Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
| Relator: | SOUSA PEIXOTO | ||
| Descritores: | TREINADOR DE FUTEBOL REGIME JURÍDICO APLICÁVEL AO CONTRATO LACUNA LEGISLATIVA | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 11/16/2010 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1. O regime laboral comum contido na LCT e na LCCT não é aplicável aos contratos de trabalho celebrados com os treinadores profissionais de futebol, por, em alguns aspectos, nomeadamente no que diz respeito à temporalidade do vínculo, não se adequa às especificidades daquela actividade. 2. Deve, por isso, entender-se que, nessa matéria, existe uma lacuna legislativa, por falta de regulamentação específica. 3. Aceita-se que o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo possa ser aplicável, por analogia, nos termos do art.º 10.º do C.C., aos contratos de trabalho dos treinadores profissionais, como este Supremo Tribunal tem vindo a decidir, mas, logicamente, essa aplicação analógica só terá lugar relativamente aos aspectos em que o contrato de trabalho seja omisso. 4. Na falta de regulamentação legal expressa, nada obsta a que as partes fixem livremente o conteúdo do contrato e neles insiram as cláusulas que lhes aprouver, uma vez que o princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405.º do Código Civil o permite. 5. Deste modo, nada obstava a que o autor e os réus tivessem celebrado, como celebraram, diversos contratos de trabalho a termo certo, o que torna os contratos perfeitamente autónomos entre si. 6. E, nessa lógica, era perfeitamente lícito aos réus fazer cessar a relação laboral que, desde 1.8.1989, vinham mantendo com o autor, invocando a caducidade da mesma para o termo, em 30.6.2003, do último dos contratos que com ele tinham celebrado, não se verificando, por isso, uma situação de despedimento. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório Na presente acção, proposta no Tribunal do Trabalho de Lisboa, por AA contra o BB e a CC, …, o autor pediu que fosse decretada a “nulidade” do despedimento de que diz ter sido alvo por parte da segunda ré, em 30 de Junho de 2003, e que as rés fossem solidariamente condenadas a pagar-lhe, nos termos e montantes que referiu: (i) as prestações salariais vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; (ii) a indemnização de antiguidade, sem prejuízo de ele poder vir a optar pela reintegração no seu posto de trabalho; (iii) a indemnização pela violação do direito às férias vencidas em 1 de Janeiro de 2003; (iv) a retribuição de férias, de subsídio de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato (proporcionais); (v) e os juros moratórios vencidos e vincendos. Em resumo, o autor alegou que foi admitido ao serviço do primeiro réu, o BB, ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, com início em 1.8.89 e termo em 31.7.91, para exercer as funções de treinador de futebol das equipas mais jovens, no exercício dessas funções se mantendo, de forma ininterrupta, desde então até 30 de Junho de 2003, devendo a relação laboral ser considerada sem termo – por ser nula a estipulação do termo aposta no referido contrato e nos outros dez que posteriormente vieram a ser celebrados entre o autor e os réus e por ao caso não ser aplicável o Contrato Colectivo que, em 9 de Novembro de 1996, veio a ser celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, pelo facto do mesmo contrariar o disposto no regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) – e a sua cessação, levada a cabo pela segunda ré, a CC, …, configurar um despedimento ilícito, por inexistência de procedimento disciplinar prévio. Na contestação conjunta que apresentaram, os réus requereram a intervenção acessória da Federação Portuguesa de Futebol, da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol e pugnaram pela total improcedência da acção, sustentando, em resumo, a autonomia dos contratos de trabalho a termo celebrados com o autor, a validade do termo neles aposto e a aplicação do CCT celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF), publicado no BTE 1.ª série, n.º 27, de 22.7.97, com Portaria de Extensão publicada no BTE 1.ª série, n.º 37, de 8.10.97, aos contratos outorgados a partir da época desportiva de 97/98, e, subsidiariamente, invocaram a prescrição dos créditos referentes aos contratos celebrados a partir de 1998 e o abuso do direito, quer na modalidade de venire contra factum proprium, quer na modalidade de supressio. Na resposta à contestação, o autor insistiu na tese de que o regime jurídico aplicável era o regime laboral comum e não o contido no aludido CCT e na falta de autonomia dos contratos, pois o que com eles se pretendeu foi dar continuidade à relação laboral iniciada em 1989, e defendeu a improcedência das excepções invocadas pelos réus, bem como o indeferimento do incidente de intervenção acessória por aqueles requerida. A intervenção acessória foi indeferida por despacho de fls. 181-184 que foi objecto de recurso de agravo a que o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento. No despacho saneador, relegou-se para final o conhecimento das excepções da prescrição e do abuso do direito, seleccionou-se a factualidade tida como assente e procedeu-se à elaboração da base instrutória. Realizado o julgamento, com gravação da prova, e dadas as respostas aos quesitos, foi, posteriormente, proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, com base, resumidamente, na seguinte argumentação: - com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, que aprovou o contrato de trabalho do praticante desportivo, a relação laboral em apreço nos autos, iniciada em 1 de Agosto de 1989, deixou de ser regulada pelo regime laboral comum, passando a ser-lhe aplicável, por analogia, o regime contido naquele Decreto-Lei, razão pela qual o primeiro contrato celebrado após a entrada em vigor daquele diploma passou a ser “incontestavelmente pelo prazo nele mencionado e assim sucessivamente até ao último contrato celebrado”, sendo que o primeiro contrato celebrado depois do início de vigência do CCT também se passou a reger pelo referido instrumento de regulamentação colectiva, razão por que a comunicação da caducidade do último contrato celebrado não constitui, face à validade daquele contrato, um despedimento ilícito; - o autor não tem direito à reclamada indemnização por violação do direito a férias vencidas em 1.1.2003, por não se ter provado que os réus tivessem obstado ao gozo das férias; - o autor não tem direito aos proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal referentes ao ano da cessação do contrato, dado que tais prestações lhe foram pagas. No que toca à prescrição e ao abuso do direito, a sentença não emitiu qualquer pronúncia acerca daquelas questões. Inconformado, o autor interpôs recurso da sentença, por continuar a entender que à relação laboral em apreço era aplicável a LCCT e não o DL n.