Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2960/19.9T8VIS.C1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ARROLAMENTO
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CCPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar, ainda que revogatório da decisão da 1.ª instância, não admite recurso de revista (art. 370.º, n.º 2, do CPC), não se verificando qualquer das hipóteses em que o recurso é sempre admissível, que são as hipóteses previstas no n.º 2 do art. 629.º do CPC.
II - Não admitindo recurso de revista, as eventuais nulidades do acórdão devem ser suscitadas perante a Relação, nos termos do n.º 4 do art. 615.º do CPC ex vi do art. 666.º do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça

AA, com os sinais dos autos, requereu procedimento cautelar de arrolamento contra BB, peticionando o arrolamento das acções que o Requerido detém na SAD do Académico de … .

O arrolamento foi decretado no Tribunal de …, mas tal decisão foi revogada pelo acórdão da Relação de Coimbra de 04.02.2020 que julgou improcedente a providência cautelar e ordenou a restituição/entrega das acções descritas nos autos ao requerido/apelante.

O Requerente interpôs recurso de revista deste acórdão, que não foi admitido nos termos do despacho do Ex.mº Senhor Desembargador do seguinte teor:

Não se admite a revista, nos termos do art. 370.º/2 do CPC.

Efetivamente, dispõe-se em tal preceito que “das decisões proferidas nos procedimentos cautelares (…) não cabe recurso para o STJ, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.

E as hipóteses em que o recurso é sempre admissível são as previstas no art. 629.º/2 do CPC, sucedendo que nenhuma destas hipóteses se coloca ou foi invocada na revista que o requerente pretende interpor.

Incidente a cargo do requerente.

  Inconformado, o Recorrente apresentou reclamação, nos termos do art. 643º do CPC, em que pede a revogação do despacho reclamado e a sua substituição por outro que admita a revista.

Alegou como fundamento da reclamação:

- A admissibilidade da revista, nos termos do art. 671º, nº1 e 3, por o acórdão ter revogada a decisão da 1ª instância;

 - A violação pela Relação de normas processuais e substantivas na reapreciação da matéria de facto;

 - A nulidade do acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão e por omissão de pronúncia (art 615º, nº1, alíneas c) e d)).


O Apelante respondeu, pugnando pela improcedência da reclamação.


///


Neste Tribunal, o relator proferiu despacho de indeferimento (art. 643º, nº4 do CPC), do seguinte teor:

“Como decorre dos fundamentos da reclamação, o Reclamante justifica a mesma nos seguintes considerandos:

- a decisão é recorrível nos termos do nº1 do art. 671º do CPC, por não se verificar uma situação de dupla conforme;

- o acórdão recorrido incorreu na violação de regras processuais na decisão da matéria de facto;

- o acórdão é nulo por omissão de pronúncia (art. 615º, nº1, d) do CPC).

Não atentou, no entanto, no fundamento essencial para a não admissão do recurso.

E esse é, como expressamente consta do despacho reclamado, a norma do art. 370º, nº2 do CPC, segundo a qual “Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.”

Os casos em que é sempre admissível recurso são os previstos nas alíneas do nº2 do art. 629º do CPC, sem que a hipótese dos autos se subsuma a qualquer delas, como referiu o Ex.mº Desembargador Relator.

Tendo o acórdão sido proferido num procedimento cautelar, e não se verificando qualquer das situações previstas no nº2 do art. 629º, da decisão não cabe recurso de revista, como bem decidiu o despacho reclamado.

A imputação de nulidade ao acórdão, e uma vez que não admite recurso ordinário, teria de ser arguida perante a Relação, nos termos do nº4 do art. 615º, e não por via do recurso de revista.

Assim, e sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, o despacho de não admissão da revista não pode deixar de ser confirmado.

Decisão.

Pelo exposto, nega-se provimento à reclamação e confirmação o despacho reclamado.

Custas pelo Reclamante.”


