Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4057/10.8TXLSB-K.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: VINÍCIO RIBEIRO
Descritores: HABEAS CORPUS
CUMPRIMENTO SUCESSIVO
LIBERDADE CONDICIONAL
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 07/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO DE HABEAS CORPUS
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO / HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL.
Doutrina:
- Eduardo Maia Costa, Habeas corpus: passado, presente e futuro, na Revista JULGAR, Maio-Agosto 2016, p. 217 e ss.;
- Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1993, p. 528, 531 a 533 e 550 ; Código Penal, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, ed. Ministério da Justiça, 1993, p. 157;
- Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, 4.ª Edição, 2014, p. 878;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCP, 3.ª Edição, Nov. 2015, p. 337;
- Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Católica Editora, 2015, p. 338 e 339;
- Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris?, 2008, p. 203.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 222.º, N.º 2, ALÍNEA C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 63.º, N.º 4 E 64.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 06P4705;
- DE 01-02-2007, PROCESSO N.º 07P353;
- DE 31-07-2008, PROCESSO N.º 2536/08;
- DE 29-06-2011, PROCESSO N.º 1878/10.5JAPRT.S1;
- DE 30-10-2014, PROCESSO N.º 181/13.3TXPRT-F.S1;
- DE 08-01-2015, PROCESSO N.º 130/14.1YFLSB.S1;
- DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 18/15.9YFLSB.S1;
- DE 17-03-2016, PROCESSO N.º 289/16.3JABRG;
- DE 30-03-2016, PROCESSO N.º 37/15.5GOBVR.S1;
- DE 21-07-2016, PROCESSO N.º 216/16.8PKLSB-A.S1;
- DE 12-08-2016, PROCESSO N.º 1314/11.0TXPRT-N.S1.
Sumário :

I - Revogada a liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão, integrada numa execução sucessiva de várias penas, deve ser integral, sem possibilidade de autorização de nova liberdade condicional (art. 63.º, n.º 4 do CP).
II - Para a hipótese, diferente, prevista no n.º 3 do art. 64.º do CP, na concessão de nova liberdade condicional deve atender-se à pena que falta cumprir e não à pena originária.

Decisão Texto Integral:

            I. RELATÓRIO


a) Pedido

«AA, detido no E.P. de ..., à ordem do processo supra, vem aos mesmos nos termos do disposto do art.º 31º, C.R.P. e art.º 222º nº 2 al. c) do CPP, intentar providência de HABEAS CORPUS EM VIRTUDE DE PRISÃO ILEGAL.

Excelentíssimo Senhor Presidente do

Supremo Tribunal de Justiça

O requerente, por entender que se encontra preso ilegalmente, por ter ultrapassado o prazo fixado por lei, vem intentar a presente providência de habeas corpus, ao abrigo e para os efeitos do disposto no art.º 222º nº 2 al. c) do CPP, nos termos e com os fundamentos seguintes:

Dos fundamentos da Admissibilidade

1º ‐ A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – art.º 27.º n.º 1 e 31.º n.º 1, da CRP –, e visa pôr termo a situações de prisão ilegal, motivada, entre outros, por ser mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art.º 222.º, n.º 1 e 2, al. c) do CPP.

Ou seja,

2º ‐ A providência de habeas corpus tem como pressuposto de facto a prisão efectiva e actual e como fundamento de direito a sua ilegalidade.

Ora,

3º ‐ Como adiante se tentará demonstrar, o Arguido encontra-se ilegalmente preso, porquanto a sua prisão mantém‐se para além dos prazos fixados por lei (art.º 222.º n.º 2 al. c) do CPP).

4º ‐ De acordo como disposto no art. 61º, 4 do C. Penal “ (…) o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena”.

5º ‐ Como se decidiu no Acórdão do STJ, de 06‐01‐2005 (Acórdãos do STJ, XIII, 1, 162), “a liberdade condicional prevista no n.º 5 (actual n.º 4) do art. 61º do Código Penal (nas penas superiores a 6 anos de prisão em que já tenham sido cumpridos 5/6 da pena) é obrigatória, no sentido de que se constitui pelo mero decurso do tempo. A única condicionante é a prévia aceitação do condenado, atenta a dignidade da pessoa humana”.

6º ‐ In casu o arguido foi condenado na pena única de 14 anos de prisão.

7º ‐ Iniciou o cumprimento da pena a 17/7/2001;

8º ‐ Saiu em liberdade condicional, antes de atingir os 5/6, ou seja a 14/12/2010;

9º ‐ Pelo que lhe restava para cumprir 4 anos, 7 meses e 13 dias, LC que duraria entre 14/12/2010 e 27/7/15.

10º ‐ Atenta a condenação do arguido no Proc. Nº 53/13.1 GB VRE, por factos praticados no decurso do período de LC, foi a mesma revogada.

11º ‐ Tendo sido determinado que tinha a cumprir 4 anos, 7 meses e 13 dias.

12º‐ Cujo cumprimento reiniciou a 13/5/16, ininterruptamente até a presente data (11/7/18).

13º ‐ Assim da pena em que foi condenado, 14 anos, o arguido já cumpriu, até à presente data, 11 anos, 6 meses e 9 dias.

14º ‐ Motivo pelo qual já ultrapassou os 5/6 da pena em que foi inicialmente condenado.

15º‐ Sendo certo que o regime obrigatório ou “ope legis” da concessão da liberdade condicional, previsto no art.º 61º, n.º 4 do C. Penal, é aplicável aos casos, como o presente, em que tenha havido revogação de liberdade condicional anteriormente concedida.

16º ‐ Assim, no caso dos autos, relativamente à pena inicial (de 14 anos prisão), cuja liberdade condicional (antes concedida) foi revogada, deverá ser concedida nova liberdade condicional logo que atingidos os 5/6 dessa pena, pois para que tal ocorra basta apenas o decurso do tempo e a concordância do condenado.

