Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1571/05.0TJPRT-C.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
VENDA EXTRAJUDICIAL
REMUNERAÇÃO
VALOR DA CAUSA
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
ÂMBITO DO RECURSO
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / VALOR DA CAUSA.
Legislação Nacional:

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC),COM A REDAÇÃO DO D.L. N.º 329-A/95, DE 12-12: - ARTIGOS 308.º, N.º3, 315.º, N.º3.
LEI N.º41/2013, DE 26-06: - ARTIGO 5.º, N.ºS 2 E 3.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP), APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 34/2008, DE 26-02: - ARTIGO 17.º, N.º6.
Sumário :
I - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo ato recorrido.

II - Não tendo a recorrente – encarregada da venda no âmbito de uma ação de divisão de coisa comum – questionado o valor da ação no recurso de apelação que interpôs para a Relação, mas antes tão só e apenas o entendimento da 1.ª instância por esta se ter baseado, para a fixação da sua remuneração, no valor da ação e não no preço pelo qual o bem foi adjudicado a um dos comproprietários, não pode o STJ tomar conhecimento daquela primeira questão (valor da causa) que, agora, ex novo, a recorrente levantou.

Decisão Texto Integral:

Em 2005 e no âmbito da ação de divisão de coisa comum que corre termos na Instância Local, Secção Cível, J-2 da Comarca do Porto sob o n.º 1571/05.0TJPRT-B, foi proferido despacho no qual se considerou indivisível o prédio objeto da ação, tendo sido nomeada a AA - Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª, para desenvolver diligências no sentido de se proceder à realização da venda de um imóvel.


A venda acabou por não se realizar devido ao facto de os interessados (comproprietários) terem acordado a transmissão de um dos quinhões, da titularidade de um dos comproprietários para os restantes.


A encarregada da venda apresentou nota de despesas e honorários no total de € 44.786,00.


Sobre o referido requerimento recaiu o seguinte despacho, proferido em 2015.09.11:

Fls. 336 e ss: Nos presentes autos, foi nomeado em 20 de Junho de 2014 uma sociedade como encarregada de venda (a sociedade AA) que durante cerca de um ano desenvolveu diligências no sentido de obter a venda do imóvel.

Ignorando-se ao certo qual o número e tipo das diligências desenvolvidas (porque a mesma não indicou) não restam dúvidas que as mesmas produziram resultados, tendo a mesma mediadora logrado apresentar um número significativo de interessados (cfr. a título de exemplo as informações prestadas pelo encarregado de venda em 16 de Fevereiro de 2015 a fls. 287).

E dessa atividade resultou uma dinâmica de valorização do imóvel, bem visível no preço que foi sendo sucessivamente oferecido, embora não se possa ignorar que para tal terá contribuído uma conjuntura económica notoriamente mais favorável ao negócio de compra e venda imobiliária.

Ou seja, a atividade foi útil e produtiva, devendo ser remunerada.

Por outro lado, o imóvel não será vendido a um dos interessados angariados pela sociedade encarregada da venda, mas sim através da transmissão de um dos quinhões de um dos comproprietários aos outros 3, sendo a atividade de mediação imobiliária normalmente (e legalmente) remunerada pelo resultado obtido, pelo que nos parece de afastar a que a retribuição seja calculada – como pretende a sociedade encarregada de venda - através de uma comissão sobre a venda como se tal tivesse ocorrido.

No âmbito judicial, a retribuição dos encarregados de venda é fixada de acordo com o disposto no art 17º do regulamento das Custas Processuais (vulgo, R.C.P.), tendo por referência a tabela IV anexa.

A mesma tabela, fixa a retribuição das entidades encarregadas da venda extrajudicial em 5% do valor da causa ou dos bens vendidos, se este for inferior.

No caso, o bem não foi vendido, pelo que aplicando essa percentagem (5%) ao valor da causa (30.000,00 €), obtém-se a quantia de 1.500,00 €.

Por outro lado, e no que tange às despesas reclamadas, os quilómetros alegadamente percorridos mostram-se manifestamente exagerados. Note-se que tendo a sociedade mediadora sede na Praça … no Porto, e situando-se o imóvel na Avenida …, distam cerca de 5 km um do outro.

Assim, os 2.100 km peticionados, a dividir por cerca de 12 meses dá uma média de 175 km por mês, ou seja cerca de 17 deslocações mensais ao imóvel (ida e volta)!...

