Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02S3074
Nº Convencional: JSTJ00002088
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
Nº do Documento: SJ200212040030744
Data do Acordão: 12/04/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1565/01
Data: 03/18/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Área Temática: DIR TRAB.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPT81 ARTIGO 11 ARTIGO 15.
CPC95 ARTIGO 65A ARTIGO 99 N3 C.
L 21/78 DE 1978/05/05.
AV MINISTÉRIO NEGÓCIOS ESTRANGEIROS N95/92 IN DR IS DE 1992/07/10.
Legislação Estrangeira: CONVBRUX68 DE 1968/09/27 ART2 ART3 ART5.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1981/06/30 IN BMJ N308 PAG203.
Sumário : I - Dos artigos 11.º e 15.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 resulta que a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de acções emergentes de contrato de trabalho intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal pode basear-se em situar-se em Portugal: (i) o lugar da prestação do trabalho; (ii) o domicílio do autor; ou (iii) o lugar da celebração do contrato, sendo português o trabalhador.
II - Porém, relativamente a litígios a que seja aplicável (por terem conexão com mais de um dos respectivos Estados Contratantes) a "Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial", celebrada em Bruxelas, em 27 de Setembro de 1968 (Convenção de Bruxelas), as normas desta Convenção, que entrou em vigor para Portugal em 1 de Julho de 1992, prevalecem sobre as daquele Código (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição).
III - Segundo o n.º 1 do artigo 5.º da Convenção, o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado, em matéria de contrato individual de trabalho, num outro Estado Contratante se neste Estado se situa o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho ou, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.
IV - Em acção intentada por trabalhador português, domiciliado em Portugal, contra três rés, uma com sede nas Bermudas, outra nos Estados Unidos da América e a terceira no Reino Unido, tendo o contrato sido executado em Angola (quer enquanto era parte integrante do território português, quer após a independência), na Gabão, nos Camarões e nos Estados Unidos da América, a aplicação da Convenção de Bruxelas (determinada pela sede da 3.ª ré em Estado Contratante dessa Convenção) torna decisivo, para a determinação do tribunal internacionalmente competente, e uma vez que o trabalho não foi efectuado habitualmente no mesmo país, o apuramento do lugar da celebração do contrato.
V - Sendo esta última uma questão controvertida (afirmando o autor que o contrato foi celebrado em Lisboa e sustentando as rés que essa celebração se consumou em Londres), impõe-se o prosseguimento dos autos para, após determinação judicial do lugar de celebração do contrato, o tribunal ficar em condições de decidir da sua competência (internacional) para conhecer da causa.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

1. Relatório

"A", residente na Rua ....., n.º ...., Porto, intentou, em 16 de Dezembro de 1999, no Tribunal do Trabalho do Porto, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo ordinário, contra B (doravante designada por CABGOC), C (doravante designada por COPI) e D (doravante designada por CUKL), pedindo a condenação da 1.ª ré a reintegrá-lo ao seu serviço e de todas as rés a restituírem-lhe as quantias indevidamente deduzidas a título de hypothetical tax, acrescidas de juros, e a pagarem-lhe o diferencial, não pago, respeitante ao subsídio de férias do ano de 1996.

Aduziu para tanto, em suma, que: (i) foi contratado em Lisboa, pela ....., para prestar serviço na sua subsidiária, CABGOC (1.ª ré), em Angola, então província ultramarina portuguesa, iniciando as suas funções em 13 de Março de 1968, tendo nesta data sido admitido nos quadros da 1.ª ré; (ii) prestou trabalho à 1.ª ré, sempre em Luanda, até 5 de Fevereiro de 1976, data em que recebeu instruções da Direcção dessa ré, a funcionar na altura em Londres, para seguir para Portugal e gozar um período de descanso, e, de seguida, apresentar-se em Londres: (iii) nesta cidade, em Março de 1976, foi-lhe comunicada a sua transferência para Libreville, Gabão, para onde seguiu no dia 10 desse mês e onde permaneceu até 1 de Janeiro de 1982, tendo, nesta data, sido transferido para a República dos Camarões; (iv) em 4 de Dezembro de 1986, foi chamado a prestar serviço nas instalações da 2.ª ré (COPI) em San Ramon, Califórnia; (v) em Junho de 1986, a C adquiriu, por fusão, a B e todas as suas subsidiárias, designadamente a CABGOC (1.ª ré), sucedendo-lhe, ela própria e as suas subsidiárias, nos direitos e obrigações detidos por aquelas; (vi) na sequência daquela fusão, a 2.ª ré (COPI) transferiu o autor para a 1.ª ré (CABGOC) em 6 de Agosto de 1986; (vii) o autor regressou a Luanda, trabalhando para a 1.ª ré até à cessação do seu contrato de trabalho; (viii) em 1 de Junho de 1999, o Director dos Recursos Humanos da 1.ª ré informou os trabalhadores portugueses que a 2.º ré concluíra existir um excesso de empregados, cujos postos de trabalho se propunha eliminar ou "angolonizar", tendo, na sequência dessa comunicação, sido o autor convidado a aceitar ser voluntariamente incluído no designado "Programa Especial de Cessação", ao que o autor respondeu desejar ser considerado para efeitos de "cessação involuntária de trabalho", caso a COPI/CABGOC assim o entendesse; (ix) apesar da posição assumida pelo autor, a 3.ª ré (CUKL), agindo em nome das "C"- Companies, remeteu ao autor uma carta datada de 21 de Julho de 1999, pela qual pôs termo ao contrato de trabalho existente desde 1968, tendo o autor reagido de imediato, reiterando que não tinha optado pela cessação voluntária do seu contrato de trabalho, mas, apesar disso, não foi de novo admitido a trabalhar, mantendo-se o seu despedimento; (x) a partir de Novembro de 1977 e até à cessação do contrato de trabalho, a ré passou a deduzir mensalmente à retribuição paga ao autor uma quantia por ela designada por hypothetical tax e apresentada como o imposto que hipoteticamente o autor teria de pagar no país de origem pela remuneração auferida, mas as referidas quantias jamais foram entregues pelas rés a qualquer um dos Estados em cujo território o autor trabalhou efectivamente, tendo, por conseguinte, as rés embolsado, pura e simplesmente, as quantias assim deduzidas à retribuição do autor, no total de 41 120,4 francos suíços, 19 641 dólares americanos, 8 241,55 libras esterlinas e 9 709 159 escudos portugueses; (xi) em 1986, não foram concedidos ao autor os dias de férias relativos a 1985 e a esse ano, num total de 52 dias, tendo-lhe a ré pago compensação pecuniária de 6915 dólares americanos, a que deduziu 1006 dólares a título de hypothetical tax, quando a compensação devida, incluindo juros, era de 13365,81 dólares, acrescidos dos 1006 dólares indevidamente deduzidos; (xii) a in indemnização por cessação do contrato de trabalho que a 3.ª ré transferiu para a conta bancária do autor no Porto, no montante de 5093500$00, está mal calculada.

