Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
61/16.0YRLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: CONCORRÊNCIA DESLEAL
MARCAS
PUBLICIDADE ENGANOSA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 11/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário : I. O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, apenas pode intervir nos casos em que seja invocado erro de direito, sendo a decisão de facto, por isso, da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta
II. A nulidade em razão da falta de fundamentação está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, sendo a fundamentação das decisões, uma exigência constitucional

III. Através de uma cláusula geral, a par de uma enumeração exemplificativa de actos desleais, o direito substantivo civil  textua a noção de concorrência desleal, sendo que cláusula geral, de carácter valorativo, e não taxativa, torna a apreciação da deslealdade do acto dependente da sensibilidade do julgador, propiciando a criação de algumas zonas pouco definidas e definitivas, encerrando, porém, algumas vantagens, nomeadamente, pela maleabilidade que permite adequar o conceito de concorrência desleal às múltiplas situações que, em cada momento e sector de actividade, se considerem contrárias às normas e usos honestos, apelando-se a um controlo ético geral de padrões sociais de conduta que permita traçar a linha divisória entre o que é leal e desleal.

IV. O funcionamento do instituto da concorrência desleal está intimamente relacionado, não raras vezes, com a tutela protectora das marcas, e bastantes vezes com a publicidade de bens quando esta consubstancia a prática de publicidade enganosa.

V. O registo da marca confere ao respectivo titular o direito de propriedade e exclusividade dos quais decorre o poder de usar, ceder ou onerar a respectiva marca, a par de impedir terceiros de a usar no tráfico económico, prevenindo o risco de confusão ou associação, no espírito do consumidor, em produtos idênticos ou afins.

VI. A inobservância das condições a que está sujeita a publicidade, decorrentes das alíneas a) a h) do n.º 2 do art.º 16º do Código da Publicidade implicando a responsabilidade dos lesantes face aos prejudicados, o que, de resto, também está, muitas das vezes, relacionada com a concorrência desleal.

Decisão Texto Integral:

 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


1. LORIS AZZARO B.V., CLARINS FRAGRANCE GROUP S.A.S. e THIERRY MUGLER S.A.S., instauraram a presente acção declarativa com processo comum contra, CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA., ATLANTIFRAGRÂNCIA, LDA., L2J - CONSULTORES DE EMPRESAS, LDA., SCHLIEF, LDA. e AA, pedindo a condenação destas a:

a) (…) a não utilizar quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “EQUIVALENZA” explorados pelas Rés e identificados nos artigos 13º a 21º da presente p.i., em publicidade e em quaisquer produtos, designadamente em frascos e respetivas embalagens, materiais e documentos, designadamente em “moyetes”;

b) (…) a não utilizar quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, na Internet e nas redes sociais;

c) (…) a entregar às Autoras todos e quaisquer elementos, designadamente, publicidade, folhetos, cartazes, embalagens, assim como quaisquer materiais, produtos ou documentos que reproduzam as marcas das Autoras, designadamente, listas comparativas através das quais vendem os seus perfumes ou outros produtos congéneres por comparação com as marcas registadas das Autoras;

d) (…) a pagar uma indemnização no valor global de €13.094,46, repartido nos seguintes termos pelas Autoras: €4.295,84 à LORIS AZZARO B.V.; €4.399,31 à CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S.; €4.399,31 à THIERRY MUGLER, S.A.S..

e) Uma vez transitada em julgado a decisão final condenatória que vier a ser proferida, deve a mesma ser publicitada a expensas das Rés em Jornal Diário de ampla divulgação nacional, nos termos e para os efeitos do artigo 338º-O do CPI.

Articularam, com utilidade que no decurso do ano de 2014 foi apurado que as ora Rés vendiam nas suas lojas “EQUIVALENZA” perfumes por referência comparativa às marcas registadas de que são titulares as ora Autoras, designadamente através da utilização de listas comparativas, disponibilizadas ao público ou para mera consulta dos funcionários das lojas, disponíveis nos balcões das lojas ou em terminais de computador.

O método comercial adotado pelas Rés assentava, assim, na venda e promoção dos seus produtos, exclusivamente através da sua associação a marcas registadas, entre as quais as marcas registadas das Autoras, visando assim um aproveitamento ilícito da imagem de que estas disfrutam no mercado, designadamente por intermédio das suas marcas registadas, resultando assim na violação do exclusivo que os respetivos registos garantem.

As marcas das Autoras são marcas de prestígio, possuindo amplo reconhecimento nacional e internacional.

O negócio conduzido pelas Rés ofende ainda as regras que regem a publicidade comparativa e a proibição da concorrência desleal.

2. Regularmente citadas, contestaram as Rés, impugnando parcialmente os factos articulados pelas Autoras, concluindo pela improcedência total da ação.

3. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Face ao exposto, julgando a ação totalmente improcedente, decide-se: a) absolver as rés CECÍLIA CASTRO COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA., L2J - CONSULTORES DE EMPRESAS, LDA., SCHLIEF, LDA. e AA de todos os pedidos formulados nos autos pelas autoras LORIS AZZARO B.V., CLARINS FRAGRANCE GROUP e THIERRYMUGLERS.A.S.; b) condenar as autoras no pagamento das custas.”.

4. Inconformadas com o decidido, as Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras interpuseram apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo enunciou: “Face ao exposto, julga-se a acção parcialmente provada e procedente, condenando as Rés a não utilizarem quaisquer referências às marcas registadas das Autoras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “Equivalenza” explorados pelas Rés. Absolvendo-se as RR do mais peticionado. Custas por AA e RR na proporção de 1/3 e 2/3.”

5. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação de …, que as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras se insurgem, formulando as seguintes conclusões:

“A. O acórdão revidendo é nulo e inconstitucional, por falta de fundamentação, atentando quer contra o disposto no artigo 154º e na alínea b), do n.º 1, do artº 615º, ambos do CPC , e contra o artigo 205º, n.º 1, da CRP - dever constitucional e legal que tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma,

B. O que acórdão não faz, designadamente porque não explicita as provas documentais e passagens das testemunhas que afastam a convicção do Mmo. Juiz da 1ª instância, obnubilando e violando também em absoluto o Princípio da Imediação, Oralidade e Livre Apreciação da Prova.

C. Violou, igualmente, o TR… com o acórdão revidendo, o disposto nos artigos 154º, 662º do CPC e n.ºs 2 e 7º do art.º 663º, também do CPC, por falta de fundamentação da decisão de alteração da matéria de facto, de relatório e sumário, bem como errada aplicação da lei substantiva. Neste sentido, designadamente o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por unanimidade, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf//B94E223D53259C8A80257C90005351 38

“Como é sabido, o CPC de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal colectivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: «na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal colectivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo Colectivo apreciara essas provas”.

Posteriormente, “o CPC de 1961 procurou ampliar os poderes da Relação no que toca, não só à apreciação das respostas à matéria de facto dadas pelo tribunal de 1ª instância, mas também à imposição duma fundamentação mínima relativamente às decisões do Colectivo, e determinou a possibilidade de anulação, ainda que oficiosa, quando as respostas à matéria de facto fossem deficientes, obscuras ou contraditórias». Todavia, «na prática, apesar de se prever um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, face à redacção anterior do art. 712 [do C.P.C.], só muito excepcionalmente tal garantia era exequível”.

De facto, perante a anterior redacção da al. a) do nº 1 do cit. art. 712º, a Relação só gozava do poder-dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão -o que apenas  sucedia quando, havendo prova testemunhal, todas as testemunhas tivessem sido ouvidas por deprecada, estando os respectivos depoimentos reduzidos a escrito, ou se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas. “Nos demais casos, que a experiência demonstrou constituírem a larga maioria, bastava que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal indicasse, ainda que em termos genéricos ou imprecisos, a interferência de prova testemunhal, declarações emitidas pelas partes, esclarecimentos prestados pelos peritos ou por quaisquer outras pessoas ouvidas na audiência de discussão e julgamento ou, ainda, o resultado da observação directa que o tribunal retirasse das inspecções judiciais, para que o tribunal superior ficasse impedido de sindicar a decisão proferida pelo tribunal a quo””. “Aqui se fundaram, embora em termos não exclusivos, as principais críticas apontadas ao sistema [da oralidade plena ou pura, implementado no CPC de 1939 e continuado no CPC de 1961] e que acabaram por levar o legislador a aprovar as medidas intercalares previstas no Dec-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, posteriormente mantidas na redacção final do Código de Processo Civil”. Efectivamente, o cit. DL nº 39/95 veio possibilitar um recurso amplo sobre a matéria de facto, ao prescrever a possibilidade de registo ou documentação da prova, solução que a revisão do CPC operada em 1995/1996 (pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12-XII, e 180/96, de 25-IX) sedimentou. Assim, “a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada, não só nos casos previstos desde 1939, mas também quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tenha sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida”. O cit. DL. nº 39/95 aditou ao Código de Processo Civil então vigente os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso. Após a mencionada Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o fulcral art. 690º-A passou a ter a seguinte redacção: [“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”] 1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda. 3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente. 4- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº 2 do art. 684º-A”. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, eliminou a exigência (estabelecida na redacção originária do nº 2 deste art. 690º-A) de que o recorrente procedesse, sob pena de rejeição do recurso, à “transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”, passando a prescrever que o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento devem ficar registados na acta da audiência de julgamento (cfr. o nº 2 aditado por este diploma ao cit. art. 522º-C do CPC) e possibilitando que as partes possam recorrer da matéria de facto com base na simples referência ao assinalado na acta (cfr. a nova redacção conferida por este diploma aos nºs 2 e 3 do cit. art. 690º-A), devendo o tribunal de recurso proceder à audição e visualização do registo áudio e vídeo, respectivamente, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal (cfr. o nº 5 aditado ao cit. art. 690º-A por este diploma). Mais recentemente, o Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, veio revogar o cit. art. 690º-A do CPC mas aditou-lhe um novo preceito correspondente a este - o art. 685º-B -, do seguinte teor: “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. 4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores. 5 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.”

De qualquer modo, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume nunca uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto. Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no cit. art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC e, actualmente (após a entrada em vigor do cit. DL. nº 303/2007), no cit. art. 685º-B, nºs 1 e 2, do mesmo Código. «A expressão “ponto da matéria de facto” procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 690º-A: na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente».

Por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade. Efectivamente, «a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.

Ora, “contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo”. “O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”. De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC). “Determinando a norma jurídica que o juiz faça uma análise crítica das provas produzidas (expressão que já estava prevista, no que concerne à sentença, no art. 659º, nº 3) e que especifique os fundamentos decisivos para a sua convicção, deve ser posto definitivamente de parte o método (ou o “expediente”) frequentemente utilizado de apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g. “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”». «A exigência legal, para ser acatada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes”. “Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 655º do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.”. “Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção”. Daí que - conforme orientação jurisprudencial prevalecente – “o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição”.

Na verdade, “só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal ad quem sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra expandidas”. Em conclusão: “mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou     quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade”.

É que “o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si»”. “Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade - à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência (Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348) -, da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou”.

Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas - v.g. por distracção - determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais. “A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”.

Assim, por exemplo:

a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;

b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;

c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das    respostas dadas». Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se, a aqui Apelante deu cumprimento aos procedimentos legalmente exigíveis que lhe possibilitam o recurso sobre a decisão de facto e, em caso afirmativo, se lhe assiste razão. Sob o ponto de vista formal, há que reconhecer que a ora Apelante cumpriu satisfatoriamente o que lhe era exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a) do n.º 1 do cit. art.º 685.º-B, do CPC) e referiu os concretos meios probatórios, constantes do processo, que - na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b) do n.º 1 do mesmo art.º 685.º-B), tendo curado de o fazer por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º, nº 2, do CPC (com menção expressa e precisa das passagens da gravação em que se funda - como o exige o nº 2 do cit. art. 685º-B)

Mas se é verdade que tais formalismos foram integralmente respeitados pela ora recorrente, não deixa de ser menos exacto que este tribunal da Relação, atento o que supra se referiu sobre a sua limitada possibilidade de alterar a matéria de facto (respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e restrição do papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto), não encontra razões bastantes para alterar a factualidade apurada pelo tribunal a quo. Com efeito, o Senhor Juiz do Tribunal a quo fez a sua valoração da prova produzida, tendo apresentado a respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro. (...) Se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente da ora Recorrente tais depoimentos, não pode esta Relação pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas)... Simplesmente, o Tribunal a quo, apreciando livremente a prova, entendeu não dar suficiente crédito à versão da Ré ora Apelante/Impugnante, sobre quem recaía (nos termos do art. 342º-2 do Cód. Civil) o ónus da prova do facto”

D. Igualmente no mesmo sentido, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/5F1610A0F1A2A60B802582200053808

“...Assim, como salienta Abrantes Geraldes, o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema,   seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”.

