Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25795/15.3T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
BANCO
LIQUIDAÇÃO
INSOLVÊNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
BANCO DE PORTUGAL
MEDIDA DE RESOLUÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
IMPROCEDÊNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 03/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 272.º, N.º 1.
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 1.º E 4.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 12.º E 45.º.
LEI ORGÂNICA DO BANCO DE PORTUGAL (LOBP): - ARTIGOS 17.º, 17.º-A E 39.º.
DL N.º 199/2006, DE 25/10: - ARTIGOS 5.º E 8.º.
DL N.º 31-A/2012, DE 10/2: - ARTIGO 2.º.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E CONSELHO 1022/2013/EU.
REGULAMENTO (EU) 1024/2013 DO CONSELHO, DE 15/10: - ARTIGOS 4.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 14.º, N.º 5.
REGULAMENTO (EU) 468/2014 DO BANCO CENTRAL EUROPEU, DE 16/4: - ARTIGO 80.º E SS..
Referências Internacionais:
DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2014/49/EU.
DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2014/59/UE.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2014, DE 15 DE MAIO DE 2013;
- DE 26-09-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A acção proposta contra o banco A e o banco B, em litisconsórcio voluntário, no decurso da qual vem a pender processo de liquidação do primeiro, em consequência de decisão do Banco Central Europeu que produz os efeitos da declaração de insolvência, deve ser extinta, quanto ao mesmo, por inutilidade superveniente da lide, cf. AUJ do STJ n.º 1/2014, de 15-05-2013.

II - A suspensão da instância contra o banco B, por alegadamente pender acção administrativa cujos pedidos envolvem o pressuposto da pretensão formulada – a invalidade de deliberações do Banco de Portugal –, deve ser indeferida se os autores não demonstram a identidade de causas de pedir das duas acções, necessária à relação de prejudicialidade – art. 272.º, n.º 1, primeira parte, do CPC.

III - O pedido de condenação do banco B com fundamento na transmissão da responsabilidade do banco A – esta, por sua vez, com fundamento (i) na assunção da obrigação de pagamento, (ii) na responsabilidade obrigacional ou delitual por violação dos deveres do intermediário financeiro e (iii) na responsabilidade por culpa in contrahendo – improcede se, da interpretação das deliberações do Banco de Portugal de 03-08-2014, na redacção de 11-08-2014, e de 29-12-2105, se conclui que o crédito dos autores emergente de negócio de subscrição de instrumentos financeiros não foi transferido do primeiro para o segundo banco.

IV - A jurisdição administrativa é a competente para conhecer da sindicância, à luz da Constituição e da Lei, da validade das medidas de resolução do Banco de Portugal adoptadas relativamente ao banco A – arts. 1.º e 4.º do ETAF, 12.º e 45.º-AR do RGICSF e 39.º da LOBP.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA, BB e CC intentaram a presente ação contra Banco DD, S.A. (DD) e EE, S.A. (NB), pedindo que estes sejam solidariamente condenados a restituir-lhes a totalidade do capital investido nos títulos Euroaforro 10 e Poupança Plus 5, no montante de 142.590 €, acrescida a restituição do pagamento de juros remuneratórios e moratórios vencidos, nos montantes, respetivamente, de 6.544,41 € e de 5.460,73 € e, bem ainda, de indemnização por danos não patrimoniais, no montante de 20.000 €, tudo perfazendo 176.494,44, sobre que deverão incidir juros vincendos, à taxa legal de 4%.

Contestaram os RR., ambos por exceção e por impugnação.

Vieram ainda os AA., com fundamento nos arts. 39º, 316º, nº 2 e 318º, nº 1, alínea b) do CPC, deduzir incidente de intervenção principal provocada do Fundo de Resolução, que lhes não foi admitido, tendo desse despacho interposto recurso para a Relação (reclamaram, com êxito, da não admissão do recurso).

Foi proferida decisão, em sede de saneador, absolvendo do pedido o NB, por falta de legitimidade substantiva e declarando extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao DD.

Dessa decisão igualmente apelaram os AA.

2. Proferido acórdão pela Relação, a julgar ambas as apelações improcedentes, confirmando o despacho que não admitira a intervenção provocada do Fundo de Resolução, bem como, com idênticos fundamentos, o saneador-sentença.

3. Interpuseram os AA. revista excecional, a qual vem admitida por acórdão proferido pela formação prevista no nº 3 do art. 672º do CPC.

Revista admitida ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do citado artigo, referenciando-se no mesmo acórdão anteriores processos, também respeitantes à situação dos «chamados lesados do DD», nos quais se decidira em igual sentido.

