Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
560/08.8TTVRL.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES
PODERES DO SUPREMO
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, volume I, 3ª edição, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 248.
- Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 500.
- Vaz Serra, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 108º, nº 3555, Coimbra: Coimbra Editora, 1976, p. 352.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 349.º, 351.º.
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 662.º, N.º 4, 674.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 13-11-2012, PROCESSO N.º 176/10, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT/JTRL.
-*-
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
- DE 13-5-2013, PROCESSO N.º 996/11.7TBMAI.P1, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT/JTRP.
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ACÓRDÃOS DESTE SUPREMO TRIBUNAL:
-DE 27-6-2007, PROCESSO N.º 07S1050, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT/JSTJ .
-DE 3/2/2010, PROCESSO N.º 304/07.1TTSNT.L1.S1 E DE 22/9/2010, PROCESSO N.º 190/04.3TTLVCT.P1.S1.
Sumário :
I. Impende sobre o trabalhador sinistrado o ónus de prova da ocorrência do acidente.

II - As presunções são ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349º do Código Civil.

III – Tratando-se dum meio probatório que é admitido para prova de factos susceptíveis de serem provados por prova testemunhal, está por isso vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias, apenas lhe sendo lícito ajuizar, por ser uma questão de direito, se as presunções judiciais extraídas violam o disposto nos artigos 349.º e 351.º do Código Civil,

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1---

AA, residente em ..., ..., veio intentar uma acção com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra

BB, S.A., com sede em Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:
a) a quantia de € 19.277,44, relativa à sua IPP entre o dia 1 de Fevereiro de 2008 e 24 de Abril de 2009, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos;

b) a quantia de € 5.960,00, relativa ao período compreendido entre 24 de Abril de 2009 e a data da propositura da presente acção com base numa IPP de 24,5 %;

c) a quantia de € 10.000,00 e a título de danos morais;

d) a quantia anual de € 2.029,52 a partir desta data, que se elevará para a quantia de € 2.846,00 a partir da data em que perfaça 65 anos de idade.

Alegou para tanto, e em síntese, que celebrou com CC um contrato de trabalho para, sob a sua direcção e fiscalização, exercer funções pelo período da colheita da azeitona, mediante a remuneração diária de € 43,03, o que perfaz a remuneração anual de € 15.705,95.

Acontece que, no dia 2 de Dezembro de 2007, pelas 16h30, recebeu ordens da sua entidade empregadora para preparar um tractor agrícola e respectivo reboque, que no dia seguinte iria ser usado para transportar sacos de azeitona para o lagar. E ao retirar deste um escarificador colocado no seu estrado, para o que teve de subir ao reboque do tractor com o intuito de o deitar abaixo, foi vítima duma queda por ter escorregado, tendo-se prendido uma manga da sua camisola a um dos seus bicos.

Em consequência, um dos seus bicos esmagou-lhe a mão esquerda, deixando-o com lesões que lhe provocaram diversas incapacidades para o trabalho.

A sua entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a R seguradora, através de contrato de seguro titulado pela apólice número …, tendo esta pago as prestações a que tinha direito até fins de Janeiro de 2008, deixando de lhe pagar desde então.

Por outro lado, a partir de 24 de Abril de 2009 o Autor teve alta médica tendo ficado a padecer de uma IPP de 24,5%.

A ré BB, S.A., contestou alegando em síntese:

O dia 2 de Dezembro de 2007 correspondeu a um Domingo, não lhe tendo o Sr. CC, para quem o A. trabalhava amiúde, distribuído qualquer serviço ou tarefa, não o tendo chamado para trabalhar nesse dia.

Por isso, o acidente não se pode qualificar como um acidente de trabalho, tanto mais que o acidente que o A. sofreu nesse dia consistiu em se ter despistado quando conduzia a sua motorizada, na estrada municipal que liga ... a .... Efectivamente, provindo de ..., mais precisamente do estabelecimento comercial ... ali existente, onde se dirigira para comprar carne, o A. foi vítima dum acidente de viação quando se encontrava a regressar a casa.

