Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S3751
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: PERÍODO NORMAL DE TRABALHO
HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: SJ200603070037514
Data do Acordão: 03/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. Não tendo o trabalhador provado, como lhe competia, que ajustara com o empregador um período normal de trabalho semanal de 36 horas, verificada a cessação da situação específica que esteve na base da redução do seu período normal de trabalho de 40 para 36 horas, nada impedia o empregador de operar, legitimamente, a reposição do período normal de trabalho de 40 horas semanais que o trabalhador estava contratualmente obrigado a prestar por virtude do contrato de trabalho.
2. Tal regresso à situação contratual anteriormente vigente não configura um aumento do período normal de trabalho do trabalhador, mas antes a reposição da medida quantitativa da prestação do trabalho contratada.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 9 de Março de 2004, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Famalicão, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra TÊXTIL ..., S. A., pedindo a condenação da ré: a) a reconhecer que o período normal de trabalho por semana da autora é de 36 horas, pelo menos, desde meados de 1990, e, em consequência, condenada (i) a pagar-lhe, a título de trabalho suplementar, a quantia de € 856,56, referida no artigo 31.º da petição inicial, bem como a retribuição referente ao trabalho suplementar que se vença na pendência da presente acção, retribuição essa que será liquidada em execução de sentença, e (ii) a fixar à autora um horário de trabalho que não exceda 36 horas por semana; b) a reconhecer que a autora tem a categoria profissional de bobinadeira; c) a devolver à autora o exercício efectivo das funções de bobinadeira; d) a pagar à autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 100, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe forem impostas pela sentença que vier a ser proferida e a partir da data em que a mesma puder ser executada; e) a pagar os juros vencidos, à taxa legal, sobre as importâncias acima referidas desde as datas dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.

Em transacção judicial, oportunamente homologada, as partes acordaram em pôr termo ao litígio relativamente às alíneas b) e c) do pedido formulado (fls. 118).

Realizado julgamento, foi proferida sentença que, não obstante entender que a alteração do horário tinha sido legal, nada havendo a pagar a título de trabalho suplementar, considerou haver uma diminuição da retribuição da autora, já que esta continuou a auferir a mesma retribuição quando o seu período normal de trabalho passou de 36 horas para 40 horas, por isso, julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré «a pagar à autora a quantia de € 571,66, acrescida das diferenças no valor da retribuição mensal já vencidas e que ainda se vençam na pendência da acção, a liquidar em execução de sentença, e dos juros de mora, à taxa legal, e a calcular sobre o valor da respectiva diferença da retribuição mensal e que são devidos desde a data do respectivo vencimento (data em que a correspondente retribuição foi paga, conquanto em montante inferior ao devido)».

2. Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso de apelação, sendo o recurso da autora subordinado, tendo a Relação julgado procedente o recurso da ré e improcedente o recurso subordinado da autora, revogando a sentença recorrida.

É contra esta decisão que a autora se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:

Como resulta da matéria de facto provada, a ré reduziu o período normal de trabalho da autora de 40 para 36 horas por semana, mantendo-lhe o valor da retribuição base e pagando-lhe ainda o prémio mensal de 50 €;
A situação descrita configura uma alteração do contrato de trabalho resultante de um acordo de ambas as partes, acordo esse que foi cumprido durante um considerável lapso de tempo;
A ré, ao aumentar o período normal por semana da autora sem o acordo desta, violou o disposto no artigo 406.º, n.º 1, do Código Civil, o qual prescreve que o contrato só pode modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes;
– Sendo ilegal o aumento do seu período normal de trabalho por semana, a autora tem o direito — que peticionou — de exigir que a ré reconheça que efectivamente o seu período normal de trabalho é de 36 horas por semana e que lhe fixe um horário de trabalho dentro desses limites;
Nessa conformidade, todo o trabalho que a autora prestou para além daquele limite de 36 horas, terá de ser considerado trabalho suplementar, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e, como tal, retribuído;
Por outro lado, o valor de cada hora de trabalho prestado pela autora passou a ser inferior quando a mesma deixou de trabalhar 36 horas por semana para começar a trabalhar 40 horas, o que configura uma diminuição de retribuição proibida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT;
– O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 406.º, n.º 1, do Código Civil, 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 421/83, e 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, pelo que deve ser revogado, condenando-se a ré como peticionado.