4. Formulam os Recorrentes, a final da alegação, as seguintes a conclusões:

«I. O presente recurso de revista excepcional deverá ser admitido, desde logo, para apreciação de três questões (…).

II. Em primeiro lugar, cumpre decidir se a aferição da (i) legitimidade substantiva do Réu EE poderá ser efectuada em sede de saneador-sentença, mediante convocação do artigo 595.°, n.º1, alínea b) do CPC, ainda antes de produzida toda a prova necessária para o efeito, designadamente em sede de audiência de discussão e julgamento, sabendo-se, por um lado, que é facto público e notório que estão pendentes acções judiciais de natureza administrativa que visam a declaração de nulidade, com força obrigatória geral das Deliberações do Banco de Portugal de 03.08.2014 e de 29.12.2015 e, por outro, que caso se prove que os recorrentes subscreveram os produtos financeiros em causa convencidos (erroneamente) que se tratavam de depósitos a prazo, tal passivo do DD considerar-se-ia transmitido para o EE à luz da Medida de Resolução;

III. Em segundo lugar, cumpre aquilatar se, à luz do artigo 287.°, alínea c), do CPC, se poderá proceder à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide face ao 1.º Réu DD, investido na condição de devedor originário, mediante convocação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 1/2014, no sentido de se determinar se tal aresto é aplicável apenas quando figura, do lado passivo, um único Réu (como propugnam os recorrentes), ou se também é convocável quando estejamos perante uma pluralidade de Réus (como sucede no caso vertente);

IV. Em terceiro lugar, deverá entender-se que estamos perante uma questão nova ainda insuficientemente versada no tocante à delimitação da transferência de passivos do Banco Espírito Santo, S.A. para o EE S.A., em função da resolução bancária de 03.08.2014, figura recente no direito europeu e no direito interno, pouco tratada na doutrina e na jurisprudência, e tendo gerado frequentes os litígios dela decorrentes, tudo aconselhando uma prolação reiterada de decisões judiciais, em ordem a uma melhor aplicação da justiça.

V. (…).

VI. O presente recurso de revista tem por fundamento, quer a violação da lei de processo, quer a violação de lei substantiva, por erro de interpretação e aplicação, nos termos das alínea a) e b) do n.º 1, do artigo 674.° do CPC.

VII. Ao conhecer da excepção peremptória inominada relacionada com a (i) legitimidade substantiva do Réu EE, o Tribunal a quo procedeu a uma violação dos artigos 595.º, n.º1, alínea b), 272.º e 412.° do CPC, porquanto: i) é facto público e notório que, quer a Deliberação reportada à Resolução do Banco Espírito Santo, S.A., de 3 de Agosto de 2014, quer a Deliberação (interpretativa da deliberação anterior) do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015, foram objecto de impugnação judicial por vários interessados junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mediante invocação da respectiva nulidade e concomitante declaração de eficácia geral, que são causas prejudiciais à presente demanda, a impor a suspensão dos presentes autos até decisão transitada em julgado; ii) apenas após a produção de prova, designadamente em sede de audiência de discussão e julgamento, seria  possível aferir em que circunstâncias foram adquiridos os produtos financeiros subscritos pelos Autores, aquilatar acerca da concreta existência de vícios de comercialização e determinar se os recorrentes adquiriram tais produtos na convicção de que se tratavam de depósitos a prazo; iii) em tal hipótese, isto é, provando-se que subscreveram tais produtos financeiros na errónea pressuposição (por culpa do DD) de que se tratava de um depósito a prazo, com capital certo, acrescido de uma concreta valorização futura, sempre haveria que considerar que tal passivo (do DD) teria sido transmitido para o Réu EE à luz da Medida de Resolução (à semelhança do que sucedeu com os demais depósitos à ordem e a prazo);

VIII. A jurisprudência do Acórdão do STJ n.º 1/2014 versa sobre as causas em que do lado passivo está apenas um único Réu, não valendo, por conseguinte, para os casos (como o presente) em que existem dois ou mais Réus, mormente naqueles em que, além do devedor principal (DD), existem outros co-Réus, na qualidade de devedores subsidiários (EE) e cuja responsabilidade depende da prova da responsabilidade do devedor originário, sendo, por isso, inaplicável a alínea e) do artigo 287.° do CPC relacionada com a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide;

IX. O Tribunal a quo deveria ter declarado a nulidade da Medida de Resolução do "DD", assim como das subsequentes Deliberações Interpretativas de 29.12.2015, atentos os vícios de inconstitucionalidade de que padecem, causadores da subsequente nulidade, sendo insusceptíveis de vigorar na ordem jurídica qua tale;

