Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02P2118
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES SALPICO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
AGENTE PROVOCADOR
AGENTE INFILTRADO
Nº do Documento: SJ200210300021183
Data do Acordão: 10/30/2002
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: 1 J CR VILA FRANCA XIRA
Processo no Tribunal Recurso: 177/99
Data: 03/14/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: DL 15/93 DE 1993/01/22 ARTIGO 59.
Sumário : Uma pessoa que, colaborando espontânea, voluntária e desinteressadamente com a P.S.P, por sugestão desta, encomenda uma determinada quantidade de droga ao arguido - que no seu meio social já constava estar ligado ao tráfico de estupefacientes e que satisfez tal encomenda com grande rapidez - não pode ser havida como agente provocador ou infiltrado.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
- 1 -

No 1º Juízo Criminal da Comarca de Vila Franca de Xira, perante o respectivo Tribunal Colectivo, foram os arguidos 1º A; 2º B; 3º C; 4º D, identificados nos autos, condenados, como co-autores materiais de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artº 21º, nº1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, pela forma seguinte:

- o A, na pena de 3 anos;

- o B, na pena de 6 anos de prisão;

- o C, na pena de 6 anos de prisão;

- o D, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; e ainda, em concurso real, com o crime atrás referido, como autor material de um crime p.e p. pelo artº 275º, nºs 1 e 3, do Cód. Penal, na pena de 7 meses de prisão; pelo que, em cúmulo jurídico das mencionadas penas parcelares, foi condenado na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão.

- 2 -

Inconformados com tal decisão, dela interpuseram recursos os arguidos B, A, C e D, para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou procedente o recurso do arguido B - do despacho que não admitira o recurso por ele interposto, dele conhecendo, e, julgando improcedentes todos os demais recursos, confirmou o acórdão recorrido.

- 3 -

Do douto acórdão da Relação de Lisboa, foram interpostos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, pelo

- Digno Magistrado do MºPº a fls. 1261

E pelos arguidos:

- B a fls. 1273; e

- A a fls. 1289.

- 4 -

No recurso do MºPº, como pode ver-se das conclusões da sua motivação, o Digno Recorrente sustenta que a prova inicial foi obtida através de agente provocador, com violação do disposto no artº 59º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, como tal, é nula, quer a prova directamente obtida através da provocação, quer a posteriormente adquirida para o processo - artºs 32º, nº8 da CRP, e artº 126º, nºs 1 e 2, al.a), in fine, do Cód. Proc. Penal.

- 5 -

O arguido B, nas conclusões da sua motivação, invoca como fundamento do recurso, a nulidade da prova carreada para os autos, nos termos do artº 126º, nº1 do CPP, e artº 3º, nº8, da CRP, já que, foi a própria autoridade policial que determinou o arguido A à prática do crime, dando indicações à testemunha E, para que fizesse uma encomenda de estupefacientes ao arguido A, tendo este aceite com o intuito de ganhar a simpatia daquela e vir a conquistá-la para uma relação amorosa.

- 6 -

Relativamente ao recurso interposto pelo arguido A, nas conclusões da respectiva motivação, sustenta, em resumo, que, da matéria considerada provada em julgamento, resulta que o recorrente não estava pré-determinado a proceder à venda de droga; não se vislumbra que existisse crime anteriormente à actuação da E e PSP; no caso em apreço, estamos em presença da figura do agente provocador; não fora a intervenção da PSP através do sub-chefe F e da civil E, não existiria crime; estes incitaram o recorrente à prática do crime; foram violados os artºs 125º, 126º, nºs 1 e 2, al.a), do CPP, os artºs 32º, nº8, e 272º, nºs 1, 2 e 3 da CRP, e os artºs 21º, nº1, 31º e 59º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, devendo o recorrente ser absolvido.

- 7 -

Não houve resposta às motivações.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto, junto deste Supremo Tribunal, teve vista nos autos.

Foram colhidos os vistos legais.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais e, agora, cumpre decidir.

- 8 -

Tudo visto e considerado:

A matéria de facto julgada assente pelos Tribunais de instância é a seguinte:

1) O arguido A, dias antes da sua detenção, travou conhecimento, em V.F. de Xira, com E, id. nos autos, a quem foi apresentado por um tal G, conhecido comum a ambos, como pessoa ligada ao negócio de drogas, tendo o dito arguido vindo, depois, a contactar novamente a referida E, já sozinho;

2) Perante isso, E contactou a PSP de V.F.Xira, na pessoa do subchefe F, pessoa que já conhecia há algum tempo, dizendo-lhe que havia conhecido uma pessoa ligada ao tráfico de drogas e que estava com receio da mesma.