As rés contestaram (fls. 72 a 161), excepcionando a incompetência absoluta (internacional) do tribunal demandado, a ilegitimidade das rés, a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, a prescrição e o pagamento, e, por impugnação, propugnando a improcedência dos pedidos.

Após resposta do autor à matéria das excepções deduzidas (fls. 511 a 519) e junção de diversa documentação, realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual, atenta a extensão da matéria em causa, foi distribuído projecto de despacho saneador, matéria assente e base instrutória, para as partes sobre ele se pronunciarem (fls. 977 e 978), o que foi feito pelas rés (fls. 980 a 988 e 995-996) e pelo autor (fls. 991 e 998 a 1000), tendo, em continuação daquela audiência, sido proferido, em 18 de Outubro de 2001 (cfr. acta de fls. 1007 a 1013), despacho saneador que julgou procedente a excepção dilatória da incompetência internacional do tribunal demandado, com a seguinte fundamentação:

"Como acima se referiu, está assente, porque aceite por ambas as partes, que o autor/trabalhador nunca efectuou o seu trabalho em Portugal e também, porque constitui facto notório, que nenhuma das rés está domiciliada em Portugal, nem aqui tem qualquer estabelecimento ou sucursal, a competência dos Tribunais portugueses apenas poderia resultar da aplicação do disposto no artigo 11.°, conjugado com os artigos 14.° e 15.°, todos do Código de Processo do Trabalho, ou seja, pelo facto de o autor ser português e ter o seu domicílio em Portugal ou de o contrato ter sido celebrado em território nacional.

Porém, sendo, como são, todas as rés estrangeiras e não estando domiciliadas em Portugal, a competência internacional deste Tribunal terá que ser determinada pela aplicação da Convenção de Bruxelas, como vem invocado pelas rés.

Ora, nos termos do artigo 2.° do Título I da Convenção:

«Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.

As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado às regras de competência aplicáveis aos nacionais.»

Por força do artigo 3.° da Convenção:

«As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções II e VI do presente título.

Contra elas não podem ser invocados, nomeadamente:

(...)

em Portugal os artigos 65.° e 65.°-A do Código de Processo Civil e artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho.»

Dado que não vem invocado qualquer facto que pudesse levar à atribuição da competência deste tribunal por força das disposições da secção VI, do título I, da Convenção, apenas por força das disposições da secção II, do mesmo título, poderia ocorrer tal atribuição de competência, afastada que está, como se disse, a possibilidade de contra as rés ser invocado o artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho.

Ora, de todas as disposições da secção II, apenas da do artigo 5.° poderia resultar a competência internacional deste Tribunal.

Dispõe esse normativo o seguinte:

«O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado contratante:

(...)

em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.»

Quer dizer, este Tribunal apenas teria competência internacional para conhecer da presente acção se o autor tivesse prestado habitualmente o seu trabalho em Portugal, o que, como se viu, não foi o caso, pois é pacificamente aceite que prestou o seu trabalho ao longo de toda a duração do contrato em Angola, Gabão, Camarões e Estados Unidos da América, sendo irrelevante, neste caso, o lugar onde foi celebrado o contrato.

Face ao exposto, julgo procedente a invocada excepção dilatória da incompetência internacional deste tribunal para conhecer da presente acção e, em consequência, absolvo as rés da instância."