X. A exclusão da transmissão para o EE dos créditos que vem prevista no Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal de 03.08.2014 é directamente inconstitucional na interpretação de que aí se integram - ou seja, ficam excluídos da transmissão para o EE, S.A. - as obrigações do DD, S.A., de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), como sucede com os recorrentes, que desconheciam os riscos dos produtos de investimento e a quem foi assegurado o compromisso assumido de entrega do capital acrescido de determinada valorização concreta futura, por violação grave de garantias de tais consumidores, dimanadas do princípio da proporcionalidade e da protecção da confiança, padecendo, assim, de nulidade e sendo insusceptível de subsistir na ordem jurídica;

XI. Tal exclusão da transmissão não é, por conseguinte, indispensável ao fim que se pretende atingir, mas mesmo que, por hipótese, se considerasse que tal exclusão era necessária à prossecução do fim, ter-se-ia também forçosamente que concluir que a imposição de uma perda total aos consumidores em situações análogas às dos aqui recorrentes seria absolutamente desrazoável e desproporcional;

XII.A norma a coberto da qual foi produzida a deliberação reportada à Medida de Resolução do DD - pretérito artigo 145.º-H, n.º5, do RGICSF - é inconstitucional na interpretação de que podem ser objecto da transferência aí prevista as obrigações do DD, S.A., de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais), como sucede com os recorrentes, que desconheciam os riscos dos produtos de investimento e a quem foi assegurado o compromisso assumido de entrega do capital acrescido de determinada valorização concreta futura, por violação grave de garantias de tais consumidores dimanadas do princípio da confiança;

XIII. Por assim ser, serão ilegais as deliberações do Banco de Portugal posteriores a 03.08.2014 que tomaram por base tal sentido da norma na parte em que afectam os referidos consumidores, cominando-se com a sanção de nulidade por violação das garantias de emergem do princípio da confiança;

XIV. Pela mesma ordem de razões, as próprias deliberações posteriores a 03.08.2014 são directamente inconstitucionais, na interpretação de que podem ser objecto das mesmas as obrigações do DD, S.A. de que sejam titulares (credores) consumidores particulares (não institucionais) que desconheciam os riscos dos produtos de investimento e a quem foi assegurado o compromisso assumido de entrega do capital acrescido de determinada valorização concreta futura, por violação do princípio da protecção da confiança, e a própria deliberação de "contingências" de 29.12.2015, por grosseira violação do princípio da separação de poderes, pois incide sobre matéria que cabia aos Tribunais dirimir, imiscuindo-se ilegalmente na reserva de jurisdição do Tribunal- artigo 202.° da CRP), sendo, por isso, nulas;

XV. Ainda que assim não fosse (ou seja, mesmo que se considere serem tais deliberações conformes ao texto constitucional), sempre haverá que considerar que os créditos de que os ora recorrentes se arrogam titulares se transmitiram para a esfera jurídica do "EE"».

Contra-alegaram os RR., defendendo a confirmação do acórdão recorrido.

5. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

6. Consideradas as transcritas conclusões da alegação dos Recorrentes (CPC, arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2), são questões a decidir no presente recurso: (i) extinção da instância, por superveniente inutilidade da lide, relativamente ao 1º R, o DD, face ao disposto no art. 287º, alínea e) do CPC e presente o AUJ 1/2014; (ii) suspensão da instância, relativamente ao 2º R., o NB, atento o disposto na 1ª parte do nº 1 do art. 272º do CPC e (iii) conhecimento imediato do mérito da causa, relativamente ao 2º R., nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 595º do CPC.

Examinando as questões pela ordem indicada, relativamente a cada uma delas indo convocada a matéria processualmente pertinente:

6.1. Extinção da instância, por superveniente inutilidade da lide, relativamente ao 1º R, o DD (conclusões III e VIII da alegação dos Recorrentes).

6.1.1. Encontra-se pendente na 1ª Secção de Comércio da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa processo de liquidação do DD, requerido pelo Banco de Portugal, na sequência da revogação pelo BCE, em 13 de Julho de 2016, da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito [arts. 4º, nº 1, alínea a) e 14º, nº 5 do Regulamento (EU) 1024/2013 do Conselho, de 15/10; arts. 80º e ss. do Regulamento (EU) 468/2014 do Banco Central Europeu, de 16/4; arts. 5º e 8º do DL 199/2006, de 25/10, o segundo artigo na redação do  DL 31-A/2012, de 10/2].

