Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
346/15.3YHLSB-B.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
MARCAS
CONFUSÃO
SINAIS DISTINTIVOS
OBJECTO INDETERMINAVEL
OBJETO INDETERMINÁVEL
Data do Acordão: 07/05/2018
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO À REVISTA
Área Temática:
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Doutrina:
-Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2ª edição, Almedina, 2008, pág. 190.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA PUBLICIDADE: - ARTIGO 16.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA N.º 2006/114/CE DE 12.12.2006: - ARTIGO 4.º.
Sumário :
I - A marca define-se como um sinal, símbolo ou signo, susceptível de representação gráfica, que visa distinguir um produto ou serviço de produtos ou serviços idênticos ou afns, sendo correntemente usado para atrair e fidelizar consumidores. Num mercado em que é fácil a divulgação mundial de produtos e em que a competição é severa, é da maior relevância a afirmação de individualidade de certo produto ou marca, de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora e distintiva que afaste o risco de confusão com outros produtos ou marcas.

II - A função distintiva da marca justifica que a lei proíba condutas que se consubstanciem na adopção de sinais que sejam susceptíveis de induzir o erro ou a confusão.

III - Tendo as embargantes sido condenadas a cessar a utilização de marcas registadas das embargadas, é de concluir que tal compreende, ademais, o emprego de siglas, formas parciais e alusões que inculquem, no consumidor médio, a correspondência ou associação, por aproximação ou semelhança, a essas marcas, não se verificando qualquer indeterminabilidade do objecto da sua prestação negativa judicialmente fixada.

IV - O emprego de abreviaturas ou siglas que se demonstrou serem referentes a perfumes comercializados pelas embargadas é susceptível de gerar confusão no consumidor médio, integrando assim uma violação da decisão mencionada em III.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I – RELATÓRIO

  

l.  AA, LDA, com sede na Av. …, nº. …, 2º B, e BB, LDA., com sede na Rua de …, nº. …, Porto, deduziram oposição à execução que lhe é movida por L’ORÉAL, SOCIÉTÉ ANONYME, sociedade comercial francesa, com sede em 14, Rue Royale, 75008 Paris, França, LANCÔME PARFUMS et BEAUTÉ & CIE, sociedade comercial francesa, com sede em 29, Rue du Faubourg Saint-Honoré, 75008 Paris, França, The POLO LAUREN COMPANY, LP, sociedade comercial norte-americana, com sede em 625 Madison Avenue, NY 10022, EUA, YVES SAINT LAURENT PARFUMS (Société par Actions Simplifiée), com sede em 7, Avenue George V, 75008 Paris, França, JEAN CACHAREL, Société Anonyme, sociedade comercial francesa, com sede em 36, Rue Tronchet, 75009 Paris, frança, DIESES S.P.A., sociedade comercial italiana, com sede em 4/6, Via Dell’Industria, 36042 Breganze (VI), Itália, PARFUMS GUY LAROCHE, Société Anonyme, sociedade comercial francesa, com sede em 16, Place Vendôme, 75001 Paris, França, LORIS AZZARO B.V., sociedade comercial holandesa, com sede em 64 Laan Van Westenenk, 7336 AZ Apeldoorn, Holanda, CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S., sociedade comercial francesa, com sede em 9, Rue du Commandant Pilot, 92200 Neuilly Sur Seine, frança, THIERRY MUGLER, S.A.S., sociedade comercial francesa, com sede em 49, Avenue de l’Opéra, 75002 Paris, França, alegando, em resumo:

As ora Embargantes não podem constituir o sujeito passivo da dívida cuja cobrança coerciva é visada pelas Exequentes, pois que a Executada AA sempre acatou a decisão proferida em sede cautelar, pelo que carece de qualquer fundamento o recurso a uma execução para prestação de facto e a Embargante/Executada BB é apenas uma franquiada da rede de franchising da marca Ekyval, pelo que não lhe podem ser imputadas condutas apenas pertencentes à franquiadora.

A Embargante/Executada BB é parte ilegítima, não lhe podendo ser exigido o cumprimento de obrigações apenas pertencente à master franchise e proprietária da marca Ekyval.

O requerimento executivo terá que ser necessariamente considerado inepto, pois as Exequentes não especificam como, com que base, por que motivo, em que sentido, quais as obrigações ou mesmo quais as alíneas em concreto da sentença que consideram estar a ser violadas pela Embargante.

Não identificando uma única marca que tenha sido abusivamente utilizada pelas Executadas.

Pelo que, existindo um absoluto deficit de alegação a esse nível, pugna-se pela ineptidão do requerimento executivo.

As Exequentes nunca teriam direito a receber qualquer quantia da Embargante AA.

Tendo ambas as Executadas cumprindo escrupulosamente com todas as obrigações que lhes foram impostas pela sentença, pois nem por mera comparação foram utilizadas marcas registadas das Exequentes, ou quaisquer outras.

Os perfumes da Embargante são identificados por referências e apresentados em embalagens simples e discretas sem qualquer alusão a alguma marca registada das Exequentes, ou qualquer marca, por sinal, apenas fazendo alusão à marca da Embargante.

Os perfumes da Executada são identificados em qualquer lado, inclusive no site, por referências compostas por números, espaços, símbolos e letras, conforme se pode conferir pela análise dos documentos juntos.

Tal identificação é feita apenas por referências e não por qualquer tipo de associação a alguma marca das Exequentes.

