização do prédio, ao alvará de utilização e à área bruta do edifício, vindo a concluir-se, em Dezembro de 2016, pela desnecessidade de manter os contratos de arrendamento de estacionamento fora do prédio. É que a apresentação de propostas pelos investidores e respectivo valor estava, como esteve, dependente destas informações.

E assente está que a Autora cumpriu todas as solicitações do Réu que a respeito destas informações lhe foram transmitidas pelo seu Departamento de Gestão Imobiliária.

Ora, se é certo que até então a MERLIN PROPERTIES não havia formalizado nenhuma proposta de aquisição do imóvel ou da sociedade, não é menos verdade que estava/continuava, como visto, interessada no negócio: como se provou, nessa altura, o interesse da MERLIN PROPERTIES na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A., conforme lhe foi manifestando AA”, apenas tendo revelado (natural) apreensão por se estar a aproximar o termo do prazo para apresentação de propostas “não vinculativas”.

Acontece que, apesar de todas as diligências que a Autora vinha fazendo, tendentes à concretização do negócio visado, pelo menos até Dezembro de 2016, nomeadamente, “no sentido de esclarecer dúvidas suscitadas pelos interessados”, o Réu (pode bem dizer-se que de forma súbita e imprevista,  pelo menos para a Autora, dado que estava em plena actividade mediadora visando a concretização do negócio visado - em especial com a MERLIN PROPERTIES,  cujo interesse… foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela A) resolve, por sua única iniciativa e sem qualquer justificação, romper o acordado com a Autora, enviando-lhe, em 01.02.2017, um email, no qual, sob a alegação de que o imóvel “irá ser retirado do mercado” (o que parece não ter acontecido e se aconteceu foi seguramente por curto prazo, como veremos) e reconhecendo que esse processo … “tanto tempo nos tomou (leia-se, tanto trabalho deu à Autora!),  comunicava que dava “por concluída a colaboração da CC neste processo organizado de venda”.

A surpresa da Autora (que, naturalmente, não contava com esta atitude do Réu, atendendo que, como reconheceu o Réu, com esse processo despendeu tanto tempo e trabalho e face à clara perspectiva de poder vir a concretizar o negócio, maxime com a MERLIN PROPERTIES, com a qual o Réu, pouco tempo depois, veio a concretizar o mesmo negócio) está bem patente no facto provado nº 55, tendo manifestado logo “o seu “inconformismo com a cessação” do acordo que haviam firmado.


IV. Da vigência do contrato quando o Réu pôs termo à relação contratual firmada com a Autora.

Obviamente que o contrato estava em vigor à data em que o Réu procedeu à sua revogação unilateral.

Efetivamente, no cronograma constante da proposta de comercialização, no ponto relativo à duração do contrato, foi sugerido e aceite um contrato de exclusividade por um período de 3 meses como Sell Side Advisors no processo de venda, que poderia ser prorrogado por períodos de 3 meses.

Mais se clausulando ali que no final do contrato (entenda-se, do período inicial de 3 meses ou de eventual renovação) a Autora teria o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o activo durante o período do contrato inicial.

Ora, tendo o contrato ficado perfeito e concluído em 06.07.2016, com a aceitação pela Autora da contraproposta efectuada pelo Réu em matéria de honorários (como dito já, este era o único ponto da proposta que, sendo essencial, não havia sido aceite integralmente pelo Réu), seguida da confirmação do fecho do negócio em 07/07/2016 pelo Réu, significa que o terminus do seu período inicial ocorria em 07.10.2016.

Mas como o mesmo não foi, entretanto, denunciado pelo Réu, renovou-se por período de 3 meses.

Renovação que ocorreu tacitamente.

Parece, com efeito, não haver dúvidas de que a renovação ou prorrogação tácita do contrato se verificou, atendendo a que a Autora continuou a desempenhar tarefas tendentes à concretização do negócio visado no acordo de mediação imobiliária, com conhecimento do Réu que a tal se não opôs.


V. Da revogação unilateral do contrato

Esta questão é, a nosso ver, absolutamente crucial, maxime para a consideração, ou não, do direito da Autora à remuneração cordada.

Vejamos.