3) O aludido F sugeriu, então, que E entrasse em contacto com o arguido A, a fim de encomendar a este estupefaciente colaborando, assim, aquela com a PSP.

4) Perante isso, e tendo em conta a indicação dada pelo subchefe F, e com a intenção de vir a proceder à detenção do arguido A na posse de estupefacientes, E fez a este uma encomenda de 1 Kg de haxixe, de 100g de cocaína e 100g de heroína, sendo que a entrega desse produto foi combinada entre o arguido A e E, para a noite do dia 8/4/99, em condições de hora e local dos quais a segunda informou a PSP que, dessa forma, veio a proceder à detenção daquele;

5) O arguido A aceitou satisfazer a encomenda feita;

6) Visava, ao fazê-lo, ganhar a simpatia da E, tendo em vista, vir a conquistá-la para uma relação amorosa, ainda que fugaz;

7) Pelas 22h 25m, do dia 8/4/99, na Rua 10 de Dezembro, sita em V.F. de Xira, o arguido A foi abordado e detido por elementos da PSP, transportando:

a) no bolso da camisa que envergava. um produto vegetal prensado que, depois de submetido a exame laboratorial, revelou ser canabis (resina), com o peso líquido de 5,910 g;

b) no interior do veículo "Mazda 121", com a matrícula GT onde se deslocava, sob o assento do condutor, quatro embalagens de um produto vegetal prensado que, depois de submetido a exame laboratorial, revelou ser canabis (resina), com o peso líquido e total de 1018,458 g;

8) Logo após a detenção, o arguido A prontificou-se a colaborar com a PSP, a fim de identificar os fornecedores dos produtos estupefacientes que lhe foram apreendidos, já que os mesmos poderiam vir, ainda, a fornecer cerca de 100g de heroína e cerca de 100g de cocaína, produtos que já estavam encomendados, mas que só seriam entregues na presença da compradora, no caso, e nas condições referidas, à indicada E;

9) Como a futura entrega dos produtos estupefacientes iria realizar-se num bairro limitrofe de Lisboa, a PSP de V.F.Xira entrou em contacto com a DCITE da PJ para ser efectuada a necessária cooperação;

10) Assim, cerca das 01h 00m, do dia 9/4/99, na Esquadra da PSP de V.F.Xira, e já com a presença dos elementos da PJ, o arguido A recebeu, no seu telemóvel, um telefonema do arguido B;

11) Nesse telefonema, este pediu ao arguido A que lhe telefonasse pelas 8h 30m desse mesmo dia, a fim de ser combinado o encontro com a compradora dos produtos estupefacientes anteriormente encomendados, sendo certo que, pelas 8h 30m, do dia 9/4/99, o arguido A telefonou ao arguido B, dando-lhe conhecimento que já estava consigo a compradora dos produtos estupefacientes, tendo o arguido B combinado encontrarem-se no estabelecimento "Café da Preta" sito na Rinchoa;

12) No local, quando se dirigiam para o citado estabelecimento de café, o arguido B indicou, através de um assobio, que estava num prédio em construção e que para aí se deviam deslocar para efectuarem a transacção;

13) O arguido B encontrava-se a trabalhar nesse prédio;

14) Assim, o arguido A e G e I, ambos agentes da PJ, caminharam na direcção do referido prédio em construção e aí encontram-se com o arguido B, tendo aquela sido apresentada como a destinatária dos produtos estupefacientes previamente encomendados e o agente I com um seu familiar;

15) Nesse contacto, o arguido B explicou à agente H que os produtos estupefacientes a fornecer eram de boa qualidade;

16) Após esta conversa, o arguido B combinou novo encontro, no mesmo estabelecimento de café, para, então dizer quando é que se iria efectuar a transacção;

17) Algum tempo depois, apareceu novamente B que, após conversação telefónica que manteve no seu telemóvel, referiu que a transacção iria ocorrer dentro de algum tempo, tendo o arguido A e os agentes H e I abandonado o local;

18) Cerca das 12h 00m, do dia 9/4/99, o arguido A recebe, via telemóvel, nova chamada do arguido B a indicar um outro estabelecimento de café, sito na mesma zona, para se encontrarem;

19) Quando se dirigiam para aí, o arguido B surgiu e encaminhou-os para o estabelecimento de café/cervejaria denominado"Parque"local onde o arguido B veio a receber um telefonema, no seu telemóvel, a confirmar a entrega dos produtos estupefacientes;