Pelo que a obrigação exequenda de que as Exequentes se arrogam credoras não é exigível.

Mesmo que as Exequentes, rebuscadamente, quisessem invocar algum tipo de ligação ou semelhança entre essas referências e as marcas registadas de que são proprietárias, o que não se concede, sempre teriam de recorrer à via declarativa para o requerer.

É que, evidentemente, nunca correu qualquer acção comum ou procedimento cautelar onde tal matéria fosse, alguma vez, discutida, o que vale por dizer que as Exequentes não teriam, como não têm, título para executar, já que se trataria de uma questão totalmente nova, onde o direito teria de ser “declarado” e não “executado”.

Existe uma actuação abusiva das Exequentes, pois sabem que nenhuma obrigação imposta pela sentença foi violada.

Litigam, assim, de má-fé, pois vieram deduzir uma pretensão cuja falta de fundamento não podiam, sem culpa grave, ignorar.

Pelo que devem pagar às Executadas uma indemnização, cujo valor não deverá ser, com base num critério de equidade, inferior à quantia de Euros: 20.000,00, a pagar solidariamente pelas Exequentes, já que são muitas e grandes empresas mundiais, com elevada capacidade económica, devendo a sanção indemnizatória ter um valor suficiente para acautelar as finalidades de prevenção especial que o caso reclama.

Devendo ainda ser condenadas em exemplar e pedagógica multa pela grosseira má-fé com que litigam.

Conclui pedindo:

a) que a oposição seja recebida e julgada procedente, por provada e, em consequência, ser decretada a extinção da execução, com todas as legais consequências ;

b) que as exequentes sejam condenadas como litigantes de má fé e, consequentemente, no pagamento de uma indemnização às executadas, de valor nunca inferior a 20.000,00 €, bem como no pagamento de multa a fixar pelo Tribunal.

 

2. As Embargadas/exequentes contestaram alegando:

No âmbito do procedimento cautelar foi dado como provado ser a ora Executada BB a gerir o negócio de franchising Ekyval.

Ter-se-á que ter em conta o fim específico da acção executiva aqui em causa, que é uma prestação de facto, o cumprimento de uma obrigação – de proibição – que foi imposta às Embargantes, devendo ter-se em conta o disposto no nº. 2 do artigo 868º, do CPC, que refere que o fundamento para a oposição à execução pode consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.

Inexiste qualquer ineptidão inicial do requerimento executivo, tendo ainda as Embargantes interpretado convenientemente tal articulado, o que resulta da petição inicial de embargos apresentada.

Não é verdade que as Embargantes tenham cumprido, escrupulosamente, todas as obrigações impostas pela sentença.

Na verdade, ainda que tenham cumprido algumas das obrigações que lhe foram impostas, a verdade é que deixaram pelo menos de cumprir a obrigação que lhe foi imposta na já citada e expressamente invocada alínea d) da parte decisória da sentença executada.

As Embargantes usaram explicitamente -- e mesmo por comparação – continuando a fazê-lo - as marcas registadas das Embargadas, razão pela qual foram decretados os seus pedidos em sede de providência cautelar.

Como se pode ver as Embargantes introduziram um motor de busca com a sugestiva frase “PARA ORIENTÀ-LO, DIGA-NOS O PERFUME QUE USA”.

Usando depois a frase “pesquisar tendência olfativa” num campo em branco a preencher pelo utilizador, este mesmo campo permite pesquisar por marca e nome de perfume, remetendo imediatamente para os perfumes das Embargantes que imitam os das Embargadas, identificados com as referências que aquelas dizem nada ter a ver com as marcas violadas….

Relembre-se que a condenação aqui em causa, expressamente ordenou às Executadas a inibição e cessação imediata, e para o futuro, por parte destas, da utilização de quaisquer referências às marcas registadas das Exequentes, de qualquer material publicitário ou promocional, quer seja em suporte de papel, no website, nas redes sociais, na Internet, bem como proibiu a exibição, por qualquer meio, de imagens de frascos de perfume ou respectivas tampas, nos moldes enunciados na alínea a) da mesma parte decisória.

Não estando aqui em causa os frascos de perfumes e as tampas, pretende-se com a acção executiva de que estes Embargos são um apenso fazer as Embargantes cumprir a condenação que lhes foi imposta, designadamente que seja a utilização de quaisquer referências às marcas das Embargadas.

E por quaisquer referências devem entender-se também as ditas referências que as Embargantes descrevem singelamente como se se tratassem de uma série de letras aleatórias, espaços e pontos, como se as mesmas não apresentassem qualquer relação ou semelhança com as marcas registadas das Embargadas.

Não podem as Embargadas querer que o presente Tribunal ou qualquer outra entidade acredite – aqui meramente a título de exemplo - que LAN não se refere à marca Lâncome e GA não se refere à marca Giorgio Armani, propriedade das 2ª e 1ª Exequentes, respectivamente.

É ainda de referir que o negócio das Embargantes assenta numa verdadeira associação, ou mesmo se dirá colagem, às marcas das Embargadas, que são tão conhecidas do público e tão utilizadas pelo mesmo que uma mera referência abreviada às marcas destas é suficiente para que o negócio de imitação das Embargantes se concretize e floresça, literalmente, “à boleia” de todo o Know How, experiência e visibilidade no mercado de que as Embargadas reconhecidamente gozam.