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior. Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso  quanto  aos demais aspectos. (...)

Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter  em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na   formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido  indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.

Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por    princípio, insuscetível de ser alcançada. Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil.

De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C.P.Civil). Como refere Miguel Teixeira de Sousa, a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.” Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção.

(...) Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.

Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.

E. Cremos, pois, que o tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, incorreu, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando e afrontando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, patente pela violação do dever de fundamentação, como e seguida melhor se explicitará e bem assim numa errada aplicação da lei substantiva.

F. Efectivamente, salvo o devido respeito, estamos perante um Acórdão conclusivo e sem a necessária e legal fundamentação, que deverá por isso ser revogado por Vossas Excelência, Iluminados Conselheiros e ordenada a baixa novamente ao TR… para cumprimento da LEI. Neste sentido, o douto acórdão desse Iluminado Supremo Tribunal in http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c1c6884cb69281aa802581aa00550e92?OpenDocument

“I - À Relação cabe, por princípio, a última decisão no domínio do facto; no entanto, no juízo fáctico que lhe compete formular, com base em convicção própria firmada nos meios de prova disponíveis no processo, não pode deixar de considerar que se move, exclusivamente, no campo da matéria de facto, estando-lhe vedado o recurso a conceitos de direito e a juízos valorativos ou conclusivos.

II - Tendo o recurso de revista por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal da Relação, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662.º do CPC, contém matéria conclusiva e deve, por tal razão, ser eliminado do elenco dos factos provados, nenhum obstáculo legal existe quanto à admissibilidade do recurso de revista por estar em causa uma questão de direito4.

(...)”

G. O dever de fundamentar as decisões (art. 154.º do Código de Processo Civil e artigo 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) impõe-se por razões de ordem substancial - cabe ao Juiz demonstrar que, da norma geral e abstracta, soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto - e de ordem prática, posto que as partes precisam de conhecer os motivos da decisão a fim de, podendo, a impugnar

H. Já vimos supra a absoluta falta de cumprimento pelo Venerando Tribunal da Relação do disposto nos artigos 154º, 662º e 663º, n.ºs 2 e 7, todos do CPC, bem como a violação dos Princípios da Imediação, Oralidade e Livre Apreciação da Prova e do disposto artigo 205º n.º1 da Constituição da República Portuguesa. Note-se pois, que

I. “As causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão) enumeradas no art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do CPC, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento”, sumário do douto acórdão Desse STJ, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_acor_civel_janeiro_2018.pdf

J. “I - A falta de fundamentação da decisão constitui uma deficiência (intrínseca) da sentença e não se confunde com o chamado erro de julgamento que se traduz numa desconformidade entre a decisão e o direito - substantivo ou adjectivo - aplicável.

II - O dever de fundamentação da sentença final não se confunde com o dever de motivação previsto no art. 653.º, n.º 2 do CPC, cujo incumprimento pode, no circunstancialismo descrito no art. 712.º, n.º 5, determinar a baixa do processo à primeira instância para que o julgador sane a deficiência (concretização dos meios probatórios decisivos para a sua convicção).” Acórdão Desse STJ In http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=25270&codarea=3

K. O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, nos quadros do n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, densificando-se legalmente, desde logo, no prescrito no art.º 154.º do Cód. De Processo Civil. Tal dever constitucional e legal tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.

L. Neste sentido designadamente o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/jur_mostra_doc.php?nid=5315&co darea=58&

“No regime jurídico das nulidades dos actos decisórios releva a divergência entre o que é objectivamente praticado ou declarado pelo juiz, e o que a lei determina ou o que resultou demonstrado da produção de prova. Estamos no campo do error in procedendo, que se traduz na violação de uma disposição reguladora da forma (em sentido amplo) do ato processual: o ato executado é formalmente diferente do legalmente previsto. Aqui não se discute se a questão foi bem julgada, refletindo a decisão este julgamento acertado - por exemplo, é irrelevante que a sentença (à qual falte a fundamentação) reconheça a cada parte o que lhe pertence (suum cuique tribuere). Assim, nas situações ou manifestações mais graves, o error in procedendo fere o acto de nulidade, estando-se perante vícios do acto processual formais, pois os vícios substanciais, como por ex., os cometidos na apreciação da matéria de fundo, ou na tramitação do processo, são objecto de recurso, não se inserindo na previsão normativa das nulidades. A diferenciação ocorre, assim, por referência ao error in judicando, que é um vício de julgamento do thema decidendum (seja este de direito, processual ou material ou de facto). O juiz falha na escolha da norma pertinente ou na sua interpretação, não aplicando apropriadamente o direito - dito de outro modo, não subsume correctamente os factos fundamento da decisão à realidade normativa vigente (questão de direito) -; ou falha na afirmação ou na negação dos factos ocorridos (positivos ou negativos), tal como a realidade histórica resultou demonstrada da prova produzida, havendo uma divergência entre esta demonstração e o conteúdo da decisão de facto (questão de facto). Não está aqui em causa a regularidade formal do ato decisório, isto é, se este satisfaz ou não as disposições da lei processual que regulam a forma dos atos. A questão não foi bem julgada, embora a decisão - isto é, o ato processual decisório - possa ter sido formalmente bem elaborada. A decisão (ato decisório) que exteriorize um error in judicando não é, com este fundamento, inválida. O meio adequado à sua impugnação é o recurso, sendo o objecto deste o julgamento em que assenta a pronúncia. Confirmando-se o julgamento, a decisão é mantida; no caso oposto, é, por consequência, cassada, ou revogada e substituída - dependendo do sistema de recursos vigente. O vício de fundamentação em equação - alínea b), do citado n. 1 do art. 615 do Cód. de Processo Civil -, a apreciar no campo do error in procedendo, concretiza-se na omissão da especificação dos fundamentos de direito ou na omissão de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão.

Todavia, só a absoluta falta de fundamentação da sentença gera a nulidade. O vício de fundamentação deficiente constitui uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade donde decorre que a falta de motivação da decisão de facto (art.679, n2. 4), considerada isoladamente, não gera a nulidade da sentença por falta de fundamentação, desde que esta contenha a discriminação dos factos que o juiz considera provados e a indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes (art. 607, n. 3). Este vício pode ser eliminado, sanando-se a sentença irregular, em caso de recurso (art. 662, ns. 2, al. d), e 3, al. d)), por haver nisso utilidade processual, pois permite uma impugnação pelo vencido e uma reapreciação da decisão pelo tribunal ad quem mais esclarecidas. A absoluta falta de motivação da decisão de facto pode contribuir, no limite, para tornar a decisão final (art. 607º, nº. 3) ininteligível, gerando, por esta via, a nulidade da sentença (n°. 1, al. c). Sendo a sentença anulada com este fundamento, valerá a regra da substituição da Relação ao tribunal recorrido (art. 665º, nº. 1) A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial encontra-se plasmada no artº. 154º do Cód. de Processo Civil, o qual prescreve que: 1 - as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

Possui inclusive tal dever legal consagração constitucional, conforme decorre do previsto no artº. 205º, nº. 1, da Constituição da República Portuguesa, ao prescrever que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

O dever de fundamentação tem por objectivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, de forma a que os destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma.

Bem sabemos que no âmbito dos processos de jurisdição voluntária, nos quais os presentes autos se inserem, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna - cf., arte. 987 do Cód. de Processo Civil.

Todavia, tal não significa que o julgador tenha um poder discricionário ou ausente das legais prescrições, mas antes que a equidade, como a justa e adequada decisão para o caso concreto, deve funcionar como directriz fundamental e nuclear nas providências a tomar. (...) “Nas palavras do douto aresto desta Relação, datado de …/11/2013,é,assim,manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes de conhecer a sua base fáctico- jurídica, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação. Com efeito, há que ter em conta os destinatários da sentença que aliás, não são só as partes, mas a própria sociedade. Para que umas e outra entendam as decisões judiciais e as não sintam como um acto autoritário, importa que as sentenças e decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre a força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito [citando Pessoa Vaz, Direito Processual Civil - Do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, p.211.].

E, acrescenta, conforme decorre do n. 2 do artº 154 do CPC a fundamentação das decisões não pode ser meramente formal ou passiva, consistente na mera declaração de adesão às razões invocadas por uma das partes, o preceito legal exige antes, uma fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma [citando José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol.1.9, Coimbra Editora, 2.9 edição, p.302-303].”

M. Estamos, pois, perante   uma situação de ausência de fundamentação, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do julgador que o levaram a decidir contra o julgador da 1ª instância, quer pela ausência de relatório, pelo que há que concluir pela falta de fundamentação e por consequência, pela nulidade da decisão recorrida nos termos do disposto no art.º 615. n. 1 b) do CPC.

N. Ora, como supra se referiu, a decisão recorrida/revista não contém relatório, enunciação da factualidade apurada e provas e contra posição para afastar a decisão do Julgador da 1ª instância, limitando-se a consignar que o negocio da Equivalenza é igual ao da EKYVAL, e não é a EQUIVALENZA que se encontra a ser julgada, são alguns licenciados, que como resulta de outras sentenças e acórdãos a que o acórdão revidendo faz referência são todas unânimes, pelo menos numa coisa - que se alguns licenciatários utilizaram técnicas com recurso a listas comparativas foi apenas em 2014 e o Acórdão, quando todas as testemunhas, mesmo mentirosas dizem que foi só em 2014, comete excesso de pronúncia e refere que continua tal prática.

O. O que apenas se explica por haver sido utilizada uma minuta de acórdão da EKYVAL, note-se na página 19 tal referência. Aliás,

P. Embora não estejamos aqui no domínio da apreciação da matéria de facto, porque vedado o conhecimento a Esse iluminado STJ, sempre tal ressalta para verificação da violação do dever de fundamentação pelo Venerando TRL. É que,

Q. É que só uma testemunha da AA., BB disse algo em desabono das RR. e essa testemunha apresentou nas quatro vezes que foi ouvida perante um Juiz e sob juramento, versões diferentes, não havendo as outras duas testemunhas das AA. dito o que fosse em desabono das RR. e que pudesse haver sido aproveitado para alteração da decisão sobre a matéria de facto, nem existiu tal citação ou referencia pelo TRL, como as 9 testemunhas das RR. referiram que tudo ao contrario do que considerou o TRL, e não foram citadas por este, mas só pelo JUIZ de 1ª Instância.

 R. É, pois, ilegal e inconstitucional o acórdão revidendo, que deve, por isso, ser revogado e ordenada a baixa do processo para prolação de acórdão em conformidade com a LEI.

S. Note-se, como supra, igualmente se deixou transcrito, que o TR… faz ainda uma errada aplicação da Lei substantiva e por isso, também por essa razão deveria o acórdão ser revogado. Ora vejamos,


T. Ainda que não haja sido provada na sentença de 1ª instância a utilização interna ou externa de tabelas de equivalências e vindo o TRL dizendo que eram utilizadas internamente, cabe esclarecer que a utilização de uma tabela de equivalências para poder estabelecer uma ligação entre as fragrâncias propostas por um operador e as comercializadas pelos seus concorrentes é uma prática antiga que, por muitas vezes, já passou por salas de audiência. Esta utilização das marcas de terceiros na atividade empresarial é, hoje, vista à luz do estatuto da publicidade comparativa. Neste contexto, uma marca pode ser utilizada por um concorrente do respetivo titular em operações de publicidade comparativa ao abrigo do disposto na Diretiva 2006/114 de 12 de dezembro de 2006, transposta para o direito interno pelos artigos L. 121-8 e seguintes do Code de la consommation (código do consumidor).