º 305/95 nem o CCT celebrado entre a LPFP e ANTF, e por considerar que o M.mo Juiz tinha violado o disposto no art.º 12.º, n.º 1, do Código Civil. Fê-lo, todavia, sem sucesso, já que o Tribunal da Relação confirmou a sentença, por ter entendido que o regime jurídico aplicável à relação laboral em causa era o do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, aprovado pela Lei n.º 28/98, de 26 de Junho. Mantendo o seu inconformismo, o autor interpôs o presente recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma: I. Como questão prévia e considerando que nas anteriores instâncias se partiu do pressuposto errado de o Recorrente ser um treinador da área profissional, é, desde já, de notar que o Recorrente, ao longo dos quinze anos de serviços prestados para o BB, sempre foi um treinador de futebol da área de formação. II. A sua carreira não estava, assim, dependente ou condicionada pelos resultados das equipas que treinava e da sua classificação no final de cada época. III. O Recorrente fazia um trabalho de continuidade, de formação física e psicológica dos jovens que tinha a seu cargo e que acompanhava desde tenra idade até à adolescência. O Recorrente, enquanto treinador de futebol da área de formação, desempenhava uma tarefa em tudo idêntica à de um Professor, formando as crianças que tinha ao seu cuidado, para que estas viessem a ser jogadores profissionais de futebol. IV. Assim, ao contrário do treinador da área profissional, que tem objectivos época a época, o treinador da área de formação tem objectivos de longo curso, de formação dos jovens integrados nas equipas jovens dos clubes de futebol. V. Salvo o devido respeito por douta opinião em contrário, no douto Acórdão recorrido está patente (i) um erro na determinação da norma aplicável: foi aplicada a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, que estabelece o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva, quando deveria ter sido aplicado o Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro (doravante LCCT) e o Decreto-Lei 49 408 de 24 de Novembro de 1969 (doravante LCT) e (ii) foi violada a norma jurídica resultante do artigo 12.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil. VI. Efectivamente, entenderam os Venerandos Desembargadores que no presente caso existia uma lacuna da lei que lhes permitia recorrer ao disposto na Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, para resolver o caso sub judice e, assim, considerar legítimo o despedimento sem justa causa de um trabalhador com quinze anos de antiguidade. VII. Incorreram, salvo o devido respeito, em manifesto erro, uma vez que entre o Recorrente e o Recorrido BB foi instituída em 1 de Agosto de 1989 uma relação individual de trabalho, a qual tinha e manteve ao longo da sua duração, até 30 de Junho de 2003, perfeito cabimento na definição que nos é dada no artigo 1.º da LCT de contrato de trabalho. VIII. Assim, à matéria que se discutia nos presentes autos era directamente aplicável a Legislação Laboral Comum, nomeadamente, a LCCT, que no seu artigo 1.º determina: “O presente regime jurídico aplica-se aos contratos não excluídos pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, que aprovou o regime jurídico do contrato individual de trabalho”. IX. Não se verificando a existência de qualquer omissão legislativa que justificasse o recurso a disposição diversa. X. Assim mesmo foi decidido em diversos Acórdãos, a título meramente exemplificativo: Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 003551, datado de 7 de Abril de 1992, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 003542, datado de 17 de Fevereiro de 1992 e Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 98S166, datado de 7 de Outubro de 1998 onde se concluiu “É hoje pacífico o entendimento de que um treinador de futebol não pode ser considerado ‘agente desportivo praticante’ e, por isso, lhe é aplicável o regime comum”. XI. Sendo igualmente esta a opinião da doutrina, vide o estudo de Albino Mendes Baptista, publicado na Revista do Ministério Público n.º 80, 1999, onde se conclui que (…) o regime aplicável aos contratos entre treinadores e clubes profissionais, terá de ser o regime laboral comum (…). XII. Assim, é certo que para a decisão do presente caso não faltava uma disposição directa da lei, pelo que o primeiro requisito que o Prof. Inocêncio Galvão Telles nos indica para que a analogia seja legitima, “é preciso que falte uma disposição directa da lei para o caso a decidir”, não se verificava. XIII. Mas mesmo que assim não se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se admite, é ainda certo que igualmente o segundo requisito enunciado pelo referido Prof. para que a analogia fosse legítima, “É preciso que exista igualdade jurídica de essência entre o caso a regular e o caso regulado”, não estava verificado. XIV. Efectivamente, o praticante desportivo é aquele que exerce ou pratica a actividade desportiva. O treinador de futebol é o que prepara o praticante desportivo. XV. O praticante desportivo é um profissional de curta carreira, ditada pela perda rápida de qualidades físicas e atléticas. A carreira de um treinador de futebol, tal como qualquer outro trabalhador, pode durar largos anos. XVI. Assim, as razões subjacentes à publicação da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho, que revogou o Decreto-Lei 305/95, de 18 de Novembro, são específicas dos praticantes desportivos, não se verificando no caso dos treinadores de futebol. XVII. Já considerando as diferenças existentes, o compromisso assumido no artigo 14.