Será esta de todas as obrigações que foram impostas às Embargantes, a mais difícil de cumprir e a que para as mesmas será mais onerosa, porquanto diz-nos a lógica e o mero senso comum que a partir do momento em que as Embargantes retirarem do seu site todas e quaisquer referências às marcas das Embargadas, simplesmente aquele deixará de ter utilidade e rentabilidade.

É neste momento que cumpre relembrar que todo o conceito de negócio das Embargantes assenta na venda de perfumes low cost que mais não são do que cópias ou imitações das fragrâncias de marcas conhecidas e reconhecidas, onde se incluem as das Embargadas.

Uma vez eliminadas estas referências – mesmo que abreviadas – o consumidor que utilize o site para comprar ou consultar os perfumes das Embargantes deixa de saber que o perfume que estas publicitam como LAN/TRES corresponde na verdade ao perfume denominado Trésor da Embargada Lâncome, e como tal não saberá qual a fragrância que quer comprar ou como a procurar.

Não estamos nestes autos ou em quaisquer outros de natureza declarativa ou executiva, para discutir se as Embargantes são donas ou podem usar as referências LAN / GA / YSL ou quaisquer outras que eventualmente queiram usar, até porque já se decidiu que as mesmas, de acordo com a proibição de publicidade comparativa, não as podem usar.

Pretende-se sim com esta acção executiva para prestação de facto, obter um comportamento, ainda que negativo, por parte das Embargantes no sentido de estas deixarem ou absterem-se de publicitar no seu site quaisquer referências – mesmo que abreviadas – às marcas das Embargadas, no prazo peticionado.

É manifesta a falta de fundamento para que sejam as Embargadas condenadas como litigantes de má-fé, pois são as Embargantes a não cumprir as providências decretadas, continuam sem cumprir e a utilizar abusivamente as marcas registadas das Embargadas no seu site www.ekyval.com, persistindo num comportamento violador e abusivo, obrigando, estas sim, a lançar mão de um procedimento executivo.

Pelo que deverá assim ser julgado improcedente por manifestamente infundado o pedido de condenação das Embargadas como litigantes de má-fé, e consequente multa e indemnização pedidas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 542º do CPC e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 574º do CPC.

Concluem, requerendo que os presentes embargos sejam julgados totalmente improcedentes, por não provados e, consequentemente, prosseguir a execução os seus trâmites normais, até final.

 

3. Realizou-se uma audiência prévia, conforme acta de fls. 92 a 98, na qual se conheceu, em sentido improcedente, acerca da excepção dilatória de ilegitimidade de uma das Embargantes, bem como acerca da excepção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão do requerimento executivo inicial, e convidou-se as Exequentes/Embargadas a apresentar requerimento executivo aperfeiçoado, designando-se data para a continuação da mesma audiência.

Em resposta a tal convite, vieram as Exequentes/Embargadas apresentar o requerimento de fls. 100 a 104, tendo as Embargantes/Executadas respondido a fls. 105 a 110.

Reiniciada a audiência prévia, e depois de fixada a questão a decidir, entendendo o Tribunal que os autos já continham todos os elementos ao conhecimento do mérito da acção, passou-se à fase de alegações.

Foi, então, proferida sentença, datada de 21/04/2017, a qual concluiu, nos seguintes termos:

«Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, julgo à presente oposição por embargos deduzida por AA, Lda e BB, Lda. contra a execução que contra aquelas moveram as exequentes L’Oréal – Société Anonyme e outros, pela quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória e juros devidos em caso de incumprimento do decidido nos autos de procedimento cautelar apensos, e, em consequência, declaro extinta a execução.

Custas pelas AA»


4 - Inconformadas, apelaram as Exequentes/embargadas para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 01 de Outubro de 2018, decidiu:

 «a) Julgar procedente o recurso de apelação interposto pelas Apelantes/Exequentes L’ORÉAL, Société Anonyme, LANCÔME Parfums et Beauté & Cie, THE POLO LAURENT COMPANY, LP, YVES SAINT LAURENT PARFUMS (Société par Actions Simplifiée), JEAN CACHAREL, Société Anonyme, DIESEL S.P.A., PARFUMS GUY LAROCHE, Société Anonyme, LOROS AZZARO B.V., CLARINS FRAGRANCE GROUP, S.A.S., e THIERRT MUGLER, S.A.S.;

b) Em consequência, revoga-se a sentença (saneador-sentença) recorrida/apelada, que deverá ser substituída por outra que, no reconhecimento de situação de incumprimento, por parte das Embargantes AA, LDA e BB, LDA., do determinado na alínea d) do dispositivo da sentença condenatória exequenda, determine a ulterior tramitação/prosseguimento dos autos de execução.

c) Custas da oposição e da presente apelação a cargo das Embargantes/Apeladas – cf., artº. 527º, nºs. 1 e 2, do Cód. de Processo Civil».


 5. Inconformadas, as Embargantes/executadas interpuseram Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam as seguintes conclusões:

 1. As Rés não se conformam com a interpretação e aplicação do direito que faz o Venerando Tribunal, julgando procedente a apelação, revogando a sentença proferida, por considerar, em suma, que as Rés actuaram de forma lesiva dos direitos das Autoras, tendo incumprido com a sentença proferida em sede cautelar, nomeadamente na parte em que foram condenadas a abster-se de fazer qualquer referência às marcas registadas das Autoras.