Aliás, as lesões que o A. contraiu – fractura/luxação do escafo-trapézio/ trapezóide da mão esquerda – foram contraídas neste despiste de motorizada sofrido pelo A, não sendo fracturas que pudessem resultar de um esmagamento.

Termina pedindo a condenação do autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização de quantia nunca inferior a € 2.000, com vista a reembolsar as despesas com o seu mandatário e demais despesas judiciais e extrajudiciais resultantes deste processo, por o A. ter alterado, propositadamente, a verdade dos factos.

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Foi proferido despacho saneador, no qual foi indeferido o pedido relativo a danos não patrimoniais, decisão que transitou em julgado.

E elaborada a base instrutória, procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença, na qual se decidiu julgar procedente a acção, condenando-se a ré a pagar ao autor a quantia de € 13.494,21 (treze mil quatrocentos e noventa e quatro euros e vinte e um cêntimos) a título de indemnização pelo período de ITA de 01/02/2008 a 24/04/2009 (estando o período antecedente já ressarcido pela mesma demandada), bem como na pensão anual e vitalícia, desde 25/04/2009, no valor de € 2.029,52 (dois mil e vinte e nove euros e cinquenta e dois cêntimos); e € 50,00 (cinquenta euros) a título de indemnização pelas despesas com transportes e deslocações obrigatórias ao Tribunal, tudo acrescido dos respectivos juros de mora.

            Inconformada, apelou a ré BB, S.A, tendo o Tribunal da Relação do Porto considerado não provada a matéria dos pontos 5º, 7º, 9º e 10º da base instrutória, pelo que, e julgando a apelação procedente, se absolveu a recorrente do pedido contra ela formulado pelo A.

            É agora este, que irresignado, nos traz revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- O Recorrente intentou a presente acção pedindo a condenação da Recorrida em pagar-­lhe as quantias a que entende ter direito na sequência de um acidente de trabalho sofrido a 02 de Dezembro de 2007, por ter esta assumido a responsabilidade por tal ressarcimento enquanto seguradora contratada pela sua entidade patronal.

2- O Tribunal de Trabalho de Vila Real, que em primeira instância julgou esta acção, julgou provado e procedente o pedido apresentado pelo Recorrente, o que fez com base numa apreciação de prova que temos por correcta e devidamente fundamentada Com surpresa, o Tribunal da Relação do Porto veio proferir acórdão que revogou a sentença em primeira instância, entendendo que não havia sido produzida prova de que tivesse ocorrido um acidente de trabalho, desconsiderando a posição da primeira instância dizendo que a simples invocação das regras de experiência não permite extrair a presunção Judicial relativamente à ocorrência do acidente de trabalho, quando não são acompanhadas de prova que as sustente.

3- O acórdão recorrido viola o disposto no artigo 351.º do Código Civil, pelo que a apreciação efectuada pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 647º, nº 3 do CPC, estando em causa averiguar da correcção do método discursivo de raciocínio do Tribunal da Relação do Porto.

4- São firmes e sólidos os factos que suportam a presunção judicial utilizada, principalmente num contexto em que inexistem testemunhas que tenham presenciado o acidente e em que ambas as instâncias não colocam em causa tais factos, resultando de um uso evidente de princípios lógicos, de experiência e bom senso.

5-A Recorrida inicialmente aceitou a caracterização como acidente de trabalho do acidente sofrido pelo Recorrente e ter chegado a assumir e pagar-lhe a quantia de € 10.749,88 nesse preciso âmbito.

6- A Recorrida reviu a sua posição mais de um ano após a sua ocorrência, em função de elementos que ambas as instâncias desconsideraram, por falsos, ou seja, ficou assente que não houve qualquer acidente de mota.

 7- A entidade empregadora do Recorrente está convicta de que o acidente de trabalho existiu nos termos descritos na petição inicial.