O autor agravou deste despacho, pedindo a sua revogação por ter feito incorrecta interpretação e aplicação da referida Convenção, porquanto foi contratado em Portugal, no estabelecimento que a 1.ª ré então possuía em Lisboa, tendo iniciado a sua prestação de trabalho em território integrante do território português; que, nos últimos 13 anos de duração do contrato de trabalho, passava em Portugal os 28 dias de folga que se seguiam aos 28 dias de trabalho em Malongo, Angola, assim se cumprindo em Portugal também o contrato do autor; aqui, em Portugal, as rés pagaram a remuneração devida ao autor, em cumprimento da obrigação característica da relação laboral; e aqui, em Portugal, o autor teve a sua residência durante esse período de tempo do contrato. Mais acrescentou que a norma contida no artigo 10.° do actual Código de Processo do Trabalho fez a adaptação das disposições da Convenção citada, ao estabelecer que, na competência internacional dos tribunais do trabalho, estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial deste Código, ou "de terem sido praticadas em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção", o que entende como consagração da regra do artigo 5.°, n.° 1, da Convenção. Sublinhou que a causa de pedir integra a celebração, em Portugal, do contrato de trabalho, cuja cessação, por acto das rés, o autor pede seja declarada ilegal.

Em contra-alegações, as rés concluíram pela aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 2.° da referida Convenção, nos termos do qual são competentes para apreciar e decidir a presente acção os tribunais ingleses, país do domicílio da 3.ª ré (CUKL), defendendo a confirmação do despacho recorrido.

Por acórdão de 18 de Março de 2002 (fls. 1056 a 1060), o Tribunal da Relação do Porto concedeu provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido e declarando o Tribunal do Trabalho do Porto internacionalmente competente para conhecer da acção, desenvolvendo, para tanto, a seguinte argumentação:

"(...) cumpre apreciar o objecto do recurso, cuja única questão se resume à definição de que lei se deve aplicar à causa, ou a norma do artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 272-A/81, de 30 de Setembro, ou as regras da Convenção Relativa à Competência Judiciária, celebrada em Lugano, em 16 de Setembro de 1988, em vigor desde 10 de Julho de 1992.

Entendeu-se no despacho impugnado que, por as rés serem estrangeiras e não estarem domiciliadas em Portugal, a competência internacional do tribunal apenas seria determinável pela Convenção referida, apesar de considerar como factos assentes que o autor é cidadão português, que o contrato de trabalho foi celebrado em território nacional e que o autor tem o seu domicílio em Portugal.

O referido entendimento, agora reiterado pelas recorridas, viola o disposto no artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho, que define a competência internacional dos tribunais do trabalho portugueses, na qual inclui os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho, sem prejuízo do disposto no artigo 65.°-A do Código de Processo Civil ou de ser português um trabalhador, se o contrato tiver sido celebrado em território nacional.

Ora, a regra geral do artigo 14.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho, quanto à competência territorial, é a de ser competente o tribunal do domicílio do réu; porém, em relação às acções emergentes de contrato de trabalho, estatui o artigo 15.°, n.° 1, que, sendo as acções intentadas pelo trabalhador contra a entidade patronal, podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor - repete-se, no tribunal do domicílio do autor.

Também é atributivo da competência internacional aos tribunais do trabalho portugueses, em conformidade com a parte final do dito artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho, a circunstância de o trabalhador ser português, se o contrato tiver sido celebrado em território nacional.

Leite Ferreira diz (Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 55): «Verificado o facto, os tribunais do trabalho portugueses são internacionalmente competentes ainda que não se verifique qualquer circunstância determinativa da competência territorial interna. Esta é uma das regras com que se procura estabelecer a igualdade real ou substancial das partes perante o processo, na medida em que, dentro do possível, contribuirão para facilitar o acesso dos trabalhadores aos tribunais do trabalho portugueses.

Resulta do exposto que o autor é detentor de dois títulos atributivos da competência internacional no Tribunal recorrido, conferidos pelo artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho: a acção é emergente de contrato de trabalho e intentada pelo trabalhador contra a empregadora - pode propô-la no tribunal do seu domicílio, que é na cidade do Porto (artigo 15.°, n.° 1, do Código de Processo do Trabalho); e por o autor ser cidadão português e o contrato de trabalho ter sido celebrado em Lisboa.

Em síntese, o autor recorrente intentou a acção no tribunal competente internacional, em conformidade com as regras definidas pelo artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho aplicável.

Consequentemente, a invocação feita no despacho impugnado da Convenção já identificada carece de fundamento legal, seja por falta de indicação da norma constitucional que o impunha, seja porque, não estando inserida no Tratado da União Europeia, nem na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 8.°, n.° 2, e 16.°, n.° 2, da Constituição), a sua adaptação, na ordem jurídica portuguesa, havia sido feita pelo legislador, nas recentes reformas do Código de Processo Civil e Código de Processo do Trabalho (como expressamente é dito no prefácio do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro); daí tendo resultado o actual artigo 10.° do Código de Processo do Trabalho, dizendo que «Na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste código, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção».

Ora, o texto do artigo 5.°, n.° 1, da dita Convenção dispõe que «O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deve ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, é o lugar onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador».