*


Ainda inconformado, o Reclamante requer que a decisão seja submetida à conferência (nº3 do art. 652º, nº3 do CPC), nos seguintes termos:


1. A sapiente e ilustrada decisão singular, entendeu não conhecer do recurso por considerar que «não se verificando qualquer das situações previstas no n.º 2 do art. 629º, da decisão não cabe recurso de revista, como bem decidiu o despacho reclamado.».

2. Não se deverá senão a um equívoco de expressão do Recorrente a interpretação que a cientificamente supina decisão singular fez dos moldes de interposição do recurso: o que o Recorrente pretendeu foi a apreciação dos normativos invocados (artigos 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) ex vi do artigo 671.º, n.º 1; 674.º, n.º 1, alíneas a) e c); artigo 675.º, n.º 1; 676.º, n.º 1 a contrario e 677.º do CPC) cuja aplicação o próprio Recorrente expressamente dedicou consagração nos dois primeiros capítulos do seu recurso, e não a “interpretação” que o Tribunal ad quem fez desta última! 3.

3. Por outras palavras, o Recorrente pretende que se aprecie o que consagrou no seu recurso, nomeadamente no que exarou em dois capítulos que, pecando por excesso de denodo, volta a reproduzir:

“ A) Da Motivação do recurso

Somos de crer que o respeito pelas decisões judiciais – que jamais, em qualquer circunstância, pode ser posto em causa por quem quer que seja, sob pena de minar os alicerces do próprio Estado de Direito Democrático – não deve confundir-se nem com a discordância das mesmas nem com a sindicância de nulidades de que possam padecer.

Ao invés, tanto os recursos como os requerimentos de nulidade/reforma/aclaração visam justamente tornar a decisão judicial o mais perfeita possível e, assim, proporcionando o acatamento aos litigantes e o convencimento da comunidade, abonar ao respeito que, acima de tudo, lhes é devido.

Não obstante a intocabilidade e a reverência que o sábio acórdão nos inspira, e sem beliscar sequer a alta cientificidade que lhe subjaz e sobrepõe à mais modesta que empregámos no recurso, entendemos, sem desprimor, que o mesmo incorpora várias nulidades e erros adjectivos e substantivos. Chocantes, nalguns casos!

A Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o princípio da tutela jurisdicional efectiva no artigo 20.º, n.º 4 («Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo») e no n.º 5(«Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos»). Uma das manifestações por excelência dessa efectividade da tutela jurisdicional reside na concretização ordinária adjectiva dos meios recursórios.

Esta garantia constitucional só será efectiva se o direito ao recurso for concretamente respeitado, ou seja, se, podendo ser interposto e tendo-o sido, o recurso dever ser e for efectivamente apreciado, em todas as questões suscitadas e fundamentadamente. Mas é também exigência dos Estados Modernos que o Juiz julgue e que o faça fundamentadamente. Nesse sentido, Antunes Varela: «princípio de que as decisões judiciais têm de apresentar-se exaustivas, o que implica que ao juiz caiba o dever funcional de pronunciar-se sobre todos os pontos suscitados como fundamento do pedido e da defesa. Princípio esse consagrado na sua plena extensão pelo Código de Processo Civil ao impor aos tribunais o dever de apreciarem, nas decisões respectivas, todas as questões que as partes hajam levantado de modo processualmente admissível. (…) Como corolário da consagração do sistema de justiça pública e no intuito de conseguir que as decisões judiciais, além de conterem a solução jurídica dos pleitos, possuam força de convencimento, quer junto dos litigantes, quer, em geral, dos membros da comunidade, exige-se que o julgador seja completo na apreciação das questões submetidas pelas partes» (in RJL, Ano 109, n.º 3746, pág. 142).

E os cidadãos que tenham visto violados os seus direitos em resultado de actuação jurisdicional podem, pois, demandar o Estado pelos danos que essa actuação lhes causou. É, pois, direito fundamental dos cidadãos o direito de acesso aos tribunais, que no entender de Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, o artigo 22.º da CRP de 1976 «representa o afastamento do “princípio da irresponsabilidade do Estado” ou mesmo do “princípio da responsabilidade indirecta e subsidiária do Estado” e a radicação peremptória do princípio da responsabilidade directa do Estado», até porque «[A] colocação do preceito em sede de princípios gerais não prejudica (…) a sua dimensão subjectiva, no sentido de (…) consagrar o direito à reparação»; «[N]ote-se que em sede de princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais do TítuloI estão incluídos outros direitos e garantias indiscutíveis (exs.: direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)» – “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, Coimbra Editora, 2007, pp. 427 a 429).