8- As lesões apresentadas pelo Recorrente são consistentes com o acidente de trabalho ocorrido nos termos descritos na petição inicial

9- Perante estes factos, o Tribunal da Relação do Porto viola o artigo 351.º do Código Civil, errando no método discursivo de raciocínio que o levou a desconsiderar a presunção judicial de experiência utilizada pelo Tribunal de Trabalho de Vila Real.

10- É ilógica a conclusão a que chega o acórdão recorrido, ignorando que as lesões sofridas e a posição das partes envolvidas suportam de forma mais do que suficiente a ocorrência do acidente de trabalho.

11- Ultrapassado esse limite da lógica e do bom sendo, não pode o Supremo Tribunal de Justiça deixar de censurar a decisão recorrida.

            Pede assim a revista da decisão recorrida, que deve ser revogada na totalidade com a consequente repristinação da sentença proferida em primeira instância.

            A seguradora respondeu, vindo dizer o seguinte:

I - Conforme resulta dos autos, iniciaram-se os mesmos no dia 26/11/2008, com a participação ao Tribunal de Trabalho do acidente sub judice, efectuada pela exponente, então ainda sob a sua anterior designação social de DD -Companhia de Seguros, S.A. – nº 4 do art. 26º Cód. Proc. Trabalho.

II - Assim sendo, como é, tem inteira aplicabilidade ao caso dos autos o regime dos recursos e alçadas das instâncias resultante do DL 303/2007 de 24 de Agosto - cfr. art. 12º do dito diploma.

III - Do art. 5º deste diploma resultou a alteração do art. 24º da LOFT (Lei 3/99) passando, desde 1/01/2008 a ser de € 30.000 a alçada dos Tribunais da Relação.

IV - O A., ora recorrente, na sua Douta PI fixou à presente causa o valor de € 25.337,44.

V - Valor este igualmente fixado pelo Tribunal de 1ª instância, designadamente no douto despacho de fls. pelo qual fixou o valor a caucionar pela exponente para efeitos de obtenção de efeito suspensivo ao seu recurso nos mesmos € 25.337,44.

VI - Atento o exposto, o presente recurso de revista é legalmente inadmissível, na medida em que a decisão de que se recorre tem um valor inferior ao da alçada deste Tribunal da Relação do Porto - cfr. Art. 24º LOFT, n°5 do art. 81º Cód. Proc, Trabalho e nº 1 do art. 678º CPCiv (anterior versão).

VII - Deve, por isso, ser de imediato declarada a inadmissibilidade do presente recurso, o que se requer.

            A Relação admitiu o recurso e no mesmo despacho fixou à acção o valor de 42 085,34 euros, despacho que não foi impugnado.

            Subidos os autos a este Supremo Tribunal, e tendo em conta este valor que havia sido fixado à causa, admitiu-se a revista.

            O Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido, a que nenhuma das partes respondeu. 

            Cumpre assim decidir.

2----

            Para tanto, a Relação fixou a seguinte matéria de facto:

1. A entidade patronal transferiu a sua responsabilidade infortunística para a aqui demandada mediante contrato de seguro titulado pela apólice no ....

2. O A. celebrou com CC um contrato individual de trabalho, para sob a sua direcção e fiscalização, pago ao dia, proceder à colheita de azeitona.

3. Esse contrato tinha por objecto a realização de várias tarefas que iam desde a limpeza de oliveiras, recolha de lenhas e trabalho como tractorista na lavra das propriedades agrícolas e no carregamento e transporte de azeitona e outros produtos da terra, dependendo da época do ano e das ordens que recebia da sua entidade patronal.

4. Dadas as características do trabalho realizado, o A. trabalhava com frequência aos sábados e domingos de manhã, à tarde ou à noite no lagar, conforme as ordens recebidas.