Não nos parece que a sociedade encarregada de venda tenha feito esse número de visitas mensal ao imóvel (e se as fez, não as discrimina) …

Assim sendo, decidimos reduzir os km para 1.000 km.

Quanto às restantes despesas, as mesmas não se encontram documentadas, pelo que se indefere o seu pagamento.

Pelo exposto, fixo como retribuição à sociedade encarregada de venda a quantia de 1.500,00 €.

Serão ainda pagos os 1000 km que se consideram razoavelmente percorridos (1/255 por km) nos termos da tabela IV anexa ao RCP (cfr. art. 17º n.º 6 do RCP), indeferindo-se no mais o peticionado pela sociedade encarregada de venda.

Notifique.


Não se conformando, a encarregada da venda interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:

I – A recorrente desenvolveu o seu trabalho afincadamente durante cerca de um ano;

II – A recorrente levou o seu trabalho até ao fim, começando com uma proposta de 600.000,00€ e prospecionando e buscando interessados até à proposta final de 1.450.000,00€,

III – O que só foi possível pelo intenso trabalho e deslocações feitas durante cerca de um ano;

IV – É da experiência e lógica comum que uma sociedade imobiliária tem várias pessoas a trabalhar sobre o mesmo objeto de venda, quer mostrando o imóvel, quer anunciando-o aos potenciais compradores, quer recolhendo e fornecendo informações de várias áreas, desde a engenharia à gestão, jurídicas e administrativas.

V – A comissão estabelecida na lei, de 5% sobre o valor da venda, é devida sempre que o imóvel é vendido, mesmo que seja a uma das partes, ou que esta prefira ou ofereça melhor preço do que o último preço obtido pelo encarregado da venda.

VI – A recorrente fez toda a função para que foi nomeada, e fê-la bem e com enorme resultado pelo que deve ser paga nos termos da lei, do montante reclamado como honorários e despesas, no total de 44.786,00€, acrescidos de IVA, calculados a fls. 336 e seguintes;

VII – Ainda porque este total é inferior à tabela legal de 5% sobre o valor da venda.

VIII – A douta decisão recorrida violou, entre outros, o disposto no artigo 17º do R.C.J e os artigos 811, al. d) e 813, ambos do C.P.C.

Termos em que deve ser julgado procedente o recurso e revogada a decisão recorrida, e substituída por douto acórdão que mande pagar à recorrente os honorários ou remuneração de 3% do valor do imóvel vendido, no montante de 43.500,00€, acrescido de 1.286,00€ de despesas, no total de 44.786,00€, acrescidos de IVA à taxa em vigor.


A encarregada da venda apelou, sem êxito, tendo a Relação do Porto, por acórdão de 2006.01.11, confirmado a decisão recorrida.


Novamente inconformada, a mesma encarregada deduziu a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

Os recorridos contra alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.


As questões


Tendo em conta que

- o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido

a única questão proposta para resolução consiste em saber qual o valor da presente causa.


Os factos


São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

- No âmbito da ação de divisão de coisa comum que corre termos na Instância Local, Secção Cível, J-2 da Comarca do Porto sob o n.º 1571/05.0TJPRT-B, foi proferido despacho no qual se considerou indivisível o prédio objeto da ação;

- Foi fixado à causa o valor de € 30.000,00.

- Foi nomeada a ora recorrente “AA - Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª”, para desenvolver diligências no sentido de se proceder à realização da venda do imóvel.

- O prédio pertencia em comum a: BB; CC – Investimentos Imobiliários, Lda.; DD – Gestão de Promoção Imobiliária, Lda.; e EE.

- Em 12.05.2015, as sociedades CC – Investimentos Imobiliários, Lda. e DD – Gestão de Promoção Imobiliária, Lda., e EE apresentaram nos autos uma proposta de adjudicação às requerentes sociedades, do quinhão do requerente BB, pelo valor de € 1.450.000,00.

- Face ao acordo de todos os interessados, foi feita a adjudicação nos termos propostos.

- Em 22-05-2015 foi proferido o seguinte despacho: «Uma vez que as partes estão de acordo relativamente à adjudicação do imóvel por 1.450.000,00 € aos requerentes – negócio que decorrerá assim sem intermediação do encarregado da venda – notifique este último para apresentar nota das despesas suportadas com o encargo que lhe foi atribuído nestes autos.»