2. Considera o Venerando Tribunal que "a utilização de siglas, formas abreviadas e parciais alusões, desde que susceptíveis, na óptica do consumidor médio e comum, de efectuar a correspondência ou associação, por aproximação ou semelhança, àquelas marcas registadas e pertença às Apelantes, deve necessariamente preencher o conceito de violação de marca.", porém, essa linha de argumentação tinha de ter sido levada a cabo, ab initio, pelo Tribunal em sede declarativa, não cabendo ao Juiz de Execução, ou ao Venerando Tribunal da Relação discuti-lo.

3. As Autoras, em sede declarativa (in casu, cautelar), nunca invocaram nem alegaram que as Rés utilizavam as suas marcas através de formas abreviadas; e nunca peticionaram que as Rés fossem condenadas a não o fazer, pelo que o Tribunal nunca foi chamado a dirimir este tema, em sede declarativa e, evidentemente, nunca condenou as Rés nesse sentido, nem essa foi essa a sua intenção.

4. A primeira vez que as Autoras alegaram existir uma comparação por abreviaturas entre as suas marcas registadas e os nomes dos perfumes           o das Rés, foi ora em sede executiva, e apenas após instada para aperfeiçoar o seu requerimento executivo, atenta a manifesta ineptidão do mesmo, porém, tal questão não pode ser discutida em sede Executiva - tem de ser alegada, pedida, discutida e decidida em sede declarativa.

5. Jamais a sentença executada, em alguma parte, distinguiu (i) a utilização directa das marcas registadas das Autoras da (ii) utilização através de outras referências - nunca foi intenção do douto Tribunal, em sede cautelar, fazer essa distinção e especificar que as Rés estavam impedidas de fazer uma utilização das marcas directamente, ou por referência abreviada a estas. A sentença cautelar, ao impedir qualquer "referência" às marcas registadas das Autoras, fê-lo apenas no sentido de impedir qualquer alusão, menção, comparação, etc... não abrangendo qualquer outro sentido, porquanto mais nada foi discutido no procedimento cautelar, além da utilização integral das marcas das Autoras por comparação.

6. Não cabe ao Juiz da execução o que é do Juiz da "declaração", tem de ser um Juiz, em sede declarativa, a fixar claramente que "A" é abreviatura da marca "B", e, aí sim, teremos uma declaração do direito que se impõe às partes: O direito tem de ser declarado para depois poder ser executado.

7. As autoras, em sede declarativa, tinham de ter alegado que as Rés fazem referência às suas marcas através de abreviaturas, peticionando que estas fossem condenadas a não o fazer, e aí sim, caberia ao Tribunal apreciar a prova produzida e decidir se tal alegação corresponde à verdade, e assim aplicar o direito, analisando se tal actuação constitui, ou não, uma concorrência desleal. Apenas assim, se tal sentença fosse incumprida, poderiam as Autoras legalmente recorrer à sede Executiva, porém nunca foi alegado ou pedido pelas Autoras na providência cautelar aquilo vieram exigir em sede executiva - pelo que nunca houve uma condenação nesse sentido, e muito menos transitada em julgado, ou seja, está a ser executado um direito que as Autoras não têm declarado.

8. Impendia sobre as Autoras o ónus de vir a juízo, na providencia cautelar, explicar quais as referências que consideram ser abreviaturas de quais marcas registadas suas, traçando a correspondência entre umas e outras - esse trabalho era das Autoras e não do Tribunal, e ao não o fazerem, impediram as Rés de se defenderem adequadamente, violando o principio do contraditório.

9. Qualquer prestação precisa de ser determinável, ou seja, concretizável no seu conteúdo. Não impondo a lei que ela seja determinada no momento da sua constituição, exige, contudo, que ela seja determinável, que possa ser concretizada de harmonia com os critérios estipulados pelas partes ou fixados na lei.

10. In casu, não há nenhum critério que permita determinar se um conjunto de letras e algarismos é abreviatura de uma dada marca registada, é preciso que, em sede de acção declarativa, a situação seja clarificada, DETERMINADA, com rigor, com respeito pelas regras do Processo Civil, para depois se poder impor essa prestação negativa às Rés.

11. Estamos perante uma prestação negativa que é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, daí não poder ser imposta às Rés.

12. Diferentemente da acção declarativa, a acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado. Não se trata já de declarar direitos, pré-existentes ou os constituir - o que é feito em sede declarativa, trata-se de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente anteriormente declarado, com ela passa-se da declaração concreta da norma jurídica para a sua actuação prática mediante o desencadear do mecanismo da garantia.

13. Nas palavras do douto Tribunal de Primeira Instância, "caso se entendesse que tais referências eram alusivas às marcas registadas ou outros direitos exclusivos destas, em violação dos direitos conferidos por tais registos, terá tal questão de ser dirimida em sede declarativa, que não na presente execução de decisão cautelar que a não apreciou".

Concluem pedindo a procedência do recurso.

  

6. As Exequentes/embargadas apresentaram contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

1 - Por douto aresto proferido em sede cautelar, foi determinada a inibição e cessação imediata, e para o futuro, onerando as ora Recorrentes, de utilização de quaisquer referências às marcas registadas e tituladas pelas ora Recorridas, o que não se restringe apenas à reprodução integral das marcas, posto que tais referências podem ser efectuadas de forma directa ou indirecta e através da sua reprodução integral ou parcelar.

2 - A utilização de siglas, de formas abreviadas e parciais alusões, desde que susceptíveis na óptica do consumidor médio e comum, de efectuar a correspondência ou associação, por aproximação ou semelhança, às marcas registadas e pertença das Recorridas, deve necessariamente preencher o conceito de violação de marca.