5. Recebia o A. a remuneração diária de € 43,03 perfazendo uma remuneração anual a quantia de € 15.705,95.

6. Eliminado pela Relação.

7. Eliminado pela Relação.

8. O A. deslocou-se para o Hospital para ser socorrido, conduzindo a sua motorizada.

9. Eliminado pela Relação.

10. Eliminado pela Relação.

11. O A. sofreu um período de ITA em consequência do acidente supra descrito que decorreu entre 02/12/2007 até 24/04/2009.

12. O A. teve alta médica em 24/04/2009.

13. Em virtude das lesões decorrentes do acidente acima descrito, ficou o A. a padecer de um grau de IPP de 18,46%.

14. O A. nasceu a 17/12/1960.

15. O dia 02/12/2007 corresponde a um domingo.

3----

           

            Sendo pelas conclusões do recorrente que se afere o objecto do recurso, e não havendo questões de conhecimento oficioso a apreciar, constatamos que o recorrente se limita a impugnar a matéria de facto apurada pela Relação, advogando que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 351º do Código Civil, pelo que a apreciação efectuada pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 674º, nº 3 do CPC, por estar em causa averiguar da correcção do método discursivo de raciocínio do Tribunal da Relação do Porto.

            Pugna portanto pela revogação do acórdão, com a consequente repristinação da matéria de facto e da decisão condenatória proferida pela 1ª instância.

            Vejamos então se tem razão.

3.1---

            Uma das questões que a Relação teve que apreciar prendia-se com a impugnação da matéria de facto efectuada pela recorrente seguradora.

                Analisando a matéria de facto em questão, diz-se no acórdão sujeito:

               

                “Pontos 5º, 7º, 9º e 10º da base instrutória:

Analisam-se estes factos em conjunto, uma vez que a fundamentação da decisão é uniforme relativamente a todos eles.

Ponto 5º: No dia 02/12/2007, pelas 16h30 horas o A. sofreu um acidente de trabalho quando depois de outras tarefas o A. subiu ao reboque do tractor com o intuito de deitar abaixo, para um logradouro em terra e areia, o escarificador que ali se encontrava depositado, tarefa por si realizada já por várias vezes? Resposta – provado.

Ponto 7º: O A. caiu então ao chão, conjuntamente com o escarificador, o qual com uma das sua relhas ou bicos, lhe esmagou a mão esquerda, provocando-lhe lesões? Resposta – provado apenas que o escarificador caiu e esmagou a mão esquerda do aqui A., provocando-lhe lesões.

Ponto 9º: Como não houvesse ninguém que o socorresse o A viu-se obrigado a deslocar-se para o Hospital conduzindo a sua motorizada? Resposta – provado apenas que o A. deslocou-se para o Hospital para ser socorrido, conduzindo a sua motorizada.

Ponto 10º: Depois de ter percorrido cerca de 1.500 metros na sua motorizada, a dor passou a ser lancinante, o que o obrigou a encostar o ciclomotor e a debruçar-se sobre uma parede ali existente? Resposta - Depois de ter percorrido cerca de 1 Km, o A. encostou a sua motorizada.

Insurge-se a recorrente contra tal resposta alegando que toda esta matéria deve ser considerada como não provada.

Para fundamentar a decisão sobre a matéria em causa escreveu a juíza “a quo”:

O Tribunal baseou a sua convicção, em primeiro lugar, na prova pericial realizada no âmbito dos autos apensos de fixação da incapacidade e no relatório elaborado pelo GML de fls. 75 a 78, nos quais se baseou para a determinação do período de ITA, data da respectiva alta clínica e grau de IPP fixado correspondente às lesões decorrentes do sinistro dos autos.

No mais, considerou-se o seguinte:

- Os presentes autos iniciaram-se atento o repúdio da responsabilidade pela demandada seguradora, que no início aceitou a caracterização deste acidente como de trabalho, o valor remuneratório auferido pelo sinistrado e transferido por força do contrato de seguro celebrado entre a entidade empregadora do sinistrado e a própria demandada e promoveu cuidados de saúde ao ora A. em virtude das lesões de que padeceu.