O artigo L. 121-8 prevê que “toda e qualquer publicidade que estabeleça uma comparação entre bens ou serviços, identificando, implícita ou explicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente, apenas é lícita se:

Não for enganosa ou suscetível de induzir em erro;

Visar bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou tenham o mesmo objetivo;

Comparar objetivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço”.

U. Como resultou da sentença de 1ª instância, as RR. apenas fazem paralelo com as características essenciais dos produtos - as famílias olfactivas. Não existe qualquer indução em erro ou confusão no consumidor final. Ver, nomeadamente, Cass. com., 27 janeiro 1981, n.º 79-11805.3 Cf. J. Passa, “Les rapports entre droit des marques et droit de la publicité comparative : un risque d'affaiblissement de la protection de la marque (à propos des affaires préjudicielles O2 Holding et L'Oréal/Bellure)”, Prop. Indust. 2008, Estudo 20.4. No caso vertente, resulta que as RR. não conduziram uma campanha publicitária, sob qualquer forma, perante terceiros, nomeadamente, perante os consumidores com vista a comparar os seus produtos com os dos seus concorrentes. Aliás, quando um consumidor entra numa loja onde não é proposto qualquer produto para além dos comercializados sob a marca da franquia, ele não poderá crer que lhe será possível adquirir produtos comercializados por terceiros. A publicidade comparativa é ilícita se implicar um vício do consentimento do consumidor. Finalmente, no caso vertente, reconhece-se que a tabela de equivalência não estabelece uma ligação entre um perfume de um concorrente e um perfume da Equivalenza, mas entre um perfume de um concorrente e vários perfumes da Equivalenza pertencentes à mesma família olfativa.

V. O TJUE valida a publicidade comparativa que afirma a existência de uma equivalência relativamente às características técnicas dos produtos, ou seja, quando é estabelecida uma comparação das características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas. É perfeitamente possível fazer uma comparação objetiva das características essenciais e pertinentes de um perfume. Há que não confundir a apreciação subjetiva de um perfume por cada pessoa que o cheira e a comparação de dois fluidos. Embora exista uma subjetividade individual final, as fragrâncias podem ser objetivamente comparadas entre si. Elas são comparáveis em termos de composição química (quais as essências utilizadas). Também são. Ver TJUE, Toshiba, e, no mesmo sentido, o acórdão Siemens, comparáveis em termos de perceção técnica da fragrância, consoante a composição da nota de cabeça, da nota de coração e da nota de fundo. Todo e qualquer profissional do setor é capaz de fazer uma tal comparação, que tem a ver com uma abordagem objetiva e técnica do perfume. Não se trata de saber se se gosta ou não, trata-se de determinar se as fragrâncias têm traços comuns. A comparação entre estas notas e as da composição do perfume centra-se em elementos essenciais e pertinentes, comprováveis e representativos do produto em causa. Não existe qualquer obstáculo por natureza à comparação de perfumes. A comparação objetiva é ainda mais simples de efetuar na medida em que os fluidos e as fragrâncias podem ser idênticos. Não existe nenhum direito de propriedade intelectual sobre estas composições, é possível reproduzi-las e, por conseguinte, é possível compará-las com fragrâncias idênticas propostas por operadores terceiros. Ao que acresce que a inclusão de uma marca comercial de um concorrente numa tabela de equivalência para que possa constituir um prejuízo da função de investimento, por si só, não é suficiente para caracterizar esse prejuízo, sendo necessário demonstrar como é que esta pôde prejudicar de forma substancial a utilização pelo proprietário da sua marca para adquirir ou conservar uma reputação suscetível de atrair e de fidelizar consumidores. É necessário que o prejuízo seja especificamente caracterizado e constitua um obstáculo à sua atividade económica. A presença da marca, por si só, não implica diretamente um tal prejuízo. Na ausência de prova, não pode ser considerada a existência de um prejuízo da função de investimento. O que não sucede em hipótese alguma.

W. Em primeiro lugar, há a destacar que se trata, aqui, de uma utilização habitual, comum nas lojas de perfumes. Os funcionários perguntam que perfume se está a utilizar para propor perfumes com tons olfativos semelhantes ou complementares, independentemente da marca sob a qual é comercializado o perfume proposto. Existe uma prática semelhante entre os comerciantes de vinhos para orientar os clientes na escolha de um vinho. O processo é sempre o mesmo: o comerciante procura compreender os gostos do cliente com base nos produtos que este consome e identifica esses produtos por meio das marcas designadas pelo cliente. A utilização das marcas é uma prática necessária para designar os bens em causa, dado que não existe nenhum outro meio tão simples, claro, rápido e conhecido pelos consumidores. A marca não é, pois, mais do que uma ferramenta para identificação de um produto, à semelhança de um nome genérico, não sendo utilizada a título de marca no âmbito deste processo de aconselhamento. O direito das marcas afirma que não é possível para o proprietário de uma marca opor-se à sua utilização por terceiros, se a marca constituir uma indicação sobre o tipo, qualidade, quantidade, destino, valor, origem geográfica, altura de produção ou outras características do produto. Este conceito de referência necessária, cuja relevância é discutida tanto pela doutrina como na prática, foi em várias ocasiões aplicado pela Cour de Cassation.

X. Num acórdão de março de 2008, a Cour de Cassation sustentou que, ao apresentar, numa publicidade destinada aos profissionais de saúde, uma especialidade farmacêutica genérica de um medicamento de referência, integrando a marca do medicamento original, o anunciante informou o público em questão das qualidades do genérico e da sua bioequivalência demonstrada. Por conseguinte, ele procedeu a uma comparação das características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas do produto. A Cour de Cassation concluiu daqui que uma tal publicidade está em conformidade com o disposto nos artigos L. 121-8 e seguintes do Code de la consommation. Esta análise vai além da função da publicidade comparativa, dado que o produtor do genérico se apoia no renome do produto anterior para comercializar o seu próprio produto. A Cour de Cassation confirmou esta análise, a propósito da mesma marca, apoiando-a na jurisprudência do TJUE num acórdão de 2011. Assim, a Cour de Cassation afirma que "(ao ter sustentado que ... o disposto no artigo L. 121-9, alínea 4, do Code de la consommation relativamente à reprodução deveria ser diferenciado do conceito de bioequivalência que caracteriza o genérico, o tribunal da relação, com abstração dos fundamentos subsidiários criticados na segunda parte da argumentação, aplicou exatamente a lei, descartando a qualificação de imitação ou de reprodução". A Cour de Cassation sustenta que a Cour d’Appel (Tribunal da Relação francês) violou os artigos L. 121-8 e L. 129-9 do Code de la consommation e o artigo L. 713-6 b do Code Cass. com., 26 março 2008, Deroxat, Bull. civ. IV, n.o 71, p. 80. Ver J. Peigné, “La promotion des médicaments génériques à l'épreuve du droit des marques", Gaz. Pal. 14-15 jan. 2011, p. 8; E. Le Bihan e L. Julien-Raes, "Médicaments génériques : marques et usages honnêtes”, Prop. Intell. 2006, n.o 21, p. 396; Cass. crim., 4 março 2008, CCC 2008, com. 171. No mesmo processo, Cass. com., 24 março 2011, Bull. civ. IV, n.º 85; PIBD 2011, III-528; RTD com. 2012. 101, obs. J. Azéma. TJUE, 12 junho 2008, processo C-533/06, 02 Holdings Limited. de la propriété intelectuelle (CPI), quando, para afirmar que uma empresa não podia invocar o disposto no artigo L. 713-6 b do CPI e que havia cometido atos de contrafação ao reproduzir e utilizar a marca Deroxat e após ter decidido que convinha investigar se a publicidade incriminada, lícita à luz dos textos sobre publicidade comparativa, o era, também, à luz do artigo L. 713-6 do CPI, sustentou que, se a menção da marca é uma solução de facilidade e de comodidade, não constitui, porém, uma referência necessária, dado que existe, relativamente ao público em questão, outros meios de identificar o destino do genérico, isto apesar de o TJUE ter afirmado, no seu acórdão de 13 de junho de 20087, que o artigo 5º, §1 e §2, da Diretiva 89/104 e o artigo 3º-A, §1, da Diretiva 84/450, conforme alterada pela Diretiva 97/55, devem ser interpretados no sentido de que o proprietário de uma marca registada não está habilitado a proibir o uso por um terceiro, numa publicidade comparativa que preencha todas as condições de licitude enunciadas no referido artigo 3o-A, de um sinal idêntico ou semelhante à sua marca. Para além dos fundamentos com origem na jurisprudência do Tribunal de Justiçada União Europeia adotados pela Cour de Cassation, é necessário considerar, pelo menos, dois outros acórdãos desta jurisdição, que sustentam a ideia de uma utilização lícita da marca de terceiros para designar as características de um produto à luz da Diretiva de marcas de 198997 TJUE, processo C-533/06, 02 Holdings Limited, supracitado. Cass. com., 24 maio 2011, Bull. civ. IV, n.º 85, D. 2011, p. 1550. O artigo 6.º da Diretiva estipula que:

“1. O direito conferido pela marca não permite ao seu titular proibir a terceiros o uso, na vida comercial, [...] c) da marca, sempre que tal seja necessário para indicar o destino de um produto ou serviço, nomeadamente sob a forma de acessórios ou peças sobressalentes ...”

Y. Em primeiro lugar, o acórdão Hölterhoff, relativo à utilização da marca de um terceiro como referência no quadro de negociações comerciais, em que um joalheiro propunha aos seus clientes o fornecimento de uma pedra talhada segundo um corte identificado através da marca de um terceiro. O TJUE sustentou que "o titular de uma marca não pode invocar o seu direito exclusivo quando um terceiro, no quadro de negociações comerciais, revela que o produto provém do seu próprio fabrico e só utiliza a marca em causa com o fim de descrever as propriedades específicas do produto que propõe, de tal modo que fica excluído que a marca utilizada seja interpretada como uma referência à empresa de proveniência do produto”.

Z. O Douto acórdão do TR… aplica erradamente a Lei substantiva e afronta a Jurisprudência Comunitária citada transposta para a nossa ordem interna supra, pelo que deverá ser revogado por V. Exas..

Termos em que se requer, colhida que seja a argumentação expendida,   se dignem V. Exas. Iluminados Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça anular/revogar o acórdão do TRL e em consequência ordenem a baixa do processo para prolação de acórdão em conformidade com a Lei ou em alternativa julguem improcedente a alteração da matéria de facto pelo TRL porque ilegal nos termos expostos supra,

Só assim fazendo V. Exas. Justiça.”


6. As Recorridas/ Autoras/ LORIS AZZARO B.V. e outras apresentaram contra-alegações, aduzindo as seguintes conclusões:

“I. A presente Revista deve improceder in totum.

II. O douto acórdão recorrido não enferma das ilegalidades invocadas, designadamente não é nulo por falta de fundamentação, não se mostrando violado o disposto nos artigos 154.º, 615.º, n.º 1, al. b), 662.º e 663.º, do CPC.

III. O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o recurso de apelação interposto pelas ora Recorridas, reapreciando e decidindo sobre matéria de facto, e nessa esteira julgando provados factos que assim não foram considerados em primeira instância, sem que isso implique qualquer irregularidade ou falta de fundamentação, como pretendem as Recorrentes.

IV. Tem, além disso, pleno acolhimento legal, pois determina o artigo 662.º, n.º 1 do CPC que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

V. Tampouco se compreendem as alegadas (e ofensivas) violações do Princípio da Imediação, Oralidade e Livre Apreciação da Prova, por parte dos Venerandos Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, que não se têm por verificadas.

VI. É mister invocar novamente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que impõe à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto caso os factos tidos como assentes e, in casu, a prova produzida, imponham decisão diferente da produzida em primeira instância.

VII. A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa encontra-se fundamentada na sua livre convicção, assente na credibilidade dos depoimentos prestados em primeira instância, que não deixaram quaisquer dúvidas sobre a necessidade de alteração da matéria de facto e que motivou, a final, uma alteração do sentido decisório.