3 - Torna-se obviamente despiciendo discutir se as referências utilizadas pelas Recorrentes nos seus perfumes traduzem alusão ou correspondência aos perfumes das marcas registadas e pertencentes às Recorridas, sendo certo que a obrigação que impendia, e impende, sobre as Recorrentes era a de não utilização das marcas registadas, quer directamente, quer por referência a estas, nos vários meios ou suportes identificados, entre os quais o website e Internet.

Concluem pedindo a improcedência do recurso.



8. O Tribunal da Relação de Lisboa, a fls. 365, proferiu despacho a admitir o presente recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.



II – FUNDAMENTAÇÃO


Foram dados como provados os seguintes factos:

1. As exequentes são sociedades comerciais que no exercício da sua actividade comercial se dedicam, entre outras actividades, à comercialização de perfumes;

2. No âmbito do procedimento cautelar movido pelas exequentes contra as ora executadas que correu termos neste Tribunal da Propriedade Intelectual e se encontra apenso sob o n° 346/15.3YHLSB-A, foi proferida sentença condenatória (adiante também designada sentença ou decisão exequenda) que aqui se dá por reproduzida, na qual se decidiu, designadamente:

a) que as executadas se abstenham de fornecer à rede de lojas licenciadas e/ou franchisadas “EKYVAL”, qualquer material publicitário e promocional, ou informações para efeitos publicitários e promocionais, que utilize a comparação de perfumes de marca “EKYVAL” com as marcas das exequentes, em violação do disposto no artigo 4º da Directiva nº 2006/114/CE de 12.112.2006 e artigo 16º do Código da Publicidade, em especial com o aproveitamento das marcas tituladas pelas embargadas, e/ou apresentação dos perfumes de marca “EKYVAL” como sendo imitação dos perfumes comercializados sob as marcas tituladas pelas embargadas, como ocorre com as listas comparativas apreendidas nos autos, e uso que das mesmas fazemos respectivos funcionários das lojas das requeridas na informação que prestam aos respectivos clientes;

b) que as executadas comuniquem expressamente a todos os seus franchisados que deverão proceder à imediata devolução de listas ou tabelas comparativas ou de correspondência entre os perfumes EKYVAL e os das marcas registadas das exequentes;

c) a inibição e cessação imediata, e para o futuro, por parte das executadas, da utilização de quaisquer referências às marcas registadas das exequentes, de qualquer material publicitário ou promocional quer seja em suporte de papel, no website, nas redes sociais, na Internet, bem como a exibição, por qualquer meio, de imagens de frascos de perfume ou respectivas tampas, nos moldes enunciados em a);

d) sanção pecuniária compulsória de € 250,00, a pagar por cada executada, por cada dia que decorrer sem que as mesmas, no que a cada uma diz respeito, cumpram as providências decretadas.

3. Na sentença referida (ponto 2 do presente enunciado de factos) deu-se igualmente como provado que a 1ª exequente, L’Oréal, S.A., é titular dos seguintes registos, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos aí dados como provados (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca da União Europeia (EU) n.º 3115607 AMOR AMOR;

b) Marca internacional n.º 467285 ANAÏS ANAÏS;

c) Marca internacional n° 621910;

d) Marca da UE n° 2652170;

e) Marca da UE n.º 007416936 MANIFESTO;

f) Marca da UE n.º 5308358 FUEL FOR LIFE;

4. Deu-se também como provado que a exequente L’Oréal, S.A. celebrou em 1 de Outubro de 1996 com a sociedade G.A. International Diffusion B.V., titular da marca “ARMANI”, um contrato de licença de exploração exclusiva que abrange todos os registos dessa marca para a classe 3, e ao abrigo deste contrato a o direito de explorar comercialmente, a título exclusivo, perfumes assinalados, designadamente, pelas seguintes marcas, melhor descritas nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos dados como provados na aludida sentença (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca internacional n.º 502876 ARMANI;

b) Marca da UE n.º 504282 ARMANI;

c) Marca internacional n° 926356;

d) Marca UE n.º 505669 ACQUA DI GIO';

e) Marca internacional n° 862342;

f) Marca internacional n° 782614;

5. E ainda que a 2ª exequente, Lancôme, é uma conhecida sociedade que, no exercício da sua actividade comercial, se dedica à comercialização, sendo titular dos seguintes direitos de propriedade industrial, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos dados como provados na referida sentença (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca internacional n° 157412 LANCÔME;

b) Marca internacional n° 619485 POÊME;

c) Marca da UE n° 4173621 HYPNOSE;

d) Marca internacional n° 298518 TRÉSOR;

e) Marca da UE n° 1286897 MIRACLE;

f) Marca da UE n° 10115756 LA VIE EST BELLE;

g) Marca internacional n° 514804;

6. Deu-se igualmente como provado, na referida sentença (ponto 2 do presente enunciado de factos), que a 3ª exequente, The Polo Laurent Company, é titular dos seguintes registos melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos aí dados como provados (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca nacional n.º 306190;

b) Marca da UE n.º 4416558 POLO BLUE;

7. Deu-se igualmente como provado, na aludida sentença (ponto 2 do presente enunciado de factos) que a 4ª exequente, Yves Saint Laurent, é titular dos seguintes registos:

a) Marca da UE n° 6036289 YVES SAINT LAURENT;

b) Marca da UE n° 6036421;

c) Marca da UE n° 9651381 SAHARIENNE;

d) Marca da UE n° 10850964 OPIUM;

e) Marca nacional n° 200703 KOURO;

f) Marca nacional n° 219586;

g) Marca internacional n° 477010;