Tendo-se prorrogado o contrato, tacitamente, por sucessivos períodos de 3 meses, é inevitável concluir que à data em que o Réu lhe pôs termo, unilateralmente, (01.02.3017), o contrato estava em plena vigência (07.07.2016 + 07.10.2016 + 07.01.2017 + 07.04.2017), já que o período de renovação em curso só terminaria em 07.04.2017.

“A revogação unilateral ou denúncia anómala constitui uma excepção aos princípios gerais, já que, através dele, uma das partes, livre e discricionariamente, põe termo à relação contratual, em, pelo menos aparente, contradição com o princípio da força vinculativa do contrato – pacta sunt servanda – consagrado no n º 1 do artigo 406º do Código Civil”[10].

A generalidade da doutrina pátria tem vindo a aceitar a revogação do contrato de mediação, por um lado, com o argumento de que o cliente é sempre livre de desistir de celebrar o contrato ou de o celebrar com outra pessoa, sem que isso lhe acarrete responsabilidade (salvo existência de cláusula de exclusividade) e, por outro lado, por aplicação extensiva do regime do mandato às modali­dades do contrato de prestação de serviço não reguladas por lei[11].

O que é seguido por alguma doutrina e jurisprudência estrangeiras (como na nossa citada obra damos conta).

Voltemos ao caso sob apreciação.

Antes de mais, é pertinente lembrar que apesar de o contrato de mediação imobiliária ser um contrato típico, na medida em que o seu regime se encontra previsto na Lei 15/2013, o mesmo é omisso no tocante às formas de cessação.

É claro que as partes, no âmbito da liberdade contratual, podem acordar na forma de cessação do contrato, maxime estipular a irrevogabilidade do contrato ou, pelo contrário, a possibilidade da sua revogação

E, da mesma forma, por regra, na falta de acordo das partes nesse sentido ou de disposição legal que preveja a revogação por acto unilateral[12], ou o chamado direito de desistência[13], a revogação ou a denúncia do contrato só ocorre por vontade conjunta das partes (mútuo acordo).


Impõe-se, porém, aqui separar as situações: mediação imobiliária simples; mediação exclusiva.

Assim, ao contrário do que ocorre no contrato de mediação imobiliária simples em que, salvo estipulação em contrário, o contrato deve considerar-se revogável, já no regime de exclusividade, entendemos que a revogação unilateral não é possível.  É que, no contrato de mediação com cláusula de exclusividade, sendo estipulado prazo de vigência, a revogabili­dade ad nutum conduziria à inutilização da cláusula.

Como tal, a remuneração é devida à mediadora se o cliente vier a celebrar o contrato visado devido à actividade desenvolvida pela mediadora no período contratual e ainda que o mesmo seja celebrado já depois de decorrido tal período.

Ou seja: no contrato de mediação com exclusividade não é possível a cessação unilateral e discricionária do mesmo (isto é, não fundamentada ou imotivada), destinada a produzir efeitos imediatos ou em momento anterior ao termo do prazo do contrato.

«Esta questão (caso do cliente revogar o contrato de mediação e vir mais tarde a celebrar o contrato visado com um terceiro, que se interessou pelo negócio por força da actividade desenvolvida pelo mediador na vigência do contrato de mediação) é, de facto, da maior importância prática e, obviamente, também tem significativa conexão com a posição que se adopte sobre a possibilidade, ou não, da revogação unilateral do contrato de mediação imobiliária.

Sobre a mesma já supra tomámos posição. O direito à remuneração existe sempre que se verifica o nexo de causalidade entre a atividade exercida, na vigência do contrato de mediação, pelo mediador e a celebração do negócio visado entre o cliente e um terceiro, mesmo que tais efeitos só se produzam após a cessação do contrato de mediação (v.g., por revogação unilateral). E é assim, quer se trate de mediação simples, quer de mediação exclusiva. ... – a boa fé e lisura que devem comandar a elaboração e execução dos contratos não se coadunam com a pretensão do comitente em, por via duma pretensa revogação unilateral, se vir a aproveitar do trabalho desenvolvido pela mediadora na vigência do contrato, no fito de evitar pagar-lhe a comissão acordada»[14].

Como quer que seja, o direito à retribuição acordada entre A. e Réu aquando da celebração do contrato parece-nos devido, atenta a objctividade duma indevida revogação do mesmo contrato, em plena vigência deste, numa altura em que a relação da Autora mediadora com o cliente por si angariado (a MERLIN PROPERTIES) estava bem viva, em plenas negociações, aliás num crescendo aumento do interesse desse cliente pela concretização do negócio (ut facto provado nº 39).