º, n.º 4 da Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro, para os praticantes desportivos profissionais, não foi assumido para os treinadores de futebol e, enquanto para a regulação do contrato de trabalho do praticante desportivo já foram elaborados e promulgados dois diplomas legislativos específicos, nenhum foi ainda elaborado e promulgado para os treinadores de futebol. XVIII. Deveremos considerar que é pura inércia do legislador ou devemos considerar que esta é uma opção penCCa e desejada pelo mesmo que, vendo o treinador de futebol como um trabalhador comum, quer que o mesmo fique sujeito ao regime laboral comum. XIX. Todas estas considerações se tornam ainda mais válidas no caso do Recorrente, uma vez que o mesmo, tal como já aqui referido, não era um treinador de futebol da área profissional, mas sim da área de formação. Assim, a sua Relação Laboral nunca foi determinada ou condicionada pelos resultados desportivos ou económicos das equipas por si treinadas. XX. À sua actividade estavam inerentes objectivos de longo curso. Efectivamente, as tarefas desenvolvidas pelo Recorrente eram em tudo semelhantes à de um Professor, competindo--lhe ensinar o futebol a jovens que tinha a seu cargo e que acompanhava desde tenra idade até à adolescência, formando-os física e psicologicamente e, não raras vezes, desempenhando o papel de seu encarregado de educação na escola. XXI. Desta forma, não será, assim, de aceitar a identidade jurídica da situação do treinador de futebol da área de formação com a do praticante desportivo, de modo a permitir-se a aplicação ao caso sub judice da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho e, em consequência, permitir-se, sem qualquer justa causa que o justifique, o despedimento de um trabalhador pasCCos quinze anos de prestação contínua da sua actividade laboral. XXII. Não sendo, assim, de aceitar a identidade jurídica entre o treinador de futebol da área profissional e o treinador de futebol da área de formação, por acrescidas razões não se poderá concluir pela identidade jurídica entre a situação deste último e a do praticante desportivo, de modo a permitir-se a aplicação ao caso sub judice da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho e, em consequência, permitir-se, sem qualquer justa causa que o justifique, o despedimento de um trabalhador pasCCos quinze anos de prestação contínua da sua actividade laboral. XXIII. Efectivamente, a situação dos autos não é, de forma alguma, idêntica ou sequer comparável com a situação subjacente às decisões constantes do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 06S1821, datado de 24 de Janeiro de 2007 e do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 06S4107, datado de 12 de Setembro de 2007. XXIV. As mesmas referem-se a treinadores das áreas profissionais e não da área de formação e tiveram lugar em 2002/2003 e 2003/2004. XXV. Sem prescindir, dir-se-á ainda que o Acórdão recorrido violou o princípio da não retroactividade da Lei, consagrado no artigo 12.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil. XXVI. Efectivamente, o Recorrente iniciou as suas funções no BB em Agosto de 1989, portanto, muito antes da entrada em vigor da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, e mesmo do Decreto-Lei 305/95, de 18 de Novembro, revogado pela primeira. XXVII. Acresce que o referido Decreto-Lei e, posteriormente, a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, vieram dispor sobre as condições de validade substancial e formal do contrato de trabalho do praticante desportivo e respectivos efeitos, pelo que igualmente estava vedada a sua aplicação a factos pasCCos antes da sua entrada em vigor, pelo disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. XXVIII. E nem sequer se diga que a sua aplicação se encontrava justificada pela segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, uma vez que é patente que quer o Decreto-Lei 305/95, de 18 de Novembro, quer a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, não dispuseram directamente sobre o conteúdo da relação estabelecida entre o praticante desportivo e a entidade empregadora abstraindo-se do facto que lhe deu origem, isto é, do contrato celebrado entre as mesmas partes, criado e instituído no direito português pelo Decreto-Lei 305/95, de 18 de Novembro. XXIX. Efectivamente, quer no caso do Decreto-Lei 305/95, de 18 de Novembro, quer no caso da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, não estamos perante uma situação de modelação do conteúdo da relação jurídica estabelecida sem que se olhe e considere o facto que deu origem à referida relação jurídica. Aliás, refira-se que somente da valoração pelo legislador da especificidade do contrato de trabalho do praticante desportivo é que surgiu a regulação instituída pelo referido Decreto-Lei. XXX. Assim, “... quando a lei nova regula os efeitos de certos factos, como expressão duma valoração dos factos que lhe deram origem, deve entender-se que só se aplica aos factos novos (...)”, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 0553481, datado de 2 de Fevereiro de 2006. XXXI. Mal andou o douto Acórdão quando considerou que no caso dos autos existia uma lacuna da lei que integrou com a aplicação analógica da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho, e quando considerou que a aplicação retroactiva da referida Lei era permitida pelo disposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil. XXXII. Com as referidas opções, saiu violado o artigo 12.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Civil e verificou-se um erro na determinação da norma aplicável. Deveria ter sido aplicado o Decreto-Lei 49.408, de 24 de Novembro de 1969, e o Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, ao invés da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho e, consequentemente, deveria ter sido julgada procedente a apelação do Recorrente, decidindo-se, dessa forma, no sentido de que a relação laboral por tempo indeterminado estabelecida em 1 de Agosto de 1989 se mantinha ainda à data de 30 de Junho de 2003, decretando-se, então, a nulidade do despedimento, porque não precedido de processo disciplinar, com a consequente condenação das Recorridas nos pedidos efectuados pelo Recorrente. Os réus contra-alegaram, sustentando o acerto da decisão recorrida e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no mesmo sentido, em parecer a que as partes não reagiram. Corridos os vistos dos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir. 2. Os factos Os factos que, sem impugnação, vêm dados como provados, desde a 1.