8. Deu-se igualmente como provado que a 5ª exequente, Jean Cacharel, é titular do seguinte registo, melhor descrito nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos dados como provados na aludida sentença (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca internacional n.º 442648;

9. E que a 6ª exequente, Diesel, é titular dos seguintes registos, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos dados como provados na referida sentença (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca da UE n.º 4848289 DIESEL;

b) Marca da UE n.º 8157174 ONLY THE BRAVE;

10. E ainda que a 7ª exequente, Parfums Guy Laroche, é titular dos seguintes registos, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos aí dados como provados (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca nacional n° 187032 PARFUMS GUY LAROCHE;

b) Marca internacional n° 381013 DRAKKAR;

c) Marca internacional n° 554479;

11. Deu-se também como provado, na referida sentença, que a 8ª exequente, Loris Azzaro B.V., é titular dos seguintes registos, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos aí dados como provados (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca da UE n.º 5393459 AZZARO;

b) Marca da UE n.º 5384789 CHROME;

c) Marca da UE n.º 8152381;

d) Marca internacional n° 670965;

12. E ainda que a 9ª exequente, Clarins Fragrance Group, S.A.S., é titular dos seguintes registos, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos dados como provados na mesma sentença (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca da UE n.º 3950219 ALIEN;

b) Marca da UE n.º 5385158 ANGEL;

c) Marca internacional n.º 993781 WOMANITY;

d) Marca internacional n.º 600456;

e) Marca da UE n.º 11278728;

f) Marca da UE n.º 10860542;

g) Marca da UE n.º 10811321;

13. Igualmente se deu como provado que a 10ª exequente, Thierry Mugler SAS, é titular dos seguintes registos, melhor descritos nos n.ºs 24 a 35 do enunciado de factos dados como provados na mesma sentença (fls. 1002 a 1010 do procedimento cautelar apenso):

a) Marca da UE n.º 7297351 THIERRY MUGLER;

b) Marca internacional n.º 591912

c) Marca da UE nº. 330118;

d) Marca da UE n° 5385422 MUGLER.

14. Finalmente, deu-se como provado que os perfumes comercializados pelas exequentes e assinalados pelas marcas supra identificadas são produtos conhecidos e reputados em Portugal;

15. A sentença exequenda foi notificada às executadas, não tendo estas apresentado recurso, e transitou em julgado a 27.07.2015.

16. Os documentos 2 a 4 do RE, juntos a fls. 58-61 e 100-105 dos autos de execução apensos, que aqui se dão por reproduzidos, são extractos (impressões) de páginas do sítio http://www.ekyval.com, relativas aos dias 11.03.2015, 20.05.2015 e 15.06.2015;

17. Os documentos n.ºs 5 a 14 do RE, juntos a fls. 109 a 631 dos autos de execução apenso apensos, que aqui se dão por reproduzidos, são extractos (impressões) de visualizações diárias do sítio http://www.ekyval.com, efectuadas entre o 22.02.2016 e 21.03.2016;

18. Nos extractos do sítio http://www.ekyval.com juntos como documentos 2 a 4 do RE (ponto 16 do presente enunciado de factos), aparecem junto às imagens de perfumes “EKYVAL” designadamente as seguintes siglas: “CAC”, “CACHA”, “EMPORIO AR”, “GIORGIO AR”, “LAN”, “LANCO”, “TH MUGLER”, “YS LA”, “LAURENT”;

19. Nos extractos do sítio http://www.ekyval.com juntos como documentos 5 a 14 do RE (ponto 17 do presente enunciado de factos), aparecem junto a imagens de perfumes “EKYVAL” designadamente as seguintes siglas: “A AMOR”, “A ANAI”, “NOA”, “AR CODE”, “AD GIO”, “A D GIO”, “HYPN”, “L V E BELLE”, “MIRAC”, “TRES”, “P BLUE”, “YSL/OPI”, “YSL/KOU”, “YSL/OPI MEN”, “YSL/MANIF”, “YSL/PARIS”;

20. Nos referidos extractos, os perfumes “EKYVAL”, representados em frascos e respectivas embalagens com a marca EKYVAL, aparecem identificados com referências compostas por quatro números seguidos de um conjunto variável de letras com ou sem barra oblíqua entre elas, separadas daqueles por um espaço ou um hífen.



III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação da Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a questão concreta de que cumpre conhecer é apenas a seguinte:


1ª- As Embargantes/executadas, ora Recorrentes, com a sua conduta incumpriram a decisão cautelar, nomeadamente na parte em que foram condenadas a abster-se de fazer qualquer referência às marcas das Exequentes/embargadas?

 

 

B) Vejamos a questão  

Resulta da factualidade provada que as executadas/embargantes foram condenadas, além do mais, a abster-se «de fornecer à rede de lojas licenciadas e/ou franchisadas “EKYVAL”, qualquer material publicitário e promocional, ou informações para efeitos publicitários e promocionais, que utilize a comparação de perfumes de marca “EKYVAL” com as marcas das exequentes, em violação do disposto no artigo 4º da Directiva nº 2006/114/CE de 12.112.2006 e artigo 16º do Código da Publicidade, em especial com o aproveitamento das marcas tituladas pelas embargadas, e/ou apresentação dos perfumes de marca “EKYVAL” como sendo imitação dos perfumes comercializados sob as marcas tituladas pelas embargadas, como ocorre com as listas comparativas apreendidas nos autos, e uso que das mesmas fazemos respectivos funcionários das lojas das requeridas na informação que prestam aos respectivos clientes» e a inibir-se e cessar imediata, e para o futuro, a «utilização de quaisquer referências às marcas registadas das exequentes, de qualquer material publicitário ou promocional quer seja em suporte de papel, no website, nas redes sociais, na Internet, bem como a exibição, por qualquer meio, de imagens de frascos de perfume ou respectivas tampas, nos moldes enunciados».