A decisão de revogação da autorização produz os efeitos da declaração de insolvência, regendo-se a liquidação judicial das instituições de crédito, em tudo o que não estiver especialmente previsto no DL 199/2006, pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (nºs. 1 e 2 do art. 8º, cit.).

6.1.2. Não impugnada e firmada na ordem jurídica a decisão em causa de revogação da autorização, situação normativamente equiparada, nos apontados termos, ao do trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência, «fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do CPC» (acórdão de uniformização de jurisprudência 1/2014, de 15 de Maio de 2013).

Os Recorrentes não discutem o acerto da solução estabelecida no referido acórdão uniformizador; apenas têm este como não aplicável ao caso, dado estar-se perante uma pluralidade de Réus, defendendo que o co-réu NB se apresenta na qualidade de devedor subsidiário (citadas conclusões).

A causa de pedir da ação, tal como explanado no corpo da alegação dos Recorrentes (nºs. 2.1.2.7 e ss.) assentará na «responsabilidade originária do 1º Réu DD pela prática de facto ilícito gerador de responsabilidade civil, de que depende a invocada responsabilidade sucessiva do Réu EE, S. A., para quem foi transmitida e transferida aquela responsabilidade originária».

Responsabilidade solidária (arts. 512º e 513º do CC), portanto – o pedido formulado na ação pelos próprios (os agora Recorrentes) visa expressamente a condenação solidária dos RR.

Podendo o credor demandar qualquer dos devedores pela prestação integral, significa que, no presente processo vem configurado, não um litisconsórcio necessário, mas um litisconsórcio voluntário (art. 32º do CPC).

Como litisconsortes voluntários, as partes demandadas mantêm uma posição de autonomia, podendo ser, relativamente a cada uma delas, como anotado na doutrina, diversas as vicissitudes da instância.

Assim sendo, «é perfeitamente operante a decisão de inutilidade superveniente da lide quanto ao Réu DD, em liquidação, com o consequente prosseguimento da acção em relação aos restantes Réus, sendo por isso irrelevante que qualquer decisão tomada na sede insolvencial daquele seja inoponível em relação ao EE, pois este só responderá se se verificarem os pressupostos de transmissão aduzidos e trazidos a juízo nesta acção (…)» (ASTJ de 26.9.2017, disponível, bem como os adiante citados, em http://www.dgsi.pt/jstj).

6.1.3. Improcedendo, deste modo, a alegada causa de exclusão para aplicação do AUJ 1/2014 ao caso, confirma-se, a essa luz, a declaração da extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, relativamente ao 1º R.

6.2. Suspensão da instância, relativamente ao 2º R., o NB – 1ª parte do nº 1 do art. 272º do CPC (conclusão VII, 1ª parte, da alegação dos Recorrentes; veja-se, ainda, conclusão II).

Os Recorrentes, em vista do poder-dever estatuído na disposição normativa em causa, alegam (i) a existência de impugnações das deliberações do Banco de Portugal que conformaram a aplicação da medida de resolução ao DD, apresentadas «por vários interessados junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mediante invocação da respectiva nulidade e concomitante declaração de eficácia geral» e (ii) o estabelecimento de um nexo de prejudicialidade entre aquelas outras ações e a presente; a existência de tais impugnações constituiria «facto público e notório».

O acórdão da Relação, ao decidir pela não verificação de fundamento para a suspensão da instância, considerou «que nada nos autos mostra que os AA sejam partes em tais acções administrativas, quais as respectivas causas de pedir e pedidos. E logo isso impede que se possa falar de causa prejudicial enquanto aquela “que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada”(…) Não é notório que existam acções nos tribunais administrativos cujos pedidos envolvam o pressuposto da pretensão formulada nos presentes autos».

As ações administrativas referenciadas pelos Recorrentes quadrar-se-ão, hipoteticamente, no processo de impugnação de normas, regulado nos arts. 72º e ss. do CPTA, impugnação que «tem por objeto a declaração da ilegalidade de normas emanadas ao abrigo de disposições de direito administrativo, por vícios próprios ou derivados da invalidade de atos praticados no âmbito do respetivo procedimento de aprovação» (nº 1 do art. 72º).

Ilegalidade – e inconstitucionalidade – dessas mesmas deliberações normativas do Banco de Portugal que os Recorrentes igualmente pedem nesta ação que sejam declaradas (conclusões IX, XII e XIV) e adiante consideradas.