Sucede que, a dado passo, a seguradora aqui R. foi “alertada” por uma terceira pessoa de que o acidente em causa não teria ocorrido da forma descrita, mas antes tratar-se-ia dum acidente de viação em que o sinistrado, sem qualquer conexão com a sua prestação laboral, se viu envolvido num despiste, sozinho, da sua motorizada.

A averiguação da demandada quanto ao local do acidente e recolha de depoimentos é, pois, muito posterior ao sinistro, tendo os autos entrado em juízo cerca de 1 ano após o acidente e tendo a demandada liquidado ao sinistrado, a título de indemnização pelo período de ITA, até esse momento, a quantia de € 10.749,88 – cfr. doc. de fls. 4, pelo que não se deu relevo ao depoimento do perito da demandada, sendo que se limitou a recolher depoimentos de testemunhas a que infra se alude, como não credíveis.

Após a discussão da causa, o Tribunal atendendo ao depoimento da testemunha CC, entidade empregadora do A e titular da apólice de seguro em apreço, o qual afirmou que iria iniciar a apanha da azeitona na 2ª feira seguinte ao acidente e que o sinistrado, como era habitual, foi no domingo anterior preparar as alfaias agrícolas usadas nesse processo, de forma a que no dia seguinte, quando chegassem os demais trabalhadores, estivesse tudo pronto para começarem a trabalhar, tendo-se apercebido, após o acidente, que o sinistrado tinha efectivamente estado no armazém onde se encontravam as referidas alfaias a trabalhar, porque o material não se encontrava no seu local habitual, estando o escarificador no chão, ficou convicto de que o acidente terá ocorrido tal como descrito pelo sinistrado na petição inicial.

Na verdade, ninguém presenciou o acidente e as testemunhas EE, FF e GG, nenhuma credibilidade mereceram ao Tribunal tendo prestado depoimentos contraditórios com aqueles que prestaram à aqui demandada no decurso da sua averiguação (vide incidente de contradita realizado na última sessão da audiência de julgamento, 21/05/2013), pelo que o Tribunal não valorizou as suas declarações, por total falta de objectividade e isenção.

Também a testemunha HH, actual companheira do sinistrado afirmou que soube do acidente quando recebeu um telefonema do aqui A. dizendo-lhe que estava no Hospital, por ter sofrido um acidente com uma alfaia agrícola que lhe caiu em cima da mão.

Temos, pois, que a demandada seguradora nenhum indício ou meio de prova idóneo produziu que pudesse demonstrar o acidente tal como o descreveu na sua contestação, tendo até promovido a descredibilização das suas testemunhas, o que se veio a concretizar.

Por fim, resta apenas fazer menção das regras da experiência comum que aqui desempenharam um papel significativo, já que as lesões apresentadas pelo sinistrado são perfeitamente compatíveis com o tipo de acidente que o próprio descreveu na petição inicial (e foram assim consideradas pelos peritos médicos que subscreveram o auto pericial de junta médica, concluindo pela existência de nexo causal entre o sinistro e as lesões), mas dificilmente seriam compatíveis com um despiste de motorizada, confinadas que estão à mão esquerda, sem sinais de qualquer escoriação que fosse em qualquer outra parte do corpo do sinistrado e ainda que possa parecer inverosímil que alguém com fracturas numa mão possa conduzir um veículo motorizado, o certo é que as dores das fracturas só se manifestam com maior intensidade ao fim de algum tempo da própria lesão e não faltam casos de pessoas que apesar de terem fracturas, não diagnosticadas, andam vários dias suportando dores lancinantes até serem adequadamente tratadas, pelo que no campo das hipóteses esta é francamente admissível.