ª instância, são os seguintes: 1. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu BB, por contrato de trabalho outorgado em 29/06/1989, com início em 01/08/1989 e termo em 31/07/1991, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da categoria de iniciados. 2. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1991, com início em 01/08/1991 e termo em 31/07/1992, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da categoria iniciados. 3. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1992, com início em 01/08/1992 e termo em 31/07/1993, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de iniciados. 4. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1993, com início em 01/08/1993 e termo em 31/07/1994, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da categoria de juvenis. 5. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1994, com início em 01/08/1994 e termo em 31/07/1995, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da categoria de juvenis. 6. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1996, com início em 01/08/1996 e termo em 31/07/1997, para exercer as funções correspondentes às de Treinador de futebol da categoria de juniores. 7. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1997, com início em 01/08/1997 e termo em 31/07/1998, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da categoria de juvenis. 8. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, CC, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1998, com início em 01/08/1998 e termo em 31/07/1999, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da equipa de futebol júnior. 9. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/1999, com início em 01/08/1999 e termo em 31/07/2000 [e não 2001, como por manifesto lapso, vem referido] para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da equipa de iniciados. 10. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/08/2000, com início em 01/08/2000 e termo em 31/07/2001, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da equipa de iniciados. 11. O Autor foi admitido a trabalhar sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, BB, por contrato de trabalho outorgado em 01/07/2001 [e não em 1/08/2001, como por manifesto lapso se disse], com início em 01/07/2001 e termo em 30/06/2003, para exercer as funções correspondentes às de treinador de futebol da equipa de iniciados, mediante a remuneração mensal de 350.000$00. 12. A Ré, "CC, …", por carta datada de 2003.05.29, comunicou ao Autor, além do mais, que «sem prejuízo de o contrato de trabalho de treinador celebrado, … caducar no próximo dia 30 de Junho, poderá esta sociedade vir a apresentar uma nova proposta de trabalho no âmbito da referida reestruturação o que fará até ao próximo dia 15 de Junho». 13. Em 9 de Novembro de 1996 foi celebrado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol um Contrato Colectivo aplicável às relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo celebrados entre os treinadores profissionais e os clubes ou sociedades desportivas. 14. Dele foram partes outorgantes a LPFP, em representação dos clubes ou sociedades desportivas de futebol, e a referida Associação de Treinadores (ANTF), em representação dos treinadores profissionais da modalidade. 15. O Autor é filiado na Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF), sob o n.º …. 16. O SCP era associado da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), passando-o a ser, a partir da sua constituição, a CC. 17. As Rés dedicam-se, entre outras actividades, à promoção e desenvolvimento do desporto, essencialmente na área do futebol, tendo ao seu serviço diversas equipas de futebol que atravessam os vários escalões etários, a saber; a) Escolas – dos 8 aos 10 anos. b) Infantis – dos 10 aos 12 anos. c) Iniciados – dos 12 aos 14 anos. d) Juvenis – dos 14 aos 16 anos. e) Juniores – dos 16 aos 18 anos. 18) As Rés sempre tiveram e continuam a ter equipas de futebol jovem, as quais não poderão subsistir sem a existência de um treinador de futebol. 19) Durante o ano de 1995, o Autor continuou ao serviço das Rés, desempenhando as mesmas funções e tarefas de treinador de futebol das equipas jovens. 20) O Autor sempre esteve integrado na mesma estrutura hierárquica e com a obrigação de respeitar e obedecer às pessoas suas superiores hierárquicas e coordenadores técnicos que agiam, até à época desportiva de 2002/2003, quer em representação do BB, quer em representação do CC, …. 21) À remuneração do Autor acresciam as despesas de deslocação ou representação em que incorresse ao serviço do BB, com o limite anual de 1.400.000$00. 22) As despesas de representação consideradas necessárias ao exercício das funções de treinador de futebol acabavam por ser suportadas na plenitude pelo BB com valores alheios ao acordado com o Autor. 23) As despesas referidas no nº 21 eram pagas todos os meses, em montantes aproximados, atribuídas independentemente de qualquer facto e como simples contrapartida da prestação efectuada pelo Autor. 24) Em Junho de 2003, o Autor esteve deslocado ao serviço do BB num torneio em França, acompanhando as equipas que treinava, e ao qual não poderia deixar de estar presente. 25) E após o seu regresso continuou a desenvolver os treinos diários, aos quais não poderia deixar de comparecer sob pena de comprometer o trabalho realizado na época desportiva ainda em curso. 26) A época desportiva, até Junho de 2001, tinha início em 1 de Agosto de cada ano e termo em 31 de Julho do ano seguinte. 27) E, após aquela data, passou a ter início em 1 de Julho de cada ano e termo em 30 de Junho do ano seguinte. 28) É a ANTF quem tem a primeira chancela sobre o contrato de trabalho de treinador e certifica a conformidade do mesmo com as disposições do CCT. 29) Na falta do que não regista o Contrato de Trabalho nem emite parecer prévio favorável. 