Desconhecendo-se, como se observa no acórdão da Relação, quais as causas de pedir indicadas naquelas outras ações, nelas como nesta, discutir-se-á – e discutir-se-á a título principal – a mesma questão, relativa à invalidade das referidas deliberações do Banco de Portugal; não se verificará uma relação de prejudicialidade (no sentido de que a questão que estará a ser apreciada naquelas ações constituirá nesta, como questão incidental, um pressuposto necessário, cuja pronúncia é essencial para o conhecimento e decisão da causa – v. art. 92º do CPC), antes, ao menos parcialmente, de identidade de objeto ou de consumpção, a dirimir em sede de competência do tribunal (infra, 6.3).

Em suma: não se verifica, no caso, fundamento para a suspensão da instância, com fundamento na apontada disposição legal.

6.3. Conhecimento imediato do mérito da causa, relativamente ao 2º R., nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 595º do CPC (restantes conclusões da alegação dos Recorrentes).

6.3.1. Importa, finalmente, apreciar se, diversamente do decidido pelas instâncias, os autos deveriam ter prosseguido em relação ao 2º R., o NB, para apurar da eventual responsabilidade deste, vistos os termos em que os AA,, ora Recorrentes, haviam configurado o seu pedido e causa de pedir, para tanto se examinando, com mais detalhe, como vem estruturada a petição inicial.

Alegam os AA. ter subscrito junto do 1º R. os valores mobiliários em causa (títulos Euroaforro 10 e Poupança Plus 5), na convicção de estar a constituir depósitos a prazo, não lhes tendo sido transferido para a sua conta à ordem, após a data de vencimento, nem o capital, nem os respetivos juros.

Fundamentam o pedido, relativamente ao 1º R., arguindo, em primeira linha, a anulabilidade do negócio e alegando subsidiariamente, por três diferentes vias, a responsabilidade daquele pelo pagamento; quanto ao 2º R., afirmando a transmissibilidade da obrigação.

A arguição da anulabilidade assenta na alegada existência de dolo (dolus malus) do 1º R. e, subsidiariamente, em erro-vício sobre o objeto.

A responsabilidade do 1º R. vem sustentada por via (i) da assunção da obrigação de pagamento, em vista da constituição naquele de provisões determinadas pelo Banco de Portugal para assegurar o reembolso de dívidas junto de clientes a retalho, sendo requisito necessário da provisão o reconhecimento de uma obrigação construtiva (Regulamento do Parlamento Europeu e Conselho 1606/2002/EU), (ii) da responsabilidade, seja obrigacional, seja delitual, por violação de princípios e deveres de conduta, enquanto intermediário financeiro e (iii) subsidiariamente, pela terceira via de responsabilidade, a responsabilidade quase obrigacional (por violação do princípio da confiança), a título de culpa in contrahendo.

Relativamente à responsabilidade do 2º R., tem-se como primeiro objeto a questão (apresentada como questão prévia) da invalidade da medida de resolução aplicada pela deliberação do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014 e da inconstitucionalidade do art. 145º-H do RGICSF (redação, à data vigente), norma que àquela serviu de fundamento: quanto à primeira, invalidade por ação, por ter discriminado entre credores, «propiciando que alguns deles assumam prejuízos maiores do que assumiriam caso o DD tivesse entrado em liquidação» e, simultaneamente, por omissão, por falta de «diferenciação entre os titulares de depósitos garantidos e os titulares de depósitos não garantidos»; quanto à segunda, inconstitucionalidade por violação dos princípios da equidade e da igualdade, da certeza jurídica e da segurança do sistema financeiro (arts. 13º e 101º da Constituição).

No quadro da invocada anulabilidade do negócio, atento o desencadeado efeito retroativo (art. 289º do CC) e tratando-se de um crédito comum, verificar-se-ia a transmissão da obrigação para o 2º R., nos termos da medida de resolução, não constituindo passivo excluído pela alínea b) do Anexo 2.

A não proceder a anulabilidade do negócio, a responsabilidade do 1º R., atentos os fundamentos anteriormente alegados, transmitir-se-ia para o 2º R., nos termos da parte final do ponto vii da alínea b) do ponto 1 do mesmo Anexo 2, versão consolidada; prevendo essa alínea a transmissão de todas as responsabilidades pelo reembolso das obrigações não subordinadas emitidas pelo 1º R. e demais créditos comuns, a discriminarem-se os títulos de dívida emitidos por entidades do GES, incorrer-se-ia em violação dos princípios da igualdade e equidade, previstos na alínea b) do nº 1 do art. 145º-B do RGCSF; reporta-se a «provisão já constituída», mencionada no ponto 3 da deliberação do Banco de Portugal, de 14 de Agosto de 2014, a «títulos de dívida emitidos por entidades do GES e às obrigações de reembolso que o DD tinha assumido relativamente aos montantes aplicados por clientes de retalho não qualificados, nesses títulos».

6.3.2. As conclusões da alegação, agora formuladas pelos Recorrentes, são consequentes com a narração constante da petição, acima sumariada.

A validar-se a tese dos AA., ora Recorrentes, importaria revogar a decisão da Relação e remeter-se o processo à 1ª instância, em vista a aí ser proferido despacho, para os efeitos previstos no art. 596º, nº 1 do CPC.

Na tese dos Recorrentes, quer se decrete a anulação do negócio, como pedem, em primeira linha, quer se afirme a responsabilidade do DD pelo pagamento, como subsidiariamente alegam, sempre se verificaria a transmissão da obrigação para o NB, nos termos das próprias deliberações do Banco de Portugal que conformaram a aplicação da medida de resolução [conforme se precisa na petição, não constituindo passivo excluído pela alínea b) do Anexo 2, no primeiro caso; nos termos da parte final do ponto vii da alínea b) do ponto 1 do mesmo Anexo 2, versão consolidada, no segundo caso]: conclusões II, 2ª parte, VII, 2ª e 3ª partes e XV.

A ter-se por excluída a transmissão para o NB da obrigação de pagamento relativa aos títulos de dívida emitidos por entidades do GES subscritos por consumidores particulares, tais deliberações do Banco de Portugal, bem como o art. 145º-H do RGICSF (norma que serviu de fundamento à aplicação da medida de resolução, na redação à data vigente), mostrar-se-ão inconstitucionais, por violação dos princípios da proporcionalidade e da confiança, da equidade e da igualdade, da certeza jurídica e da segurança do sistema financeiro, da separação de poderes: conclusões IX, X, XI, XII, XIII e XIV.

Cumpre decidir se deve validar-se a tese dos recorrentes e determinar-se o  prosseguimento dos trâmites da ação.

6.3.3. Vem pelas instâncias desde já assente que:

«1) No decurso dos anos de 2012 os AA. adquiriram junto do "Banco DD, S.A." o produto financeiro denominado "Euroaforro 10".

2) No decurso do ano de 2013, os AA. adquiriram junto do "Banco DD, S.A." os produtos financeiros denominados "Euroaforro l0" e "Poupança Plus 5".

3) O produto denominado "Euroaforro 10" é composto por acções preferenciais do "Banco DD, S.A. Queen (Londres), JP Morgan Chase Bank (Londres) e JP Morgan Bank Luxembourg, S.A. (Luxemburgo).

4) O produto "Poupança Plus 5 " é composto por acções preferenciais da "JP Morgan Limited" (Londres) e "The Bank of New York Mellon" (Londres)».

6.3.4. Os termos da atuação normativa e administrativa do Banco de Portugal.

6.3.4.1. A deliberação do Banco de Portugal, de 3 de Agosto de 2014, que aplicou a medida de resolução ao Banco DD, SA (DD) e procedeu à constituição da instituição de transição, o EE, SA (NB), teve em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes, da estabilidade do sistema financeiro, nos termos regulados nos arts. 139º, 140º, 145º-A e ss. do RGICSF (à altura, conforme alterações e aditamentos produzidos no diploma pelo DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, assim justificados no respetivo preâmbulo: «(…) o Estado Português assumiu o compromisso de reforçar os regimes de intervenção em situações de potencial ou efectivo desequilíbrio financeiro de instituições de crédito, antecipando-se mesmo, na linha do efectuado por outros Estados-Membros da União Europeia, tais como o Reino Unido, Alemanha, Holanda, Irlanda, Bélgica e Grécia, ao futuro enquadramento comunitário em questões chave consideradas como de especial relevância para a promoção da confiança no sistema financeiro nacional»; arts. 145º-C e ss., na redação operada pela Lei 23-A/2015, de 26 de Março, com a ulterior transposição das Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho, 2014/49/UE e 2014/59/UE).

6.3.4.2. No que ora interessa e no que respeita aos poderes funcionais do Banco de Portugal quanto à seleção de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão a transferir para o banco de transição (arts. 145º-G e 145º-H do RGICSF, na redação vigente à data; arts. 145º-O e 145º-Q, após a Lei 23-A/2015), nos termos das subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do (nº 1 do) Anexo 2 da mesma deliberação, já na redação emergente da deliberação, do dia 11 seguinte, que clarificou e ajustou o perímetro das transferências para o NB, mantiveram-se no DD quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de dolo, fraude, violação de disposições regulatórias, penais ou contraordenacionais, bem como quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida emitidos por entidades que integram o Grupo Espirito Santo, (…).

6.3.4.3. Prosseguindo na produção de clarificações e ajustamentos, a deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – “Perímetro” introduziu novas alterações às referidas subalíneas, republicando o Anexo 2; tais subalíneas deverão ser interpretadas à luz das clarificações constantes do Anexo 2C, anexo esse por aquela resolução aditado à deliberação de 3 de Agosto, com a redação constante da deliberação relativa à “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.º 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”.

No então aditado Anexo 2C, decidiu-se, na generalidade, na alínea A), «Clarificar que, nos termos da alínea (b) do número 1 do Anexo 2 da deliberação de 3 de agosto, não foram transferidos do DD para o EE quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do DD que, às 20:00 horas do dia 3 de agosto de 2014, fossem contingentes ou desconhecidos (incluindo responsabilidades litigiosas relativas ao contencioso pendente e responsabilidades ou contingências decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais), independentemente da sua natureza (fiscal, laboral, civil ou outra) e de se encontrarem ou não registadas na contabilidade do DD» e «Em particular, desde já se clarifica não terem sido transferidos do DD para o EE os seguintes passivos do DD: Todos os créditos relativos a ações preferenciais emitidas por sociedades-veículo estabelecidas pelo DD e vendidas pelo DD; (…) Todas as indemnizações e créditos resultantes de anulação de operações realizadas pelo DD enquanto prestador de serviços financeiros e de investimento; e Qualquer responsabilidade que seja objeto de qualquer dos processos descritos no Anexo I» – alínea B), subalíneas (i), (vi) e (vii).

Por outro lado, na alínea C), dispôs-se: «Na medida em que, não obstante as clarificações acima efetuadas, se verifique terem sido efetivamente transferidos para o EE quaisquer passivos do DD que, nos termos de qualquer daquelas alíneas e da Deliberação de 3 de agosto, devessem ter permanecido na sua esfera jurídica, serão os referidos passivos retransmitidos do EE para o DD, com efeitos às 20 horas do dia 3 de agosto de 2014».

Iguais clarificações, nos exatos termos e localização, constam da deliberação da mesma data – “Contingências”.

Determinou-se instrumentalmente, nestas duas últimas deliberações, que «o Conselho de Administração do DD e o Conselho de Administração do EE devem tomar todas as medidas necessárias à execução eficaz das clarificações, ajustamentos, transferências e retransmissões previstos», especificando-se que devem «praticar todos os atos, sejam estes de natureza procedimental ou processual, nos processos em que sejam parte de modo a dar adequada execução às decisões do Banco de Portugal (…), incluindo aqueles que sejam necessários para reverter atos anteriores que tenham praticado contrários aquelas decisões», entre aqueles atos vindo referida a imediata junção aos autos em que sejam parte dessas mesmas deliberações.

6.3.4.4. A descrita intervenção do Banco de Portugal, enquanto entidade apenas estatutariamente sujeita às orientações e instruções do Banco Central Europeu (arts. 1º e 3º da LOBP), com a prática de atos no exercício de funções públicas de autoridade, quadra-se no âmbito dos arts. 101º e 102º da Constituição, das citadas disposições do RGICFS, do Regulamento do Parlamento Europeu e Conselho 1022/2013/UE, do Regulamento do Conselho 1024/2013/UE, do Regulamento do BCE 468/2014/UE, dos arts. 17º e 17º-A da LOBP.

6.3.5. O crédito dos AA. emergente do negócio subjacente à subscrição dos instrumentos financeiros em causa (produtos "Euroaforro 10" e Poupança Plus 5", integrados por ações preferenciais, adquiridos em 2012 e 2013), nos termos do quadro regulamentar estabelecido, consideradas as citadas disposições contidas na deliberações do Banco de Portugal, e contrariamente ao que por aqueles vem alegado, não foi transferido para o NB – ou, tendo-o sido, foi retransmitido para o DD [alínea b)  do Anexo 2 e alíneas B) e C) do Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto de 2014].

Pretendendo os AA. demonstrar que o negócio subjacente deve ser anulado, seja por dolo ou erro, por violação dos deveres de informação e de diversas disposições regulamentares por parte da instituição bancária, a retroatividade da anulação do negócio, nos termos do nº 1 do art. 289º do CC, obrigaria à restituição das prestações efetuadas, como se o negócio não tivesse sido realizado.

Obrigação essa pela qual será responsável a contraparte no negócio – no caso, o DD.