Ou seja, analisando o aludido despacho, concluímos que o Tribunal ficou convicto de que o acidente terá ocorrido tal como descrito pelo sinistrado na petição inicial atendendo ao depoimento da testemunha CC, entidade empregadora do A. e titular da apólice de seguro em apreço, o qual afirmou que iria iniciar a apanha da azeitona na 2ª feira seguinte ao acidente e que o sinistrado, como era habitual, foi no domingo anterior preparar as alfaias agrícolas usadas nesse processo, ... tendo-se apercebido, após o acidente, que o sinistrado tinha efectivamente estado no armazém onde se encontravam as referidas alfaias.

Conforme salienta a recorrente, importa não ignorar que o ónus de prova do sinistro impende sobre o recorrido (art. 342º, nº 1, do Código Civil), sendo evidente que não se pode concluir, sem mais, que o acidente ocorreu como descrito na petição inicial apenas porque o empregador do sinistrado referiu que este esteve no local de trabalho, ou mesmo porque telefonou do hospital para a mulher a dizer que sofrera um acidente.

Acrescenta-se então no referido despacho: a demandada seguradora nenhum indício ou meio de prova idóneo produziu que pudesse demonstrar o acidente tal como o descreveu na sua contestação.

Sucede que sendo o ónus de prova do acidente do recorrido, não se pode invocar a falta de prova pela recorrente de que o recorrido sofreu um acidente de moto para se concluir que o que ocorreu foi um acidente de trabalho.

Finalmente, acrescenta-se no mesmo despacho: resta apenas fazer menção das regras da experiência comum que aqui desempenharam um papel significativo, já que as lesões apresentadas pelo sinistrado são perfeitamente compatíveis com o tipo de acidente que o próprio descreveu na petição inicial (e foram assim consideradas pelos peritos médicos que subscreveram o auto pericial de junta médica, concluindo pela existência de nexo causal entre o sinistro e as lesões), mas dificilmente seriam compatíveis com um despiste de motorizada, confinadas que estão à mão esquerda, sem sinais de qualquer escoriação que fosse em qualquer outra parte do corpo do sinistrado e ainda que possa parecer inverosímil que alguém com fracturas numa mão possa conduzir um veículo motorizado, o certo é que as dores das fracturas só se manifestam com maior intensidade ao fim de algum tempo da própria lesão e não faltam casos de pessoas que apesar de terem fracturas, não diagnosticadas, andam vários dias suportando dores lancinantes até serem adequadamente tratadas, pelo que no campo das hipóteses esta é francamente admissível.

Acontece que esta conclusão também enferma de vários reparos. Desde logo, do auto de exame médico de fls. 75 a 78 nada consta relativamente às causas das lesões sofridas. Por outro lado, no exame de fls. 40 e 41 do apenso, escreveu-se expressamente que as lesões em causa podem também ter resultado de uma queda de motorizada.

O recorrido sofreu as seguintes lesões (auto de exame médico de fls. 3): fractura luxação escafo-trapezio-‑trapezoide.

Basta uma visita rápida pela internet para se concluir da mesma forma: Muito comum após uma queda, a pessoa ao tentar apoiar a mão para evitar bater a cabeça, ter uma fractura (quebra) do punho. Essas fracturas são bastante comuns, correspondendo a um sexto de todas as fracturas atendidas nos ambulatórios de traumatologia.[1]

Por outro lado, não se pode dar o relevo pretendido à circunstância de não se fazer referência nos exames clínicos a outras lesões ou escoriações, uma vez que os exames médicos reportados nos autos foram realizados vários meses depois do acidente e nunca incidiram sobre a possibilidade de a lesão ter outra causa que não a apontada pelo recorrido.

Relevante é igualmente a circunstância de o próprio recorrido ter colocado a hipótese de as lesões resultarem de uma queda de motorizada, no art. 21º da sua petição inicial, o que não faria qualquer sentido se estivesse seguro da sua versão dos factos.

Aliás, a testemunha CC, cujo depoimento fundamentou em particular a convicção da juíza a quo, referiu que constava na aldeia que o recorrido tinha sofrido um acidente de motorizada.

Mais importa salientar a forma imprecisa e pouco convicta com que a testemunha prestou o seu depoimento, o que foi salientado pela juíza a quo, mas sem resultado, uma vez que o depoimento manteve as mesmas características, mesmo depois de tal reparo. Nomeadamente referiu a testemunha: não estava lá, não sabe o que aconteceu ... foi dito por ele (o recorrido) a tirar provavelmente o escarificador.

Finalmente, não se pode deixar de partilhar as dúvidas da recorrente relativamente à forma como o recorrido ainda conseguiu conduzir a motorizada durante um quilómetro. Refere-se no despacho em causa: o certo é que as dores das fracturas só se manifestam com maior intensidade ao fim de algum tempo da própria lesão e não faltam casos de pessoas que apesar de terem fracturas, não diagnosticadas, andam vários dias suportando dores lancinantes até serem adequadamente tratadas, pelo que no campo das hipóteses esta é francamente admissível.

Ora, esta asserção pode ser válida para as dores, que efectivamente se intensificam posteriormente. Mas importaria esclarecer se, mesmo com dores menos fortes, seria possível mover a mão com os ossos do punho fracturados. E isto já não se afigura possível. Veja-se que mesmo depois de tratado (actualmente), o recorrido ainda não consegue fechar a mão.

Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do Código Civil). Ou seja, através da presunção considera-se considerado um determinado facto por mera dedução lógica que se retira de outro facto.[2]

Aqui, não se prova directamente o facto, mas prova-se um outro facto que leva a que se considere provado o primeiro, seja por determinação da lei (presunção legal), seja por dedução lógica realizada pelo juiz (presunção judicial).[3]

As chamadas presunções judiciais ou naturais são aquelas que se fundam na observação empírica dos factos: não constituem, em bom rigor verdadeiros meios de prova mas, tão-somente, meios lógicos ou mentais ou operações firmadas em regras de experiência.[4]

As regras da experiência não são um meio de prova, elas intervêm sim, mas na construção das presunções judiciais, nas quais operam como premissa maior do silogismo factual que se produz ao adoptar o facto indiciário como premissa menor, servem para completar em sentido positivo (corroborante) ou negativo (infirmante) o resultado de outra prova. Num sistema de persuasão racional, as máximas da experiência actuam como elemento auxiliar na análise das provas produzidas incidem directamente sobre a sua valoração.[5]

Ora, no caso vertente, como se viu as regras da experiência não permitem extrair a presunção judicial retirada na decisão em causa, relativamente à ocorrência do acidente de trabalho, porque não são acompanhadas de qualquer prova que permita extrair a presunção.

A presunção judicial pressupõe um facto provado, seguro, não se compadecendo com um encadeamento de factos hipotéticos, cada um deles fixado pelo método de raciocínio dedutivo.[6]

É entendimento pacífico que a Relação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica. Por evidente analogia, pode igualmente a Relação sindicar as presunções judiciais tiradas pela 1ª instância, no que respeita a saber se essas ilações alteram, ou não, a factualidade provada e, bem assim, se elas constituem, ou não decorrência lógica de uma concreta factualidade apurada.[7]

Posto isto, importa alterar as respostas aos quesitos, considerando como não provada a matéria dos quesitos 5º, 7º, 9º e 10º, conforme sustentado pela recorrente.”

            Advoga o A, ora recorrente, que o acórdão recorrido viola o disposto no artigo 351º do Código Civil, pelo que a apreciação efectuada pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 674º, nº 3 do CPC, por estar em causa averiguar da correcção do método discursivo de raciocínio do Tribunal da Relação do Porto.

            Mas não tem razão.

            Efectivamente, das decisões da Relação proferidas no âmbito da impugnação da matéria de facto não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme prescreve o artigo 662º, nº 4 do NCPC, e que é o aplicável pois o acórdão recorrido foi proferido em 28/4/2014.

            Por isso, tratando-se duma alteração da matéria de facto a que a Relação procedeu nos termos do nº 1 do referido preceito, a decisão que as concretizou não pode ser objecto de recurso.  

Além disso, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não é objecto do recurso de revista (conforme consagra o artigo 674º, nº 3), pois só o será se houver violação expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova, conforme se colhe da parte final do preceito.

Donde resulta que, enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode alterar a matéria de facto apurada pelas instâncias, quando esteja em causa a violação de direito probatório material, pois só neste caso é que está em causa um juízo sobre uma questão de direito. E por isso, não pode sindicar a forma como foram valoradas pelas instâncias as provas não sujeitas a formalidade especial.

Ora, a matéria de facto foi apreciada pela Relação tendo em conta os poderes de que dispunha face ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que a alteração da matéria de facto, a que procedeu, está fora dos poderes de censura deste Tribunal.

Por outro lado, também não vemos que a posição da Relação integre uma violação do invocado artigo 351º do CC.

Efectivamente, resulta deste preceito que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, constituindo ilações que a lei ou o julgador tira dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido, conforme estabelece o artigo 349º do mesmo diploma.

Assim, a partir dum facto conhecido (base da presunção) infere-se um facto desconhecido (objecto da presunção), desde que seja admissível a prova testemunhal para prova do mesmo (artigo 351º do CC).

Donde resulta que as presunções judiciais são um meio de prova de livre apreciação do julgador, estando, por isso, vedado ao Supremo proceder à sua avocação e sindicar o uso deste meio probatório pelas instâncias.

Apenas lhe será legítimo aferir se as presunções extraídas violam os artigos 349º e 351º do CC, por estarmos perante uma questão de direito. E assim sendo, será possível ao Supremo sindicar se as ilações foram inferidas de forma válida, designadamente se foram retiradas dum facto desconhecido por não ter sido dado como provado e bem assim se contrariam ou conflituam com a restante matéria de facto que tenha sido dada como provada, após ter sido submetida ao crivo probatório[8].

No entanto, não é esta a situação presente.

Na verdade, a matéria de facto eliminada pela Relação resultou da insuficiência da prova apresentada pelo A quanto àqueles factos, pois o depoimento em que a 1ª instância se havia fundado foi considerado pouco convincente.

            Por outro lado, argumentando a Relação que as regras da experiência não permitiam à 1ª instância extrair a presunção retirada quanto à ocorrência do acidente de trabalho, por falta de matéria de facto para a suportar, estamos no âmbito de prova da livre apreciação das instâncias e não perante prova de valor tabelado na lei.

            Pelo exposto, não podendo este Supremo sindicar a matéria de facto fixada pela Relação, temos de concluir pela improcedência da revista.

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            Termos em que se acorda em negar a revista.

   As custas da revista são da responsabilidade do A.

  Anexa-se sumário do acórdão.

  Lisboa, 5 de Novembro de 2014

  Gonçalves Rocha (Relator)

  Leones Dantas

  Melo Lima

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[1]http://portalnippon.com/vida-e-estilo/saude/quebrou-o-punho.html.Veja-seainda  http://www.ricardokaempf.com.br/index.php/doencascomuns/194-fratura-e-pseudo-artrose do-escafoide.html
[2] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, pág. 500.
[3] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume I, 3ª edição, Reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pág. 248.
[4] Vaz Serra, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 108º, nº 3555, Coimbra: Coimbra Editora, 1976, pág. 352.
[5] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-5-2013, processo 996/11.7TBMAI.P1, relator Manuel Domingos Fernandes, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[6] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-11-2012, processo 176/10, relator Orlando Nascimento, acessível em www.dgsi.pt/jtrl.
[7] Neste sentido o acórdão do STJ 27-6-2007, processo 07S1050, relator Sousa Grandão, acessível em www.dgsi.pt/jstj .
[8] Neste sentido podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 3/2/2010, recurso nº 304/07.1TTSNT.L1.S1 e de 22/9/2010, recurso nº 190/04.3TTLVCT.P1.S1.