30) Ficando o clube impedido de utilizar o treinador nas competições oficiais. 31) Cabe por sua vez à FPF, após ter conhecimento do dito parecer prévio, licenciar o treinador, emitindo o respectivo "cartão", que permite ao treinador, como o autor, exercer as suas funções nas competições oficiais (vulgo "sentar-se no banco"). 32) Aos clubes não servem os treinadores que não possam participar em competições oficiais e sentar-se no banco. 33) A LPFP, a FPF e a ANTF não registam um contrato de trabalho de treinador celebrado sem termo. 34) Os contratos outorgados em 1997.8.01, 1998.08.01, 1999.08.01, 2000.08.01 e 2001.07.01 foram homologados pela ANTF. 35) Os contratos de trabalho outorgados em 1989.06.29, 1991.08.01, 1992.08.01, 1993.08.01, 1994.08.01 e 1996.08.01 foram elaborados em impressos próprios e fornecidos pela ANTF ao SCP. 36) Em todos esses contratos, a ANTF conferiu a sua "homologação sindical". 37) E já antes do CCT os contratos de trabalho de treinador eram registados obrigatoriamente nas três entidades nele referidas e a actividade de treinador era licenciada pela FPF, nos mesmos moldes dos actuais. 38) Em cada um dos escalões etários do designado futebol de formação existem duas equipas, com excepção dos juniores que têm uma equipa, e em todos eles se verifica a participação no Campeonato Distrital e no Campeonato Nacional, com excepção dos juniores que só participam no Nacional e das escolas e infantis que só participam no Distrital. 39) A Ré CC chamou a si os escalões dos juvenis, juniores e também os designados seniores (equipa A e B), que passaram a estar afectos, por isso, a esta sociedade desportiva. 40) O Réu SCP passou a integrar apenas os escalões das escolas, infantis e iniciados. 41) Na época 98/99, o Réu CC, … suportou os vencimentos, subsídios, despesas de representação, efectuou os descontos para a segurança social e retenções de imposto do Autor. 42) Sem qualquer oposição ou reclamação do Autor. 43) Assim como oposição ou reclamação suas não se verificaram, quando o Autor assinou o contrato com a CC. 44) Nas épocas desportivas em que o Autor celebrou contrato com o BB, foi esta associação desportiva que suportou os seus vencimentos, subsídios, despesas de representação, efectuou os descontos para a segurança social e retenções de imposto. 45) Por acordo entre o BB e a CC, esta assumiu todos os custos inerentes aos contratos de trabalho das equipas técnicas do futebol de formação, mesmo dos escalões afectos ao BB. 46) A CC, na época desportiva 2002/2003, passou a assumir todos os contratos das equipas técnicas e passou sobre elas a exercer o poder disciplinar e a liderança técnica. 47) Todos os encargos emergentes da contratação dos treinadores do futebol de formação passaram a ser, desde então, suportados pela CC. 48) Na época desportiva 2002/2003, passou a pagar os vencimentos ao Autor, subsídios, despesas de representação, efectuou os descontos para a segurança social e retenções de imposto. 49) Facto que foi do conhecimento do Autor, nunca tendo este manifestado qualquer oposição ou reserva ao mesmo ou quanto ao facto de a CC ser a sua entidade patronal. 50) O Autor, a partir de Janeiro de 2002, que, desde sempre, havia exercido a sua actividade no Estádio … e nos locais que lhe eram designados, passou a prestar o seu serviço, com permanência, na "Academia do BB", em A….. 51) O Autor, ao longo das épocas em que prestou o seu serviço, teve vários e diferentes superiores hierárquicos e coordenadores técnicos. 52) As actividades concretas de um treinador, como é o caso do autor, são distintas consoante se encontre a treinar equipas das escolas, infantis, iniciados, juvenis ou juniores. 53) O tipo de competição em cada escalão, as técnicas e tácticas, bem como os métodos e conteúdos de treino utilizados, a nível técnico, táctico e físico são distintos. 54) A CC e seus elementos reuniram-se com o Autor por uma vez em Junho, a fim de lhe apresentarem e analisarem a proposta de trabalho para a época 2003/04. 55) O A. recusou a proposta a que se refere o número anterior. 56) Porque o Autor nada disse até inícios de Julho de 2003, a CC confirmou-lhe, por carta de 16 de Julho, que a validade da proposta que lhe havia sido apresentada havia terminado em 8 desse mês, dada a necessidade de assegurar a contratação das equipas técnicas. 57) O Autor nunca manifestou às Rés a sua intenção de gozar as férias em Junho de 2003. 58) E, tendo a CC assumido que o Autor iria aceitar a nova proposta de trabalho, gozaria as suas férias em Julho de 2003, como sucedera na época anterior, em que também as gozou em Julho de 2002. 59) O Autor não pediu qualquer autorização à CC, para se ausentar dos treinos, ou alguma vez lhe focou tal assunto. 60) A R. CC pagou ao Autor o subsídio de Natal e o subsídio de férias, por referência à última época em que o A. esteve ao seu serviço, isto é, 2002/03. 61) O BB é um clube desportivo, constituído como pessoa colectiva de direito privado e declarado de utilidade pública, pelo seu contributo em prol do desporto, e tem como fins a educação física, o fomento e a prática do desporto, tanto na vertente da recreação como na de rendimento, as actividades culturais e quanto, nesse âmbito, possa concorrer para o engrandecimento do desporto e do País. 62) A CC é uma sociedade anónima desportiva constituída em Outubro de 1997, tendo por objecto a participação nas competições profissionais de futebol, a promoção e organização de espectáculos desportivos e o fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da modalidade de futebol. Não se vislumbra que os factos transcritos sofram de algum dos vícios previstos no art.º 729.º, n.º 3, do CPC, o que, a verificar-se, importaria a remessa dos autos ao tribunal recorrido, para que tais vícios fossem supridos. Será, pois, com base na referida factualidade que o recurso terá de ser apreciado. 