Vindo aceite pelas partes que o autor foi contratado em Lisboa, no escritório da ré B, e sendo certo que o mesmo autor está domiciliado na cidade do Porto, visto que o pedido formulado consiste na declaração da ilicitude da cessação do contrato de trabalho e da condenação no pagamento das quantias indevidamente deduzidas nos vencimentos, não pode haver dúvidas de que é em Portugal o lugar onde a empregadora deve cumprir as obrigações integrantes do pedido e da causa de pedir decorrentes da eventual declaração de ilegalidade da cessação do contrato, seja na forma de pagamento da correspondente indemnização legal, e das prestações pedidos, no domicílio do autor, na cidade do Porto. Deste modo, também pelas normas da Convenção invocada, é manifesto que o autor recorrente não terá de ir a Londres propor a acção, mas que o tribunal competente é o recorrido, contrariando a tese da empregadora, que, para contratar o recorrente, tinha escritório em Lisboa, mas, para propor a acção emergente do contrato, o remetia para o Tribunal de Sua Majestade Elisabeth II, apesar de não ter sido demonstrado nos autos que o Reino Unido da Grã Bretanha e da Irlanda do Norte tivesse ratificado e aderido à referida Convenção.

Nos termos expostos, decide-se dar provimento e revogar o despacho recorrido, declarando o tribunal recorrido o competente internacionalmente para conhecer da presente acção."

Contra este acórdão interpuseram as rés o presente recurso de agravo, terminando as respectivas alegações (fls. 1063 a 1083) com a formulação das seguintes conclusões:

"1. Nunca e em momento algum resulta, quer das peças processuais apresentadas pelas partes, quer do despacho saneador, com valor de sentença, proferido em 1.ª instância, que esteja admitido por acordo que o autor na acção, ora recorrido, tenha sido contratado em Lisboa, nos escritórios da ora recorrente B.

2. Pelo contrário, as ora recorrentes sempre defenderam que o recorrido foi contratado pela B - Eastern Hemisphere no Reino Unido.

3. Pelo que, ao considerar tal matéria de facto como assente, o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da matéria de facto dos autos.

4. A Convenção de Bruxelas é um instrumento internacional, devidamente aprovada, ratificada e publicada, e que, como tal, vincula o Estado português, sem necessidade de qualquer acto adicional de recepção ou adopção por parte do Estado português, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e tem prevalência sobre o direito interno.

5. Aos presentes autos é aplicável o disposto no Código de Processo Civil na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.

6. Em lado algum se exige a indicação da norma constitucional de recepção como condição de aplicação de qualquer preceito de direito internacional.

7. Pelo que não faz qualquer sentido defender que os preceitos da Convenção de Bruxelas são inaplicáveis aos autos por o Senhor Juiz de 1.ª instância não ter referido na decisão que proferiu que a Convenção de Bruxelas foi reccepcionada no ordenamento jurídico português nos termos do artigo 8.º. n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

8. Acresce que o conhecimento do direito é oficioso, o que inclui o conhecimento da lei - lato sensu - aplicável em Portugal.

9. Não faz, pois, qualquer sentido defender, como se acontece no aresto sob censura, que a Convenção de Bruxelas não seria aplicável aos presentes autos, porquanto, não estando inserida no Tratado da União Europeia, nem na Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 8.º, n.º 2, e 16.º, n.º 2, da Constituição), a sua adaptação, na ordem jurídica portuguesa, havia sido feita pelo legislador, nas recentes reformas do Código de Processo Civil e Código de Processo do Trabalho.

10. Ressalta da mera leitura da Resolução da Assembleia da República n.º 33/91, de 30 de Outubro, e do Aviso n.º 94/92, publicado na I Série-A do Diário da República, de 10 de Julho de 1992, que aquando da adesão de Portugal à Convenção de Bruxelas o Reino Unido já era Parte da mesma, tendo aquela entrado em vigor no dito Reino Unido em 1 de Maio de 1992, como se tem de considerar provado nos presentes autos.

11. Por outro lado, está provado nos autos, por acordo das partes, que a recorrente B tem sede nas Bermudas e sucursal em Angola, a recorrente C tem sede em San Ramon, Estado da Califórnia, dos Estados Unidos da América, e a recorrente D é uma sociedade com domicílio em Londres, Inglaterra, ou, o mesmo é dizer, no Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.

12. Mais está provado nos autos que o recorrido nunca prestou o seu trabalho no território de qualquer um dos Estados Contratantes da Convenção de Bruxelas, mas sim em Angola, Gabão, Camarões e Estados Unidos da América.

13. Ora, o artigo 2.º da dita Convenção de Bruxelas estatui, como regra geral para atribuição de competência aos Tribunais de um determinado Estado Contratante, que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante - como é o caso do Reino Unido - devem ser demandadas perante os tribunais desse Estado.

14. Contudo, como excepção à regra acima enunciada, o artigo 3.º da mesma Convenção vem dispor que as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante poderão ser demandadas nos tribunais de outro Estado Contratante, nos termos das regras enunciadas nas Secções II a VI do seu Título II, sendo inoponível contra tais regras o disposto no artigo 11.º do Código de Processo do Trabalho em vigor à data da propositura da presente acção.