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

Se a ré podia alterar, unilateralmente, o período normal de trabalho da autora de 36 horas para 40 horas por semana [conclusões A) a D) e H), na parte atinente];
Se a autora tem direito a exigir que a ré reconheça que o seu período normal de trabalho é de 36 horas por semana e que lhe fixe um horário de trabalho dentro desse limite [conclusões E) e H), na parte atinente];
Se a autora tem direito que lhe seja pago como trabalho suplementar o trabalho prestado para além daquele limite de 36 horas [conclusões F) e H), na parte atinente];
– Se ocorre uma diminuição de retribuição proibida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT [conclusões F) e H), na parte atinente].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:
Da especificação:
1) A ré dedica-se à indústria têxtil, explorando um estabelecimento industrial, com várias unidades fabris, no local da sua sede;
2) A autora é associada do Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes;
3) Por virtude de contrato de trabalho subordinado e sem termo, a autora foi admitida ao serviço da ré, em Novembro de 1973, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização desta, trabalhar, como ainda hoje trabalha, mediante retribuição;
4) Desde a data da sua admissão até hoje, a autora tem-se mantido ininterruptamente ao serviço da ré;
5) Inicialmente e até meados de 1989, a autora trabalhou na fiação A da ré, exercendo as funções de bobinadeira, ou seja, conduzia as máquinas de bobinar ou desmanchar fios;
6) Posteriormente, a autora foi transferida da fiação A para fiação D-E, local onde permaneceu, exercendo sempre as descritas funções de bobinadeira, até 2001;
7) Em 2001, a autora foi, de novo, transferida, desta vez para a fiação Z, onde continuou a exercer as supra descritas funções de bobinadeira;
8) Desde meados de 1990 até 02/12/2002, a autora cumpriu sempre o horário de trabalho das 12 às 18 horas, de segunda-feira a sábado, no total de 36 horas de trabalho por semana;
9) Em 02/12/2002, a ré, sem o acordo da autora e contra a vontade desta, transferiu-a para o horário das 09 às 18 horas de segunda a sexta-feira, num total de 40 horas de trabalho por semana;
10) Desde aquela data de 02/12/2002 até 07/02/2003, a autora cumpriu o referido horário das 09 às 18 horas, de segunda a sexta-feira;
11) No dia 08/02/2003, a autora recebeu ordem para trabalhar na secção de tecelagem, onde passaria a ajudar o trabalhador que opera os teares;
12) Desde 08/02/2003 até ao final de Outubro de 2003, a autora cumpriu sempre o horário das 06 às 14 horas, de segunda a sexta-feira, na secção de tecelagem, num total de 40 horas por semana;
13) Após ter exercido, naquela secção, durante cerca de 15 dias, as funções de ajudante de tecelão, a partir de 23 de Fevereiro de 2003, a autora passou a exercer as funções de tecedeira, ou seja, conduzir os teares ou máquinas de tecer;
14) Em Novembro de 2003, por ordem da ré, a autora cumpriu o referido horário de trabalho das 09 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, exercendo, na secção de tecelagem, as descritas funções de tecedeira;
15) No início de Dezembro de 2003, a ré transferiu, de novo, a autora do horário das 09 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, para o horário das 06 às 14 horas, de segunda a sexta-feira;
16) A autora cumpriu o horário das 06 às 14 horas, de segunda a sexta-feira, desde 01/12/2003 até 27/01/2004, exercendo neste período, na secção de tecelagem, as descritas funções de tecedeira;
17) Em 28/01/2004, a ré colocou novamente a autora a cumprir o horário de trabalho das 09 às 18 horas, de segunda a sexta-feira;
18) Todas as alterações de funções e de horário de trabalho acima descritas foram efectuadas pela ré contra a vontade da autora e, portanto, sem o acordo desta;
19) Desde 02/12/2002 até hoje, a autora auferiu as seguintes remunerações de base mensais: de 02.12.02 a 31.01.03 – € 361,00; de 01.02.03. a 28.02.04 – € 373,00;
20) A Ré rescindiu por acordo, algumas dezenas de contratos de trabalho de trabalhadores da fiação;