3. O direito Como decorre da matéria de facto dada como provada, o autor foi admitido ao serviço do primeiro réu (BB), ao abrigo de um contrato de trabalho a termo certo, com início em 1.8.1989 e termo em 31 de Julho de 1991, para exercer as funções de treinador de futebol da equipa de iniciados, e manteve-se, ininterruptamente, desde então e até 30 de Junho de 2003, a prestar a sua actividade de treinador de futebol das camadas jovens dos réus, tendo treinado, mais concretamente, as equipas de juvenis, de iniciados e juniores. E provado está, também, que, durante aquele período, o autor celebrou, para além do contrato de trabalho inicial, mais dez contratos de trabalho a termo certo, sob a forma escrita (nove com o BB e um, de 1.8.98 a 31.7.99, com a CC), contratos esses que cobriram todo o período de 1.8.1989 a 31.6.2003, com excepção do período de 1 de Agosto de 1995 a 31 de Julho de 1996, relativamente ao qual não foi celebrado qualquer contrato escrito. Por outro lado, também está assente nos autos que o vínculo laboral do autor cessou em 30 de Junho de 2003, em consequência da carta que a CC (que, abreviadamente, passaremos a designar por … – CC) lhe enviou em 29 de Maio de 2003, informando-o de que, sem prejuízo do seu contrato de trabalho caducar no dia 30 de Junho de 2003, aquela sociedade poderia vir a apresentar--lhe uma nova proposta de trabalho até ao dia 15 de Junho. A questão que, fundamentalmente, se coloca no presente recurso de revista e que, desde o início, tem vindo a ser debatida nos autos, é a de saber se a prestação laboral do autor, durante o período em causa (de 1.8.1989 até 30.6.2003), se processou ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo – tese do autor – ou se, pelo contrário, decorreu a coberto dos vários contratos de trabalho a termo certo que, no decurso daquele período, as partes subscreveram entre si – tese dos réus. Da resposta a esta questão depende, como é óbvio, o sucesso ou o insucesso do recurso, dado que, se estivermos perante um contrato de trabalho por tempo indeterminado, a sua cessação unilateral por banda do Sporting CC, em 30.6.2003, configurará, naturalmente, um caso de despedimento ilícito, por ter sido decretado sem invocação de justa causa e sem a instauração prévia do competente procedimento disciplinar. A resposta àquela questão passa, todavia, pela determinação do regime jurídico aplicável à relação laboral em apreço nos autos, mais concretamente pela questão de saber se lhe é aplicável o regime laboral comum então vigente, ou seja, o regime jurídico do contrato individual de trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, e o regime da cessação do contrato de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64.º-A/89, de 27 de Fevereiro (anote-se que o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 98/2003, de 27 de Agosto, só entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 – art.º 3.º, n.º 1, da referida Lei –, ou seja, quando a relação laboral já tinha cessado). Com efeito, se à relação laboral for aplicável aquele regime – tese do autor –, é por demais evidente que a mesma terá de ser, ab initio, considerada sem termo, face ao disposto na LCCT. Na verdade, sendo o regime laboral comum o aplicável, há que atender ao disposto nos artigos 41.º e 42.º da LCCT, nomeadamente ao disposto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 3 do art.º 42.º. O art.º 41.º estipula, no seu n.º 1, que a celebração de contratos de trabalho a termo só é admitida nos casos taxativamente elencados nas alíneas daquele normativo e, nos termos do n.º 2, a celebração de contratos a termo fora dos casos previstos no n.º 1 importa a nulidade da estipulação do termo, o que consequencia – acrescentamos nós –, que o contrato passe a ser sem termo. Por sua vez, nos termos do art.º 42.º, o contrato de trabalho a termo deve ser reduzido a escrito e dele devem constar determinadas indicações, entre elas o prazo estipulado com indicação do motivo justificativo (n.º 1, alínea e)), considerando-se sem termo o contrato a que falta aquela indicação (n.º 3). Ora, conforme dos contratos de trabalho a termo juntos aos autos se pode constatar, em nenhum deles foi indicado o motivo justificativo da estipulação do termo que em cada um deles foi aposto, a não ser no contrato celebrado em 1.8.96, onde se consignou que “[o] presente contrato de trabalho a termo certo, fundamenta-se na al. d) do n.º 1 do art.º 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, já que ao segundo contraente é cometida uma tarefa ocasional precisamente definida e não duradoura, com início em 01 de AGOSTO de 1996 e fim em 31 de JULHO de 1997”, sendo que esta indicação não é, todavia, atendível, uma vez que se limita a reproduzir o teor da alínea d) do n.º 1 do art.º 41.º, sem minimamente concretizar o motivo justificativo da estipulação do termo, exigência de concretização essa que a jurisprudência já antes da entrada em vigor da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, considerava indispensável para que o motivo fosse atendível, o que aquela Lei veio expressamente reconhecer, no seu art.º 3.º, n.º 1, e que a Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, veio reforçar, ao alterar a redacção daquele normativo. E, sendo assim, torna-se evidente que o contrato inicialmente celebrado, a ser aplicável o regime laboral comum, teria de ser considerado sem termo, o mesmo sucedendo com os contratos posteriores, o que nos levaria a concluir pela unicidade do vínculo contratual, uma vez que o autor prestou a sua actividade aos réus de forma ininterrupta, desde 1.8.1989 até 30.6.2003. Esse não foi, todavia e como já ficou dito, o entendimento das instâncias. Importa, por isso, averiguar qual é o regime jurídico aplicável à relação laboral em apreço, sendo que, na hipótese de se concluir pela aplicabilidade do regime laboral comum, haverá que conhecer – por força do disposto no art.º 726.º conjugado com o estabelecido no art.º 715.º, n.º 2, do CPC –, das excepções da prescrição e do abuso do direito que pelos réus foram deduzidas, na contestação, e que, por razões de prejudicialidade, não chegaram a ser objecto de apreciação nas instâncias. 3.1 Do regime jurídico aplicável Perfilhando o entendimento que por este Supremo Tribunal foi adoptado no acórdão de 24.1.2007, proferido no processo n.º 1821/06, e que, posteriormente, foi reiterado nos acórdãos de 12.9.2007, 10.7.2008 e 20.5.2009, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 4107/06, n.