17º ‐ Foi este o entendimento seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25‐06‐2008, processo 08P2184, nos seguintes termos:

“ (…) Mas a redacção do mencionado n.º 3 do art. 64.º não permite afastar a aplicabilidade de qualquer das modalidades de liberdade condicional do art. 61.º, para que expressamente remete”.

18º ‐ Dispõe o art.º 61.º, n.º 4 do C. Penal que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a 6 anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena».

19ª ‐ E se se compreende a consideração do remanescente, a cumprir em função da revogação da liberdade condicional, como pena autónoma para efeitos do n.º 3 do art. 64.º, o certo é que esse remanescente constitui o resto “da pena de prisão ainda não cumprida”, como se lhe refere o n.º 2 do art. 64.º

20º ‐ E, face ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2006, de 23/11/2005, DR IS‐A de 04‐01‐2006, não se pode argumentar em contrário com a descontinuidade entre o cumprimento inicial da pena e o posterior cumprimento do remanescente.

21º ‐ Com efeito, decidiu‐se nesse aresto com valor reforçado que «nos termos dos números 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a seis anos ou de soma de penas sucessivas que exceda seis anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional

22º‐ Ora se a descontinuidade do cumprimento da pena superior a 6 anos motivada pela ausência ilegítima não obsta à concessão da liberdade condicional aos 5/6 da pena, por maioria de razão, também a descontinuidade motivada pela “ausência legítima” que constitui a liberdade condicional posteriormente revogada não deverá obstar.

23º ‐ Entendimento também seguido no acórdão da Relação do Porto de 22‐02‐2006, proferido no processo 0640101, mostrando que a redacção do preceito em causa (n.º 3 do art. 64º) não pode ter o sentido de afastar a liberdade condicional “ope legis”, quanto tenha havido revogação da liberdade condicional:

“ (…) É certo que a redacção do texto definitivo do preceito não é, nas palavras, rigorosamente coincidente com o Projecto.

Neste, dizia‐se que “relativamente à prisão que venha a executar‐se, é correspondentemente aplicável o disposto no artigo 61.º”; o texto definitivo diz que “relativamente à pena de prisão que vier a executar‐se pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61.º”.

24º‐ Mas não cremos que a diferença de redacção consinta a interpretação de que, no caso de revogação de liberdade condicional, só pode haver liberdade condicional “facultativa”, nos termos dos n.º 3 e 4 do artigo 61º, ficando excluída a liberdade condicional “obrigatória”.

25º ‐ É que o legislador já tinha optado no sentido da obrigatoriedade da liberdade condicional aos cinco sextos da pena de prisão superior a seis anos mesmo para os condenados que tivessem interrompido o cumprimento da pena, por terem beneficiado de liberdade condicional “facultativa”, voltando à prisão para cumprir o remanescente em consequência da revogação dessa liberdade condicional.

26º ‐ Tendo conferido uma redacção ao n.º 5 do artigo 61.º que não deixasse subsistir dúvidas interpretativas.

27º ‐ Por isso, o que restava dizer, no n.º 3 do artigo 64.º, era que a revogação da liberdade condicional não constitui causa impeditiva de nova liberdade condicional “facultativa”, durante o cumprimento do remanescente da pena, se verificados os pressupostos de que ela depende.

28º‐ “A pena a executar‐se no caso de revogação de liberdade condicional não é uma nova pena, mas o que ficou por cumprir de uma pena, uma parte de uma pena. (…)”.

29º ‐ Tendo o arguido já cumprido, até á presente data, 11 anos, 6 meses e 9 dias, foram ultrapassados os 5/6 da pena (prazo de duração máxima tal como supra referido).

30º ‐ O presente procedimento é o único que poderá obstar, de forma célere, eficaz e cabal, a manifesta ilegalidade da prisão do Arguido.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve a presente providência de habeas corpus proceder, sendo declarada a ilegalidade da prisão e, consequentemente, declarada extinta pelo cumprimento a pena de 14 anos de prisão na qual o arguido foi condenado, só não devendo ser libertado por ainda não ter sido apreciada a LC, no âmbito da pena em que foi condenado no Proc. nº 53/13.1 GB VRE do qual havia sido

designado o meio da pena, para cumprir a presente.»



b) Informação

Pela Mma Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Évora foi prestada, em 12/7/2018, a informação prevista no n.º 1 do art. 223.º do CPP do seguinte teor:

«Ex.mº Senhor Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça: Ao abrigo do preceituado no artº 223º do Código de Processo Penal, a informo V.ª Ex.ª o seguinte:

a) AA, actualmente em reclusão no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, foi condenado no processo n.º 76/00.0GDEVR do Juízo Central Cível e Criminal de Évora – Juiz 3 na pena única de prisão de 14 anos pela prática de um crime de posse de arma, dois crimes de sequestro e três crimes de roubo.

b) Iniciou o cumprimento desta pena em 03/08/2001 (com sete dias de anterior privação da liberdade que foram descontados), fixando-se o meio da pena em 27/07/2008, os 2/3 em 27/11/2010, os 5/6 em 27/03/2013 e o termo em 27/07/2015.

c) Quando se encontrava na execução da dita pena de 14 anos de prisão, viu ser-lhe concedida a liberdade condicional até 27/05/2015, tendo sido libertado em 14/12/2010.

d) Por acórdão transitado em julgado em 11/05/2015, proferido no processo n.º 53/13.1GBVRL do Juízo Central Criminal de Vila Real – Juiz 3, foi AA condenado na pena única de prisão de 05 anos, pela prática, como reincidente e em Julho, Agosto e Novembro de 2013, ou seja, no decurso da liberdade condicional, de quatro crimes de burla qualificada, um crime de burla qualificada na forma tentada, dois crimes de resistência e coacção sobre funcionário, um crime de detenção de arma proibida e um crime de falsificação de documento.