21) Havendo outros que foram transferidos para outros departamentos onde ainda podiam prestar alguma actividade;
22) A Autora não aceitou a rescisão do seu contrato de trabalho, embora lhe tivesse sido proposta;
23) E a Ré transferiu-a, como a outros trabalhadores da fiação para o departamento de conservação e obras, sendo, depois, distribuída para outras secções, em função das respectivas necessidades e aptidões;
24) Apesar dos horários de trabalho que a ré fixou à autora a partir de 02/12/2003 — das 09 às 18 horas, de segunda a sexta-feira, e das 06 às 14 horas, também de segunda a sexta-feira — aquela manteve inalterada a remuneração de base desta;
25) O horário de 36 horas semanais integrava-se num regime especial de 4 turnos, de Segunda a Sábado, de 6 horas de trabalho por dia, estabelecido inicialmente para uma fiação e, depois, alargado às demais fiações da Ré;
26) A Autora trabalhava 6 dias por semana quando estava inserida no regime de 4 turnos, e agora trabalha apenas durante 5 dias por semana, ou seja, de Segunda a Sexta.
Das respostas aos quesitos:
27) Desde 28/01/2004 até hoje, a autora tem cumprido ininterruptamente o horário de trabalho das 09 às 18 horas, de segunda a sexta-feira (com uma hora de intervalo para almoço);
28) Razões de mercado e, sobretudo, a «invasão» de fios de algodão fabricados nos países asiáticos têm levado a uma diminuição na procura de fio de algodão fabricado em Portugal e, também, do fabricado pela Ré;
29) Durante algum tempo, a Ré, por falta de encomendas e de vendas, produziu para stock, esperançada em que a crise fosse passageira;
30) Como persistiu a falta de procura, a Ré teve mesmo de fazer parar grande parte do seu parque de máquinas de fiação;
31) E essa paralisação fez com que uma parte dos trabalhadores afectos à fiação se tornasse excedentária;
32) Quando a Autora foi admitida ao serviço da Ré os horários praticados na ré, entre os quais o horário em que a autora foi integrada, eram de mais de 40 horas semanais;
33) A duração de 36 horas semanais dividida em 6 horas por dia — referida em 25) [por lapso, o acórdão remete para o facto n.º 24] —, apenas vigorava para os trabalhadores que trabalhavam nesse regime especial de 4 turnos e enquanto se mantivessem nesse regime;
34) Nem alguma vez foi acordado ou estabelecido pela Ré que, desde a altura em que passou a trabalhar no referido regime especial de 4 turnos, a duração semanal da sua prestação de trabalho ficaria limitada a 36 horas semanais;
35) A Autora e os demais trabalhadores sabiam que os trabalhadores que, entretanto, deixaram de trabalhar naquele «regime especial» (horário de trabalho com a duração de 36 horas semanais, divididas em 6 horas por dia, de segunda-feira a Sábado) e passaram a trabalhar noutro horário (distribuído apenas de segunda-feira a sexta-feira) deixaram de usufruir das regalias que usufruíam — nomeadamente deixaram de receber o prémio de € 50,00 — enquanto praticaram o horário daquele «regime especial»;
36) Sem que a Ré alguma vez tivesse abdicado do seu direito de, como empregadora, definir os horários dos seus trabalhadores;
37) Esse horário especial de 36 horas por semana, distribuídas de Segunda-feira a Sábado, visou, na altura, obter uma maior produtividade mantendo o equipamento em laboração cerca de 7000 horas/ano;
38) Apesar da redução de horas semanais de trabalho dos trabalhadores que praticavam esse horário;
39) A Ré hoje vê-se confrontada com a necessidade de ter de parar parte do seu equipamento, com a consequente redução do número de trabalhadores;
40) A ré, a determinada altura e com vista a incentivar os seus trabalhadores a aceitarem deixar de praticar os horários que vinham praticando, e em que não trabalhavam aos sábados, e passarem a praticar o dito «regime especial» (horário de trabalho com a duração de 36 horas semanais, divididas em 6 horas por dia, de segunda-feira a Sábado), regime este que pretendia implementar em mais «Secções» da empresa, passou a pagar aos trabalhadores integrados nesse horário um «prémio mensal» no valor de € 50,00 (na altura em que foi instituído, 10.000$00).