Prosseguem aqueles Autores denotando: «Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela através dos tribunais deve ser efectiva. O princípio da efectividade articula-se assim com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia. (…) O que «postula, desde logo, (…) tipos de sentenças apropriados às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio» (ob. cit., pp. 414 a 416). Rui Manuel Pinheiro Moreira também nos diz que toda a pessoa, singular e colectiva, tem «direito à protecção jurídica contra a injustiça, o arbítrio ou a prepotência, especialmente por parte do Estado e dos seus agentes, onde cabe claramente um direito geral à reparação dos danos sofridos, seja em que circunstância for» (“Democracia, Poder Judicial e Responsabilidade dos Juízes”, in “Colóquio sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado”, sob a Direcção-Geral da Política de Justiça, Março de 2001, pág. 6).

– Ora: –

A um recurso interposto pelo Recorrido de duas decisões/sentenças – que se podem qualificar como equivalentes a “duas instâncias da 1.ª instância” pois que proferidas por dois Magistrados distintos –, a Relação de Coimbra dedicou um acórdão, por um lado, com dissertações genéricas, por outro, com remoques acintosos, ilações e dilações extraprocessuais, comentários “a latere” e de denigre do Recorrente, completamente desfasados ao que ficou provado de ter sido o acordo celebrado entre Recorrente e Recorrido perante o Tribunal a quo.


Por todas estas razões, acrescidas às da concreta sindicância das causas deste “unfair trial”, o ACÓRDÃO DEVE SER DECLARADO NULO (sanando-se as nulidades que o contaminam) e DEVE SER REVOGADO (expurgando-se os erros que o assolam).


B) Admissibilidade da Revista

A evidência torna desnecessário o aprofundamento: na matéria de direito, o douto acórdão da Relação de Coimbra revogou, sem voto de vencido e com fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pelo Tribunal de … – o que torna admissível o presente recurso de revista (artigo 671.º, n.º 1 do CPC). Como infra se irá demonstrar, o Recorrente indicou prova documental e testemunhal que não foi concreta e efectivamente considerada pela Relação (da mesma extraiu ilações e conclusões que pretendeu para fundamentar o infundado!); o que releva para o acórdão sub iudice conspurcado de vários vícios decisórios, consubstanciados na não consideração como provados dos factos que o foram em 1.ª instância pelo Tribunal a quo e na consideração como provados de outros que jamaiso deveriam;

- o que, na perspectiva do Recorrente, influi (e de que maneira!) na decisão de direito sobre questões processuais e altera (totalmente) o sentido da decisão judicial a proferir num quadro fáctico expurgado desses vícios.

Verificados os demais requisitos para a interposição do recurso de revista do ora Recorrente, deve o mesmo ser admitido. Como se vê, foi o próprio Recorrente a advogar que discute, na matéria de direito, a fundamentação essencialmente diferente proferida pela Relação, o que desde logo torna admissível o presente recurso de revista. Ou seja, jamais a rejeição da revista poderia escorar-se nesse motivo, que o Recorrente teve o cuidado de antecipar não se verificar – mas foi com escudo nesse motivo, e só nesse, que o Tribunal a quo fundamentou a rejeição.