Mais se provou que as executadas/embargantes após terem sido notificadas da sentença proferida em sede cautelar praticaram os factos descritos nos pontos 16, 17, 18, 19 e 20 da matéria de facto provada e que aqui se dão por reproduzidos.

Perante tal factualidade a 1ª- instância entendeu que não ocorre qualquer incumprimento da sentença e, por isso, julgou a oposição procedente declarando extinta a execução.

Entendimento completamente oposto teve o Tribunal da Relação, o qual entendeu que as embargantes/executadas se encontravam a incumprir o determinado na sentença proferida no procedimento cautelar, nomeadamente o estipulado na al. d) e, por isso determinou o prosseguimento da execução.

É contra este entendimento que se opõem as embargantes/executadas.

Mas sem razão o fazem.

   Vimos que as executadas/embargantes foram condenadas a inibir-se e cessar imediatamente, e para o futuro, a «utilização» de quaisquer referências às marcas registadas das exequentes.

Ora esta «utilização de qualquer referência» comporta, como aliás a própria sentença o afirma, a utilização de «qualquer material publicitário ou promocional quer seja em suporte de papel, no website, nas redes sociais, na Internet, bem como a exibição, por qualquer meio, de imagens de frascos de perfume ou respectivas tampas, nos moldes enunciados».

E esta utilização deve ter em consideração que as executadas/embargantes estão condenadas, nos termos da al. a) da sentença dada à execução a abster-se de usar qualquer material publicitário e promocional, ou informações para efeitos publicitários e promocionais, que utilize a comparação de perfumes de marca “EKYVAL” com as marcas das exequentes, em especial com o aproveitamento das marcas tituladas pelas embargadas, e/ou apresentação dos perfumes de marca “EKYVAL” como sendo imitação dos perfumes comercializados sob as marcas tituladas pelas embargadas, como ocorre com as listas comparativas apreendidas nos autos, e uso que das mesmas fazemos respectivos funcionários das lojas das requeridas na informação que prestam aos respectivos clientes.

Ou seja, as executadas/embargantes não podem por qualquer forma violar as marcas das exequentes/embargadas.

É certo que as Executadas/Embargantes negam tal violação.

No entender das Executadas/Embargantes a utilização que fazem no seu site não só não viola a obrigação a que se encontravam obrigadas como as ora Exequentes nunca invocaram que as Executadas/Embargantes utilizavam as suas marcas através de forma abreviada nem pediram que elas fossem condenadas a não o fazer

Defendem que o Tribunal não as condenou nesse sentido.

Não lhes assiste qualquer razão.

Como bem decidiu o Acórdão recorrido (lembre-se que as embargantes/executadas apresentam na presente revista os mesmos argumentos e razões que expuseram na p.i e que a Relação analisou, para afastar) «a utilização de siglas, formas abreviadas e parciais alusões, desde que susceptíveis, na óptica do consumidor médio e comum, de efectuar a correspondência ou associação, por aproximação ou semelhança, àquelas marcas registadas e pertença das Apelantes, deve necessariamente preencher o conceito de violação de marca».

As exequentes obtiveram por parte do Tribunal e do Direito a protecção de um seu bem (“a suas marcas”) que se encontrava a ser ofendido e violado pelas Embargantes/executadas.

Sem pretender – pois não é nem o local próprio – analisar este ramo do direito sempre se dirá que o mesmo surgiu da necessidade de protecção e defesa da actividade económica e empresarial, atribuindo direitos privativos e proibindo determinados comportamentos concorrenciais.

O titular do bem (no caso da marca) dispõe de um direito (que em nosso entender é um direito de propriedade) sobre esse bem, direito este que lhe proporciona uma fruição ou exploração económica exclusiva do bem imaterial objecto do direito, (independentemente da qualificação que se lhe atribua).

Assim, é inequívoco que a Embargadas/exequentes estão legitimadas pela sentença dada à execução, a proteger o seu direito (de propriedade) de quaisquer violações provocadas pelas executas/embargantes.

A sentença dada à execução protege as marcas das Exequentes.

Mas o que é uma Marca?

Não vamos analisar a evolução histórica das marcas enquanto sinais distintivos do comércio nem o seu conceito.

Apenas diremos que a marca se destina, em regra, a distinguir os produtos transaccionados ou produzidos por alguém e constituindo o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, pode ser definida, em termos gerais, como o sinal distintivo que serve para identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor.

Na definição da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, a marca é «um sinal que serve para distinguir os produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas».

Uma marca é fundamentalmente um sinal que permite distinguir bens, funcionando como “ um cartão de apresentação ” do empresário que, nas palavras do Professor Ferrer Correia «a usa como um factor de potenciação da sua clientela».