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra que ocorra qualquer das situações que permitam ao Supremo alterá-los ou promover a sua ampliação (artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil), por conseguinte, será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no presente recurso.

2. Importa, então, ajuizar se a ré podia alterar, unilateralmente, o período normal de trabalho da autora de 36 horas para 40 horas por semana.

Estando em causa a alteração do período normal de trabalho da autora, em 2 de Dezembro de 2002, portanto, em data anterior à entrada em vigor do Código do Trabalho (dia 1 de Dezembro de 2003 — n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), aplica-se, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 99/2003, o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT, e o regime da duração do trabalho e da organização do tempo de trabalho, contido no Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, na redacção dos Decretos-Leis n.os 421/83, de 2 de Dezembro, 65/87, de 6 de Fevereiro, 398/91, de 16 de Outubro, 96/99, de 23 de Março, e pelas Leis n.os 21/96, de 23 de Julho, 61/99, de 30 de Junho, e 118/99, de 11 de Agosto.

A LCT estipulava que «[d]entro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem, compete à entidade patronal fixar os termos em que deve ser prestado o trabalho» (artigo 39.º, n.º 1) e que «[o] número de horas de trabalho que o trabalhador se obrigou a prestar denomina-se período normal de trabalho» (artigo 45.º, n.º 1), competindo «à entidade patronal estabelecer o horário de trabalho dentro dos condicionalismos legais» (artigo 49.º).

Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 409/71, na versão conferida pelos sucessivos diplomas legais que lhe introduziram alterações, dispunha que competia às entidades patronais «estabelecer o horário de trabalho do pessoal ao seu serviço, dentro dos condicionalismos legais», entendendo-se por horário de trabalho «a determinação das horas de início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso» (artigo 11.º, n.os 1 e 2), fixando a lei o limite máximo de horas que o período normal de trabalho semanal podia comportar (artigo 5.º).

Da conjugação das normas enunciadas decorre que o período normal de trabalho está legalmente limitado e consiste no número de horas que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar durante um certo período, sendo este parâmetro «definido por contrato individual de trabalho, quer explicitamente, quer mediante integração pelo uso ou prática da empresa ou do sector» (cf. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11.ª edição, Almedina, Coimbra, 1999, p. 326).

O período normal de trabalho é, pois, fixado convencionalmente e não pode ser unilateralmente aumentado, uma vez que, «ao fazê-lo, o empregador estaria a modificar, por sua exclusiva vontade, o objecto do contrato de trabalho no seu aspecto quantitativo, pelo acréscimo da medida da prestação do trabalho» (cf. MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., p. 330).

No caso, provou-se que, quando a autora foi admitida ao serviço da ré os horários praticados na ré, entre os quais o horário em que a autora foi integrada, eram de mais de 40 horas semanais [facto assente 32)].