Não fora, efectivamente, o rompimento abrupto e inesperado com a Autora por banda do Réu e tudo leva a crer que o negócio acabaria por se fazer nos mesmíssimos termos em que veio a ser concretizado, agora pelo Réu, sem intervenção ou à margem da mediadora/Autora, esta que foi quem primeiramente “apresentou o negócio à MERLIN PROPERTIES” (facto provado nº 30) e a quem, depois, a Autora “franqueou o acesso…à plataforma Virtual Data Room” (facto provado nº 33).

Assim se pode bem dizer que há, sem dúvida, a nosso ver, uma relação causal entre o encontro pela Autora do interessado MERLIN PROPERTIES (um investidor em carteira da Autora) que veio, a final, a concretizar o negócio visado no contrato de mediação imobiliária (embora algum - mas pouco - tempo após o indevido rompimento do contrato pelo Réu) e bem assim as démarches que a Autora veio a levar a cabo com este cliente e essa mesma concretização do negócio.

O que já bem basta para que à Autora assista o direito à remuneração acordada.

É que, foi da sequência da dinâmica factual provada nos autos, supra referida (cfr. factos provados sob os nºs 29 a 39), que veio a concretizar-se a aquisição da Sociedade PRAÇA DO MARQUÊS – SERVIÇOS AUXILIARES, S.A. pela MERLIN PROPERTIES, por compra e venda ao Réu das acções deste que titulavam a participação social nesta sua sociedade subsidiária, transferindo-se a posição do titular das acções do Réu para a MERLIN PROPERTIES (Ponto 61 dos factos provados), sendo, como já dito, que o único activo imóvel dessa mesma Sociedade PRAÇA DO MARQUÊS – SERVIÇOS AUXILIARES, S.A. e que, por tal negócio, foi adquirido pela MERLIN PROPERTIES (pelo valor de €60.300.000,00) era, nem mais nem menos, o edifício acima descrito.


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Alega o Réu que já antes da data em que o negócio se concretizou a MERLIN PROPERTIES tinha “abandonado” o negócio e, outrossim, que a documentação que lhe fora facultada pela Autora na primeira fase do processo negocial estava completamente desactualizada, dessa forma se procurando justificar, no fito de não pagar à Autora a retribuição acordada.

Bom, lendo e relendo os factos provados, não há neles o mais pequeno indício de que tal abandono tenha ocorrido - nem, sequer, que o crescente interesse da MERLIN PROPERTIES, devido às diligências desenvolvidas pela Autora, tivesse arrefecido!

Como não se vislumbra a existência de relevante documentação desactualizada (apenas temos o facto instrumental vertido em 58 dos factos provados, referente à renegociação do arrendamento do imóvel do ........................, pela MERLIN ao Réu, “no sentido de este passar a ocupar uma área menor do prédio, assim como foi aumentada a renda paga pelos lugares de estacionamento, aumentando-se a rentabilidade do imóvel (facto instrumental resultante da discussão da causa)” (diz-se na sentença).

Nada mais. O que, convenhamos, é muito, muito pouco para sustentar a pretensa “completa desactualização” da documentação que a Autora tinha apresentado à MERLIN PROPERTIES “na primeira fase do processo negocial”.


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Ainda no fito de se furtar ao “acerto de contas” com a Autora, alegou o Réu que as negociações ocorridas na altura em que entra em cena a HUDSON ADVISORS tiveram como interlocutor, do lado da MERLIN PROPERTIES, já não o AA[15], mas o DD.

Absolutamente irrelevante!

A isto a Autora responde com toda a pertinência e sagacidade:

« O que pretende o Banco Réu com este arrazoado é convencer-nos de que um negócio que envolve a aquisição de um quarteirão no “coração” de ….. por um investidor internacional que paga o preço de 60,3 milhões de euros estaria desconectado de todos os meses de negociação anterior, pois o interlocutor do investidor passara a ser outro.

Tudo como se tal operação não envolvesse análises e escrutínios departamentais de risco e benefícios e maxime decisões cometidas às mais altas cúpulas da administração de tal investidor internacional, o que, pelo menos à luz das regras da experiência comum e da razoabilidade, não pode colher em circunstância alguma.».

É evidente.