15. Assim, nunca e em caso algum se poderão considerar como aplicáveis para determinação da competência internacional do Tribunal do Trabalho do Porto as regras atributivas de competência constantes dos artigos 11.º e 15.º do Código de Processo do Trabalho, na redacção aplicável aos autos.

16. Por outro lado, a matéria do contrato individual de trabalho não se inclui entre as matérias sujeitas a competência exclusiva, nos termos do artigo 16.º da Convenção de Bruxelas.

17. E quanto à matéria especifica do contrato individual de trabalho, dispõe o artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Bruxelas, que o requerido com domicílio no território de um Estado Contratante poderá ser demandado no território do Estado Contratante correspondente ao lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho.

18. No entanto, e como tem sido entendimento pacífico e unânime da jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando o trabalho haja de ser prestado fora do território dos Estados Contratantes, deve a competência ser determinada exclusivamente em função da regra do artigo 2.º da Convenção de Bruxelas.

19. Ou seja, quando o trabalho não seja prestado no território de qualquer um dos Estados Contraentes da Convenção de Bruxelas não há lugar à aplicação das regras de competência do artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Bruxelas, isto quer as mesmas sejam qualificadas como subsidiárias ou especiais, mas sim à regra geral do artigo 2.º da mesma Convenção.

20. Face ao exposto, torna-se desnecessário aferir qual o local onde se situava o estabelecimento que contratou o autor, se em Lisboa ou em Londres.

21. E nem se argumente que quando o dito recorrido foi admitido ao serviço foi trabalhar para Angola, a qual, nessa data - 1968 -, fazia parte integrante do território de Portugal.

22. Antes de mais, tal invocação constituí uma questão nova, não suscitada em 1.ª instância, e, como tal, insusceptível de ser conhecida nesta sede.

23. Por outro lado, a data relevante para determinação do território nacional para efeitos de aplicação da Convenção de Bruxelas é a data de adesão de Portugal a tal Convenção, 1 de Julho de 1992.

24. Pode-se, assim, concluir com segurança que o recorrente nunca prestou qualquer trabalho no território português, pelo menos, para efeitos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, da Convenção de Bruxelas.

25. Atento o acima exposto, temos, pois, de concluir pela aplicação aos presentes autos do disposto no artigo 2.º da Convenção de Bruxelas, nos termos do qual são competentes para apreciar e decidir a presente acção os tribunais ingleses, país do domicilio da ora recorrente e co-ré na acção CUKL.

26. Mal andaram, pois, os Senhores Juízes Desembargadores ao decidirem como o fizeram no aresto recorrido, tendo violado manifestamente o disposto nos artigos 5.º e 8.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa - quando interpretados no sentido de, respectivamente, incluir a ex-colónia de Angola no território português para efeitos da aplicação das disposições da Convenção de Bruxelas nos termos acima enunciados e de não admitir a recepção automática no ordenamento jurídico interno da Convenção de Bruxelas ou sujeitar tal aplicação à existência de um diploma interno de recepção e/ou adaptação -, e artigos 2.º, 3.º, 5.º, n.º 1, e 16.º, todos da Convenção de Bruxelas."

O autor, ora recorrido, não apresentou contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 1093 a 1095), no sentido do improvimento do recurso, embora por fundamentos diferentes dos do acórdão recorrido. Com efeito, nesse parecer - considerando-se apurado que as rés são estrangeiras e não estão domiciliadas em Portugal, que o autor é cidadão português, com domicílio em Portugal, que o contrato de trabalho foi celebrado em território nacional, e que o autor prestou serviço em Angola, Gabão, Camarões e Estados Unidos da América, em países não outorgantes da Convenção de Lugano - argumentou-se que: (i) em matéria de contrato individual de trabalho, a competência internacional dos países outorgantes da Convenção de Lugano é definida pelo lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente no mesmo país, é o lugar onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 2000, agravo n.° 3/00 - 4.ª Secção); (ii) dispõe o artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho de 1981 que na competência internacional dos tribunais de trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras da competência territorial estabelecida neste Código, sem prejuízo do disposto no artigo 65-A do mesmo Código ou de ser português um trabalhador, se o contrato tiver sido celebrado em território nacional; (iii) o autor foi contratado em Lisboa, no estabelecimento que o grupo de sociedades integrada por fusão no grupo de sociedades C possuía em Lisboa; (iv) assim, não seria necessário fazer apelo ao ordenamento adjectivo interno para sustentar o entendimento da competência internacional do tribunal de trabalho português para conhecer e dirimir o presente pleito; (v) com efeito, sempre se pode defender que, devendo ser a acção proposta contra as rés e não estando demonstrado nos autos que estas não têm delegação ou representação em Portugal, óbvio se torna que, situando-se em Lisboa o estabelecimento que contratou, é competente o Tribunal do Trabalho português; (vi) é, aliás, isto que decorre do artigo 7.° do Código de Processo Civil quanto à personalidade jurídica das sucursais, que nesta parte parece não contrariar o estipulado na Convenção.

Notificado este parecer às partes, apenas as recorrentes responderam, nos termos constantes de fls. 1097 a 1103.

Distribuídas aos Juízes Adjuntos, em substituição dos vistos, cópias do projecto de acórdão e das peças processuais relevantes, cumpre apreciar e decidir.