º 3660/07 e n.º 3445/08 (todos eles publicitados na base de dados jurídico-documentais do ITIJ: processos n.º 06S1821, n.º 06S4107, n.º 07S3660 e n.º 08S3445, respectivamente), a Relação considerou que havia uma lacuna legal de previsão no que toca à regulamentação do contrato de trabalho dos treinadores profissionais, mas que daí não decorria necessariamente que tais contratos tivessem de ser regulados pelo regime laboral comum, ou seja, pela chamada lei geral do trabalho (1) sendo antes de aplicar, por analogia, o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/95, de 18 de Novembro, e que, depois, veio a ser revogado e substituído pela Lei n.º 28/98, de 3 de Agosto. Mais concretamente, na decisão ora recorrida decidiu-se que o regime aplicável à relação laboral em causa, era, por analogia, o do contrato de trabalho do praticante desportivo aprovado pela Lei n.º 28/98, por se ter entendido que esta Lei (lei nova) era aplicável aos contratos já existentes, por força do disposto na segunda parte do n.º 2 do art.º 12.º do Código Civil. E, nessa linha, a Relação entendeu, embora de uma forma implícita, que os contratos de trabalho celebrados entre as partes após a entrada em vigor da Lei n.º 28/98 eram contratos de trabalho a termo certo e que a comunicação enviada ao autor, pelo CC, através da carta datada de 29.5.2003, consubstanciava não uma declaração de despedimento, mas sim uma declaração de caducidade do último daqueles contratos, ou seja, o contrato celebrado em 1.8.2001, com início em 1.7.2001 e termo em 30.6.2003, repudiando, assim, a tese sufragada pelo autor na presente acção de que o seu contrato era sem termo e que a cessação do mesmo se traduzira num despedimento ilícito. No recurso de revista, o autor insiste na tese de que a sua relação laboral com os réus deve ser regulada pelo regime laboral comum e não pelo regime do contrato de trabalho do praticante desportivo, invocando três ordens de razões: - em primeiro lugar, por entender que não existe lacuna legislativa, uma vez que o contrato em questão não está excluído do âmbito de aplicação da LCT e da LCCT; - em segundo lugar, e sem prescindir, porque as razões subjacentes ao regime do contrato de trabalho do praticante desportivo não se verificam no caso dos treinadores de futebol da área profissional, uma vez que estes não são praticantes desportivos, e muito menos ocorrem no caso dos treinadores da área de formação, como era o caso do autor, não sendo, por isso, de aplicar, por analogia, o regime daquele contrato; - em terceiro lugar, e ainda sem prescindir, porque a aplicação da Lei n.º 28/98 traduzir-se-ia numa manifesta violação do princípio da não retroactividade das leis contido no artigo 12.º, nº 1, do Código Civil. Começando por apreciar a questão atinente à lacuna legislativa, no que concerne ao regime jurídico do contrato de trabalho dos treinadores de futebol, diremos que não há razões para não continuar a subscrever o entendimento que, a esse propósito, tem vindo a ser sufragado por este Supremo Tribunal (vide acórdãos atrás referidos). Na verdade, como bem se disse no acórdão de 24.1.2007, “[s]ão geralmente reconhecidas as particularidades e especificidades do fenómeno e actividades desportivos, nomeadamente no que respeita à sua vertente profissional, e a consequente inadequação do regime laboral comum para regular aspectos do contrato de trabalho desportivo que se prendem com tais especificidades”. O próprio legislador reconheceu essa especificidade ao publicar a Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.º 1/90, de 13 de Janeiro) que veio estabelecer o quadro geral do sistema desportivo, tendo por objectivo promover e orientar a generalização da actividade desportiva, como factor cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade (vide art.º 1.º), ao nela ter expressamente consignado que o regime jurídico contratual dos praticantes desportivos profissionais seria definido por diploma próprio, ouvidas as entidades representativas dos interessados e as federações desportivas, tendo em conta a sua especificidade em relação ao regime geral do contrato de trabalho (art.º 14.º, n.º 4) e ao estipulado que, no prazo de dois anos, o Governo faria publicar, sob a forma de decreto-lei, a legislação complementar necessária para o desenvolvimento da presente lei, designadamente no domínio do regime dos praticantes desportivos profissionais e equiparados (sublinhado nosso), entre estes se devendo englobar – dizemos nós –, os treinadores profissionais. E se é verdade que, em sede de regulação jurídica, só as especificidades referentes ao praticante desportivo é que mereceram, até agora, consagração legislativa, através do Decreto-lei n.º 305/95 e da Lei n.º 28/98, isso não significa, ao contrário do que pretende o recorrente, que estejamos perante “uma opção pensada e desejada pelo legislador que vê o treinador de futebol como um trabalhador comum e que, portanto, deverá ser sujeito ao regime laboral comum”. Ao invés, afigura-se-nos que a falta de regulação legal do contrato de trabalho dos treinadores profissionais de futebol é de imputar a alguma inércia do legislador, devida certamente ao facto do regime que na prática vinha sendo seguido ser mais ou menos consensual entre os respectivos interessados, ao facto de serem poucos os litígios decorrentes dessa contratação e ainda ao facto de, em 1996, ter sido celebrado um contrato colectivo de trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 22, de 22.7.1997, que foi alvo de Portaria de Extensão, publicada no BTE, 1.ª série, n.