Pelo que razão assiste à Autora, quando remata que “A incredível tese do Banco Réu sustentada na douta Sentença revogada é a de que o trabalho de meses levado a cabo pela Autora - que culminou em visita ao imóvel pelo investidor que, inclusivamente, manifestou, logo na altura, crescente interesse pelo negócio - nada trouxe, uma vez que “as circunstâncias do prédio (ou se quisermos o próprio modelo de negócio) e sobretudo do mercado não eram exactamente iguais” – Cfr. Conclusão AA.

Ora, aqui não apreende a Recorrida o que possam ser as circunstâncias do prédio, apenas podendo constatar da matéria de facto dos autos que o modelo de promoção e assessoria do negócio por si criado foi replicado pelo Banco Réu e pela HUDSON ADVISORS, gestora da LONE STAR, em conjugação de esforços, numa altura em que alegadamente “as condições do mercado não eram exactamente iguais”.

Ora, se as condições de mercado fossem imunes a contingências cabe questionar onde haveria espaço para a especulação dos fundos imobiliários e suas sociedades gestoras.”.

Concorda-se inteiramente.


Assim, tem razão, a nosso ver, razão a decisão recorrida, ao concluir que os factos provados ressaltam, com clareza, que foi a Autora que contactou a MERLIN PROPERTIES, seu investidor em carteira, interessou-a no negócio, conforme assumido por este investidor, sendo que o facto de não ter apresentado logo uma proposta de aquisição no âmbito do processo em curso, em nada faz desmerecer a pretensão da Autora que, insiste-se não estava relacionada com a apresentação ou não de propostas, mas sim com a apresentação do activo aos interessados que depois concretizariam o negócio com o Réu sob a forma do asset deal ou, como veio a suceder, do share deal.

E daí concluir que a Autora cumpriu a obrigação que assumiu ao outorgar o contrato com o Réu, a qual culminou com a contratação com um investidor ao qual o negócio fora apresentado pela Autora. Assim se preenchendo o nexo causal entre a actuação da Autora e a concretização do negócio.


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É certo que a Autora não esteve “presente” até à conclusão do negócio. Mas tal ocorreu, apenas e só, por acção do Réu que, de forma imprevista e sem justificação plausível, rompeu com o contrato, revogando-o unilateralmente!

Como já dissemos, porém, para o preenchimento do nexo causal basta que o trabalho do mediador tenha contribuído/influído decisivamente para a conclusão do negócio (causa determinante)[16]. Além de que, como já ficou dito, não é necessário que a actividade do mediador seja contínua e ininterrupta ou a única causa determinante da realização ao negócio pretendido pelo comitente (o que interessa é que se possa concluir que o negócio visado no contrato de mediação imobiliária resultou da actividade desenvolvida pela mediadora em virtude de esta se integrar na cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido, ainda que não tenha sido a única causa do resultado produzido; a sua actividade deve ter influência determinante no negócio que a final venha a efectivar-se; deve essa actividade integrar-se de forma idoneamente determinante na cadeia de factos que deram lugar ao negócio).

Portanto (como a jurisprudência vem sustentando), o nexo de causalidade adequada e o correspondente direito à retribuição acordada não são excluídos pelo facto de as negociações encetadas com a colaboração da mediadora Autora terem sido rompidas (reitera-se que, in casu, o foram pelo Réu, de forma imprevista e quando o contrato ainda estava em pleno período de vigência!) e retomadas mais tarde com sucesso, agora sem a participação daquela, desde que o desenvolvimento subsequente de tais negociações possa ser reconduzido, face a um critério de continuidade lógica, à anterior actividade do mediador.

E foi o que ocorreu na situação sub judice.


É que, a actividade da Autora insere-se, sem qualquer dúvida, nos actos que levaram à conclusão do negócio, actos esses que foram praticados com animus adimplendi contractus, ainda que, como dito, não fosse necessário que a actividade da Autora fosse contínua e ininterrupta e que tivesse participado em todas as tentativas e até à fase conclusiva do negócio (o que, é bom dizê-lo, in casu, só não terá ocorrido porque o Réu, imprevista e unilateralmente e com natural espanto da Autora, pôs fim, sem tibiezas, ao contrato em vigor, alegando a retirada do activo do mercado - retirada esta que, em verdade, se existiu, de facto, quase se não deu conta, pois pouco tempo após já estava vendido…ao cliente arranjado pela Autora, a MERLIN PROPERTIES!).

Assim, cremos assistir razão à decisão da Relação, quando diz que Autora apresentou, como lhe competia, o negócio ao investidor que o vem mais tarde a celebrar, já depois de cessado o contrato. E que “O facto de este investidor [MERLIN PROPERTIES] ter sido chamado pelo Réu, em Junho de 2017, através da Hudson Advisors, sociedade responsável pela gestão de activos do Fundo Lone Star (que viria a adquirir grande parte do capital social do Réu), em nada fez desmerecer a actuação desenvolvida pela A. ao longo da vigência do contrato celebrado com o Réu Ponto 57 dos Factos Provados.”.

Bem se observa na sentença (invocando factos que são do domínio público) que “como é do conhecimento geral, a operação de venda do Novo Banco à Lone Star foi concluída em Outubro de 2017 e encerrou um complexo processo de negociações com o novo accionista, com as instituições europeias e com outras instituições nacionais, designadamente o Banco de Portugal e com o Governo, cuja operação fora anunciada em 31 de Março (cfr. informações disponíveis no site do Banco de Portugal).”.

O que significa que (como bem regista a Recorrida), e apelando a critérios da razoabilidade e às regras da experiência comum, facilmente se intui que antes do anúncio de 31-03-2017 da aquisição das acções do Estado Português pelo fundo Lone Star no Novo Banco, já teria que estar projectada a venda de activos imobiliários do Novo Banco – como sucedeu – através da sociedade gestora HUDSON ADVISERS, esta que, após a denúncia do contrato efectuada pelo Banco em 01-02-2017, tratou de replicar ou mimetizar toda a operação comercial concebida e levada a efeito pela Autora, o que indicia que, de facto, o Banco Réu mais não terá pretendido com a revogação antecipada e unilateral do contrato firmado com a Autora do que afasta esta do “negócio” e introduzir neste o fundo imobiliário e sua sociedade gestora, aproveitando o modelo que a Autora havia implementado (ou seja, aproveitando-se do trabalho anteriormente realizado pela Autora).


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Ora, afigura-se-nos que esta questão da revogação unilateral e sem justa causa do contrato com exclusividade, por banda do Réu, em plena vigência do mesmo e numa altura em que o cliente angariado pela Autora estava interessado no negócio - interesse, aliás, que estava a crescer - , seu significado, consequências e sua repercussão no direito da Autora à remuneração (atendendo, em especial, ao que reza o artº 19º, nº2, dal Lei nº 15/2013, de 8.2), apesar de ser, a nosso ver, absolutamente essencial e determinante para o mérito da revista, foi, no essencial e salvo o devido respeito, praticamente omitida no douto acórdão que fez vencimento.


VI. Da cláusula post pactum finitum e sua violação

Este também, a nosso ver, um aspecto assaz relevante para o mérito da demanda.

No contrato celebrado entre Autora e Réu, clausulou-se o seguinte (Ponto 13 dos Factos Provados): “(…). No final do contrato, a CC deve ter o direito de terminar ou continuar possíveis negociações com investidores, aos quais foi apresentado o ativo durante o período do contrato inicial[17] - Ponto 13 dos Factos Provados.

Ou seja, na proposta de negociação que a Autora apresentou ao Réu (em 23.06.2016) e que este aceitou, a Autora teve o cuidado de inserir tal cláusula, de forma a acautelar a continuidade e conclusão de negociações que à data do terminus do contrato tivesse em curso com investidores ou acautelar possíveis negociações que viesse a retomar com investidores a quem tenha apresentado o activo durante o período do contrato inicial.

É o caso, obviamente, da cliente MERLIN PROPERTIES, um investidor em carteira da Autora (facto provado nº 29), com quem tinha levado a cabo negociações sobre o negócio visado no contrato celebrado com o Réu (apresentando-lhe o negócio em julho de 2016; enviando-lhe a minuta do acordo de confidencialidade; franqueando-lhe o acesso à plataforma Virtual Data Room; esclarecendo todas as questões que esta cliente suscitara; fazendo uma visita ao imóvel juntamente com o Director desse investidor MERLIN PROPERTIES. De forma que o interesse da MERLIN PROPERTIES na conclusão do negócio foi crescendo com as diligências desenvolvidas pela Autora).

Portanto, foi no fito de proteger uma eventual abrupta proibição, pelo Réu, de a Autora continuar a desenvolver negociações em curso ou já anteriormente havidas com investidores interessados no negócio que a Autora (experimentada nestas “lides”) introduziu a aludida cláusula contratual.

E repare-se que nessa cláusula a Autora não se ficou com a referência a negociações em curso com investidores. Foi mais além, e mais cautelosa, clausulando ali a possibilidade de continuar ou terminar possíveis negociações com investidores”.

Obviamente que estava a pensar em negociações com investidores a quem anteriormente tenha mostrado o activo no período inicial do contrato, em especial a MERLIN PROPERTIES.

Este é, parece-nos, o único entendimento a que a chamada teoria da impressão do destinatário conduz, ut artº 236º CC.

Acautelou, portanto, a Autora todas as negociações (as …possíveis) que pudessem resultar do facto concreto e verificado de os interessados já conhecerem o activo e as circunstâncias do negócio que a recorrida lhes deu a conhecer. Como foi o caso, obviamente, da MERLIN PROPERTIES.

Assim, não pode deixar de aqui se indagar da violação, por banda do Réu (com a sua atitude injustificada atitude de revogar intempestivamente e unilateralmente o contrato celebrado e em curso), de deveres contratuais, pelo menos à luz daquilo que a doutrina vem designando por pós-eficácia das obrigações, alicerçada nos ditames da boa fé e de obrigações de lealdade, em razões de equilíbrio contratual e do fim social dos contratos.

MENEZES CORDEIRO[18] refere que “A ideia da sobrevivência dos deveres acessórios é a de que ao Direito repugna que o sentido das obrigações seja desvirtuado por cumprimentos vazios ou outras fórmulas chicaneiras ou a que, a coberto das obrigações, sejam infligidos danos às partes. Se, depois da extinção das obrigações, mas mercê das circunstâncias por ela criadas, surgirem ou se mantiverem condições que, na sua vigência, podem motivar a constituição de deveres acessórios, eles mantêm-se. As razões de busca de saídas jurídicas materiais que levam, independentemente da vontade das partes, a admitir deveres acessórios durante a vigência da obrigação são sobejamente fortes para os impor, depois da extinção.”.

A pós-eficácia das obrigações sedia-se, para a doutrina, no princípio da boa fé no cumprimento dos contratos, como um dever lateral de lealdade. Como refere MAURÍCIO MOTA[19], aqui em sintonia com MENEZES CORDEIRO, tal dever será necessariamente funcionalizado ao fim do contrato, autonomizando-se em relação à prestação principal, para assegurar a realização do escopo do contrato. Assim, subsistem deveres pós-eficazes ao termo do cumprimento do contrato, no interesse da correcta concretização do seu fim. Como consta do texto citado “A fundamentação dogmática da pós-eficácia das obrigações está nos princípios sociais do Código Civil: a boa-fé objectiva, o equilíbrio contratual e a função social dos contratos. Assim, devem as partes lealdade à convenção livremente celebrada. A lealdade em causa traduzir-se-ia, nomeadamente, na necessidade jurídica de, para além da realização formal da prestação, providenciar a efectiva obtenção e manutenção do escopo contratual. Essa manutenção do escopo contratual perdura, naturalmente, para além da extinção da obrigação nuclear do contrato, configurando-se, pois, a pós-eficácia.”.

Ora, parece evidente que o Réu, ao cortar, sem mais, a relação contratual em curso com a Autora, impedindo-a de prosseguir com as negociações em curso com investidores interessados no negócio (como é o caso da MERLIN PROPERTIES -   com quem o Réu viria a concretizar o negócio visado no acordo que firmara com a Autora), incorreu, claramente, nas circunstâncias descritas,  numa violação do estatuto contratual que lhe advinha do contrato em questão, violação que se presume culposa (art. 799º do C. Civil), impondo-lhe, também por esta via, a obrigação de indemnizar a autora pelos prejuízos que a sua conduta contratualmente ilícita lhe determinou (art. 798º, nº 1 do C. Civil) e que correspondem ao valor da retribuição acordada no acordo de mediação imobiliária firmado.

Assim, no nosso modesto ver, assiste razão ao acórdão recorrido: nos termos da cláusula contratual acima transcrita, o que temos de observar é que a A. tinha já contactado com a MERLIN, a quem o activo tinha sido apresentado na vigência do contrato, e que, nessa medida, sempre lhe assistiria o direito de “(…) terminar ou continuar possíveis negociações” com este investidor, direito este que lhe foi sonegado tanto mais que os contactos realizados por iniciativa da Hudson Advisors e da Lone Star junto da Merlin, foram sem o conhecimento da aqui A., o que o Réu não podia ignorar e muito menos o podia em relação ao conteúdo da própria cláusula inscrita no contrato e que vigorava apara além do mesmo, permitindo à A. a continuação das negociações com este investidor (Merlin) que tinha sido trazido por si ao palco das negociações iniciais[20].

Veja-se que a A., embora manifestando de imediato o “seu inconformismo com a cessação por considerar que havia trabalho feito e questões pendentes relacionadas com o imóvel que afectavam o seu valor”, acabou por não reagir apenas porque o Réu lhe tinha comunicado que iria retirar o “activo” do mercado. O que, em boa verdade, foi “sol de pouca dura”, pois, como visto, escassos meses depois já estava a vender o “activo” (o prédio) aqui em questão. E a quem? Precisamente à MERIN PROPERTIES, o tal investidor em carteira da Autora, com quem esta havia entabulado negociações para a concretização do negócio aqui em causa, negociações essas que estavam avançadas, pois “o interesse da MERLIN PROPERTIES na conclusão do negócio foi crescendo” com a actividade desenvolvida pela Autora.


Portanto, o Ré, não satisfeito com a rotura unilateral (e, como dito, não admissível, pois trata-se de contrato com exclusividade) do contrato firmado com a Autora, desrespeitou, ainda, a cláusula post pactum finitum que, ao abrigo da liberdade contratual, aceitou fosse inserida no mesmo contrato, assim bloqueando, completamente, a continuação da Autora nas diligências tendentes à concretização visando do negócio visado, o qual, por essa razão, acabou por ser efectuado já sem a sua intervenção na recta final.

Donde se entender, como na decisão recorrida, que o facto de não ter sido a A. a levar a final a realização deste negócio em nada afecta o pagamento integral dos honorários contratualmente estabelecidos, quer porque realizou um vasto conjunto de diligências aptas para o efeito pretendido e mais que justificativas da sua abonação, quer porque a sua não continuidade junto dos clientes já abordados, entre os quais a aqui Merlin, e que levou à conclusão deste negócio, apenas se deveu a factos apenas imputáveis ao Réu, supra amplamente explicitados, e para os quais a A. em nada contribuiu.


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Observa o Réu de que a cláusula ora sob apreciação é “desproporcionada”, na medida em que não tem um limite temporal estabelecido.

Ora, independentemente de se aferir da razoabilidade desse “limite temporal”, a verdade é que tal sempre se torna irrelevante no caso concreto.

Com efeito, não pode olvidar-se que o contrato seria válido e eficaz pelo menos até 07-04-2017.  E decorrido não muito tempo sobre esse terminus do contrato, logo o Réu abordou a MERLIN PROPERTIES, através da HUDSON ADVISORS, tendo aquela mostrado interesse no imóvel do ......... (Ponto 57. da Matéria de Facto Provada) - “interesse” que, obviamente, sempre mantivera desde as diligências anteriormente havidas com a Autora (não consta que tal interesse alguma vez tivesse deixado de existir ou desaparecido entre a “descoberta” pela Autora desse seu cliente interessado no negócio visado e a concretização do mesmo negócio).

Assim, portanto, fica esvaziada, de todo, a argumentação do réu relativamente ao “inaceitávellimite temporal daquela cláusula post pactum finitum, não servindo como argumento tendente ao afastamento do nexo causal adequado e que já supra se mostrou estar preenchido.  


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Considerando todas as razões explanadas, outra conclusão não vislumbro que não seja o reconhecimento à Autora do direito à retribuição acordada no contrato que firmou com o réu.

Consequentemente, é meu entendimento que a revista deveria ter sido negada, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.


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Lisboa, 2021.06.17

(FERNANDO BAPTISTA)

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(nota referente ao acórdão)
· Rev. 8373/19.5T8LSB.L1.S1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Exmºs Conselheiros António Abrantes Geraldes e Manuel Tomé Soares Gomes.

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(notas referentes ao voto vencido)
[1] Capítulo v (DO CONTEÚDO DO CONTRATO - DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DAS PARTES).
[2] Que, embora não contivesse propriamente uma noção de exclusividade, dali se podia extrair o seu significado (corrente - digamos): “Quando a empresa de mediação é contratada em regime de exclusividade, só ela tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação durante o respetivo período de vigência”.
[3]A pp 165 ss.
[4] Que reza: “2- É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.” - destaque nosso.
[5] FERNANDO BAPTISTA, Manual da Mediação Mobiliária, pp 136 ss.
[6] Cfr., v.g., Ac. STJ de 28-05-2002, Revista n.° 1609/02 – 7ª Secção, Dionísio Correia.  Idem Ac. RL de 28.09.2017, proc. 47571/15.3YIPRT.L1-8 (ILÍDIO SACARRÃO MARTINS).
[7] Cfr., Ac. TRC de 09.09.2014, proc. 1421/12.1TBTNV.C1, Carlos Moreira: « O nexo causal necessário à atribuição à mediadora do direito à comissão não exige que a sua actividade, com vista à consecução do negócio, seja contínua e ininterrupta, no sentido de que tenha participado em todas as tentativas até à sua fase conclusiva, antes sendo apenas necessário que ela indique a pessoa disposta a fazer o negócio e consiga a sua adesão à celebração deste; e competindo ao comitente a prova de factos interruptivos de tal nexo».
[8] “Estamos de acordo com a V. proposta”,  diz ali a Autora.
[9] “Podemos avançar com este processo nas condições acordadas”, diz o Réu nesse email.
[10] MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 3º vol., AAFDL, 1991, p 376.
[11] Ver sobre esta temática, o nosso Manual da Mediação Imobiliária (capítulo relativo à revogação unilateral do contrato).
[12] Como acontece, v.g., nos art.ºs 969.° e seg.s (doação), 1170.° (mandato) e 1216.° (empreitada).
[13] Vejam-se, a propósito o direito de de resolução” nos contratos negociados fora do estabelecimento comercial (art.ºs 6.° e 18.° do Decreto-lei nº 143/2001, de 26-4), o “direito à livre resolução” nos contratos financeiros comercializados à distância (art.ºs 19.° e seg.s do Decreto-lei n.º 95/2006, de 29-5), o “direito de revogação” nos contratos de crédito ao consumo, o “direito à rescisão” nos contratos de viagem organizada (art.º 29.° do Decreto-lei nº n.° 209/97, de 13-8), o “direito à renúncia” nos contratos de seguro de vida, o “direito de arrependimento” nos contratos de intermediação mobiliária (art.º 322.°, n.° 2 do CVM), ou o “direito à retractação” nos contratos de consumo em geral (art. 9.°, n.° 7 da LDC). Vide C. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito do Consumo, 2005, pp 110 ss.
[14] FERNANDO BAPTISTA, Manual…cit., pp 227-228.
[15] Que fora o interlocutor na primeira fase, mas que, entretanto, deixara de prestar funções naquela Sociedade.
[16] Cfr., v.g., Ac. STJ de 28-05-2002, Revista n.° 1609/02 – 7ª Secção, Dionísio Correia.  Idem Ac. RL de 28.09.2017, proc. 47571/15.3YIPRT.L1-8 (ILÍDIO SACARRÃO MARTINS).
[17] Destaques nossos.
[18] Da Pós-eficácia das Obrigações. Estudos de Direito Civil. vol. I. Coimbra, Almedina, 1991.
[19] A Pós-eficácia das Obrigações Revisitada, disponível em http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/0310-PosEficaciaObrigaRevisitadas.pdf.
[20] E a questão é tão ou tanto mais delicada quanto é certo que, como decorre da experiência comum, o Réu não podia deixar de saber em 01 de Fevereiro de 2017 – momento em que pôs fim ao contrato antes do termo do prazo negocial que apenas ocorreria a 07 de Abril de 2017 - estavam já em curso as negociações para a alienação dos seus activos imobiliários, entre os quais se encontrava o imóvel aqui em consideração e estavam também já a decorrer negociações para a operação da sua venda à Lone Star, já anunciadas em 31 de Março de 2017 e que viriam a concluir-se em Outubro de 2017, tendo encerrado “um complexo processo de negociações com o novo acionista, com as instituições europeias e com outras instituições nacionais, designadamente o Banco de Portugal e com o Governo”, conforme é salientado na sentença.