E, por outro lado, ficou demonstrado que a duração de 36 horas semanais dividida em 6 horas por dia — das 12 às 18 horas, de segunda-feira a sábado —, apenas vigorava para os trabalhadores que trabalhavam nesse regime especial de 4 turnos e enquanto se mantivessem nesse regime [facto assente 33)], e que jamais foi acordado ou estabelecido pela ré que, desde a altura em que a autora passou a trabalhar no referido regime especial de 4 turnos, a duração semanal da sua prestação de trabalho ficaria limitada a 36 horas semanais [facto assente 34)].

Pelo contrário, apurou-se que «[a] Autora e os demais trabalhadores sabiam que os trabalhadores que, entretanto, deixaram de trabalhar naquele regime especial (horário de trabalho com a duração de 36 horas semanais, divididas em 6 horas por dia, de segunda-feira a sábado) e passaram a trabalhar noutro horário (distribuído apenas de segunda-feira a sexta-feira) deixaram de usufruir das regalias que usufruíam — nomeadamente deixaram de receber o prémio de € 50,00 — enquanto praticaram o horário daquele regime especial» [facto assente 35)], sem que «a Ré alguma vez tivesse abdicado do seu direito de, como empregadora, definir os horários dos seus trabalhadores» [facto assente 36)].

Resulta, assim, da matéria de facto assente que, no caso, não se verificou um aumento do período normal de trabalho da autora, mas antes a reposição da medida quantitativa da prestação do trabalho que aquela estava contratualmente obrigada a prestar por virtude do contrato de trabalho subordinado e sem termo que firmou com a ré quando foi admitida ao serviço desta, em Novembro de 1973 [facto assente 3)].

Ora, tendo a autora deixado de prestar a sua actividade no mencionado regime especial de quatro turnos, cessou a situação específica que esteve na base da redução do seu período normal de trabalho de 40 para 36 horas, o que determina o regresso das partes à situação contratual anteriormente vigente, ou seja, ao período normal de trabalho semanal de 40 horas, tal como se concluiu na sentença da primeira instância e foi confirmado pelo acórdão recorrido.

Não tendo a autora logrado provar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), que acordara com a ré um período normal de trabalho semanal de 36 horas, verificada a cessação da situação específica que esteve na base da redução do seu período normal de trabalho de 40 para 36 horas, nada impedia a ré de operar, legitimamente, a reposição do período normal de trabalho de 40 horas semanais que a autora se obrigou a prestar no contrato de trabalho firmado com a ré.

Consequentemente, não se verifica a alegada violação do n.º 1 do artigo 406.º do Código Civil, nem a autora tem o direito a exigir que a ré reconheça que o seu período normal de trabalho é de 36 horas por semana e que lhe fixe um horário de trabalho dentro desse limite.

Improcedem, pois, as conclusões A) a E) e H), na parte atinente, do recurso.

3. A autora defende, porém, que todo o trabalho prestado para além daquele limite de 36 horas terá de ser considerado e retribuído como trabalho suplementar, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro.

Como é sabido, o Decreto-Lei n.º 421/83 consagrou a noção de trabalho suplementar, o qual compreende «todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho» (n.º 1 do artigo 2.º), conceito mais amplo que o de trabalho extraordinário e que abrange o trabalho fora do horário em dia útil, trabalho em dias de descanso semanal e feriados.

Na situação presente, não se provou a prestação pela autora de trabalho compreendido no conceito de trabalho suplementar, designadamente, que tivesse prestado trabalho para além do respectivo horário de trabalho, ónus lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), mas que não logrou cumprir.

Donde, não se tendo provado a prestação pela recorrente de actividade que se integre no conceito de trabalho suplementar, improcedem as conclusões F) e H), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

4. Finalmente, a autora sustenta que, quando deixou de trabalhar 36 horas por semana para começar a trabalhar 40 horas, o valor de cada hora de trabalho prestado passou a ser inferior, o que configura uma diminuição de retribuição proibida pelo artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT.