º37, de 8.10,1997, o que tornou praticamente desnecessária a publicação de legislação específica sobre a matéria. É certo, como diz o recorrente, que a LCT não exclui expressamente do seu âmbito o contrato dos treinadores de futebol, o mesmo acontecendo com a LCCT, mas tal argumento não é decisivo para se concluir pela aplicação do regime jurídico daqueles corpos de leis a todos os contratos que por eles não são objecto de exclusão, pois, como é sabido, a realidade social vai evoluindo e gerando novas situações que reclamam uma regulação jurídica diferente da que se encontra estabelecida para o comum das situações, o que dá origem às chamadas lacunas de previsão. Ora, como é indesmentível e notório, à data da publicação da LCT (24.11.1969) o fenómeno desportivo estava longe de assumir a relevância social que nas duas últimas décadas tem vindo a revestir, sendo essa falta de relevância social que terá levado o legislador a não o excluir expressamente do âmbito da aplicação da LCT. Por outras palavras, o legislador da LCT terá entendido que os contratos de trabalho de natureza desportiva ainda não eram merecedores de regulamentação legal. Com o evoluir do fenómeno desportivo, tal regulação passou a ser uma necessidade, por ser manifesto que, em certos aspectos, nomeadamente no que toca à temporalidade do vínculo contratual, o regime laboral comum não se adequava minimamente ao regime que na prática tinha sido adoptado no meio social desportivo, daí resultando a existência da correspondente lacuna legislativa de previsão. A factualidade dada como provado nos n.os 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36 e 37 da matéria de facto supra elencada dá-nos inquestionavelmente conta disso, pois como dessa factualidade se constata: - era a Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF) quem tinha a primeira chancela sobre o contrato de trabalho de treinador e certifica a conformidade do mesmo com as disposições do CCT (facto n.º 28); - na falta dessa conformidade, a ANTF não registava o contrato de trabalho nem emitia parecer prévio favorável, ficando o clube impedido de utilizar o treinador nas competições oficiais (factos n.os 29 e 30); - cabia e cabe à Federação Portuguesa de Futebol (FPF), após ter conhecimento do dito parecer prévio, licenciar o treinador, emitindo o respectivo "cartão", que permite ao treinador exercer as suas funções nas competições oficiais, vulgo "sentar-se no banco" (facto n.º 31); - aos clubes não servem os treinadores que não possam participar em competições oficiais e sentar-se no banco (facto n.º 32); - a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), a FPF e a ANTF não registam um contrato de trabalho de treinador que tenha sido celebrado sem termo (facto n.º 33); - os contratos outorgados em 1997.8.01, 1998.08.01, 1999.08.01, 2000.08.01 e 2001.07.01 foram homologados pela ANTF (facto n.º 34); - os contratos de trabalho outorgados em 1989.06.29, 1991.08.01, 1992.08.01, 1993.08.01, 1994.08.01 e 1996.08.01 foram elaborados em impressos próprios e fornecidos pela ANTF ao BB (facto n.º 35); - em todos esses contratos, a ANTF conferiu a sua "homologação sindical" (facto n.º 36); - e já antes do CCT os contratos de trabalho dos treinadores eram registados obrigatoriamente nas três entidades nele referidas e a actividade de treinador era licenciada pela FPF, nos mesmos moldes dos actuais (facto n.º 37). A lacuna de previsão afigura-se-nos, por isso, manifesta, não havendo, deste modo, razões para nos desviarmos da posição assumida por este Supremo Tribunal nos quatro acórdãos a que atrás fizemos referência. É certo que os casos tratados naqueles acórdãos diziam respeito a treinadores (um de voleibol e os outros de futebol) de equipas profissionais, o que não sucedia com o autor da presente acção, que foi treinador das chamadas camadas jovens, mais concretamente dos iniciados, juvenis e seniores, mas, em nossa opinião, o que realmente releva para dar por verificada a lacuna legislativa não é a natureza profissional ou não profissional da equipa que é treinada, mas sim o facto do treinador exercer a sua actividade em termos profissionais, como sucedia com o autor que, como tal, se encontrava inscrito na ANTF (facto n.º 15). A especificidade do contrato é aí que reside. Concluindo, diremos que o regime laboral comum, contido na LCT e na LCCT, não é directamente aplicável à situação a que os presentes autos se reportam. 3.2 Do regime efectivamente aplicável Não sendo o regime comum aplicável, importa saber qual é efectivamente o regime jurídico que deve ser aplicado. Nomeadamente, importa indagar se será de aplicar, por analogia, o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo, como fizeram as instâncias. Aceita-se que o regime do contrato de trabalho do praticante desportivo possa ser aplicável, por analogia, nos termos do art.º 10.º do C.C., aos contratos de trabalho dos treinadores profissionais, como este Supremo Tribunal já decidiu nos acórdãos acima referidos, mas, logicamente, essa aplicação analógica só terá lugar relativamente aos aspectos em que o contrato de trabalho seja omisso. Na verdade, na falta de regulamentação legal expressa, nada obsta a que as partes fixem livremente o conteúdo do contrato e neles insiram as cláusulas que lhes aprouver. O princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405.º do Código Civil assim o permite. Deste modo, nada obstava a que o autor e os réus tivessem celebrado, como celebraram, diversos contratos de trabalho a termo certo, o que torna os contratos perfeitamente autónomos entre si. E, nessa lógica, era perfeitamente lícito aos réus fazer cessar a relação laboral que vinham mantendo com o autor, invocando a caducidade da mesma para o termo do último dos contratos que com ele tinham celebrado, o que vale por dizer que o contrato cessou por caducidade e não por despedimento, com a consequente improcedência do recurso. Face à improcedência do recurso, fica prejudicado o conhecimento das questões do abuso de direito e da prescrição. 4. Decisão Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso e confirmar, embora com diferente fundamentação, a decisão recorrida. Custas pelo autor. Lisboa, 16 de Novembro de 2010 Sousa Peixoto (Relator) Sousa Grandão Pinto Hespanhol ________________________ 1) - No acórdão de 24.1.2007 decidiu-se que o regime laboral comum não era aplicável ao contrato de trabalho a termo, mas que não fora reduzido a escrito, celebrado entre o autor (treinador profissional de voleibol) e a ré (uma associação desportiva), para treinar a sua equipa sénior de voleibol, na época desportiva de 2002/2003. E nos acórdãos de 12.9.2007, 10.7.2008 e 20.5.2009 decidiu-se que aquele regime também não era aplicável aos contratos dos treinadores de equipas profissionais de futebol. |