VIII. Não sendo o acórdão posto em crise nulo, designadamente por falta de fundamentação, conforme se referiu supra, não há que apurar da existência de qualquer inconstitucionalidade.

IX. A alegação de inconstitucionalidade é desprovida de sentido, porquanto as decisões judiciais não são inconstitucionais.

X. O que porventura poderá ser inconstitucional é a interpretação de uma determinada norma jurídica, porém, em nenhum momento do presente pleito foi suscitada a inconstitucionalidade de uma norma jurídica.

XI. Pretendem as Recorrentes, antevendo o fracasso da presente Revista, encontrar fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional, em processo de fiscalização concreta, falecendo, porém, fundamento a tal pretensão.

XII. São mais do que corretas as conclusões do Tribunal da Relação de ..., que perante a factualidade assente condenou as Recorrentes a não utilizarem quaisquer referências às marcas registadas da Recorridas, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “Equivalenza”.

XIII. A jurisprudência, designadamente a do Tribunal da Relação de Lisboa, têm condenado a prática comercial levada a efeito pelas Recorrentes, conforme os Acórdãos de 10-05-2018 (Proc. 60/16.2YHLSB.L1, Rel. Maria de Deus Correia), de 28.11.17 (Proc. nº 364/15.1YHLSB.L1-7, Rel. Maria da Conceição Saavedra) e de 01.02.18 (Proc. nº 346/15.3YHLSB.L1-87, Rel. António Valente), todos publicados em www.dgsi.pt,

XIV. Mas também este Supremo Tribunal de Justiça já condenou essa prática, conforme Acórdão de 12.07.2018 (Proc. nº 346/15.3YHLSB.L1.S1, Rel. António Piçarra), também publicado em www.dgsi.pt.

XV. Em face do exposto supra, falecem às Recorrentes razões para suscitar o Recurso de Revista em apreço.

Termos em que: Deverá o Recurso de Revista ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido nos seus precisos termos, como é de Direito e Justiça.”


7. Foram dispensados os vistos.


8. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das alegações apresentadas pelas Recorrentes/Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, consistem em saber se:

(1) O acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do Tribunal a quo ao decidir revogar, parcialmente, a sentença proferida em 1ª Instância, sendo que, em todo o caso, a apreciação da matéria de facto é relevante para o conhecimento da invocada violação do dever de fundamentação?

(2) A facticidade demonstrada, mesmo reconhecida a alteração da decisão de facto, importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, ainda que não haja sido provada na sentença de 1ª Instância a utilização interna ou externa de tabelas de equivalências e vindo o Tribunal a quo a admitir que eram utilizadas internamente, dever-se-á reconhecer que uma marca pode ser utilizada por um concorrente do respetivo titular em operações de publicidade comparativa?


II. 2. Da Matéria de Facto

Factos Provados

“1)  A 1ª autora LORIS AZZARO é uma conhecida sociedade comercial holandesa que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica., entre outras atividades, à comercialização de perfumes.

2)   A 1ª autora LORIS AZZARO é titular dos seguintes direitos de propriedade industrial:

a)   Marca comunitária n° 005393459, com o descritivo AZZARO, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, produtos de perfumaria e de beleza;

b)   Marca comunitária n° 005384789, com o descritivo CHROME, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas de cheiro, águas de toilette, águas de colónia, preparações de toillete;

c)    Marca Comunitária n° 8152381, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, produtos de perfumaria, óleos essenciais e cosméticos;

d) Marca Internacional n° 670965, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, água perfumada, água de colónia, produtos de higiene; produtos de banho não medicinais; produtos de higiene pessoal (não incluídos em outras classes) e desodorizantes para uso pessoal; sabonetes perfumados, pó talco, cremes cosméticos perfumados, perfumaria; óleos essenciais, cosméticos.

3)   A 2ª autora CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S. é uma conhecida sociedade comercial francesa que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica, entre outras atividades, à comercialização de perfumes.

4)   A 2ª autora CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S. é titular dos seguintes direitos de propriedade industrial:

a) Marca comunitária n° 003950219, com o descritivo ALIEN, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumaria e produtos relacionados com a mesma (todos perfumados), nomeadamente perfume (incluindo extractos), água de perfume, água de toilette, água de colónia, cremes e óleos perfumados para o corpo e os cabelos, gel de banho e de duche, champôs, sabonetes perfumados.

b) Marca comunitária n° 005385158, com o descritivo ANGEL, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, produtos de beleza.

c) Marca Internacional designando a UE n° 993781, com o descritivo WOMANITY, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas perfumadas, água de colónia, produtos de higiene pessoal, preparações de banho ou duche para uso cosmético, desodorizantes para uso pessoal, sabonetes perfumados, pó de talco perfumado, cremes cosméticos perfumados, cosméticos perfumados, perfumaria, cosméticos.

d) Marca Internacional n° 600456, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, colónias, águas perfumadas, colónias de extrato de perfume, óleos essenciais, cosméticos para rosto e corpo, pós cosméticos, talco, perfume, preparações cosméticas, sais de banho, sabonetes, desodorizantes para uso pessoal.

e) Marca comunitária n° 0011278728, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, água de colónia; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria); óleos essenciais para uso pessoal; óleos para uso cosmético; sabonetes líquidos para uso pessoal; Leites de toilette; cremes, loções e produtos cosméticos, gel de banho e duche; espumas de banho.

 f) Marca comunitária n° 0010860542, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas de colónia; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria); óleos essenciais para uso pessoal; Óleos para uso cosmético; Sabonetes líquidos para uso pessoal; Leites de toilette; Cremes, loções e produtos cosméticos para os cuidados do rosto; Cremes, Loções e Produtos cosméticos para os cuidados do corpo; gel de banho e duche.

g) Marca comunitária n° 0010811321, registada para assinalar na dasse 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas de colónia; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria); óleos essenciais para uso pessoal; óleos para uso cosmético; sabonetes líquidos para uso pessoal; leites de toilette; remes, loções e produtos cosméticos, gel de banho e duche; Espumas de banho.

5) A 3ª autora THIERRY MUG1ER S.A.S. é uma conhecida sociedade comercial francesa que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica, entre outras atividades, à comercialização de perfumes.

6) A 3ª autora THIERRY MUGLER S.A.S. é titular dos seguintes direitos de propriedade industrial:

a) Marca comunitária n° 007297351, com o descritivo THIERRY MUGLER, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, óleos essenciais, cosméticos, produtos de beleza, champôs, desodorizantes para uso pessoal.

b) Marca Internacional n° 591912, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, produtos de beleza, champôs, desodorizantes para uso pessoal, pó de talco.

c) Marca Comunitária n° 000330118, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, sabões de toilette, perfumes, águas de colónia e de toilette, óleos essenciais para uso pessoal, sais de banho; talco perfumado, champôs, desodorizante para uso pessoal.

d) Marca Comunitária n° 0005385422, com o descritivo MUGLER, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, óleos essenciais, cosméticos, champôs, desodorizantes para uso pessoal.

7) A política de comercialização das autoras assenta numa estratégia de distribuição seletiva dos seus perfumes, traduzida na escolha criteriosa dos seus agentes de venda; esses agentes de venda estão geralmente obrigados à aquisição de um volume mínimo anual desses produtos, conforme o respetivo “Contrato de Distribuidor Seletivo”.

8) Os investimentos que as autoras fazem, não só em investigação para o desenvolvimento dos seus produtos de perfumaria, como nas campanhas de marketing para divulgação das suas marcas, são fatores determinantes para o reconhecimento das mesmas no mercado.

9) Os perfumes comercializados pelas autoras, assinalados pelas marcas registadas supra identificadas, sendo produtos de elevada qualidade, adquiriram uma elevada reputação, pelo menos, na Holanda, França e Portugal.

10) As rés exercem a atividade comercial de venda a retalho de perfumes, aromas, produtos de cosmética e de higiene pessoal.

11) As rés têm em comum o facto de explorarem lojas ou estabelecimentos comerciais designados por “EQUIVALENZA”.

12) A 1ª ré CECÍLIA CASTRO, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica à perfumaria e cosmética, cfr. doc. de fls. 246 e verso; esta ré vende produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes, numa loja sita na Rua Gama Barros, 3 B, 1700-145 Lisboa.

13) A 2ª ré ATLANTIFRAGRÂNCIA, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedicou ao comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene em estabelecimentos especializados, cfr. doc. de fls. 247 e verso; esta ré explorou uma loja sita no Centro Comercial Dolce Vita Monumental, sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, onde comercializou, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

14) A 3ª ré L2J - CONSULTORES DE EMPRESAS, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica, nomeadamente, à compra e venda de artigos de perfumaria, cosmética e afins, cfr. doc. de fls. 248 a 251; esta ré explora lojas sitas no Centro Comercial Colombo, Avenida Lusíada, 1500-392 Lisboa, e no CascaisShopping, Estrada N° 9,265-543, Alcabideche, Cascais, onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

15) A 4ª ré SCHLIEF, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio, importação, exportação e representação de perfumes, cfr. doc. de fls. 252 a 253; esta ré explora lojas sitas no Fórum Montijo, Rua de Azinheira, Zona Industrial do Pau Queimado, 2870-100 Montijo, no Dolce Vila Tejo, Avenida Cruzeiro Seixas, 5 e 7, 2650 Amadora, e no Fórum Sintra, Rua Alto do Forte, em Sintra, onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

16) A 5ª ré AA explora lojas sitas na Rua …, n° 7…, 2…5-1…8 …, e nas Galerias … na Rua …, 1…0-0…1 …, onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

17) Todas as rés fazem parte da rede de lojas “Equivalenza”.

18) De acordo com as informações obtidas através da navegação no respectivo website “a rede de lojas Equivalenza fundamenta-se num sistema de contratos de licença e fornecimento”, referindo-se ainda que “ao contrário do franchising tradicional, os empreendedores/investidores não são obrigados a pagar nenhuma taxa inicial nem royalties”.

19) Ainda por referência àquele website, é possível constatar que “o modelo de negócio da Equivalenza caracteriza-se por um investimento reduzido e uma elevada margem de lucro”.

20) As lojas Equivalenza, de acordo com a informação disponibilizada no referido website, “estão localizadas no centro das cidades, em ruas de primeira localização, bem como nos centros comerciais”; essas lojas são “todas projetadas pela nossa equipa de profissionais, seguindo a nossa imagem corporativa de lojas modernas e dinâmicas”; e os perfumes “classificam-se por famílias olfativas e são expostos nas prateleiras em vasilhas e tester para que o cliente possa experimentar todos os nossos produtos”.

21) Trata-se de um modelo de negócio que se autodefine “como a marca branca do perfume, oferecendo criações próprias de perfumes de alta qualidade, cuidadosamente elaborados, com uma filosofia low cost”, cfr. uma página web, cuja cópia constitui o doc. n° 2 junto com o Requerimento Inicial (adiante RI) do procedimento cautelar (apenso A).

22) Segundo notícia publicada no “Económico”, cujo print foi junto como doc. n° 33 no RI do apenso A: “( ... ) Só este ano, a Equivalenza abriu 13 lojas e está ainda prevista a abertura de mais dois espaços até ao final do ano, adiantou ao Diário Económico CC, director geral do grupo. A marca tem atualmente 126 lojas em Portugal, o seu segundo maior mercado. Segundo CC, a Equivalenza deverá faturar este ano mais de 15 milhões de euros em Portugal, um crescimento de 58% face aos 9,5 milhões gerados em 2013 com 94 lojas. Como realça, “Portugal é um mercado muito atrativo com uma rede de centros comerciais estrategicamente importante”. A marca de perfumaria, que está instalada em 37 geografias e explora 712 lojas, estima atingir este ano um volume de negócios superior a 50 milhões de euros. O crescimento da marca está assente num modelo de “franchising”, onde “os franchisados não pagam direitos de entrada, nem royalties”, “é um sistema muito flexível e que oferece uma grande rentabilidade, com um investimento mínimo”, sublinha CC. Este modelo une-se a “uma nova categoria de negócio no mercado, na qual o consumidor adquire perfumes de alta qualidade a preços acessíveis”, adianta ainda. Segundo CC, as essências e matérias-primas são “de primeira qualidade”, são realizados “estritos controlos de qualidade e de uso” e todos os “produtos são fabricados na União Europeia”. Para o responsável, “as pessoas optam assim por uma compra inteligente”, sendo que os preços acessíveis são “uma tendência de mercado que chegou para ficar.”