A norma invocada consagrava o princípio da irredutibilidade da retribuição.

A este propósito, afirmou-se no acórdão recorrido:

« De acordo com a decisão recorrida, justifica-se que a Ré passe a pagar à A. um aumento da sua retribuição base, como se a A. tivesse sofrido uma diminuição desta pelo facto de, regressando ao regime normal, ter passado a trabalhar 40 horas semanais, quando no referido “regime especial”, de Segunda-feira a Sábado, trabalhava 36 horas semanais.
Ora, a verdade é que, como já se referiu e resulta dos factos provados, aquele regime especial de 36 horas semanais implicava a prestação de trabalho em mais um dia por semana (ao Sábado) e, portanto, cerca de mais 4 dias por mês e, por isso, era considerado um regime mais penoso e pouco apetecido.
E foi precisamente por isso que, com vista a incentivar os seus trabalhadores a aceitarem esse regime especial, a recorrente não só estabeleceu uma redução do número de horas, como criou um “prémio” para os trabalhadores que laborassem nesse regime e enquanto nele se mantivessem.
Por outro lado, e como se deixou dito, nunca se constituiu, em definitivo, um direito da A. a essa redução de horário, ou seja, trabalhar apenas 36 horas por semana.
E, ao distribuir-lhe tal horário em regime normal, de 40 horas por semana, de Segunda a Sexta, a Ré podia [retirar] à A. não só o prémio inerente ao regime especial (pelo trabalho ao Sábado), como igualmente podia determinar a manutenção da retribuição base mensal.
E, como bem salienta a recorrente [aqui, recorrida], “a Autora não foi contratada para trabalhar à hora nem ao dia, mas ao mês e a sua retribuição foi estabelecida ao mês, devendo a autora trabalhar, em cada mês até ao número máximo de horas semanais legalmente estabelecidas, em condições semelhantes às dos demais trabalhadores da empresa e em função do horário que lhe fosse determinado”.
Acompanhando a posição da recorrente [aqui, recorrida], diremos ainda que a norma do citado artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, não pode ser interpretada, sob pena de violação do artigo 59.º, n.º 1, da Constituição da República, no sentido de permitir que os trabalhadores da Ré que prestem trabalho de idêntica natureza e qualidade, no mesmo horário de trabalho, sejam retribuídos de formas distintas.
Com efeito, o princípio constitucional “para trabalho igual salário igual” obsta a que trabalhadores da Ré, como a A., que pratiquem horário de trabalho igual ao dos outros trabalhadores da Ré que exercem funções de idêntica natureza e qualidade às daqueles, aufiram salários superiores, uma vez que a quantidade de trabalho prestado por uns e outros é igual.
Uma nota final, para salientar que o acórdão da Relação de Lisboa, de 19-[6]-02, citado na douta sentença [C J, Ano XXVII, 2002, tomo III, p. 164], contempla uma hipótese completamente diferente da que é versada na presente acção.
Na verdade, enquanto no caso do referido acórdão, os trabalhadores da Portugal Telecom tinham sido admitidos para praticar um horário de 36 horas semanais, e viram aumentados o seu período normal de trabalho de 36 para 40 horas semanais, no caso em apreço, a A. foi admitida para praticar um horário que, na altura, era de mais de 40 horas semanais e, durante longo tempo, praticou esse horário, até terem sido estabelecidos os horários em apreço.»

Tudo ponderado, considera-se que o entendimento transcrito respeita as normas legais ao caso aplicáveis, não se verificando a alegada violação do princípio da irredutibilidade da retribuição previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT, pelo que, improcedem as conclusões F) e H), na parte atinente, da alegação do recurso.

III

Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 7 de Março de 2007

Pinto Hespanhol (relator)

Vasques Dinis

Fernandes Cadilha