- A encarregada da venda (ora recorrente) “AA - Sociedade de Mediação Imobiliária, Ldª” apresentou nota de despesas e honorários no total de € 44.786,00.

- Sobre o referido requerimento recaiu o despacho de 11.09.2015, que se transcreveu supra, no qual foram fixados os honorários correspondentes à percentagem de 5% sobre ao valor da causa (€ 30.000,00), assim se cifrando na quantia de € 1.500,00.

- No que respeita aos quilómetros, decidiu-se no despacho recorrido, que seriam pagos 1000 km, nos termos da tabela IV anexa ao RCP (cfr. art. 17º n.º 6 do RCP).



Os factos, o direito e o recurso


No acórdão recorrido entendeu-se, tal como se entendeu na decisão proferida na 1ª instância, que para o efeito de fixação do montante da remuneração a receber pela recorrente encarregada de venda do bem, se tinha que tomar em conta o valor da causa - que tinha sido fixado em 30.000,00 € - e não o valor de venda, uma vez que ela não tinha sido realizada pela recorrente.


Esta entende que o valor da presente ação deve coincidir com o valor por que o bem foi adjudicado a um dos comproprietários – 1.450.000,00 € - e por isso, a sua remuneração deve ter por base este valor, a que se aplicará o coeficiente de 3%, que considera justo, pelo que aquela remuneração deverá ser fixada em 43.500,00 €.


Cremos que não tem razão e se decidiu bem.


Dispõe o n.º 6 do artigo 17.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro: “Os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal.”


Antes de mais, há que dizer que a recorrente, nas suas conclusões do recurso de apelação que interpôs para a Relação, não questionou o valor da ação.

Apenas questionou o entendimento da 1ª instância em ter como base para a fixação da sua remuneração o valor da ação e não o preço por que o bem foi adjudicado a um dos comproprietários, considerando que ele não tinha sido vendido pela recorrente.

Dito doutro modo, o que a recorrente pretendia era que o valor da sua remuneração fosse fixado de acordo com o segundo critério estabelecido naquele nº6 do artigo 17º do assinalado diploma, desprezando assim, o valor da causa.

Foi essa a questão que fundamentalmente levantou para ser conhecida na Relação.


Ora, como vem sido entendido, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo ato recorrido.

Quer dizer: o objeto do recurso é, fundamentalmente, a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre que recai a decisão impugnada.


Desta forma, embora a questão do valor da ação tenha sido tratada incidentalmente no acórdão recorrido, a questão fundamental aí tratada foi, necessariamente, a levantada pela recorrente ou seja, a consideração do valor da venda para a fixação da remuneração em causa.


Sendo assim e pelas razões expostas, não pode este Supremo tomar conhecimento da questão agora e “ex novo” levantada pela recorrente, ou seja, a questão do valor da ação.


De qualquer forma, sempre se dirá o seguinte.


Face à data em que a presente ação foi instaurada e ao disposto no nºs 2 e 3 do artigo 5º da Lei 41/2013, de 26.06, as normas relativas à verificação do valor da causa a aplicar ao caso concreto em apreço são as que estavam em vigor na altura em que a ação foi instaurada, ou seja as normas do Código de Processo Civil com a redação do Decreto-lei 329º-A/95,de 12.12


Ora, de acordo com o disposto no nº3 do artigo 315º desse diploma com essa redação “no caso a que se refere o nº3 do artigo 308º e naqueles em que não haja lugar a despacho saneador, o valor da causa considera-se definitivamente fixado logo que seja proferida sentença”.

No referido nº3 do artigo 308º está estabelecido um regime especial sobre o momento a que se atende para determinação do valor da causa.


Ora, mesmo que estendesse que a determinação do valor de uma ação de divisão de coisa comum estava abrangida por este regime especial, o certo é que tendo havido a adjudicação do bem, aí terminou qualquer questão relacionada com o valor da causa, aliás não levantada.


Concluímos, pois, que a conhecermos a questão, o valor da causa sempre tinha que ser fixado em 30.000,00 €.


Levanta ainda a recorrente a questão da inconstitucionalidade da interpretação feita no acórdão recorrido sobre a fixação do valor de uma ação de divisão de coisa comum.

Já vimos que a questão que foi posta pela recorrente no acórdão recorrido não foi esta.

Daí não se poder colocar a questão de inconstitucionalidade invocada pela recorrente.


A decisão


Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 5 de Maio de 2016


Oliveira Vasconcelos (Relator)

Fernando Bento

João Trindade