A Relação de Coimbra ficou-se pelo capítulo B) do recurso – detalhemo-nos nos restantes, totalmente desconsiderados no douto despacho que inadmitiu a revista, seguidamente reproduzidos:

C) Nulidades do douto Acórdão da Relação de Coimbra

ALTERAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO (PARA NÃO PROVADA)

Nulidade do Acórdão por os fundamentos se encontrarem em oposição com a decisão

Refere o douto Acórdão da Relação de Coimbra que, dos Factos não provados, deverá constar «O requerente e o requerido hajam acordado/celebrado, em Julho de 2005 ou em momento posterior, um “contrato de parceria de investimento” com o conteúdo que consta de fls. 51 a 53 (apenas se provou que acordaram o que consta dos pontos 1 a 3 dos factos provados, bem como o que, durante a execução de tal acordo, consta do ponto 12 e 13 dos factos provados)», e, bem assim, logo de seguida acrescentar que «b) O requerente e o requerido hajam acordado que a participação social que o requerido viesse a deter no Ac. de … SAD pertencia a ambos, em partes iguais, logo que o requerido passasse a deter participação na Ac. de…, SAD.»

Todavia, compaginando com o que procurou fundamentar na sua longa verborreia, e mormente no que assentou como sendo os factos provados, encontra-se em total oposição com a decisão afinal.(…).

D)Poderes de Cognição do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Sobre determinados pontos da matéria de facto

Nos termos do disposto na 2.ª parte do n.º 3 do artigo 674.º e no n.º 2 do artigo 682.º do CPC, e sucintamente, o Supremo Tribunal de Justiça (só, mas muito) pode decidir alterar a decisão em matéria de facto se verificar que o Tribunal da Relação se valeu de presunções judiciais: i) com ofensa de qualquer norma legal de índole probatória; ii) com alguma ilogicidade; ou iii) partindo de factos não provados.

– i) Quanto à ofensa a norma legal de índole probatória: –

O acórdão da Relação deu como não provado o constante da alínea a), nomeadamente o acervo documental denominado “contrato de parceria”, daí apenas levando aos factos provados o que, habilmente, necessitou para fundamentar a PEREGRINA decisão, em clamorosa violação das normas substantivas com relevância probatória consignadas nos artigos 342.º, n.º 1, 346.º e 392.º do Código Civil – o que deve ser suprido nesta ALTAINSTÂNCIA.

– ii) Quanto à ilogicidade: –

O acórdão da Relação deu como provado o facto do ponto 13., com a ilogicidade estapafúrdia que se demonstrará infra – o que deve ser suprido nesta ALTA INSTÂNCIA.

- iii) Quanto ao raciocínio a partir de factos não provados: –

O acórdão da Relação deu como não provados os factos ínsitos nas alíneas a) a e) em que fundamentou a revogação da decisão da 1.ª instância, retirando dos factos provados uma interpretação jurídica em viés, com base em contradições – o que deve ser suprido nesta ALTA INSTÂNCIA.

E) VIOLAÇÕES, POR ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO, DE LEI SUBSTANTIVA E ADJECTIVA

O Tribunal da Relação “invalidou” o entendimento do Tribunal de … – frise-se duas decisões de dois Ínclitos Magistrados uma que decretou o arrolamento, a segunda que o confirmou, revalidando-o! –, segundo o qual «(…) e não lhe assistindo, por isso e, em consequência, o direito a peticionar e obter o arrolamento das acções (cujo preço não demonstrou ter pago em qualquer parte ou percentagem) que o requerido detém na SAD do Ac. de …» – fls. 43, 1.º parág., do acórdão (…).

F) QUESTÃO DA INTERPRETAÇÃO DOCOMPLEXO DOCUMENTAL JUNTO À PI

O Recorrente sempre dirá que os termos e condições do contrato celebrado com o Recorrido foram nos moldes que expôs e foram sufragados nas doutas decisões de decretamento do arrolamento e que aqui se dão por integralmente reproduzidas, onde se deixa antever que foi acordado um contrato promessa de compra e venda de acções entre ambas as partes.

G) QUESTÃO DO ABUSO DO DIREITO

A Relação também deixou de se pronunciar sobre a questão levantada pelo Recorrente – ainda que em sede de procedimento cautelar – do abuso do direito, o que configura uma nulidade expressamente prevista na al. c), d n.º 1 do artigo 615.º do CPC que expressamente se argui. Na verdade, como referido, o Recorrido está impedido de invocar com êxito a nulidade formal do contrato-promessa, pois que basta a forma verbal para assegurar a validade do mesmo. Mas, se for entendido que é exigida a forma escrita (documento particular), ao Recorrido, salvo se faltar à verdade, não restará senão invocar, como única defesa a deduzir na acção principal, a nulidade do contrato-promessa de compra e venda de acções por falta de forma.»].