Uma Marca é todo o sinal, signo ou símbolo, susceptível de representação gráfica, que permite, que visa e é destinado, fundamentalmente, a distinguir e diferenciar certos produtos (nos quais obviamente estão incluídos os serviços) de outros produtos idênticos ou afins.

E, numa sociedade cada vez mais dinâmica e onde a publicidade e as diversas técnicas de promoção de produtos têm uma relevância cada vez maior, a marca tem importantes funções.

Os agentes económicos adoptam marcas para os seus produtos tendo em vista atrair e fidelizar os respectivos consumidores.

De forma sintética e eventualmente redutora, poder-se-ia afirmar que uma marca tem por função distinguir produtos e comerciantes, permitindo associar um produto a uma origem e consequentemente a determinadas qualidades.

Esta função de distinção é sem dúvida importante, uma vez que, hoje, com a facilidade de divulgação dos produtos à escala mundial, e «a severa competição comercial» a que não é alheia a facilidade de comunicação e circulação, «a disputa do mercado» faz-se, sobretudo, através da inovação e de competitividade que são induzidas por «técnicas de marketing e de publicidade», sendo da maior relevância a afirmação da individualidade de certo produto ou marca, de modo a gerar nos consumidores uma impressão inovadora, distintiva, que « afaste a confusão ou risco de confusão com outro produto ou marca», que, virtualmente, com ele compita, «sendo relevantes o aspecto gráfico ou visual e o design dos produtos»  .

Redefinindo a função distintiva da marca, Luís Couto Gonçalves escreve:

«A marca, para além de indicar, em grande parte dos casos, que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa ou de uma empresa sucessiva que tenha elementos consideráveis de continuidade com a primeira (no caso de transmissão desvinculada) ou ainda que mantenha com ela relações actuais de natureza contratual e económica (nas hipóteses de licença de marca registada usada ou da marca de grupo, respectivamente), também indica, sempre, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso», Cfr., Manual de Direito Industrial, 2ª edição, Almedina, 2008, pág. 190.

E, depois de acentuar que «a função distintiva da marca é, hoje, mais ampla», e que «continua a ser a única função jurídica essencial e autónoma» lembra que a marca desempenha, ainda, não só uma função de qualidade (função derivada), como também uma função publicitária (função complementar).

           

Tendo em consideração estas funções da marca, designadamente a sua função essencial, que é a função distintiva, a lei concede protecção à marca, punindo a sua imitação ou usurpação por terceiros.

A lei proíbe que um agente adopte na sua actividade empresarial um sinal que seja susceptível de induzir em erro ou confusão o público consumidor.

Daí que as embargantes/executadas deveriam adoptar condutas que reflectissem a situação real e não dar uma ideia errónea ao público.

As marcas das executadas embargantes nunca se poderiam confundir com as embargadas executadas. Os consumidores não podem ser levados a tomar um produto por outro.

Ora, apesar de as Recorrentes não usarem no seu website a reprodução integral das marcas das Exequentes, o certo é que fazem referências – veja-se a matéria de facto provada supra – que certamente induzem o consumidor médio a efectuar a associação do produto que lhe é proposto com uma das marcas pertencentes às Exequentes.

Aquelas referências – ainda que entendidas como abreviaturas das marcas das embargadas/exequentes – constituem uma manifesta violação pelas ora Recorrentes, das marcas das embargadas/exequentes.

Como bem decidiu o Acórdão recorrido «a violação ocorre não só quando se faz a utilização da marca ACQUA DI GIO, mas também quando se utiliza a sigla ou referência “A D GIO” ou “AD GIO”, não só quando se utiliza ARMANI CODE, mas também aquando da utilização da sigla ou abreviatura “AR CODE”, não só quando se utiliza a marca registada YSL PARIS, mas também na utilização da referência ou sigla “YSL/PARIS”, não só quando se utiliza a marca tutelada LA VIE EST BELLE, mas também aquando da utilização da abreviatura ou referência “L V E BELLE” e, por fim, não só na utilização da marca AMOR AMOR, mas igualmente na utilização da referência ou sigla “A AMOR”».

Qualquer consumidor médio pode ser confundido com a utilização daquelas referências estando as embargantes/executadas a praticar uma conduta manifestamente violadora da alínea d) da decisão condenatória exequenda.

E, nem se diga como pretendem as ora Recorrentes que teria de haver uma fase declarativa onde fosse peticionado pelas exequentes que as embargantes não fizessem «referência» através de abreviaturas, sob pena de se estar perante uma prestação negativa nula por indeterminabilidade do objecto.

A obrigação das executadas está devidamente fixada – elas não podem violar as marcas das exequentes. E não o podem fazer através de quaisquer referências, sendo que estas «referências» não se podem restringir apenas à reprodução integral mas – como se deixou dito – à utilização de qualquer «referência» parcial, directa ou indirectamente relacionada com as marcas das exequentes.

Como bem referem as exequentes «A utilização de siglas, de formas abreviadas e parciais alusões, desde que susceptíveis na óptica do consumidor médio e comum, de efectuar a correspondência ou associação, por aproximação ou semelhança, às marcas registadas e pertença das Recorridas, deve necessariamente preencher o conceito de violação de marca».

Dúvidas não podem subsistir em como as Embargantes/executadas se encontram numa situação de incumprimento, do determinado na alínea d) do dispositivo da sentença condenatória exequenda.

Assim, entendemos que se impõe a improcedência das alegações das recorrentes, pelo que se nega a revista.



III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar a revista.

Custas pelas Recorrentes.


Lisboa, 05 de Julho 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza