Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20412/16.7T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 09/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I - A informação prestada pelo intermediário financeiro é deficiente e inexacta quando não elucida aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao cliente entender as respectivas especificidades.
II - Constitui aspecto essencial para um investidor de perfil conservador e não qualificado, a informação de apresentar a aplicação (obrigações SLN) como sendo um produto sucedâneo do depósito a prazo e com semelhantes características, sem que lhe tenha sido explicitado, pelo menos, que não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo, isto é, o reembolso de € 25 000,00 garantidos legalmente, que consubstancia característica específicas do produto ab initio (por não estar dependente de quaisquer variantes designadamente da evolução da conjuntura económico-financeira).
III - A violação do dever de informação que impende sobre intermediário financeiro leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no art. 314.º, n.º 2, do CVM.
IV - A verificação do nexo de causalidade entre o acto ilícito e o dano decorrente da perda do capital investido, enquanto pressuposto da responsabilidade do intermediário financeiro, constitui ónus do lesado a quem incumbe demonstrar que o comportamento violador do dever de informação havia sido decisivo e causal da subscrição das obrigações, no sentido de que, caso tivesse recebido a informação completa, não teria subscrito as obrigações.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório


1. AA1 instaurou acção declarativa de condenação com processo comum contra o Banco BIC Português, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar à herança indivisa, aberta por óbito de BB, a quantia de €105.982,87, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação até integral pagamento.


Fundamentou a acção invocando essencialmente:


- que o falecido BB foi cliente do Banco Português de Negócios (BPN), na agência de ..., como simples aforrador, aí mantendo uma conta de depósito a prazo;


- ter aquele subscrito, em Outubro de 2004, seduzido pelos funcionários do banco, convencido de que se tratava de uma variante de um depósito a prazo, mas mais bem remunerado, duas Obrigações SLN 2004, no valor, cada uma, de €50.000,00, tendo, para o efeito, resgatado o depósito a prazo que ali detinha;


- ter sido garantido ao referido BB o retorno das quantias investidas;


- não ter sido restituído o montante investido na data do respectivo vencimento, ficando privado do mesmo;


- se BB tivesse sido informado das características do produto, designadamente de que o capital não estava garantido, não teria feito tal subscrição.


2. A Réu contestou, defendendo-se por excepção (invocando a ineptidão da petição, a ilegitimidade activa e a prescrição do direito do Autor) e por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.


3. Em resposta o Autor defendeu a improcedência das excepções.


4. Foi proferido despacho convidando o Autor a fazer intervir os restantes herdeiros para prosseguirem os termos da acção, de harmonia com o artigo 311.º, do CPC, após o que CC e DD passaram a intervir nos autos.


5. No saneador foi julgada improcedente a ineptidão da petição e relegado para final o conhecimento da prescrição. Foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.


6. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a acção.


7. Os Autores interpuseram apelação impugnando a matéria de facto.


8. O Tribunal da Relação de Lisboa, por maioria, proferiu acórdão que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.


9. Inconformados os Autores interpuseram recurso de revista, concluindo nas suas alegações (transcrição):


A. A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, pelo menos, desde 19/09/2017, bem como deste Colendo Tribunal.


B. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, desde 19/09/2017, um grande conjunto de acórdãos em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes.


C. Também este Colendo Tribunal tem decidido em sentido literalmente oposto ao agora professado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, nomeadamente, nos acórdãos de 25.10.2018 (José Manuel Bernardo Domingos), proferido no processo n.º 2581/16.8T8LRAC2.S1, de 18/09/2018 (Maria Olinda Garcia), proferido no âmbito do processo n.º 20.403/16.8T8LSB.L1.S1, de 18/09/2018 (Salreta Pereira), proferido no âmbito do processo n.º 20.329/16.5T8LSB.L1.S1, e de 26/03/2019 (Alexandre Reis), proferido no âmbito do processo n.º 2.259/17.5T8LRA.C1.S1.


D. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa faz “tábua rasa” à violação do dever de informação pelo Banco réu, plenamente demonstrado e provado.


E. Ainda que, em 2004, não se entrevisse o futuro financeiro da entidade emitente das obrigações dos autos, sempre seria de crucial importância que não tivesse sido prestada ao falecido pai do autor falsa informação sobre as ditas obrigações, nomeadamente, que as mesmas eram produtos seguros, equivalentes a um depósito a prazo, com risco igual ao do Banco e que poderiam ser resgatadas a qualquer altura, com o que apenas sofreria uma penalização nos juros.


F. A representação, razoavelmente feita pelo falecido pai do autor, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos “ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência”, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M..