e) Instaurado o competente incidente de incumprimento da liberdade condicional, no âmbito do mesmo foi proferida decisão de revogação da liberdade condicional.

f) Intentado recurso junto do Tribunal da Relação de Évora, foi a referida decisão confirmada por acórdão transitado em julgado em 14/07/2016.

g) Nessa sequência, veio o recluso requerer a realização do cômputo das penas (mais precisamente do remanescente da pena de prisão inicial aplicada do processo n.º 76/00 por revogação da liberdade condicional e da pena de prisão aplicada no processo n.º 53/13), o que foi indeferido por se entender, em suma, que o referido remanescente não pode beneficiar de liberdade condicional, devendo ser integralmente cumprido.

h) Ao invés do pretendido pelo recluso, determinou-se a emissão de mandado de desligamento da pena de prisão aplicada no processo n.º 53/13 e ligamento ao remanescente da pena de prisão aplicada no processo n.º 76/00, a fim de o remanescente ser integralmente cumprido, tendo-se liquidado o termo para 26/12/2020.

i) Dessa decisão interpôs o condenado recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que negou provimento ao mesmo por decisão transitada em julgado em 20/01/2017.

j) Notificado da aludida improcedência, o condenado intentou junto do Supremo Tribunal de Justiça recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, o que foi rejeitado.


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Em conclusão:

1º O condenado tem a cumprir integralmente, e sem poder beneficiar de apreciação dos pressupostos da liberdade condicional, o remanescente da pena de prisão inicial de 14 anos aplicada no processo n.º 76/00, remanescente que atingirá o seu termo em 26/12/2020.

2º Na referida data o condenado reiniciará o cumprimento da pena de prisão aplicada no processo n.º 53/13, onde serão apreciados os pressupostos da liberdade condicional nas datas legalmente estabelecidas para o efeito. É o quanto entendo que me cumpre informar a V.ª Ex.ª »


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Convocada a secção criminal, notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, tudo em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. FUNDAMENTAÇÃO


Matéria fáctica


  Os factos a considerar são os que constam da informação prestada pela Mma Juíza acima enunciados e a seguir pormenorizados.

Para uma melhor compreensão do desenrolar processual, dado que a tramitação dos autos é muito vasta, passaremos, de seguida, a elencar a cronologia dos principais actos:

• Por acórdão do Círculo Judicial de Évora de 4/11/2002, cit. Proc. 76/00 de Évora, foi o arguido AA condenado na pena única de 15 (quinze) anos de prisão, pela prática de 3 crimes de roubo (arts. 210.º, n.º 1 e 2, alínea b), com referência a diversas alíneas do art. 204.º, todos do CP), 4 crimes de sequestro (arts. 158.º, n.º 1 e 2 alínea e), do CP), 1 de posse de arma (art. 1.º e 6.º da L 22/97).
• O arguido interpôs recurso do acórdão para Relação de Évora, que por acórdão de 1/4/2003 concedeu parcial provimento ao recurso condenando o arguido na pena única de 14 (quatorze) anos de prisão.
• O arguido interpôs recurso do acórdão da Relação de Évora para o STJ, que por acórdão de 21/1/2004 negou provimento ao recurso.
 • Foi feita a contagem da pena [início em 03/08/2001 (com sete dias de anterior privação da liberdade que foram descontados); o meio da pena em 27/07/2008; os 2/3 em 27/11/2010; os 5/6 em 27/03/2013 e o termo em 27/07/2015], homologada por despacho de 4/7/2005.
• Por decisão do TEP de Lisboa, 4.º Juízo, de 14/12/2010 foi concedida a liberdade condicional ao arguido a partir daquela data e até 27/5/2015.
• Por acórdão da Comarca de Vila Real de 5/12/2014 (transitado em 11/5/2015), cit. Proc. 53/13 de Vila Real, foi o arguido condenado na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, pela 4 crimes de burla qualificada (arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2 alínea c), do CP), 1 crime de burla qualificada tentada (arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 1 e 2 alínea c), 2 crimes de resistência e coacção sobre funcionário (art. 347.º, n.º 1 CP), 1 crime de detenção de arma proibida (arts. 2.º, n.º 1 al. x), 3.º n.º 2 l) e 86.º n.º 1, als. c) e d) da L 5/2006), 1 crime de falsificação de documento (255.º, al. c) e 256.º n.º 1, e) e n.º 3 do CP).
• O MP interpôs recurso do acórdão para Relação de Guimarães, que por acórdão de 27/4/2015 concedeu parcial provimento ao recurso condenando o arguido na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
• Foi efectuada a liquidação pena do Proc. 53/13 (arguido detido em 13/11/2013; o meio da pena em 13/05/2016; os 2/3 em 13/03/2017 e o termo em 13/11/2018, homologada por despacho de 4/12/2015.
• Por decisão do TEP de Évora, de 7/3/2016 foi revogada a liberdade condicional concedida ao arguido e determinado que cumprisse o que restava da pena do cit. Proc. 76/00.
• O arguido interpôs recurso desta decisão do TEP para Relação de Évora, que por acórdão de 7/6/2016 (transitado em 14/7/2016) negou provimento ao recurso.
• O arguido em 26/7/2016 fez um requerimento ao Juiz do TEP de Évora, mencionando estar a cumprir pena à ordem do Proc. 53/13, e requerendo que os autos fossem apresentados ao MP para cômputo das penas (art. 141.º, al. i) do CEPMPL).
• Tal requerimento foi indeferido por despacho de 26/9/2016, no qual se refere que o remanescente da pena do Proc. 76/00 deve ser cumprido integralmente e se ordena o desligamento do Proc. 53/13 e ligamento ao Proc. 76/00 com efeitos a partir de 13/5/2016, a fim de o recluso cumprir a pena de 4 anos, 7 meses e 13 dias de prisão resultante da revogação da liberdade condicional.
• O arguido interpôs recurso deste despacho do TEP para Relação de Évora, que por acórdão de 15/12/2016 negou provimento ao mesmo.
• Ainda não conforme, o arguido interpôs deste Ac. da RE recurso de fixação de jurisprudência, que foi rejeitado por Ac. do STJ de 11/5/2017 (Rel. Helena Moniz).
• Foi feita a contagem da pena do Proc. 76/00 [início em 13/05/2016 (com termo em 26/12/2020), homologada por despacho de 24/10/2016.