4. O segmento em que o Recorrente entende que do teor do douto despacho do Tribunal da Relação de Coimbra não constam os fundamentos de direito necessários e suficientes à fundamentação da decisão judicial de não admissão do recurso de revista, é uma mera argumentação antecipada das suas alegações (e não a interpretação que o Tribunal ad quem fez, pois essa deverá ser apreciada por V. Ex.ªs, precisamente em sede de conhecimento do recurso), mas que não será a única nem vinculará V. Ex.ªs ou constrangerá o V/sempre luminoso argumentário jurídico.

5. O Recorrente interpôs o recurso de Revista e, da não admissão do mesmo pela Relação, reclamou para que sobre a interpretação concreta subjacente à douta decisão do Tribunal recorrido recaísse, precisamente, o supremo juízo.

6. Da mesma forma, e aqui ainda com maior evidência, o Recorrente pretende que se aprecie a invocada violação de normas processuais e substantivas quanto à reapreciação pelo Tribunal da Relação do julgamento de facto feito na 1.ª Instância, assim como os vícios decisórios dimanados da errónea consideração de alguns factos como provados e de outros como não provados, na sua aplicação conjunta e tal como foram concretamente interpretadas, no sentido de abonarem a manutenção do procedimento cautelar decretado pela 1.ª instância, nos exactos termos em que o fez o Tribunal a quo, com os elementos constantes do processo.

7. O excerto em que o Recorrente cuida que, o entendimento da Relação de inobservância dos requisitos de admissibilidade do recurso revista (além de todo o arrazoado fundamento usado por aquele Tribunal no douto acórdão de revogação do arrolamento – fazendo liça de meios probatórios (documental e testemunhal) que não foram concreta e efectivamente apreciados), é também a simples síntese de um dos argumentos a desenvolver em sede de alegações.

8. Aliás, em sucinto desenvolvimento desse argumento, adianta-se já que a interpretação do Tribunal recorrido, a que a erudita decisão singular faz apelo, segundo a qual «não se verificando qualquer das situações previstas no n.º 2 do art. 629º, da decisão não cabe recurso de revista», assenta num equívoco seminal: o Recorrente não fundou o recurso apenas nessa norma exceptiva, mas invocou os artigos 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) ex vi do artigo 671.º, n.º 1; 674.º, n.º 1, alíneas a) e c); artigo 675.º, n.º 1; 676.º, n.º 1 a contrario e 677.º do CPC: nenhum desses é o629.º, n.º 2, cuja aplicação o próprio Recorrente expressamente dedicou consagração nos dois primeiros capítulos do seu recurso!

E, na verdade, no recurso de Revista apresentado, o Recorrente insurge-se contra o não uso (nuns casos) e o uso deficiente (noutros) dos poderes da Relação sobre a matéria de facto apreciada e validada pela 1.ª instância, além de ter imputado ao acórdão da Relação dezenas de nulidades na decisão sobre concretos pontos de facto.

9. O que, nos termos a douta decisão singular em crise, vem sustentado dever ter sido arguido perante a Relação e não por via da Revista.

10. Discorda-se, em absoluto, do mui douto entendimento, pois que a situação processual não é diversa, é a mesma (as nulidades deveriam ser conhecidas por este Supremo Tribunal no âmbito da Revista) e exactamente os mesmos são os factos, desde as questões plasmadas nos capítulos C), E) e F) que supra (3.) se reproduziram, e que influem directamente (e bastava que as influenciassem indirectamente) em todas as questões recursórias substantivas, pois que é susceptível de fundamentar a alteração da decisão de direito.

11. O que daqui avulta é que, também quanto a esta questão, o Recorrente interpôs o recurso para que sobre a interpretação concreta subjacente ao douto acórdão do Tribunal recorrido recaísse, precisamente, o juízo da sua admissibilidade.

12. É isso que espera seja feito: não espera ver declarada a inadmissibilidade da Revista – espera apenas que seja assegurado este grau de jurisdição e não “omitido”, como em termos práticos resulta da sábia decisão singular que, ora desfeito, induzirá à decisão de conhecimento do objecto do recurso.

13. Pois que, inviabilizar que este Supremo Tribunal conheça de tal reapreciação (feita, pela primeira vez, na Relação de Coimbra) traduziria violação do princípio, inclusive, do duplo grau de jurisdição.


Nestes termos, aprimorados pelos mais instruídos de V. Ex.ªs, requer-se-Lhes, na procedência da presente reclamação, seja ordenada a notificação do Recorrente para apresentação de alegações.


     O Reclamado respondeu pugnando pela confirmação da decisão singular.


*


       Cumpre decidir em conferência.

  A decisão do relator, confirmatória da do Ex.mº Senhor Desembargador de não admissão do recurso de revista, fundou-se no facto de a decisão impugnada ter sido proferida num procedimento cautelar e neste tipo de processos, salvo os casos previstos no nº2 do art. 629º do CPC em que o recurso é sempre admissível, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, como claramente diz o nº2 do art. 370º, sendo certo que o caso dos autos não se subsume, nem tal foi invocado, a qualquer das hipótese previstas no nº2 do art. 629º.

Sobre este fundamento de não admissão do recurso, isto é, a irrecorribilidade, para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão proferida num procedimentos cautelar, não se verificando nenhuma das situações em que o recurso é sempre admissível, o reclamante nada diz, limitando-se a expor princípios, que ninguém discute, mas sem qualquer interesse para a questão que importa decidir.


  Que a decisão da Relação é hoje, em regra, definitiva nos procedimentos cautelares, é algo que não pode deixar dúvida em face da clareza da lei, como bem referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pag. 49:

   “Deveu-se ao DL 375-A/99 de 20.09, a limitação do direito ao recurso das decisões proferidas nos procedimentos cautelares: manteve-se a sua recorribilidade para a Relação, nos termos gerais do art. 678º/ do CPC de 1961 (idêntico ao art. 629º); mas as decisões proferidas pela Relação passaram a ser definitivas, a menos que ocorresse algum dos casos em que o recurso era sempre admissível, de acordo com o art. 678º/2 (correspondente ao art. 629º/2, que enumera a violação de regras de competência internacional, em razão da matéria e da hierarquia, ofensa de caso julgado, a decisão sobre o valor da causa ou do incidente que se pretenda dever ser superior à alçada do tribunal da Relação, a decisão contra jurisprudência uniformizada e a contradição com outra decisão da Relação tomada sobre a mesma questão fundamental de direito.

   A provisoriedade da providência cautelar explica esta limitação, não obstante a importância prática que ela pode concretamente ter para a efectiva realização do direito (…).

   Assim, sem prejuízo do disposto no art. 692º, nº2, está vedado o recurso para o Supremo das decisões proferidas em procedimentos cautelares, o que significa que, em princípio, tais decisões apenas são susceptíveis de recurso para a Relação.”


   Como no caso o recurso de revista foi interposto num procedimento cautelar de arrolamento (arts. 403º a 409º do CPC), e não se verificando qualquer das hipóteses previstas no nº 2 do art. 629º, o recurso não é admissível.

   Quanto à questão das alegadas nulidades do acórdão da Relação, nada há a acrescentar ao que já foi referido pelo relator: como do acórdão da Relação não cabe recurso para o Supremo, teriam de ser arguidas perante aquele Tribunal, tal como preceitua o nº4 do art. 615º do CPCivil.

Termos em que, e sem necessidade de mais desenvolvidas considerações, a conferência decide confirmar o despacho do relator.


Decisão.

Pelo exposto, a conferência decide negar provimento à reclamação e confirmar o despacho do relator.

Custas pelo Reclamante.


Lisboa, 08.10.2020

Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A de 13.03. aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este colectivo.

Ferreira Lopes (relator)

Maria do Prazeres Beleza

Olindo Geraldes