G. Ao contrário do entendido pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou o falecido pai do autor, que perdeu o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €100.000,00.


H. Quanto à responsabilização do Banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, pela violação dos deveres de informação, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado pela jurisprudência dos tribunais superiores.


I. Numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. Na situação em apreço, para além da ilicitude e da culpa do réu, verifica-se também o nexo de causalidade adequada entre a atuação do réu e o não reembolso, na maturidade, do capital investido, ou seja, verifica-se a ilicitude, por violação do dever de informação, a culpa, que se presume e o nexo entre o facto e o dano, que também se considera abrangida pela presunção do n.º 1 do art. 799º do C. Civil.


J. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.


K. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a contraparte.


L. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.


M. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao falecido pai do autor a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos do disposto nos artigos 314.º, n.º 2 do C.V.M. e 799.º, n.º 1 do C.C., como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.


N. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C..


O. A decisão agora posta em crise, para além de consubstanciar uma flagrante injustiça, procede a uma autêntica lavagem, se não mesmo derrogação, do regime da responsabilidade do intermediário financeiro.


P. A decisão recorrida alimenta uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para os clientes, investidores não qualificados, e instala a indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.


Q. O douto acórdão recorrido, contornando ostensivamente factos notórios vem passar uma esponja e branquear todo um conjunto de crimes perpetrados por O... e companhia, recusando, além do mais, reapreciar a prova gravada.


R. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, afinal não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2004 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.


S. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo SLN estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.


T. As condenações nos processos n.º 121/08.1... e n.º 4.910/08.9... demonstram cabalmente que afinal não foi a crise financeira do SUB PRIME que esteve na origem na rutura e no buraco financeiro do grupo SLN/BPN.


U. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 73.º; 74.º; 75.º, n.º 1 e 76.º do R.G.I.C.S.F., nos artigos 13.º, n.º 1; 323.º, n.º 1 344.º, n.º 1; 406.º; 483.º; 485.º; 487.º; 563.º; 573.º; 762.º, n.º 1; 798.º; 799.º e 800.º do Código Civil, no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.C., no artigo 20.º, nº 4 da C.R.P. e nos artigos 1.º, n.º1, al. a); 7.º; 30.º; 289.º; 290.º; 292.º; 293.º, n.º 1, al. a); 304.º; 304.º-A; 305.º; 309.º-A; 309.º-B; 310.º; 312.º; 314.º e 325.º a 334.º do C.V.M..”.


9. Em contra alegações a Ré defende a improcedência do recurso.


II – APRECIAÇÃO DO RECURSO


De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:

Da (in)verificação dos pressupostos da responsabilidade do intermediário financeiro pela perda do capital investido em obrigações SLN Rendimento Mais 2004


1. Os factos


1.1 provados


1. O Autor e os intervenientes principais são filhos de BB, falecido em ...-...-2015.


2. O falecido BB esteve emigrado em ... durante cerca de trinta anos e regressou a Portugal para gozar a sua reforma.


3. O falecido BB era cliente do Réu, antes denominado BPN (Banco Português de Negócios), agência de ..., durante pelo menos 15 anos, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.


4. Até à sua nacionalização, em Novembro de 2008, a totalidade do capital social do Réu era detida pela sociedade “BPN, SGPS”, a qual, por sua vez, era detida, na íntegra, pela sociedade então denominada “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”


5. O Réu, até à sua nacionalização, para além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro em instrumentos financeiros, estando, como tal, registado na Comissão de Mercado de Valores Imobiliários desde, pelo menos, 1993.


6. Em Outubro de 2004, o pai do Autor tinha um depósito a prazo no montante de € 100.000,00 e, por proposta de um funcionário do Réu, subscreveu, em 25-10-2004, a compra de duas obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor nominal de € 50.000,00 cada e global de € 100.000,00, o que fez através da assinatura de um documento intitulado “Comunicação de Cliente”, já preenchido à mão, que o mesmo se limitou a assinar.


7. Para o efeito, o pai do Autor procedeu, no mesmo dia, ao resgate do depósito a prazo, tendo-lhe sido debitada na conta à ordem a quantia de € 100.000,00 para aquisição das obrigações.


8. O pai Autor era pessoa de instrução equivalente ao actual 1.º ciclo do ensino básico e sempre viveu do seu trabalho, nunca tendo procurado fazer investimentos de risco.


9. O pai do Autor só aceitou subscrever as obrigações SLN Rendimento Mais 2004 porque confiou no funcionário do Banco que lhe propôs tal subscrição, como sendo um produto sucedâneo do depósito a prazo e com semelhantes características.