23) Nos últimos meses foram inaugurados oito pontos de venda, alcançando o total de 116 lojas, consolidando-se como empresa líder do sector no país, cfr. informação disponível no mencionado website.

24) Os produtos comercializados pelas rés são apresentados aos consumidores ou potenciais clientes como produtos criados sob a marca “EQUIVALENZA”; os consumidores em questão tomam as suas decisões de compra baseados num juízo de valor sobre as qualidades olfativas intrínsecas dos produtos.

25) As rés não pertencem, nem nunca pertenceram, à rede de distribuição seletiva através da qual as autoras comercializam os seus perfumes.

26) As autoras nunca deram, a nenhuma das rés, autorização para utilizarem, direta ou indiretamente, seja porque meio for, as marcas de que são titulares; concretamente, não autorizaram as rés a utilizar, referenciar, indicar ou mencionar as marcas de que são titulares, nem a compará-las com os produtos “EQUIVALENZA”.

27) A Clarins (Portugal), Comércio de Cosméticos, S.A. é a distribuidora exclusiva em Portugal dos perfumes e cosméticos das marcas “AZZARO POUR HOMME”, “CHROME”, “ALIEN”, “ANGEL” e “WOMANITY”, tendo investido em Portugal, no ano de 2014, em campanhas de marketing e publicidade nos media, montantes não concretamente apurados.

28) Nem as rés nem as autoras são fabricantes de perfumes ou de essências.

29) As empregadas das lojas das rés, quando os consumidores referem determinada marca de perfume, pertencente às ora autoras ou a outras sociedades, sugerem verbalmente aos mesmos consumidores um ou mais perfumes vendidos sob a marca “Equivalenza” que mais se aproximam da família olfativa ou tipo de fragrância do aludido perfume de marca.

30) As AA, em 2014, constataram que as RR vendiam nas lojas “EQU1VALENZA” perfumes por referência comparativa às marcas registadas de que são titulares, designadamente através de utilização de listas comparativas.

31) O método comercial adoptado pelas RR assentava na venda e promoção dos seus produtos, exclusivamente através da sua associação a marcas registadas, entre as quais as das AA, visando assim o aproveitamento da imagem de que as estes marcas disfrutam no mercado.

32) As empregadas das lojas das RR, quando os consumidores referem determinada marca de perfume, pertencentes às ora AA ou a outras sociedades, indicam o número correspondente do perfume vendido ali na loja sob a marca “Equivalenza” justificando a diferença de preços por se tratar de um produto branco, low cost, genérico ou de menor concentração.

33) As vendedoras das Rés, a pedido dos clientes, escrevem nos cartões usados para testar o aroma dos perfumes (moyettes), o número de referência que identifica o perfume da marca “Equivalenza” e a marca registada, designadamente as marcas tituladas pelas Autoras.

34) Haveria, em geral, uma relação de 1 para 10: um perfume de uma das AA que custasse € 100,00 teria uma correspondência (ou “equivalência”) numa loja das RR de um preço de cerca de 10,00.


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes/Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1. O acórdão recorrido padece de nulidade por falta de fundamentação, por não se encontrarem especificados os fundamentos de facto e de direito que determinaram a convicção do Tribunal a quo ao decidir revogar, parcialmente, a sentença proferida em 1ª Instância, sendo que, em todo o caso, a apreciação da matéria de facto é relevante para o conhecimento da invocada violação do dever de fundamentação?

1. O Supremo Tribunal de Justiça, no que respeita às decisões da Relação sobre a matéria de facto, não as pode alterar, sendo as mesmas, em regra, irrecorríveis.

A este propósito, estatui o art.º 662º n.º 4 do Código de Processo Civil que “das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” estabelecendo, por seu turno, o art.º 674º n.º 3 do Código Processo Civil “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”, outrossim, prescreve o art.º 682º n.º 2 do Código Processo Civil que a “decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º”, donde se colhe, com clareza, que o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação decide sobre a impugnação da decisão de facto, quando ancorada em meios de prova, sujeitos à livre apreciação, acentuando-se que o Supremo Tribunal de Justiça apenas pode intervir nos casos em que seja invocado erro de direito.

A decisão de facto é, pois, da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, razão pela qual, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito.

2. Revertendo ao caso sub iudice, e uma vez cotejadas as conclusões apresentadas pelas Recorrentes/Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, reconhecemos, com facilidade, que a reclamada impugnação da decisão de facto, contende com a alegada violação de lei adjectiva civil, designadamente a sustentada falta de fundamentação, daí que não está arredada a reponderação da decisão de facto, por parte deste Tribunal ad quem, com vista a reconhecer, ou não, o invocado erro de direito, sendo por isso, nestes termos, sindicável.

Todavia, a sustentação de que a apreciação da matéria de facto é relevante para o conhecimento da invocada violação do dever de fundamentação, não merece acolhimento, salvo o devido respeito por opinião contrária, na medida em que, conforme decorre do acórdão recorrido e como adiante consignaremos, a alteração da decisão de facto teve somente em atenção a diversa valoração da prova produzida, que, de resto, como já adiantamos, é da competência das instâncias.

3. O direito adjectivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º, e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.

Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A nulidade em razão da falta de fundamentação (alínea b) do nº. 1, do art.º 615º do Código de Processo Civil) está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Na verdade, a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional - art.º 205º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa - e legal - artºs. 154º, 607º e 663º, todos do Código de Processo Civil.

É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório.

Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado art.º 615º do Código de Processo Civil.

4. A decisão da lª Instância sobre a matéria de facto, só pode ser alterada pela Relação nos casos estabelecidos no art.º 662º do Código de Processo Civil, importando, no entanto, que a respectiva reapreciação seja fundamentada e que encerre um discurso congruente sob pena de erro de direito ao afrontar disposição expressa na lei adjectiva civil, na medida em que o Tribunal da Relação, não está dispensado de proferir decisão inteligível, estando sujeito ao ónus de fundamentação da matéria de facto, mormente a aditada ou a modificada, tal como imposto pelo n.º 4 do art.º 607º do Código de Processo Civil.

Colhemos do consignado dispositivo adjectivo civil que impõe o ónus da fundamentação da decisão, maxime, a de facto, a causa de legitimidade e legitimação das decisões dos Tribunais, proporcionando ao destinatário da decisão entender a razão da decisão e os meios de prova em que a mesma se sustenta, na decorrência do já enunciado art.º 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

O discurso decisório tem que encerrar a explicação da razão por que decide de determinada maneira, fundamentação esta que deverá, necessariamente, atender a todas as questões colocadas ao Tribunal de recurso, e conduzir, logicamente, ao resultado adoptado, ao cabo e ao resto, a decisão de facto e de direito precisa de especificar os respectivos fundamentos, a par de que estes devem ser congruentes, justificando a decisão acolhida, importando inteligibilidade, sob pena de erro de julgamento.

Escrutinada a decisão, distinguimos que a reapreciação da decisão de facto não deixou de fundamentar a decisão tomada, alterando a facticidade tomada como adquirida processualmente em 1ª Instância, não se distinguindo violação do princípio da imediação, oralidade e livre apreciação da prova.

Assim, decorre da reapreciação da decisão de facto em 2ª Instância:

“O presente recurso incide primordialmente na impugnação da decisão factual, nomeadamente no que toca aos factos dados como não provados e que as recorrentes entendem que, ao invés, deveriam ter sido julgados provados.

Relativamente ao ponto i) entendemos que assiste parcialmente razão às recorrentes. Com efeito, dos depoimentos de funcionárias da Clarins Portugal, CC (…) e sobretudo DD e EE, que se deslocaram a várias lojas das Rés - no Saldanha, na Rua Dr. Gama Barros, Monumental, Colombo, etc. - onde pediam um determinado perfume conhecido à vendedora identificando-o por sinais exteriores - cor, desenhos no frasco, por exemplo. A vendedora respondia identificando tal perfume pelo nome e esclarecendo que ali na loja era designado por um número.

Assim, para dar um exemplo, a funcionária da Clarins, sem se identificar, dizia à vendedora da loja que queria um perfume de que gostava mas não se lembrava do nome exacto, sabendo que o frasco era azul com uma estrela. A vendedora respondia que sabia do que a outra estava a falar e identificava o perfume, acrescentando que esse perfume correspondia a um dado número. Justificavam as diferenças dizendo que se tratava de produto "branco", genérico, “low cost”, ou com menor concentração. Assim, se a cliente pedia um perfume com determinados pormenores e características a lojista identificava-o como sendo o “Angel” correspondente ao n° 23.

Aliás, esta é a justificação da existência de listagens com designação dos perfumes de marca e sua correspondência - ou equivalência - numa versão low cost e representada por um número.

A ideia de listas organizadas por famílias olfactivas não nos pareceu convincente.

Entendemos assim que deveria ter sido dado como provado que:

“As AA, em 2014, constataram que as RR vendiam nas lojas "EQU1VALENZA" perfumes por referência comparativa às marcas registadas de que são titulares, designadamente através de utilização de listas comparativas”.

Não se fez prova convincente de que tais listas estivessem disponíveis para consulta do público.

Quanto ao modelo de negócio das RR, genericamente sob o nome EQUIVALENZA, tem sido evidente, neste e noutros processos, com estas ou outras testemunhas, que o mesmo seguia, em parte, as características e estratégia referidos em ii) excluindo, naturalmente, o que neste integra matéria conclusiva.

Assim dá-se como assente que:

“O método comercial adoptado pelas RR assentava na venda e promoção dos seus produtos, exclusivamente através da sua associação a marcas registadas, entre as quais as das AA, visando assim o aproveitamento da imagem de que as estes marcas disfrutam no mercado”.

Por último e quanto à matéria expressa em vii) e ix) dos factos não provados, entendemos que é aqui pertinente uma resposta que se conjugue igualmente com o facto referido em 39) da contestação (e dado como provado).

“As empregadas das lojas das RR, quando os consumidores referem determinada marca de perfume, pertencentes às ora AA ou a outras sociedades, indicam o número correspondente do perfume vendido ali na loja sob a marca "Equivalenza" justificando a diferença de preços por se tratar de um produto branco, low cost, genérico ou de menor concentração.”

Note-se que não está provado, de modo algum, que as vendedoras das lojas das RR afirmem aos clientes que o número do perfume que comercializam é igual ou tem as mesmas qualidades do perfume de marca que o cliente mencionara.

Isto não impede que se gerem situações de alguma confusão, como a relatada pela testemunha EE: uma cliente, numa loja das AA, informada do preço de um dado perfume cuja marca pertence a essa Autora, referiu que ia a uma loja ali próxima (das RR) já que o mesmo perfume nesta era muito mais barato.

Quanto ao facto dado como não provado, mas que resulta sobretudo do depoimento de BB - aquando da sua visita a uma loja da Ré - deve o mesmo ser considerado assente nos seguintes termos:

“As vendedoras das Rés, a pedido dos clientes, escrevem nos cartões usados para testar o aroma dos perfumes (moyettes), o número de referência que identifica o perfume da marca “Equivalenza” e a marca registada, designadamente as marcas tituladas pelas Autoras”.

Como dissemos esta prática foi relatada por DD, sendo irrelevante que os “moyettes” a que aludiu sejam os juntos aos autos ou não; o que importa é que a prática mencionada aconteceu com ela e até a seu pedido (supostamente para poder diferenciar dois perfumes que comprara e que estavam apenas identificados pelos números sob os quais eram vendidos com marca Equivalenza).

De resto e quanto a preços, os depoimentos das mencionadas testemunhas, não deixam dúvidas que haveria, em geral, uma relação de 1 para 10: um perfume de uma das AA que custasse € 100,00 teria uma correspondência (ou "equivalência") numa loja das RR de um preço de cerca de 10,00. A restante matéria que as AA pretendem ver alterada já está integrada na factualidade que acabámos de apreciar.

Como vimos, no depoimento prestado pelas testemunhas DD e EE, que visitaram três lojas das RR - sem referirem claro, que eram funcionárias da Clarins - essas testemunhas, simulando não saberem ou não se lembrarem do nome do perfume, diziam à empregada da loja que, por exemplo, pretendiam um perfume que tinham visto publicitado num fraco azul com uma estrela (o perfume de marca ANGEL). A empregada ou sabia de imediato a que se referiam as supostas clientes de acordo com a lista de equivalência: para cada perfume conhecido e largamente publicitado das AA - aqui, da Clarins - as RR tinham um perfume correspondente, comercializado por si, e que a vendedora descrevia como sendo similar, mas uma marca “branca”, com menor concentração, uma espécie de “genérico” etc. Ou seja, não se pretendia estar a vender um perfume das AA mas sim uma versão “low cost”. Assim, no exemplo citado, se um fraco do perfume das AA custava €100,00 ou €120,00, a “réplica” da EKYVAL podia ser comprada a € 9,50 ou € 10,00.”

5. Assim, não cuidando, enquanto Tribunal de revista de tecer juízos de valor acerca da ponderação da prova, da competência das instâncias, importando somente conhecer do alegado erro de direito, por falta de fundamentação, na reapreciação da decisão de facto, reconhecemos que o Tribunal recorrido fez referência bastante, fundamentando quam satis, a consignada alteração da decisão de facto, sustentando-a num discurso inteligível, atenta a explicação da razão por que se decidiu da maneira afirmada nos autos.

A decisão de facto está suficientemente fundamentada, decorrendo daqui, inexistir qualquer vício que encerre um desvalor que exceda o erro de julgamento que traduza violação do princípio constitucional plasmado no art.º 205º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, pelo que, ao ter percebido o processo cognitivo percorrido pelo Tribunal recorrido, que fundamentou a decisão de facto em escrutínio, concluímos pela não verificação da arrogada nulidade da decisão de facto vertida no acórdão recorrido, soçobrando, assim, neste particular, a argumentação recursiva.

6. De igual modo, impõe-se reconhecer que o acórdão recorrido também não deixou de especificar os fundamentos de direito que determinaram a convicção do Tribunal a quo ao decidir revogar, parcialmente, a sentença proferida em 1ª Instância.

Escrutinada a decisão, divisamos que o Julgador a quo ao subsumir juridicamente os factos adquiridos processualmente, sustentou que:

“As grandes marcas internacionais gastam muito avultadas quantias não só na promoção de um novo perfume, mas procurando notabilizá-lo num mercado extremamente competitivo. Assim têm de produzir material publicitário desde filmes a passar na televisão, anúncios em jornais e revistas, placards espalhados pela cidade, transportes públicos.

Logo que a marca de perfume se impõe à atenção do público, levando à sua memorização pelo consumidor, não só pela fragância propriamente dita, mas pelo apuro estilístico dos frascos e da publicidade, a Equivalenza lança um perfume de baixo custo com algumas das suas características, e comercializa-o usando um método de comparação, ou melhor, de associação com o perfume original. Assim, para o perfume Angel da Clarins a Equivalenza apresentava um perfume seu, supostamente equivalente, embora depois se justificasse a abissal diferença de preço com uma mais baixa concentração ou outro motivo qualquer. O que isto significa é que a Equivalenza não precisava de publicitar os seus perfumes: associava-os a perfumes em voga das grandes marcas e que atraíam os consumidores - graças a centenas de milhares de euros em publicidade - e depois apresentava-os com uma espécie de “genéricos” de “low cost”.

(…)

O art. 224º nº 1 do CPI estabelece que “o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina”.

E nos termos do art. 317° c) do mesmo diploma, “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente (…) as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios”.

Em nosso entender era isto que ocorria nas lojas que vendiam perfumes Equivalenza.

Vendiam-se os produtos desta associando-os à similitude com perfumes famosos, a tal ponto que existiam listas com numeração em que a determinado número de um perfume Equivalenza correspondia um perfume de uma das marcas das AA.

A Equivalenza não procedia à promoção dos seus perfumes mediante a descrição das suas características próprias e distintas, mas pelo contrário descrevia-os pela semelhança com um perfume conhecido e em voga, das grandes marcas, afirmando a semelhança.

Aproveitando-se assim de todo o trabalho de lançamento, promoção e publicidade levado a cabo por cada uma das AA para comercializar novos perfumes que vingassem no mercado.

Contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, entendemos que da prova efectuada, resulta exactamente que a Equivalenza insistiu nas semelhanças, nas equivalências, entre os produtos que vende e os produtos das marcas das AA. E a tal ponto o fez, que para cada perfume de referência das AA, existia um número atribuído a um perfume da Equivalenza que se fazia corresponder àquele.

Essa estratégia existia em 2014, nas lojas das RR sitas no Saldanha, na Rua Dr. Gama Barros, no Colombo, e noutros locais de Lisboa.

(…)

Esta prática, redundando na existência de listas que operam a equivalência entre os diversos números dos perfumes “brancos” vendidos pelas Rés e marcas das AA e por estas registadas, não só viola o exclusivo que lhes é conferido por tal registo mas também viola o art. 16º nº 2 g) e h) do Código da Publicidade e o art. 4º da Directiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa, além de constituir concorrência desleal.

Como se refere no acórdão desta Relação de Lisboa no processo 60/16, “os direitos relativos às marcas das Autoras foram objecto de violação, na medida em que os sinais que as constituem foram utilizados pelas Rés no âmbito da actividade comercial que desenvolvem, sem autorização e contra a vontade daquelas (…)”.

Concebe-se, mas não se concede, que a fundamentação aduzida no acórdão recorrido possa ser errada, no entanto, tal só afectaria, no seu reconhecimento, o valor doutrinal da decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

O aresto agora sob escrutínio, não deixou de identificar o objecto do litígio,  ao que se seguiu os fundamentos, enunciando os factos e aplicando as normas jurídicas entendida por condizentes, fundamentando, de modo bastante, a decisão, sustentando-a num discurso inteligível, atenta a explicação da razão por que se decidiu da maneira consignada no respectivo dispositivo.

Daqui decorre também, inexistir vício que encerre um desvalor que exceda o erro de julgamento, donde, ao termos percebido, o processo cognitivo percorrido pelo Tribunal recorrido ao fundamentar o aresto escrutinado, concluímos pela não verificação da arrogada nulidade do acórdão, soçobrando, assim, e também neste particular, a argumentação trazida à impugnação.

7. Uma última nota para o facto das Recorrentes/Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. invocarem o incumprimento do disposto nos artºs. 663º n.ºs 2 e 7 do Código de Processo Civil, importando dizer, a propósito, e de modo linear, que as mesmas nada têm de substantivo, sendo meramente indicativas à elaboração do acórdão, donde, concebendo-se o não acolhimento da melhor ortodoxia formal, decorrente do direito adjectivo civil, a ausência do procedimento enunciado não se confunde com qualquer circunstância que excede o erro de julgamento, pelo que, a respectiva consequência não será, com toda a certeza, a declaração de nulidade do aresto. 

II. 3.2. A facticidade demonstrada, mesmo reconhecida a alteração da decisão de facto, importa subsunção jurídica diversa da sentenciada, concretamente, ainda que não haja sido provada na sentença de 1ª Instância a utilização interna ou externa de tabelas de equivalências, e vindo o Tribunal a quo a admitir que eram utilizadas internamente, dever-se-á reconhecer que uma marca pode ser utilizada por um concorrente do respetivo titular em operações de publicidade comparativa? (2)

1. Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo perante a facticidade demonstrada nos autos, reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância, cujo conhecimento não é sindicável por este Tribunal ad quem, conforme decorre do precedente item II. 3.1., concluiu no segmento decisório pela alteração da decisão proferida em 1ª Instância, julgando parcialmente procedente a apelação, condenando as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras a não utilizarem quaisquer referências às marcas registadas das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “Equivalenza” explorados pelas Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, absolvendo-as do mais peticionado.

2. O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente ao pleito chegado a Juízo.

Assim, acompanhando o objecto da apelação interposta pelas Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras e consequente direito a que se arrogam, o acórdão recorrido condensou o objecto do recurso, enunciando que a apelação incide primordialmente na impugnação da decisão de facto, nomeadamente, no que toca aos factos dados como não provados, outrossim, sobre a subsunção jurídica dos factos, concretamente, saber se as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, ao vender perfumes em versão de “genéricos” “low cost”, associando-os a perfumes em voga das grandes marcas e que atraíam os consumidores, graças a centenas de milhares de euros gastos pelas Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, em publicidade, e cujos respectivos registos de marca são também da titularidade das Autoras, actuaram e actuam em concorrência desleal que deve ser censurada, condenando-se as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras a não utilizarem quaisquer referências às marcas registadas das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, designadamente em listas comparativas ou quaisquer outros suportes, nas lojas ou estabelecimentos comerciais “Equivalenza” explorados pelas Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras.

O Tribunal recorrido elaborou um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico, onde enunciou os normativos, institutos e conceitos de direito aplicáveis à questão sub iudice.

3. Impõe-se perceber se, em razão da facticidade adquirida processualmente, ao enunciar as práticas da Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, na publicitação dos perfumes que comercializam, incorreram em actuação que quadra com concorrência desleal, como concluiu o Tribunal recorrido, ou, pelo contrário, reconhecer que a estratégia de venda e publicitação dos perfumes levada a cabo pelas Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, não envolveu concorrência desleal, como decorre do sentenciado em 1ª Instância.

4. Através de uma cláusula geral, a par de uma enumeração exemplificativa de actos desleais, o art.º 317º do Código da Propriedade Industrial textua a noção de concorrência desleal. A cláusula geral, de carácter valorativo, e não taxativa, torna a apreciação da deslealdade do acto dependente da sensibilidade do julgador, propiciando a criação de algumas zonas pouco definidas e definitivas, encerrando, porém, algumas vantagens, nomeadamente, pela maleabilidade que permite e a consequente possibilidade de adequar o conceito de concorrência desleal às múltiplas situações que, em cada momento e sector de actividade, se considerem contrárias às normas e usos honestos.

Em razão da noção enunciada, constituem pressupostos da concorrência desleal, a prática de um acto de concorrência; que esse acto seja contrário às normas e usos honestos; e tenha ocorrido no âmbito de qualquer ramo de actividade económica.

Acompanhando a Doutrina sobre esta temática, verbi gratia, Jorge Patrício Paúl, in, Concorrência Desleal e Direito do Consumidor, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, 2005, páginas 89-108; Luís Couto Gonçalves, in, Concorrência Desleal, Estudos em Homenagem do Prof. Dr. António Marques dos Santos, Volume I, 2005, páginas 1025-1051; e Oliveira Ascensão, in, Concorrência Desleal: As Grandes Opções, “Nos 20 Anos do Código das Sociedades Comerciais”, Volume I, 2007, páginas 119-138, podemos detalhar os enunciados pressupostos, em conformidade com o adiante consignado:

“- A concorrência é um tipo de comportamento: diferentes agentes económicos competem pela realização de planos e interesses individuais que, nalguma medida, não são compatíveis. O acto de concorrência é aquele que é idóneo a atribuir, em termos de clientela, posições vantajosas no mercado; em sentido económico, pressupõe a existência de regras de livre iniciativa económica, bem como a existência de uma pluralidade de agentes económicos e de um público consumidor com liberdade de escolha.

O que interessa saber é se a actividade de um agente económico atinge ou não a actividade de outro, através da disputa da mesma clientela: inequivocamente, há um acto de concorrência, na sua máxima expressão, quando dois concorrentes, de modo actual e efectivo, produzem ou comercializam um produto ou prestam serviços idênticos, com simultaneidade e no mesmo domínio territorial relevante.

- A deslealdade afere-se pela violação autónoma de normas sociais de conduta e não por violação de normas legais (ainda que possa haver actos desleais que também sejam ilegais). As normas de comportamento são regras constantes dos códigos de boa conduta, elaborados, com crescente frequência, por diversas associações profissionais. Por sua vez, os usos honestos são padrões sociais de conduta de carácter extra-jurídico, correspondentes a práticas sociais, nem sempre uniformes, pois podem variar consoante o sector de actividade considerado.

- De qualquer ramo de actividade económica. É defensável a aplicabilidade do regime da concorrência desleal às profissões liberais, não só pelo manifesto carácter económico dessas actividades, como porque, não o fazendo, se isentariam, injustificadamente, alguns desses profissionais de responsabilidades a que estão sujeitos os demais agentes económicos.”

A concorrência desleal traduz, em síntese, os actos repudiados pela consciência normal dos comerciantes, por contrários aos usos honestos do comércio, que sejam susceptíveis de causar prejuízo à empresa de um competidor pela usurpação, ainda que parcial, da sua clientela, com vista à criação e expansão, directa ou indirecta, de uma clientela própria.

Faz-se, portanto, apelo a um controlo ético geral de padrões sociais de conduta próprios do ramo de atividade em questão e que permita traçar a linha divisória entre o que é leal e desleal, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 2016 (Processo n.º 429/12.1YHLSB.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Junho de 2018 (Processo n.º 143/16.9YHLSB.L1.S1); e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2018 (Processo n.º 346/15.3YHLSB.L1.S1); todos desta 7ª Secção.

5. O funcionamento do instituto da concorrência desleal é desencadeado, na sua essência, pela prática de actos de concorrência contrários às normas e práticas honestas de determinada actividade e está intimamente relacionado, desde logo, com a tutela protectora das marcas, o que, de resto, interessa abordar, ainda que em breves traços, na medida em que se encontra apurado nos autos que as Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras são titulares de direitos de propriedade industrial, concretamente, as marcas discriminados nos autos.

Como sabemos, a marca é o primeiro e mais relevante dos sinais distintivos do comércio, identificando, por um lado, um produto ou serviço proposto ao consumidor, e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros produtos idênticos ou afins - art.º 222º n.ºs 1 e 2 do Código da Propriedade Industrial - .

A sua função distintiva é, hoje, ainda mais acentuada, uma vez que, com a facilidade de divulgação dos produtos e desenfreada competição comercial a que não é alheia a facilidade de comunicação e circulação, “a disputa do mercado” faz-se, sobretudo, através da inovação e de competitividade que são induzidas por “técnicas de marketing e de publicidade”, sendo da maior relevância a afirmação da individualidade de certo produto, de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora, distintiva, que “afaste a confusão ou risco de confusão com outro produto”, que, virtualmente, com ele possa competir.

Para além dessa função, “essencial e autónoma” do ponto de vista jurídico, a marca desempenha, também “uma função de garantia e qualidade do produto (derivada), bem como uma função publicitária (complementar)”, neste sentido, Luís Couto Gonçalves, in, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, páginas 191 a 193, 197 e 198, Miguel Pupo Correia, in, Direito Comercial, 5ª edição, página 346, e Carlos Olavo, in, Propriedade Industrial, páginas 38-40.

Anota-se também que o registo da marca confere ao respectivo titular o direito de propriedade e exclusividade como decorre do art.º 224º do Código da Propriedade Industrial, preceito que encerra, simultaneamente, um conteúdo positivo, ou seja, o poder de usar, ceder ou onerar a respectiva marca, e um conteúdo negativo traduzido em impedir terceiros de a usar no tráfico económico, prevenindo o risco de confusão ou associação, no espírito do consumidor, em produtos idênticos ou afins - art.º 258º do Código da Propriedade Industrial - .

6. De igual modo, o funcionamento do instituto da concorrência desleal ao ser desencadeado pela prática de actos de concorrência contrários às normas e práticas honestas de determinada actividade, também está relacionado com a publicidade de bens quando esta consubstancia a prática de publicidade enganosa, confluindo, necessariamente, com a concorrência desleal, revelando-se pertinente a sua apreciação, mesmo que sucinta, uma vez que, confrontada que está a facticidade apurada, distinguimos que a comercialização de perfumes que as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras levaram a cabo, desenvolveu-se e floresceu à custa da publicitação das marcas das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, declaradamente marcas de perfumes muito conhecidas no mercado.

A este respeito o art.º 3º do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto Lei 303/83 de 23 de Outubro, com sucessivas alterações pelo Decreto-Lei nº 275/98 de 9 de Setembro e Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, estatui: “1 - Considera-se publicidade, para efeitos do presente diploma, qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.”

Uma das formas que, hodiernamente, a publicidade assume, com relevo ao caso trazido a Juízo, é o da publicidade comparativa, referenciada no art.º 16º do citado Código da Publicidade onde se estabelece: “1 - É comparativa a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente. 2 - A publicidade comparativa, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, só é consentida, no que respeita à comparação, desde que respeite as seguintes condições: a) Não seja enganosa, nos termos do artigo 11º; b) Compare bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos; c) Compare objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço; d) Não gere confusão no mercado entre os profissionais, entre o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e os de um concorrente; e) Não desacredite ou deprecie marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente; f) Se refira, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação; g) Não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes; h) Não apresente um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço, cuja marca ou designação comercial seja protegida.”

Estão plasmados nas citadas alíneas a) a h) do n.º 2 do art.º 16º do Código da Publicidade as condições a observar quanto à divulgação do produto, implicando a sua inobservância a possibilidade de anulação e responsabilidade civil dos lesantes, face aos prejudicados, decorrentes da publicidade,  o que, de resto, como já adiantamos, também está, muitas das vezes, relacionada com a concorrência desleal.

7. Abordada, ainda que em traços breves, a temática própria da concorrência desleal, marcas e publicidade, relembremos, a propósito, os factos adquiridos processualmente, com interessa para o conhecimento da revista.

“1) A 1ª autora LORIS AZZARO é uma conhecida sociedade comercial holandesa que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica., entre outras atividades, à comercialização de perfumes.

2) A 1ª autora LORIS AZZARO é titular dos seguintes direitos de propriedade industrial: a) Marca comunitária n° 005393459, com o descritivo AZZARO, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, produtos de perfumaria e de beleza; b) Marca comunitária n° 005384789, com o descritivo CHROME, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas de cheiro, águas de toilette, águas de colónia, preparações de toillete; c) Marca Comunitária n° 8152381, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, produtos de perfumaria, óleos essenciais e cosméticos; d) Marca Internacional n° 670965, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, água perfumada, água de colónia, produtos de higiene; produtos de banho não medicinais; produtos de higiene pessoal (não incluídos em outras classes) e desodorizantes para uso pessoal; sabonetes perfumados, pó talco, cremes cosméticos perfumados, perfumaria; óleos essenciais, cosméticos.

3) A 2ª autora CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S. é uma conhecida sociedade comercial francesa que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica, entre outras atividades, à comercialização de perfumes.

4) A 2ª autora CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S. é titular dos seguintes direitos de propriedade industrial: a) Marca comunitária n° 003950219, com o descritivo ALIEN, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumaria e produtos relacionados com a mesma (todos perfumados), nomeadamente perfume (incluindo extractos), água de perfume, água de toilette, água de colónia, cremes e óleos perfumados para o corpo e os cabelos, gel de banho e de duche, champôs, sabonetes perfumados; b) Marca comunitária n° 005385158, com o descritivo ANGEL, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, produtos de beleza; c) Marca Internacional designando a UE n° 993781, com o descritivo WOMANITY, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas perfumadas, água de colónia, produtos de higiene pessoal, preparações de banho ou duche para uso cosmético, desodorizantes para uso pessoal, sabonetes perfumados, pó de talco perfumado, cremes cosméticos perfumados, cosméticos perfumados, perfumaria, cosméticos; d) Marca Internacional n° 600456, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, colónias, águas perfumadas, colónias de extrato de perfume, óleos essenciais, cosméticos para rosto e corpo, pós cosméticos, talco, perfume, preparações cosméticas, sais de banho, sabonetes, desodorizantes para uso pessoal; e) Marca comunitária n° 0011278728, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, água de colónia; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria); óleos essenciais para uso pessoal; óleos para uso cosmético; sabonetes líquidos para uso pessoal; Leites de toilette; cremes, loções e produtos cosméticos, gel de banho e duche; espumas de banho; f) Marca comunitária n° 0010860542, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas de colónia; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria); óleos essenciais para uso pessoal; Óleos para uso cosmético; Sabonetes líquidos para uso pessoal; Leites de toilette; Cremes, loções e produtos cosméticos para os cuidados do rosto; Cremes, Loções e Produtos cosméticos para os cuidados do corpo; gel de banho e duche; g) Marca comunitária n° 0010811321, registada para assinalar na dasse 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, águas de colónia; desodorizantes para uso pessoal (perfumaria); óleos essenciais para uso pessoal; óleos para uso cosmético; sabonetes líquidos para uso pessoal; leites de toilette; remes, loções e produtos cosméticos, gel de banho e duche, espumas de banho.

5) A 3ª autora THIERRY MUG1ER S.A.S. é uma conhecida sociedade comercial francesa que, no exercício da sua atividade comercial, se dedica, entre outras atividades, à comercialização de perfumes.

6) A 3ª autora THIERRY MUGLER S.A.S. é titular dos seguintes direitos de propriedade industrial: a) Marca comunitária n° 007297351, com o descritivo THIERRY MUGLER, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, óleos essenciais, cosméticos, produtos de beleza, champôs, desodorizantes para uso pessoal; b) Marca Internacional n° 591912, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumaria, óleos essenciais, cosméticos, produtos de beleza, champôs, desodorizantes para uso pessoal, pó de talco; c) Marca Comunitária n° 000330118, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, sabões de toilette, perfumes, águas de colónia e de toilette, óleos essenciais para uso pessoal, sais de banho; talco perfumado, champôs, desodorizante para uso pessoal; d) Marca Comunitária n° 0005385422, com o descritivo MUGLER, registada para assinalar na classe 3 da Classificação Internacional de Nice, entre outros, perfumes, óleos essenciais, cosméticos, champôs, desodorizantes para uso pessoal.

7) A política de comercialização das autoras assenta numa estratégia de distribuição seletiva dos seus perfumes, traduzida na escolha criteriosa dos seus agentes de venda; esses agentes de venda estão geralmente obrigados à aquisição de um volume mínimo anual desses produtos, conforme o respetivo “Contrato de Distribuidor Seletivo”.

8) Os investimentos que as autoras fazem, não só em investigação para o desenvolvimento dos seus produtos de perfumaria, como nas campanhas de marketing para divulgação das suas marcas, são fatores determinantes para o reconhecimento das mesmas no mercado.

9) Os perfumes comercializados pelas autoras, assinalados pelas marcas registadas supra identificadas, sendo produtos de elevada qualidade, adquiriram uma elevada reputação, pelo menos, na Holanda, França e Portugal.

10) As rés exercem a atividade comercial de venda a retalho de perfumes, aromas, produtos de cosmética e de higiene pessoal.

11) As rés têm em comum o facto de explorarem lojas ou estabelecimentos comerciais designados por “EQUIVALENZA”.

12) A 1ª ré CECÍLIA CASTRO, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica à perfumaria e cosmética, cfr. doc. de fls. 246 e verso; esta ré vende produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes, numa loja sita na Rua Gama Barros, 3 B, 1700-145 Lisboa.

13) A 2ª ré ATLANTIFRAGRÂNCIA, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedicou ao comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene em estabelecimentos especializados, cfr. doc. de fls. 247 e verso; esta ré explorou uma loja sita no Centro Comercial Dolce Vita Monumental, sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, em Lisboa, onde comercializou, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

14) A 3ª ré L2J - CONSULTORES DE EMPRESAS, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica, nomeadamente, à compra e venda de artigos de perfumaria, cosmética e afins, cfr. doc. de fls. 248 a 251; esta ré explora lojas sitas no Centro Comercial Colombo, Avenida Lusíada, 1500-392 Lisboa, e no CascaisShopping, Estrada N° 9,265-543, Alcabideche, Cascais, onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

15) A 4ª ré SCHLIEF, LDA. é uma sociedade comercial portuguesa que, no âmbito da sua atividade comercial, se dedica ao comércio, importação, exportação e representação de perfumes, cfr. doc. de fls. 252 a 253; esta ré explora lojas sitas no Fórum Montijo, Rua de Azinheira, Zona Industrial do Pau Queimado, 2870-100 Montijo, no Dolce Vila Tejo, Avenida Cruzeiro Seixas, 5 e 7, 2650 Amadora, e no Fórum Sintra, Rua Alto do Forte, em Sintra, onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

16) A 5ª ré AA explora lojas sitas na Rua Conde Almeida Araújo, n° 72, 2745-148 Queluz, e nas Galerias Atlanta Park, na Rua Abranches Ferrão, 1600-001 Lisboa, onde comercializa, em exclusivo, produtos da marca “Equivalenza”, designadamente perfumes.

17) Todas as rés fazem parte da rede de lojas “Equivalenza”.

18) De acordo com as informações obtidas através da navegação no respectivo website “a rede de lojas Equivalenza fundamenta-se num sistema de contratos de licença e fornecimento”, referindo-se ainda que “ao contrário do franchising tradicional, os empreendedores/investidores não são obrigados a pagar nenhuma taxa inicial nem royalties”.

19) Ainda por referência àquele website, é possível constatar que “o modelo de negócio da Equivalenza caracteriza-se por um investimento reduzido e uma elevada margem de lucro”.

20) As lojas Equivalenza, de acordo com a informação disponibilizada no referido website, “estão localizadas no centro das cidades, em ruas de primeira localização, bem como nos centros comerciais”; essas lojas são “todas projetadas pela nossa equipa de profissionais, seguindo a nossa imagem corporativa de lojas modernas e dinâmicas”; e os perfumes “classificam-se por famílias olfativas e são expostos nas prateleiras em vasilhas e tester para que o cliente possa experimentar todos os nossos produtos”.

21) Trata-se de um modelo de negócio que se autodefine “como a marca branca do perfume, oferecendo criações próprias de perfumes de alta qualidade, cuidadosamente elaborados, com uma filosofia low cost”, cfr. uma página web, cuja cópia constitui o doc. n° 2 junto com o Requerimento Inicial (adiante RI) do procedimento cautelar (apenso A).

22) Segundo notícia publicada no “Económico”, cujo print foi junto como doc. n° 33 no RI do apenso A: “( ... ) Só este ano, a Equivalenza abriu 13 lojas e está ainda prevista a abertura de mais dois espaços até ao final do ano, adiantou ao Diário Económico CC, director geral do grupo. A marca tem atualmente 126 lojas em Portugal, o seu segundo maior mercado. Segundo CC, a Equivalenza deverá faturar este ano mais de 15 milhões de euros em Portugal, um crescimento de 58% face aos 9,5 milhões gerados em 2013 com 94 lojas. Como realça, “Portugal é um mercado muito atrativo com uma rede de centros comerciais estrategicamente importante”. A marca de perfumaria, que está instalada em 37 geografias e explora 712 lojas, estima atingir este ano um volume de negócios superior a 50 milhões de euros. O crescimento da marca está assente num modelo de “franchising”, onde “os franchisados não pagam direitos de entrada, nem royalties”, “é um sistema muito flexível e que oferece uma grande rentabilidade, com um investimento mínimo”, sublinha CC. Este modelo une-se a “uma nova categoria de negócio no mercado, na qual o consumidor adquire perfumes de alta qualidade a preços acessíveis”, adianta ainda. Segundo CC, as essências e matérias-primas são “de primeira qualidade”, são realizados “estritos controlos de qualidade e de uso” e todos os “produtos são fabricados na União Europeia”. Para o responsável, “as pessoas optam assim por uma compra inteligente”, sendo que os preços acessíveis são “uma tendência de mercado que chegou para ficar.”

23) Nos últimos meses foram inaugurados oito pontos de venda, alcançando o total de 116 lojas, consolidando-se como empresa líder do sector no país, cfr. informação disponível no mencionado website.

24) Os produtos comercializados pelas rés são apresentados aos consumidores ou potenciais clientes como produtos criados sob a marca “EQUIVALENZA”; os consumidores em questão tomam as suas decisões de compra baseados num juízo de valor sobre as qualidades olfativas intrínsecas dos produtos.

25) As rés não pertencem, nem nunca pertenceram, à rede de distribuição seletiva através da qual as autoras comercializam os seus perfumes.

26) As autoras nunca deram, a nenhuma das rés, autorização para utilizarem, direta ou indiretamente, seja porque meio for, as marcas de que são titulares; concretamente, não autorizaram as rés a utilizar, referenciar, indicar ou mencionar as marcas de que são titulares, nem a compará-las com os produtos “EQUIVALENZA”.

27) A Clarins (Portugal), Comércio de Cosméticos, S.A. é a distribuidora exclusiva em Portugal dos perfumes e cosméticos das marcas “AZZARO POUR HOMME”, “CHROME”, “ALIEN”, “ANGEL” e “WOMANITY”, tendo investido em Portugal, no ano de 2014, em campanhas de marketing e publicidade nos media, montantes não concretamente apurados.

28) Nem as rés nem as autoras são fabricantes de perfumes ou de essências.

29) As empregadas das lojas das rés, quando os consumidores referem determinada marca de perfume, pertencente às ora autoras ou a outras sociedades, sugerem verbalmente aos mesmos consumidores um ou mais perfumes vendidos sob a marca “Equivalenza” que mais se aproximam da família olfativa ou tipo de fragrância do aludido perfume de marca.

30) As AA, em 2014, constataram que as RR vendiam nas lojas “EQU1VALENZA” perfumes por referência comparativa às marcas registadas de que são titulares, designadamente através de utilização de listas comparativas.

31) O método comercial adoptado pelas RR assentava na venda e promoção dos seus produtos, exclusivamente através da sua associação a marcas registadas, entre as quais as das AA, visando assim o aproveitamento da imagem de que as estes marcas disfrutam no mercado.

32) As empregadas das lojas das RR, quando os consumidores referem determinada marca de perfume, pertencentes às ora AA ou a outras sociedades, indicam o número correspondente do perfume vendido ali na loja sob a marca “Equivalenza” justificando a diferença de preços por se tratar de um produto branco, low cost, genérico ou de menor concentração.

33) As vendedoras das Rés, a pedido dos clientes, escrevem nos cartões usados para testar o aroma dos perfumes (moyettes), o número de referência que identifica o perfume da marca “Equivalenza” e a marca registada, designadamente as marcas tituladas pelas Autoras.

34) Haveria, em geral, uma relação de 1 para 10: um perfume de uma das AA que custasse € 100,00 teria uma correspondência (ou “equivalência”) numa loja das RR de um preço de cerca de 10,00.”

8. Subsumindo os factos ao direito, nos termos enunciados, importa reconhecer que a conduta das Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras configura uma situação de concorrência desleal, uma vez que, como decorre da facticidade apurada, a comercialização de perfumes que levaram a cabo, desenvolveu-se e floresceu à custa das marcas registadas das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, declaradamente marcas de perfumes muito conhecidas no mercado, associadas a produtos de elevada qualidade, afectando a imagem, a notoriedade e o prestígio que essas marcas gozam, com inevitável depreciação da própria reputação comercial das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, ao arrepio do direito de propriedade e exclusividade que o registo da marca confere.

Impõe-se, por isso, impedir que as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras usem a marca dos produtos das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, no tráfico económico, evitando a confusão ou associação, no espírito do consumidor, dos produtos idênticos ou afins, cujas marca é titulada por estas.

Sufragamos, pois, a subsunção jurídica vertida no acórdão recorrido de onde respigamos: “As grandes marcas internacionais gastam muito avultadas quantias não só na promoção de um novo perfume, mas procurando notabilizá-lo num mercado extremamente competitivo. Assim têm de produzir material publicitário desde filmes a passar na televisão, anúncios em jornais e revistas, placards espalhados pela cidade, transportes públicos.

Logo que a marca de perfume se impõe à atenção do público, levando à sua memorização pelo consumidor, não só pela fragância propriamente dita, mas pelo apuro estilístico dos frascos e da publicidade, a Equivalenza lança um perfume de baixo custo com algumas das suas características, e comercializa-o usando um método de comparação, ou melhor, de associação com o perfume original. (…).

O que isto significa é que a Equivalenza não precisava de publicitar os seus perfumes: associava-os a perfumes em voga das grandes marcas e que atraíam os consumidores - graças a centenas de milhares de euros em publicidade - e depois apresentava-os com uma espécie de “genéricos” de “low cose”.

(…) a Equivalenza não descreve aos clientes a característica específica dos seus perfumes, aquilo que os diferencia, para melhor, da concorrência: antes os associa a marcas famosas, em termos de equivalência, semelhança, similitude, réplica, ou outros termos sinónimos.

O art. 224º nº 1 do CPI estabelece que “o registo confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina”. E nos termos do art. 317° c) do mesmo diploma, “constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente (…) as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios”.

Em nosso entender era isto que ocorria nas lojas que vendiam perfumes Equivalenza.

Vendiam-se os produtos desta associando-os à similitude com perfumes famosos, a tal ponto que existiam listas com numeração em que a determinado número de um perfume Equivalenza correspondia um perfume de uma das marcas das AA.

(…).

Contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, entendemos que da prova efectuada, resulta exactamente que a Equivalenza insistiu nas semelhanças, nas equivalências, entre os produtos que vende e os produtos das marcas das AA. E a tal ponto o fez, que para cada perfume de referência das AA, existia um número atribuído a um perfume da Equivalenza que se fazia corresponder àquele.”

9. Ademais, subsumidos os factos adquiridos processualmente reconhecemos que a actuação das Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras consubstancia a prática de publicidade enganosa a confluir com a concorrência desleal que também bastantes vezes lhe anda associado.

Na verdade, temos de convir que a demonstrada prática das Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, vendendo os seus produtos de perfumaria, com preço dez vezes mais barato, associando-os à similitude com perfumes famosos, cuja marca é das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras; existindo listas com numeração em que a determinado número de um perfume Equivalenza correspondia um perfume de uma das marcas das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, encerra um comportamento subsumível a publicidade enganosa, porquanto compara bens que respondem às mesmas necessidades e objectivos; compara o respectivo preço; gera confusão entre os serviços do anunciante, aqui Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, e os concorrentes, ora Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, desvalorizando a marca dos perfumes daquelas Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, estando em causa produtos com a mesma denominação de origem, daqui retirando as Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, partido indevido do renome da marca de perfumes das Autoras/LORIS AZZARO B.V. e outras, ao apresentar um perfume como sendo reprodução do perfume com registo de marca titulado por estas.

Neste conspecto, também merece aprovação o enquadramento jurídico consignado no acórdão proferido, do qual respigamos: “Esta prática, redundando na existência de listas que operam a equivalência entre os diversos números dos perfumes “brancos” vendidos pelas Rés e marcas das AA e por estas registadas, não só viola o exclusivo que lhes é conferido por tal registo mas também viola o art. 16° n° 2 g) e h) do Código da Publicidade e o art. 4º da Directiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa, além de constituir concorrência desleal. Esse procedimento comercialmente desonesto e inaceitável à luz da ética mercantil constitui, sem dúvida, concorrência desleal, nos termos da alínea a) do artigo 317º, do Código da Propriedade Industrial, e, no que toca ao aproveitamento das referências feitas às marcas das autoras, também ao abrigo da sua alínea c), envolvendo igualmente publicidade enganosa a reprimir (artigos 11º, n.º 1, e 16º, n.º 2, alíneas a), d) e g), do Código da Publicidade).”

10. Pelo exposto, não reconhecemos às conclusões trazidas à discussão pelas Recorrentes/Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras, virtualidade bastante no sentido de alterar o destino traçado no Tribunal da Relação, merecendo o consignado enquadramento e respectivo dispositivo, a aprovação deste Tribunal ad quem.

III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, e, consequentemente, nega-se a revista, mantendo o acórdão recorrido.

Custas pelas Recorrentes/Rés/CECÍLIA CASTRO - COSMÉTICA UNIPESSOAL, LDA. e outras.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Novembro de 2020


Oliveira Abreu (Relator)

Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira


Nos termos e para os efeitos do art.º 15º-A do Decreto-Lei n.º 20/2020, verificada a falta da assinatura dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos no acórdão proferido, atesto o respectivo voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros adjuntos, Ilídio Sacarrão Martins e Nuno Pinto Oliveira.

(a redacção deste acórdão não obedeceu ao novo acordo ortográfico)