2. Fundamentação

2.1. A objecto do presente recurso é integrado exclusivamente pela questão da (in)competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses para conhecer da presente acção. Acontece que, nas decisões judiciais proferidas ao longo dos autos e nas demais peças apresentadas pelos intervenientes processuais têm sido referidas normas dos Códigos de Processo do Trabalho de 1981 e de 1999 e das Convenções de Bruxelas e de Lugano em termos nem sempre rigorosos, pelo que interessará começar por clarificar o quadro legal aplicável.

O Código de Processo do Trabalho de 1981 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro) dispunha no seu artigo 11.º que "Na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, sem prejuízo do disposto no artigo 65-A do Código de Processo Civil ou de ser português um trabalhador, se o contrato tiver sido celebrado em território português". O primeiro critério estabelecido era, assim, o critério da coincidência entre competência internacional e competência territorial (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, ed. Lex, Lisboa, 1994, pág. 48), relevando, para o efeito, o disposto no subsequente artigo 15.º, segundo o qual "as acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade patronal podem ser propostas no tribunal da prestação de trabalho ou do domicílio do autor" (n.º 1) e, "sendo o trabalho prestado com carácter normal em mais de um lugar, podem as acções referidas no número anterior ser intentadas no tribunal de qualquer desses lugares" (n.º 2). O artigo 65-A do Código de Processo Civil, aditado pela Lei n. 21/78, de 3 de Maio, na redacção originária então (em 1981) vigente, estabelecia os casos em que a competência (internacional) dos tribunais portugueses era exclusiva (isto é: para o tribunal do foro, nenhum outro tribunal era considerado competente, sendo a competência exclusiva inderrogável por convenção das partes, nos termos do artigo 99.º, n.º 3, alínea c), do citado Código, na redacção da Lei n.º 21/78 - cfr. autor e obra citados, pág. 49), entre eles constando a competência "para as acções referentes às relações de trabalho" (alínea c)).

Assim, da conjugação dos artigos 11.º e 15.º do Código de Processo do Trabalho de 1981 resultava que a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de acções emergentes de contrato de trabalho intentada pelo trabalhador contra a entidade patronal podia basear-se em situar-se em Portugal: (i) o lugar da prestação do trabalho; (ii) o domicílio do autor; ou (iii) o lugar da celebração do contrato, sendo português o trabalhador.

A situação alterou-se com o início da vigência em Portugal, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, da "Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial", celebrada em Bruxelas, em 27 de Setembro de 1968, pelos seis membros originários da Comunidade Económica Europeia (Alemanha Federal, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo), vulgarmente conhecida por Convenção de Bruxelas, e que entrou em vigor para esses Estados em 1 de Fevereiro de 1973.

A adesão de novos Estados àquela Comunidade, implicando a aceitação da Convenção de Bruxelas e a celebração de Convenções especiais contemplando as necessárias adaptações (seu artigo 63.º), determinou:

- a adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, à Convenção celebrada no Luxemburgo, em 9 de Outubro de 1978;

- a adesão da República Helénica, à Convenção celebrada no Luxemburgo, em 25 de Outubro de 1982;

- a adesão do Reino de Espanha e da República Portuguesa, à Convenção celebrada em San Sebastian, em 26 de Maio de 1989 (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 34/91 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 52/91, publicados no Diário da República, I Série-A, Suplemento ao n.º 250, de 30 de Outubro de 1991); e

- a adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia, à Convenção celebrada em Bruxelas, em 29 de Novembro de 1996.

De acordo com o Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros n.º 95/92, no Diário da República, I Série-A, n.º 157, de 10 de Julho de 1992, a Convenção de Bruxelas, com as adaptações introduzidas pelas citadas Convenções de 1978, 1982 e 1989, entrou em vigor para Portugal em 1 de Julho de 1992 e para o Reino Unido em 1 de Dezembro de 1991.

As normas da Convenção de Bruxelas relevantes para o presente caso são as dos seus artigos 2.º, 3.º e 5.º: o artigo 2.º dispõe que "Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado. As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado às regras de competência aplicáveis aos nacionais."; o artigo 3 estipula que: "As pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado Contratante por força das regras enunciadas nas secções II a VI do presente título. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente: (...) - em Portugal: o n. 1, alínea c), do artigo 65.°, o n.º 2 do artigo 65.º e a alínea c) do artigo 65.°-A do Código de Processo Civil e o artigo 11.° do Código de Processo do Trabalho; (...)."; e o artigo 5.º, inserido na Secção II (Competências especiais) do Título II em causa, prevê que: "O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante: 1) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde a obrigação que serve de fundamento ao pedido foi ou deva ser cumprida; em matéria de contrato individual de trabalho, esse lugar é o lugar onde o trabalhador efectua habitualmente o seu trabalho e, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, a entidade patronal pode igualmente ser demandada perante o tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador; (...)."