10. Não foi dada ao pai do Autor a nota informativa da operação nem lhe foram explicadas as características do produto, nomeadamente os conceitos de reembolso antecipado, liquidez e subordinação, constantes da nota informativa.


11. Após a nacionalização do BPN, em Novembro de 2008, o pai do Autor procurou reaver a quantia investida nas obrigações SLN 2004.


12. Muitos gestores de conta do Réu aconselharam os seus clientes a subscrever este produto financeiro sem terem a exacta noção do que se tratava.


13. O pai do Autor não sabia o que era a SLN.


14. Até ao presente, a herança aberta por óbito de BB não recebeu qualquer valor por conta do capital subscrito nas Obrigações SLN Rendimento Mais 2004.


15. As Obrigações SLN foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A., sendo a sua principal característica a sua emissão por um prazo de 10 anos, não sendo permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas, sendo a responsabilidade pelo pagamento da remuneração e pelo reembolso do capital da entidade emitente.


16. A entidade emitente das obrigações era titular de 100% do capital social do Banco, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que esta sociedade foi nacionalizada.


17. Foi informado ao pai do Autor que a única forma de obter liquidez, no caso de subscrição de obrigações e se pretendida antes da data do respectivo reembolso, era vender as mesmas endossando-as a um terceiro, o que, à data, era muito fácil por a procura superar em muito a oferta.


18. Até à data da liquidação da subscrição das Obrigações, o pai do Autor constituiu um depósito a prazo intercalar.


19. O pai do Autor recebeu sempre um extracto mensal onde lhe apareciam e aparecem essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos, separadas das restantes aplicações, tendo recebido juros remuneratórios até Setembro de 2015.


20. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.”, apresentou, no Tribunal da Comarca de ..., um Processo Especial de Revitalização, o qual corre seus termos pela 1.ª Secção de Comércio - J..., com o número 22922/15.4..., tendo sido logo proferido o despacho e sido proferida sentença que, declarando encerrado o processo negocial, sem aprovação do Plano de Recuperação, determinou o encerramento do Processo de Revitalização;


21. A “Galilei, SGPS, S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29-06-2016, proferida pelo Tribunal da Comarca de ..., 1.ª Secção de Comércio-J..., no âmbito do processo número 23449/15.0...


22. O Autor tomou conhecimento de que o dinheiro recebido do seu pai estava aplicado em Obrigações SLN 2004 aquando da divulgação pública da nacionalização do banco BPN, ocorrida em Novembro de 2008.


23. A presente acção foi proposta em 05-08-2016.


1.2 não provados


a) Que foram dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efectivos subscritores das obrigações, a nota informativa referente ao produto SLN Rendimento Mais 2004, nem mostrarem tal nota aos clientes;


b) Que foi transmitido ao pai do Autor que, não obstante tratar-se de obrigações a dez anos, este poderia resgatá-las a qualquer altura, já que a grande preocupação daquele era ter o dinheiro sempre disponível;


c) Que, numa primeira fase após a nacionalização, os funcionários do Réu diziam a todos investidores, como ao falecido pai do Autor, para terem paciência e aguardarem, pois em breve teriam o seu dinheiro de volta;


d) Que o pai do Autor inúmeras vezes exigiu que lhe fosse prestada informação com as condições da operação por si subscrita.


2. O direito


Através da presente acção pretendem os Autores que o Banco Réu restitua à herança o capital investido (no valor total de €100.000,00) pelo falecido BB ao subscrever (duas) obrigações SLN na convicção de que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo face à informação (inexacta, ou quanto menos omitida, quanto ao risco da operação) prestada pelo Banco Réu quanto às características do produto.


Defendem nas alegações que a matéria de facto provada demonstra a violação dos deveres de informação por parte do BPN, bem como a existência dos restantes pressupostos da responsabilidade, que sempre seriam de presumir (culpa e nexo de causalidade entre o facto e o dano sofrido consubstanciado na não restituição do capital investido).


O acórdão recorrido, no seguimento do que havia sido decidido na sentença2, concluiu que não podia ser assacada qualquer responsabilidade ao Banco Réu por inexistência de conduta ilícita, afastando, por isso, a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro. Sustentou-se na factualidade vertida nos pontos 15, 16 e 17 da matéria de facto provada, referindo a tal respeito que “as informações dadas pelos funcionários do banco eram aquelas que, à data, eram adequadas, não sendo previsível o descalabro financeiro entretanto verificado”. Adiantou igualmente que, ainda que assim não fosse, não se encontrava demonstrado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, porquanto “o dano suportado deve-se à insolvência da entidade emitente, circunstância que não era previsível à data da subscrição das obrigações, não estando assente qualquer violação contratual por parte do banco, nem que tenha sido por força da informação que lhe foi prestada que o pai do A. efectuou a aludida subscrição.