Apreciação do pedido

Cumpre apreciar.

O STJ tem um entendimento consolidado relativamente à figura da providência de Habeas Corpus[1], como ressalta da sua jurisprudência (cfr., a título de exemplo, Acs. STJ de 20 de Dezembro de 2006, Proc. 06P4705, Rel. Sousa Fonte, de 1 de Fevereiro de 2007, Proc. 07P353, Rel. Pereira Madeira, de 31 de Julho de 2008, Proc. 2536/08‑3.ª, Rel. Armindo Monteiro, de 8 de Janeiro de 2015, Proc. 130/14.1YFLSB.S1, Rel. Raul Borges, de 11 de Fevereiro de 2015, Proc. 18/15.9YFLSB.S1, Rel. Pires da Graça, de 17/3/2016, Proc. 289/16.3JABRG, Rel. Manuel A. Matos, de 30 de Março de 2016, Proc. 37/15.5GOBVR.S1, Rel. Oliveira Mendes). 

A mesma é encarada como medida extraordinária, excepcional e remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a mesma, não constituindo recurso dos recursos e ainda menos um recurso contra os recursos.

Não se destina a sindicar decisões judiciais, nomeadamente a impugnar nulidades ou irregularidades processuais, que só em recurso ordinário devem ser apreciadas.
Conforme se escreve no Ac STJ de 30 de Março de 2016, Proc. 37/15.5GOBVR.S1, Rel. Oliveira Mendes, a propósito desta providência excepcional de habeas corpus «este Supremo Tribunal vem enfaticamente afirmando[5], não constitui um recurso sobre actos de um processo, designadamente sobre actos através dos quais é ordenada e mantida a privação de liberdade do arguido, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis, estes sim, os meios ordinários e adequados de impugnação das decisões judiciais. Por outro lado, como este Supremo Tribunal também tem referido em vários acórdãos[6], está-lhe vedado substituir-se ao tribunal que ordenou a prisão que está na base da petição de habeas corpus em termos de sindicar os fundamentos que a ela subjazem, ou seja, de conhecer da bondade da respectiva decisão, visto que se o fizesse estaria a criar um novo grau de jurisdição, igualmente lhe estando vedado apreciar eventuais anomias processuais situadas a montante ou a jusante da decisão que ordenou a prisão, a menos que a situação de privação da liberdade subjacente ao pedido de habeas corpus consubstancie um inequívoco abuso de poder ou um erro grosseiro na aplicação do direito.». (idem, do mesmo Relator, Ac STJ de 21 de Julho de 2016, Proc. 216/16.8PKLSB-A.S1).

Refere o artigo 222.º do Código de Processo Penal, com a epígrafe Habeas corpus em virtude de prisão ilegal, que:

«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.».

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O arguido fundamenta o seu pedido de Habeas Corpus na alínea c), do n.º 2 do cit. art. 222.º do CPP.

           

Lendo a petição, supra transcrita, verifica-se que o requerente apoia a sua argumentação, essencialmente, nos seguintes aspectos:

--por um lado, invoca a doutrina do Ac. STJ 3/2006, DR I S. de 9/1/2006, que pretende transpor para o presente caso;

--por outro, defende que se deve atender à pena originária e não à pena restante que falta ainda cumprir.

Assim, na sua óptica, como arguido já cumpriu 5/6 da pena originária deve ser declarada extinta a pena de 14 anos.

Manifestamente não assiste razão ao requerente.

● De acordo com o Ac. STJ 3/2006, DR I S. de 9/1/2006, «Nos termos dos n.os 5 do artigo 61.º e 3 do artigo 62.º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional.».

Todavia, não pode sufragar-se a aplicação da doutrina do Ac. 3/2006.

É que é diferente enquadramento fáctico e jurídico.

Na verdade, o aresto fixador foi exarado no âmbito do enquadramento legislativo anterior às alterações introduzidas, no instituto da liberdade condicional, pela L 59/2007, de 4/9.

Além disso, estava em causa uma situação em que «o condenado, na sequência de uma saída precária prolongada, se manteve ilegitimamente ausente do estabelecimento onde expiava a mesma pena, assim interrompendo o seu cumprimento».

● A liberdade condicional[2], no que tange à sua natureza jurídica, é encarada como um «incidente (…) de execução da pena privativa de liberdade» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português—As Consequências Jurídicas do Crime, cit., pág. 528), situando-se, por isso, já na fase de execução da pena.

O legislador, com a concessão da liberdade condicional, pretende, ainda antes da libertação definitiva, dar oportunidade ao condenado de, paulatinamente, se ir integrando na sociedade, se ir ressocializando. Assim se cumpre um dos objectivos nucleares dos fins das penas que têm a ver com a prevenção especial positiva, de integração ou socialização (cfr., v. g., Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 528; Ac. STJ 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1, Rel. Raul Borges).

Este instituto jurídico, com os seus pressupostos, formais e substanciais, gizados no art. 61.º do CP, tem sido objecto de atenção da doutrina e da jurisprudência a propósito das variadas questões que, ao longo do tempo, tem colocado, e de que são exemplo, a liberdade condicional facultativa (n.º 1 e 2 do art. 61.º CP) e obrigatória (n.º 4 cit. art.), a liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas (art. 63.º), a de saber se se deve atender à pena originária ou à pena restante que falta ainda cumprir, a da concessão de nova liberdade condicional relativamente à pena que vier a ser cumprida (n.º 3 do art. 64.º do CP).

Em regra, o condenado a quem a liberdade condicional é revogada tem que cumprir toda a pena ainda não cumprida (n.º 2 do art. 64.º CP). Porém, de acordo com a norma seguinte (n.º 3 do art. 64.º), o tribunal pode conceder nova liberdade condicional ao condenado no que tange à pena de prisão que vier a ser cumprida.

O caso destes autos é específico: trata-se de um caso de revogação de liberdade condicional numa hipótese de execução sucessiva de várias penas.

● Também a pretensão do condenado de que deve atender à pena originária e não à pena restante, que falta ainda cumprir, não merece acolhimento.

A questão não tem merecido resposta unânime por parte da jurisprudência.

Conforme se escreve no Ac. RC de 16/2/2017, Proc. 646/11.1TXCBR-J.C1, Rel. Orlando Gonçalves, que referencia jurisprudência nos dois sentidos:

«I - Os marcos temporais a considerar para efeitos de apreciação da liberdade condicional são calculados dentro da pena de prisão ainda não cumprida, resultante da revogação da liberdade condicional, e não por referência à inicial pena de prisão da qual veio a resultar a concessão da liberdade condicional subsequentemente revogada. II - Como resulta das actas da Comissão de Revisão do Código Penal a propósito da redação do art. 64.º, n.º 2 do Projeto, que veio dar lugar ao art.64.º, n.º 3, do Código Penal na Revisão de 1995, o Prof. Figueiredo Dias, que presidiu à Comissão de Revisão do Código Penal de 1982, afirmou que o n.º 2 nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena inicial, mas sim o resto.»

Recentemente, este STJ pronunciou-se sobre esta questão no Ac. de 20/9/2017, Proc. Proc. n.º 82/17.6YFLSB.S1, Rel. Lopes da Mota, no qual o ora relator era adjunto, no sentido do atendimento à pena que falta cumprir, nos seguintes moldes:

«Importa ainda ter presente o disposto no artigo 185.º, n.º 8, do CEPMPL, segundo o qual, em caso de revogação da liberdade condicional, o Ministério Público junto do tribunal de execução das penas efectua o cômputo da pena de prisão que vier a ser cumprida, para efeitos do n.º 3 do artigo 64.º do Código Penal, sendo o cômputo, depois de homologado pelo juiz, comunicado ao condenado.

9. O cômputo da pena a efectuar é, pois, o da “pena de prisão que vier a ser cumprida”, em caso de revogação da liberdade condicional. É relativamente a esse tempo que pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional, nos termos e nos marcos temporais estabelecidos no artigo 61.º, com os fundamentos aí previstos, quando, em novo juízo de prognose, frustrado o anterior de que resultou a concessão da liberdade condicional, for de esperar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

Dir-se-ia que, sendo o tempo de prisão a cumprir respeitante à pena que foi aplicada, pois o que resta é apenas parte dela, o cômputo a efectuar deveria ter em conta a pena na sua totalidade.

Não é esse, porém, o sentido da norma. Para além de a tal leitura do preceito se opor o elemento literal decorrente do uso do modo verbal “vier”, que se refere a um tempo condicional futuro, o recurso ao elemento histórico e sistemático de interpretação impõe conclusão diversa.

Referindo-se ao artigo 63.º, n.º 2, do Código Penal, na redacção originária, que corresponde ao artigo 64.º, n.º 2, na redacção vigente, resultante da revisão de 1995, escreve Figueiredo Dias que “a revogação determina a execução da parte da pena ainda não cumprida, podendo, relativamente a esta parte, ser concedida de novo a liberdade condicional nos termos gerais. Esta doutrina está político-criminalmente justificada: se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa da liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão da liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta esteja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o Tribunal haverá de efectuar” (As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1993, p. 550). E, referindo-se à concessão da liberdade condicional prevista no actual n.º 4 do artigo 64.º (n.º 2 do Projecto) esclareceu, no âmbito da Comissão de Revisão do Código Penal, a que presidiu, que este preceito ”nunca pode ter como pressuposto o cumprimento da pena principal, mas sim o resto” (Código Penal – Actas e Projecto da Comissão de Revisão”, ed. Ministério da Justiça, 1993, pág. 157). No mesmo sentido, explicitando (e exemplificando) que o cômputo se faz com referência ao que resta da pena por cumprir, podem ainda ver-se as anotações de Pinto de Albuquerque ao artigo 64.º do Código Penal (Comentário do Código Penal, Católica Editora, 2015, pp. 338-339).

Este tem sido, aliás, o entendimento subjacente a diversas situações apreciadas e decididas neste tribunal em providências de habeas corpus relacionadas com a revogação da liberdade condicional. Pode ler-se a este propósito no acórdão de 30.10.2014 (no proc. 181/13.3TXPRT-F.S1, 5.ª Secção, citado no acórdão de 12.08.2016, no proc. 1314/11.0TXPRT-N.S1, 3.ª Secção): “Da letra da lei retiramos a conclusão de que a concessão da liberdade condicional pode ser concedida, tratando-se de uma nova liberdade condicional, que apenas ocorrerá se os pressupostos do art. 61.º, do CP, estiverem cumpridos. Ou seja, todos os pressupostos previstos naquele artigo: consentimento do condenado (n.º 1), concessão ao ½ da pena, depois de cumpridos pelo menos 6 meses de prisão, e desde que verificados os pressupostos das als. a) e b) do nº 2, concessão aos 2/3 da pena se cumpridos os pressupostos da al. a), do n.º 2 e no mínimo de 6 meses de prisão (n.º 3), e concessão aos 5/6 se a pena a cumprir foi superior a 6 anos de prisão. Porém, e volta a acentuar-se, após a revogação é concedida nova liberdade condicional a partir da pena que agora tem que ser cumprida” (citando Figueiredo Dias, loc. cit. supra).»

● Já acima referimos que estamos em face de um caso de revogação de liberdade condicional numa hipótese de execução sucessiva de várias penas (pena do Proc. 76/00, onde se verificou a concessão de liberdade condicional, mais tarde revogada e pena do Proc. 53/13, em que estão em causa crimes cometidos no decurso daquela liberdade).

A resposta à questão, que ora nos ocupa, está contida na norma do n.º 4 do art. 63.º do CP (tem como epígrafe liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas) que consigna: «O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.».

Por força de tal dispositivo, a pena remanescente (4 anos, 7 meses e 13 dias do Proc. 76/00) não pode ser objecto de qualquer desconto, ou de nova concessão de liberdade condicional, tendo que ser cumprida na sua totalidade.

É esse o entendimento assumido pela larga maioria, quer da doutrina[3], quer da jurisprudência[4], da qual a seguir se extractam, por elucidativos, alguns sumários:    

Do Supremo Tribunal de Justiça

«I - O habeas corpus é uma providência extraordinária destinada a reparar as situações de prisão ilegal, entre as quais a de excesso de prazo legal ou judicial (art. 222.º, n.º 2, al. c), do CPP).

II - O condenado em pena de prisão superior a 6 anos é, automática e obrigatoriamente, colocado em liberdade condicional quando atinge os 5/6 da pena. Esta liberdade condicional automática distingue-se da facultativa, prevista nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, por não exigir qualquer juízo sobre a personalidade e comportamento futuro do condenado ou sobre a compatibilidade da libertação com a defesa da ordem ou da paz social, sendo o seu único pressuposto o decurso daquele lapso de tempo.

III - A especificidade desta espécie de liberdade condicional reside na necessidade de preparação para a liberdade, que o cumprimento de uma longa pena de prisão envolve; são os interesses de ressocialização que impõem a previsão de um período intercalar entre a prisão e a liberdade plena e, por estarem em causa os anteditos interesses, compreende-se que este regime especial de liberdade condicional seja extensivo aos casos em que, havendo penas de prisão a cumprir sucessivamente, a soma das mesmas exceda 6 anos de prisão.

IV - Todavia, quando uma das penas a executar constitui o remanescente de uma pena resultante da revogação da liberdade condicional, ela não pode entrar na soma, tendo de ser cumprida integralmente (art. 61.º, n.º 4, do CP), não podendo ser objecto de nova concessão de liberdade condicional.

V - Encontrando-se o peticionante da providência de habeas corpus a cumprir uma pena remanescente de prisão, nenhum fundamento existe para considerar que está excedido o prazo de prisão.»

(Ac. STJ de 14-08-2009, Proc. n.º 490/09.6YFLSB.S1- 3.ª, Maia Costa (relator)

«I - O legislador, após as alterações ao CP, introduzidas pela Lei 59/2007, de 04-09, manteve a distinção do antecedente entre liberdade facultativa e obrigatória; aquela ao meio da pena, mostrando-se, além do mais, satisfeitas as exigências de prevenção geral e especial, ou seja, desde que o condenado dê mostras de conduta socialmente responsável e não ponha em causa a defesa da ordem e paz social; aos 2/3 desde que ajustada às razões de prevenção especial, ou seja, àquela condução de vida, posto que o não seja às razões de prevenção geral; aos 5/6, como princípio-regra, obrigatória – art. 61.º, n.ºs. 2, als. a) e b), 3 e 4, do CP –, porém sempre dependente do consentimento do recluso.

II - Norma inovadora é a que se contém no art. 62.º do CP, em que se prevê a antecipação em 1 ano, no máximo, quanto à colocação em liberdade condicional, ficando o condenado sujeito ao cumprimento de obrigações especiais, que acrescem a outras impostas.

III - Introduz-se ao paradigma descrito, o regime especial do art. 63.º, n.º 3, do CP, outorgando a liberdade condicional aos 5/6 da pena para os condenados a cumprir penas sucessivas se excederem 6 anos de prisão.

IV - No n.º 4 do mesmo art. 63.º do CP proíbe-se a concessão da liberdade condicional aos 5/6 da soma das penas no caso em que “a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”, partindo o legislador do pressuposto de que o condenado já deu sobejas provas de incapacidade em liberdade de se adaptar à vida livre, carecendo, por isso, de um acréscimo de pena, tanto por razões de prevenção geral como especial.

V - A providência de habeas corpus tem natureza residual, excepcional e de via reduzida, restringindo-se o seu âmbito à apreciação da ilegalidade da prisão, por constatação e só dos fundamentos taxativamente enunciados no art. 222.º, n.º 2, do CPP. Reserva-se-lhe a teleologia de reacção contra a prisão ilegal, ordenada ou mantida de forma grosseira, abusiva, por ostensivo erro de declaração enunciativa dos seus pressupostos.

VI - No caso, o arguido cumpre uma pena de 6 anos, 5 meses e 22 dias de prisão, resultante da revogação da liberdade condicional, pelo que está afastada a hipótese de lhe dever ser concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena conjunta, estando o termo da pena previsto para 13-11-2011, o que leva a concluir, sem mais, que lhe faltam razões para fundar a providência de habeas corpus com base em excesso de prisão.»

(Ac. STJ de 04-02-2010, Proc. n.º 2329/00.9TXLSB-A.S1-3.ª, Armindo Monteiro (relator)

«I - Por força do art. 63.º, n.º 4, do CP, o regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas não é aplicado quando o condenado está a cumprir parte de uma pena cuja execução na prisão se deveu a uma revogação da liberdade condicional anteriormente concedida. Pelo que, uma vez revogada a liberdade condicional, estando o recorrente a cumprir o remanescente e havendo uma pena autónoma a cumprir, o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro.
II - Após o integral cumprimento do remanescente, e reiniciando o cumprimento da pena autónoma aplicada no processo B, deverá então reequacionar-se o problema da concessão (ou não) da liberdade condicional a metade da pena aplicada no processo B, aos 2/3 e em renovação anual da instância.

(Ac. STJ de 1/10/2015, Proc. 114/15.2YFLSB.S1, Rel. Helena Moniz)

«I - A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do art. 220.° do CPP e quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do art. 222.° do CPP.

II - No caso presente a soma das penas atinge seis anos e 2 meses de prisão integrando tal somatório: a pena de 22 meses de prisão, aplicada no Proc. X; e o remanescente de 4 anos, 2 meses e 22 dias, resultante de revogação da liberdade condicional - das penas únicas de 3 anos e de 5 anos que se encontrava a cumprir à ordem do Proc. Y e Proc. Z, respectivamente. Nenhuma das penas englobadas pela soma atinge os seis anos de prisão, o que só é alcançado com a soma da pena cumprida e do remanescente.

III - De acordo com o n.º 3 do art. 63.º do CP o tribunal coloca o condenado em liberdade condicional se dela não tiver antes aproveitado. Acontece que o requerente anteriormente aproveitou da medida, mas não o fez da melhor maneira, pois que no período estabelecido cometeu crime por que foi condenado em pena de prisão, acabando por ser revogada. E nessa situação diz o n.º 4 que o disposto no n.º 3 não se aplica ao caso em que a execução da pena resultar da revogação da liberdade condicional. A concessão de liberdade condicional aos 5/6 não é automática em caso de prévia revogação de liberdade condicional.

IV - O habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões - para isso servem os recursos ordinários - mas tão só a verifícar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou, erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do n.º 2 do art. 222.° do CPP.

V - O art. 222.°, n.º 2, do CPP constitui a norma delimitadora do âmbito de admissibilidade do procedimento em virtude de prisão ilegal, do objecto idóneo da providência, nela se contendo os pressupostos nominados e em numerus clausus, que podem fundamentar o uso da garantia em causa. Não se verifica a ilegalidade da prisão, inexistindo o fundamento da al. c) do n.º 2 do art. 222.° do CPP invocado pelo requerente, o que inviabiliza a providência, por ausência de pressupostos, já que a violação grave do direito à liberdade, fundamento da providência impetrada, há-de necessariamente integrar alguma das alíneas daquele n.º 2 do art. 222.º do CPP. »

(Ac. STJ de 10-12-2015, Proc. n.º 7164/10.3TXLSB-L.S1 - 3.ª, Raúl Borges (relator)

Das Relações

«I. Em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão em que não seja aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 63º do CP, por força do estatuído no nº 4 do mesmo dispositivo e onde, necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro, o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional.»

(Ac. RE de 31/5/2011, Proc. 1279/10.5TXEVR-F.E1, Rel. Sénio Alves)

No Ac. RP de 26/3/2014, Proc. 1236/11.4TXPRT-C.P1, Rel. Elsa Paixão, que tem como sumário «I - O artigo 64.°, n.° 2, do Código Penal, estabelece que “a revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida”. II - Esta norma deve ser interpretada no sentido de que o tempo que o condenado passou em liberdade condicional, sem cometer qualquer crime, não deve ser considerado tempo de prisão e como tal deduzido no tempo de prisão que ao condenado falta cumprir em virtude da revogação da liberdade condicional. III - Tal interpretação não viola a garantia prevista no artigo 27º da Constituição da República Portuguesa.», escreve-se, nomeadamente, que:

«Encontra-se novamente em execução a pena de prisão no âmbito da qual foi aplicado a B…, identificado(a) nos autos, o regime de liberdade condicional, posteriormente revogado devido ao cometimento de novos crimes.

A nova condenação determinou a imposição de pena de prisão efectiva, da qual falta ainda cumprir mais de metade.

Em face da regra especial prevista no artigo 63.º, n.º 4, do Código Penal, não é legalmente admissível proceder ao somatório das penas em causa nos autos, nem efectuar uma apreciação conjunta (nos termos do n.º 2 do citado artigo) para efeitos de eventual concessão de liberdade condicional.

As penas em presença são, deste modo, alvo de tratamento separado (ou autónomo), o que configura uma situação distinta do cumprimento sucessivo de penas tratado nos n.º 1 a 3 do artigo em referência, previsto para os casos de sucessão de penas em que a execução de nenhuma delas resulta de revogação de liberdade condicional [1].

Tem assim de se concluir que, no caso dos autos, a pena ora (novamente) em execução, em resultado de revogação de liberdade condicional, há-de ser cumprida por inteiro, com o que, por força da realidade jurídica em causa, sofre limitação a regra consagrada no artigo 64.º, n.º 3, do Código Penal [2].

[1] Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette falam a este propósito de doutrina da soma (para os casos regulados nos n.º 1 a 3 do artigo 63.º) e de doutrina da diferenciação (para a situação prevista no n.º 4 desse artigo) – in Código Penal Anotado e Comentado, Quid Juris?, 2008, anotações 5. e 8. ao artigo 63.º (p. 203).»

Decorrente da revogação da liberdade condicional, o cumprimento do remanescente de uma pena de prisão integrada numa execução sucessiva de várias penas deve ser integral, sem possibilidade de beneficiar de nova liberdade condicional.