As deliberações do Banco de Portugal, nos passos antes transcritos [subalíneas (v) e (vii) da alínea (b) do nº 1 do retificado Anexo 2 e alíneas A), B), subalíneas (i), (v) e (vi) e C) do aditado Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto de 2014; alíneas A), B), subalíneas (i), (v) e (vi) e C) da deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – Contingências], são claras, não suscitando dúvidas interpretativas, no sentido de que qualquer responsabilidade do DD na matéria não é transferida para o NB – nesta linha de entendimento, acórdãos, de 26 de Setembro e de 2 de Novembro de 2017, o primeiro já anteriormente citado.

Verifica-se, ainda, que, no quadro regulamentar estabelecido nas referidas deliberações do Banco de Portugal, entre as disposições que conterão atos materialmente administrativos (sendo os terceiros destinatários precisamente determinados – e não meramente determináveis), situa-se a que tem por objeto a pretensão dos ora Recorrentes, AA. na presente ação [a citada subalínea (vii) da alínea B) do aditado Anexo 2C à deliberação de 3 de Agosto de 2014, pela deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – “Perímetro”, remete para o também aditado (Sub)Anexo I, que, por indexação, fixa a «Lista de responsabilidades litigiosas relativas aos processos judiciais pendentes em Tribunais em Portugal», a qual, no seu ponto 2, «Processos iniciados após 3 de agosto de 2014 (relativos a factos anteriores à aplicação da medida de resolução)»,  identifica o presente processo – 7ª linha da tabela, a fls. 19 daquela segunda deliberação; 13ª linha da tabela, a fls. 13 da deliberação da mesma data – “Contingências”].

Em vista dos termos em que a medida de resolução foi conformada – depois, clarificada, ajustada e incidentalmente determinada –, não pode validar-se a tese da transmissão da obrigação para o NB, designadamente em resultado da pretendida anulação do negócio; mostra-se, em consequência, inútil o prosseguimento do processo para apuramento da matéria de facto.

7. No estudo de Mafalda Miranda Barbosa, Os Limites da medida de Resolução (Boletim de Ciências Económicas, Setembro de 2016), autora citada no processo, escreve-se, a concluir (pág. 41): «A eficácia da medida de resolução fica dependente da capacidade que a entidade responsável pela sua aplicação tenha de poder conformar livremente o seu conteúdo. No tocante à transferência de parte dos ativos e passivo para uma instituição de transição, é fundamental que tal entidade possa selecionar com base da determinação do valor do passivo e do ativo os créditos e obrigações a transferir. Simplesmente, essa liberdade não é absoluta, devendo respeitar não só a teleologia do regime da resolução, como também os princípios normativos e a conformação das relações privadas que, antes da intervenção, se estabeleceram entre o banco e os diversos sujeitos que com ele interagiam».

O Banco de Portugal, através das sucessivas deliberações respeitantes à medida de resolução aplicada ao DD, veio, com crescentes rigidez e determinação, culminando na indexação dos casos litigiosos pendentes, fixar o perímetro de exclusão da transmissão dos créditos indemnizatórios, indiferenciada e aglutinadamente os tratando.

Procedimento dinâmico, em vista, designadamente, do «número de processos pendentes nos tribunais judiciais e [d]a diferente orientação nas decisões até hoje tomadas», na defesa do quadro de gestão previsional então desenhado, sob pena de ficar «comprometida a execução e a eficácia da medida de resolução aplicada ao DD, a qual, entre outros critérios, se baseou num critério de certeza quanto ao perímetro de transferência (…) que permitiu calcular as necessidades de capital da instituição de transição, o EE, e foi com base nesse cálculo que o Fundo de Resolução realizou o capital da instituição de transição. Caso viessem a materializar-se na esfera jurídica do EE responsabilidades e contingências por força de sentenças judiciais, o EE seria chamado a assumir obrigações que de modo algum lhe deveriam caber e cuja satisfação não foi pura e simplesmente tida em consideração no montante do capital com que aquele banco de transição foi inicialmente dotado» (considerandos para enquadramento da deliberação de 29 de Dezembro de 2015 – Contingências, acima referida).

O procedimento em causa e os sucessivos atos de autoridade dele resultantes, sujeitos à observância de determinados requisitos e enquanto dotados de eficácia externa lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos de terceiros, poderão, obviamente, ser judicialmente sindicados, à luz da Constituição e da lei, como é próprio do Estado de Direito.

Compete tal sindicância à jurisdição administrativa (art. 212º, nº 3 da Constituição; arts. 1º e 4º do ETAF; arts. 12º e 145º-AR do RGICSF; art. 39º da LOBP) – neste sentido, além dos arestos já citados, acórdão de 30 de Março de 2017.


III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa,   de Março de 2018

J. Cabral Tavares (Relator)

Fátima Gomes

Garcia Calejo