De facto, o motivo pelo qual não é efectuado o reembolso da quantia investida é a insolvência da entidade emitente das Obrigações, responsável pelo reembolso do capital, cfr. nºs 15. 16., 20. e 21. dos factos provados. Ou seja, o que se verifica é o incumprimento de obrigações da responsabilidade da entidade emissora das “Obrigações SNL Mais 2004”, pelas quais o R. não pode ser objectiva ou subjectivamente responsável, já que não assumiu junto do pai do A. o reembolso do capital investido, pelo que nunca se poderia concluir que o dano verificado se deve à conduta do banco.”.


2.1. Da violação do dever de informação


Segundo o acórdão recorrido, o Banco não cometeu qualquer ilícito por se mostrar verdadeira a informação prestada no sentido de o produto ser seguro, pelo que o risco da operação em causa, porque referente ao cumprimento da obrigação de reembolso (incumprimento da prestação principal da entidade emitente - risco geral de incumprimento), não se encontrava abrangido pelos artigos 304.º e 312.º, n.º1, alínea a), do Código dos Valores Mobiliários - CVM (risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo); como tal, o intermediário financeiro não estava obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.


Não podemos concordar.


2.1.1. Em causa está um contrato de intermediação financeira celebrado em Outubro de 20043, cabendo aplicar o regime jurídico em vigor àquela data (o CMVM aprovado pelo DL 486/99, de 13-11 e sucessivas alterações, sendo a introduzida pelo DL 66/2004, de 24-03, última com relevância para a situação sob apreciação).

Conforme se fez realçar no acórdão de 15-12-20204, a “actividade de intermediação financeira e, no caso, a responsabilidade do Banco que presta informações com vista a celebração de negócios, encontra-se submetida a um conjunto de regras específicas.

Com efeito, o CVM impõe aos intermediários financeiros especiais deveres de informação e publicidade (artigos 312.º e 323.º, do CVM, na versão a ter em conta o caso), que se destinam a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, devendo possuir os requisitos de completude, verdade, atualidade, clareza, objetividade e licitude (artigo 7.º, nº 1, do CVM).

Determina o n.º1 do artigo 304.º do CVM, que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade por forma a proteger os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, dispondo o n.º2 que os mesmos devem conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

Encontram-se assim os intermediários financeiros adstritos a deveres principais (os indicados de protecção dos legítimos interesses dos clientes, de informação e publicidade) e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado (n.º2 do artigo 304.º do CVM).

Importa realçar que relativamente aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção do serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3, CVM), pelo que não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses do mesmo (artigo 310.º, n.º 1 CVM), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3, CVM).

Destinando-se as informações a prestar ao cliente para a tomada de uma decisão esclarecida e fundamentada, a extensão e profundidade da mesma dependem do grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º n.º2, CVM)”.


Encontrando-se o intermediário financeiro adstrito a prestar a melhor informação para o cabal esclarecimento do cliente, a mesma só será completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais no processo de tomada da decisão de investir (Simão Mendes de Sousa, Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever, AAFDL, 2017, pp. 55-56).


A matéria de facto provada (cfr. n.ºs 6, 9,10 e 13) revela que a informação prestada ao falecido BB foi incompleta, obscura e com falta de objetividade.


Com efeito, do elenco dos factos provados decorre que não só não foi entregue ao BB qualquer nota informativa quanto ao produto financeiro, como não lhe foi explicado (não obstante o teor do ponto 17 da matéria de facto provada) que o produto implicava uma indisponibilidade do capital por determinado período, não podendo ser solicitado o reembolso antecipado da emissão.


E porque se impunha, neste contexto (tendo em conta o perfil do investidor em causa – cfr. ponto 8 da matéria de facto), que a informação prestada fosse coincidente com a realidade dos factos por forma a não induzir em erro o potencial investidor (cfr. Simão Mendes de Sousa, obra citada, p. 57), verifica-se que, no caso, tal não aconteceu porquanto a factualidade apurada revela que a informação prestada padece de inexactidão atento o facto de o produto em causa não possuir a mesma garantia de um depósito a prazo5; nessa medida, para além da natureza do produto - obrigações representativas de dívida subordinada - e da sua implicação em caso de insolvência ou liquidação da sociedade, não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo até 25 000 ecu (artigos 164.º e 166.º, n.º1, do DL 298/92, de 31-12., na redacção do DL 252/2003, de 17-10).