(Ac. RP de 11/12/2015, Proc. 2407/10.6TXPRT-E.P1, Rel. Nuno Ribeiro Coelho)

I - Em caso de execução sucessiva de penas rege o artigo 63.º, do Código Penal, havendo lugar à avaliação da liberdade condicional uma vez atingido ½ da soma das penas, ou 2/3 (cfr. artigo 63.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), e ainda sempre que se renove a instância.

II - Se o arguido tem, ainda, a cumprir partes de duas penas cuja execução na prisão se deveu a duas revogações das liberdades condicionais anteriormente concedidas, ou seja os remanescentes de anos de prisão, não sendo, quanto a estes remanescentes, aplicado o regime que se aplica ao cumprimento sucessivo de penas, “ex vi” artigo 63.º, n.º 4, do Código Penal.

III - A natureza das figuras dogmáticas “in judice” e a estruturação, “de jure condito”, do regime jurídico aplicável ao cumprimento, sucessivo, desses remanescentes, e de tais penas, impede, e dado que a soma daquelas duas penas (o mesmo sucedendo, de resto, com a soma dos dois remanescentes) não corresponde a um período superior a seis anos, qualquer concessão “obrigatória” (ou "ope legis", como se motiva) de liberdade condicional.

III - Uma vez revogada a liberdade condicional e havendo uma pena autónoma a cumprir, o remanescente da pena deve ser cumprido por inteiro.

(Ac. RL de 22/9/2016, Proc. 1421/12.1TXTLSB.B.L1-9, Rel. Guilherme Castanheira)

Como vimos, nos factos por nós acima elencados, o peticionário, no Proc. 76/00 iniciou o cumprimento em 03/08/2001 (com sete dias de anterior privação da liberdade que foram descontados), ocorrendo o meio da pena em 27/07/2008, os 2/3 em 27/11/2010, os 5/6 em 27/03/2013 e o termo em 27/07/2015.

Por decisão do TEP de Lisboa, 4.º Juízo, de 14/12/2010 foi concedida a liberdade condicional ao arguido a partir daquela data e até 27/5/2015

No Proc. 53/13 o arguido foi detido em 13/11/2013, verificando-se o meio da pena em 13/05/2016, os 2/3 em 13/03/2017 e o termo em 13/11/2018.

Por decisão do TEP de Évora, de 7/3/2016, foi revogada a liberdade condicional concedida ao arguido e determinado que cumprisse o que restava da pena do cit. Proc. 76/00.

No despacho do Juiz do TEP de Évora, de 26/9/2016, decidiu-se que o remanescente da pena do Proc. 76/00 deve ser cumprido integralmente e ordenou-se o desligamento do Proc. 53/13 e ligamento ao Proc. 76/00 com efeitos a partir de 13/5/2016, a fim de o recluso cumprir a pena de 4 anos, 7 meses e 13 dias de prisão resultante da revogação da liberdade condicional

 Foi feita a contagem da pena do Proc. 76/00 [início em 13/05/2016 (com termo em 26/12/2020)].

Assim, acrescentamos nós, atentos estes dados do Proc. 76/00 (início em 13/05/2016; pena de 4 anos, 7 meses e 13 dias) o meio da pena ocorrerá em 4/9/2018, os dois terços em 11/6/2019 e os cinco sextos em 18/3/2010 (o termo ocorre em 26/12/2020).

No caso presente, dificilmente se compreenderia—caso se defendesse legalmente  tal possibilidade; e, mesmo nessa eventualidade, ainda não teriam sido atingidos os patamares necessários, pois nem sequer estamos perante o meio da pena --que um condenado a quem já foi dada, uma vez, a hipótese de se integrar, e dela não fez bom uso, pudesse beneficiar, de novo, de concessão de liberdade condicional.

Além disso, estar-se-ía a colocar em liberdade um condenado que tem uma pena de prisão efectiva (noutro processo—Proc. 53/13) para cumprir.

Não existe qualquer prazo violado.

A prisão não é chocante ou grosseira, mas inteiramente legal

Pelo exposto, é indeferida a presente petição de habeas corpus.

           

III. DELIBERAÇÃO

  Atento o exposto, delibera-se indeferir o pedido de habeas corpus, apresentado por AA, por falta de fundamento bastante (art. 223.º, n.º 4, alínea a) do CPP).

             

Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC (artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao RCP—DL 34/2008, de 26/2, na redacção do DL 52/2011, de 11 de 13 de Abril).

                 


Supremo Tribunal de Justiça, 24 de Julho de 2018

Vinício Ribeiro (Relator)

Raul Borges

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[1] Sobre Habeas corpus, cfr na doutrina recente, Marta Isabel Matias Barreto, A PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS EM PORTUGAL: MECANISMO AUTÓNOMO DE REACÇÃO ÀS PRISÕES PREVENTIVAS ILEGAIS, Dissertação de mestrado, de 2015, elaborada sob a orientação da Professora Doutora Maria João Antunes, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e onde se pode ver a origem e os antecedentes históricos do Habeas Corpus (disponível na internet).

Eduardo Maia Costa, Habeas corpus: passado, presente e futuro, na Revista JULGAR, Maio-Agosto 2016, págs. 217 e ss.
[2] A evolução histórica do instituto da liberdade condicional pode ver-se em Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português—As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas Editorial Notícias, 1993, 531-533 e no cit. Ac. STJ 3/2006.

[3] Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, Código Penal Anotado, Rei dos Livros, 4.ª edição, 2014, anotação ao art. 63.º, pág. 878. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCP, 3.ª edição, Nov. 2015, anotação ao art. 63.º, pág. 337.
[4] Em sentido contrário, Ac. RP de 3/10/2012, Proc. 3944/10.8TXPRT-H.P1, Rel. Élia São Pedro.