Visando primacialmente a extensão do regime da Convenção de Bruxelas aos países membros da EFTA (Associação Europeia de Comércio Livre), foi celebrada em Lugano, em 16 de Setembro de 1988, uma "Convenção Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial", vulgarmente conhecida por Convenção de Lugano, originariamente outorgada pela Bélgica. a Dinamarca, a Alemanha, a Grécia, a Espanha, a França, a Irlanda, a Islândia, a Itália, o Luxemburgo, a Holanda, a Noruega, a Áustria, Portugal, a Suécia, a Suíça, a Finlândia e o Reino Unido, e a que posteriormente aderiu a Polónia. Essa Convenção foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 33/91 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 51/91, publicados no Diário da República, I Série-A, Suplemento ao n.º 250, de 30 de Outubro de 1991, e entrou em vigor para Portugal em 1 de Julho de 1992 e para o Reino Unido em 1 de Maio de 1992 (Aviso n.º 94/92, publicado no Diário da República, I Série-A, n. 157, de 10 de Julho de 1992). Nos seus artigos 2.º, 3.º e 5.º, esta Convenção contém normas idênticas às dos correspondentes artigos da Convenção de Bruxelas atrás transcritos, estipulando-se, porém, no n.º 1 do seu artigo 54.º-B, que os preceitos da Convenção de Lugano não prejudicam a aplicação da Convenção de Bruxelas entre os Estados Membros da Comunidade Económica Europeia.

Destas normas resulta que, segundo estas Convenções, em acção em que existam elementos de conexão com mais do que um dos respectivos Estados Contratantes, a regra geral é a da competência (internacional) do tribunal do domicílio do réu, mas, tratando-se de matéria de contrato individual de trabalho, a acção pode ser proposta no tribunal do lugar da execução habitual do trabalho ou, se o trabalhador não efectuar habitualmente o seu trabalho no mesmo país, o tribunal do lugar onde se situa ou situava o estabelecimento que o contrato (cfr. Rui Moura Ramos, "A Convenção de Bruxelas sobre competência judiciária e execução de decisões: sua adequação à realidade juslaboral actual", Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXVIII (XI da 2.ª Série), N.ºs 1 - 2 - 3 - 4, Janeiro-Dezembro 1996, págs. 3-44).

A reforma processual civil de 1995/1996 e a reforma processual laboral de 1999 tiveram em conta as soluções adoptadas pela Convenção de Bruxelas.

A Lei n.º 33/95, de 18 de Agosto, que concedeu autorização ao Governo para rever o Código de Processo Civil, explicitava como um dos sentidos dessa autorização "a regulação da competência internacional dos tribunais portugueses, aproximando e adequando tal matéria ao previsto na Convenção de Bruxelas (...)", tendo o Decreto-Lei n.º 329-A/95, emitido ao abrigo dessa autorização, na nova redacção dada aos artigos 65.º e 65.º-A do Código de Processo Civil, eliminado as prescrições que constavam da alínea c) do n.º 1 e do n.º 2 do primeiro preceito e da alínea c) do segundo, na redacção anterior, referenciada no citado artigo 3.º da Convenção de Bruxelas (recorda-se que a alínea c) do artigo 65.º-A era a que considerava exclusiva a competência dos tribunais portugueses para as acções referentes às acções de trabalho; coerentemente, a reforma de 1995 também eliminou do artigo 99.º a antiga alínea c) do seu n.º 2, que vedava pactos de jurisdição sobre questões abrangidas pelo artigo 65.º-A) - cfr., sobre o tema, Dário Moura Vicente, "A competência internacional no Código de Processo Civil revisto: aspectos gerais" em Miguel Teixeira de Sousa (coord.), Aspectos do Novo Processo Civil, ed. Lex, Lisboa, 1997, págs. 71-92)

Por seu turno, a Lei n.º 42/99, de 9 de Junho, que concedeu autorização ao Governo para rever o Código de Processo do Trabalho, apontou como sentidos dessa revisão, a inclusão "na competência internacional dos tribunais do trabalho - para além dos casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho - as situações em que tiver sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção ou algum dos factos que a integram" (alínea a) do artigo 2.º) e a ressalva "como decorrência do primado do direito internacional convencional (...) - no que se refere à invocabilidade dos pactos privativos de jurisdição - das soluções estabelecidas em convenções internacionais". O Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, emitido ao abrigo dessa autorização, refere no seu preâmbulo que: "relativamente às regras em matéria de competência internacional, visa-se a adaptação das normas do Código de Processo do Trabalho às regras dimanadas de diversos instrumentos de direito internacional vinculantes para o Estado Português, designadamente ao nível da União Europeia, mantendo-se, no entanto, o princípio básico de definição dessa competência segundo as regras de competência territorial no próprio Código estabelecidas". O novo Código de Processo do Trabalho por este decreto-lei aprovado, veio dispor que "na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção" (artigo 10.º) e que "não podem ser invocados perante os tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhes retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais" (artigo 11.º). De acordo com o mantido critério da coincidência (entre competência internacional e competência territorial), a regra geral de que as acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu (artigo 13.º), excepcionam-se "as acções emergentes de contrato de trabalho intentadas por trabalhador contra a entidade patronal", que "podem ser propostas no tribunal do lugar da prestação de trabalho ou do domicílio do autor" (artigo 14.º, n.º 1), e, "sendo o trabalho prestado em mais de um lugar, podem as acções referidas no n.º 1 ser intentadas no tribunal de qualquer desses lugares" (artigo 14.º, n.º 3).