Na sequência do realçado no citado acórdão de 15-12-2020, essa característica consubstanciava uma diferença crucial para um investidor com o perfil do pai dos Autores (cfr. n.ºs 6 e 8 dos factos provados) e verificava-se ab initio, porquanto em caso de falência de banco depositário o depositante teria o reembolso de € 25.000,00 garantidos legalmente. Porém, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que veio a suceder, os Autores não têm garantia legal (a priori) de reaver qualquer montante aplicado no produto.


Como refere Agostinho Cardoso Guedes, o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pp. 138-139).


No caso em apreço, conforme referido, a informação foi indubitavelmente deficiente, inexacta e obscura porque não foram esclarecidos aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao falecido BB entender as respectivas especificidades. Note-se que o Banco caracterizou a aplicação como sendo um produto sucedâneo do depósito a prazo e com semelhantes características – facto n.º 9), que não só não concretizou, como seria passível de pretender induzir em erro o investidor relativamente às concretas especificidades do produto.


Impunha-se, pois, que o pai dos Autores tivesse sido elucidado de forma a saber se estava (ou não) assegurado o reembolso do capital investido e se este assumia (ou não) as caraterísticas e garantias de um depósito a prazo, que consubstanciavam as características específicas do produto ab initio, ou seja, não estavam dependentes de quaisquer variantes designadamente da evolução da conjuntura económico-financeira.


Por conseguinte e ao invés do concluído pelas instâncias, encontra-se demonstrada a violação do dever de informação por parte do Banco; como tal, a prática do acto ilícito pressuposto da sua responsabilidade.


Uma vez violado, pelo intermediário financeiro, o dever de informação relativamente aos esclarecimentos que estava obrigado a dar ao pai dos Autores, há que presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no artigo 314.º, n.º 2, do CVM.


2.2 Do nexo de causalidade


Entendeu ainda o acórdão recorrido que, ainda que fosse de considerar verificada a violação do deve de informação, não se encontrava demonstrado o pressuposto da responsabilidade do Réu reportado ao nexo causal entre o facto ilícito e o dano.


Relativamente a este aspecto, importa ter em linha de conta o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, deste Tribunal, n.º 8/2022, publicado no Diário da República, 1.ª série, de 3 de Novembro de 20226, que uniformizou jurisprudência, nos seguintes termos:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.


2 - Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.


3 - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.


4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.


Em conformidade com tal entendimento no que diz respeito ao pressuposto nexo de causalidade, para que na situação sob apreciação se pudesse concluir pela responsabilização do Banco Réu pelo dano decorrente da perda do capital investido, caberia a demonstração (ónus dos Autores) de que o comportamento do Banco violador do dever de informação havia sido decisivo e causal da subscrição das obrigações, no sentido de que, caso tivesse recebido a informação completa, o falecido BB não teria subscrito as obrigações, isto é, nunca teria adquirido as obrigações caso tivesse sido informado, designadamente, de que as mesmas eram produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o Banco não podia garantir, nem . Tal, porém, conforme concluído pelas instâncias, não ficou provado, o que determina, necessariamente, a improcedência da pretensão dos Autores/Recorrentes.


IV. DECISÃO


Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça, julgar a revista improcedente, ainda que com fundamento não de todo coincidente.


Custas pelos Autores.

Lisboa, 13 de Setembro de 2023

Graça Amaral (Relatora)


Maria Olinda Garcia


Barateiro Martins





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1. CC e DD entretanto Chamados.↩︎

2. Considerou ainda o tribunal de 1ª instância que ainda que se verificassem os pressupostos de responsabilidade da Ré, a acção teria de improceder por ocorrer prescrição do direito do Autor e dos Intervenientes, atento o disposto no artigo 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários, uma vez que, à data da entrada da acção, já há muito havia sido ultrapassado o prazo de prescrição de dois anos (aplicável por no caso não se ter provado actuação dolosa do intermediário e face à data em que o pai do Autor tomou conhecimento da natureza do investimento em Obrigações SLN aquando da nacionalização do banco e sua divulgação pela comunicação social: finais do ano de 2008).↩︎

3. Através da venda ou subscrição, como cliente do Réu, de obrigações não pertencentes à instituição bancária, mas pertencente à SLN, entidade emitente das obrigações em causa; nessa medida, o Banco actuou como intermediário financeiro↩︎

4. Proferido no Processo n.º 2243/18.1T8STR.E1.S1 (com intervenção da aqui Relatora e da 1.ª Adjunta).↩︎

5. Facto n.º 9.↩︎

6. Com a Declaração de Retificação n.º 31/2022, de 21 de Novembro de 2022.↩︎