2.2. Expostas as normas, de direito interno e de direito internacional convencional potencialmente relevantes, cumpre apreciar o caso dos presentes autos, sendo de afastar, desde logo, as normas do Código de Processo do Trabalho de 1999, que só se aplica aos processos instaurados a partir de 1 de Janeiro de 2000 (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro), tendo a presente acção sido instaurada em 16 de Dezembro de 1999. Não pode, assim, lançar-se mão do critério, introduzido por este novo Código, de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção e de, com base nele, atribuir relevância ao facto de o contrato ter sido executado, entre 1968 e 1975, em território que era considerado parte integrante do território de Portugal. Recorde-se, a propósito que, no sentido de que os tribunais portugueses eram internacionalmente competentes pelo critério da causalidade consagrado na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do Código de Processo Civil (que atribuía competência internacional aos tribunais portugueses se tivesse sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção) para acção de indemnização fundada em acidente de viação ocorrido em Angola no tempo da soberania portuguesa, dado que os factos que integravam a causa de pedir ocorreram em território nacional, decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 1981, processo n.º 69 491, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 308, pág. 203).

Está apurado, em sede de matéria de facto, que: (i) o autor trabalhador tem nacionalidade portuguesa e domicílio no Porto; (ii) a 1.ª ré (CABGOC) tem sede nas Bermudas e sucursal em Angola, a 2.ª ré (COPI) tem sede nos Estados Unidos da América e a 3.ª ré (CUKL) tem sede no Reino Unido; e (iii) o contrato foi executado em Angola (quer enquanto era parte integrante do território português, quer após a independência), no Gabão, nos Camarões e nos Estados Unidos da América. Quanto ao local da celebração do contrato, o despacho saneador, como se lê na parte final da transcrição parcial a que se procedeu, considerou-o irrelevante, mas o acórdão recorrido considerou que dos autos resultava que ele fora celebrado em Lisboa e esse foi o um dos fundamentos pelos quais julgou os tribunais portugueses internacionalmente competentes. Porém, as recorrentes alegam - e com razão - que a questão do local da celebração do contrato é matéria controvertida, tendo elas impugnado a versão do autor de que o contrato fora celebrado em Lisboa, sustentando que em Lisboa ocorreu apenas uma entrevista, a que se seguiu a remessa, pela B - Eastern Hemisphere, dos escritórios de Londres, de uma proposta de contrato, que o autor aceitou e assinou, reenviando-a para Londres, devendo, assim o contrato ter-se por concluído com a recepção desse contrato em Londres (cfr. artigos 52.º a 61.º da contestação das rés).

Relativamente às 1.ª e 2.ª rés nenhuma conexão existe com as Convenções de Bruxelas ou de Lugano, mas relativamente à 3.ª ré, domiciliada em Estado Contratante das duas Convenções, existe conexão, que sustenta a aplicabilidade das regras da Convenção de Bruxelas (em prejuízo das da Convenção de Lugano, nos termos do citado n.º 1 do artigo 54.º-B desta última), aplicável nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Constituição, em detrimento das regras do Código de Processo do Trabalho de 1981 (artigos 11.º e 15.º).

Ora, à luz da Convenção de Bruxelas, que se tem por aplicável, a competência internacional dos tribunais portugueses poderia apoiar-se, nos termos do seu artigo 5.º, n.º 1, no facto de, não efectuando o trabalhador habitualmente o seu trabalho no mesmo país, ser em Portugal o lugar onde se situava o estabelecimento que contratou o autor.

Não se ignora que, como referem as recorrentes, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias tem entendido que se o local de prestação do trabalho se situar fora do espaço comunitário a competência não se determina pelo artigo 5.º, n.º 1, mas exclusivamente pelo critério do artigo 2.º, ou seja, o domicílio do réu (cfr. Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, Comentário à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial e Textos Complementares, ed. Lex, Lisboa, 1994, págs. 31 e 89-90). Porém, como se viu, o contrato de trabalho foi, de 1968 a 1975, executado em território então considerado como português e, sendo esse (a execução do contrato) o elemento de conexão relevante, é a esse momento, e não ao da proposição da acção, que importa atender para efeitos de determinação da competência internacional (neste sentido, cfr. o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Novembro de 1986, processo n.º 74 547, no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 361, pág. 471).

Aqui chegados, apura-se que o elemento determinante para a solução da questão em causa é o do local da celebração do contrato. Se esse local tiver sido Lisboa, como sustenta o autor, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes; se tiver sido em Londres, como sustentam as rés, e atendendo a que a 3.ª ré tem aí a sua sede, serão os tribunais ingleses.

Como se salientou, trata-se de ponto litigioso, que o despacho saneador considerou irrelevante apurar, mas que, pelas razões expostas, surge como decisivo.

Impõe-se, assim, a anulação do acórdão recorrido, devendo, na 1.ª instância, proceder-se a diligências de provas para dilucidação da questão de saber qual o local de celebração do contrato que vinculou o autor.

3. Decisão

Em face do exposto, acordam em anular o acórdão recorrido e determinar o envio do processo à 1.ª instância, para os efeitos enunciados.

Custas pelo vencido a final.

Lisboa, 4 de Dezembro de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.