-20) No interior do"Parque"os agentes H e I aguardaram, juntamente com o arguido A e B, durante algum tempo;-

21) Durante esse período, o arguido B voltou a realçar a boa qualidade dos produtos estupefacientes que iriam ser fornecidos;

22) disse, ainda, que tais produtos iriam ser entregues por dois indivíduos que se faziam transportar num "Renault Clio";

-23) Perguntou, também, ao arguido A pelo dinheiro, ao que este respondeu que este estava no interior da viatura em que se deslocavam;

-24) por volta das 14h 00m, do mesmo dia 9/4/99, e após novo contacto telefónico efectuado pelo arguido B, este disse que estava tudo pronto e que a agente H teria que ir com ele até junto dos indivíduos que tinham os produtos estupefacientes, para verificar a qualidade dos mesmos.

25) Seguidamente, a agente H e o arguido B percorreram duas artérias pararam junto a uma cabine telefónica, local onde estava estacionado um"Renault Clio"de cor cinzenta e matrícula BB;

26) Perto deste veículo, estava o arguido C;

27) Após breve troca de palavras, cujo teor não foi possível apurar, o arguido C encaminhou a agente H e o arguido B, até ao arguido D, que estava prostrado na esquina de um prédio;

28) No momento em que as citadas pessoas se reuniam, os restantes elementos da PJ e da PSP que se encontravam nas imediações comunicaram a sua qualidade de Polícias e deram voz de detenção, tendo os arguidos B, C e D encetado, de imediato, a fuga;

29) O arguido C veio a ser logo detido;

30) O arguido B aproveitou um declive do terreno e refugiou-se, durante algum tempo, no interior de um denso matagal de arbustos e silvas, acabando por sair e ser detido;

-31) Ao encetar a fuga, o arguido D:

a) lançou para o chão um saco de plástico que continha produtos em pó que, depois de submetidos a exame laboratorial, revelaram ser heroína, com o peso líquido de 99, 556 gramas, e cocaína, com o peso líquido de 98,982 gramas;

- b) empunhou uma pistola semi-automática que tinha na sua posse e apontou-a na direcção dos seus seguidores, pistola essa "Browning", de calibre 7,65 mm, marca LZ, modelo 27 e com o número de série rasurado, sendo certo que tal pistola tinha carregador e estava municiada com 7 munições do mesmo calibre em boas condições de utilização, encontrando--se a mesma pistola em condições de efectuar disparos, apresentando problemas pontuais na obtenção da sequência de automatismo, devido a deficiente funcionamento da tecla do gatilho;

32) Na altura em que o arguido D lhes apontou a arma descrita, os elementos da PJ e da PSP efectuaram alguns disparos acabando o mesmo arguido por ser atingido numa perna e, após alguma resistência física, por ser detido;

33) O veículo apreendido com a matrícula GT, de valor não concretamente apurado, é da pertença de J, embora se encontre registado em nome de L;

34) O veículo apreendido com a matrícula BB, de valor não concretamente apurado, é da pertença do arguido D, embora se encontre registado em nome de M;

35) A cannabis apreendida ao arguido A foi entregue a este por um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, entre as 17h 10m e as 22h 00 m, do dia 8/4/99, numas bombas de gasolina sitas na Buraca;-

36) O telemóvel de marca"Alcatell' apreendido ao arguido A continha na respectiva memória o número de telefone 01-....., da residência do arguido B ;

37) Na sua agenda pessoal, o arguido A tinha o número 0936-6192090 que codificara com a palavra "Família", e, através do qual, também contactava o arguido B;

38) O telemóvel de marca "Alcatel" apreendido ao arguido B continha na respectiva memória o número do telemóvel do arguido A - 0936- 6283557;

39) Todos os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente;-

40) Com o propósito de transportarem, deterem e transaccionarem produtos cujas características estupefacientes bem conheciam, sempre com intuitos lucrativos, esperando o arguido A, em concreto, receber alguma compensação monetária pelo facto de servir de intermediário;

41) E o arguido D, ainda, com a intenção de deter e usar, como aconteceu, uma pistola semi-automática de calibre 7,65mm com carregador e sete munições do mesmo calibre;

42) Sabiam os arguidos que as suas condutas eram proibidas por lei;

43) Os arguidos B, C e D actuaram mediante acordo prévio e em comunhão de esforços;

44) O arguido A confessou, parcialmente, os factos, de modo espontâneo;

45) Demonstrou arrependimento;

46) À data, encontrava-se a passar alguns dias cm Portugal, sendo certo que trabalhava em Inglaterra, como empregado de balcão;

47) o arguido B trabalhava na construção civil, auferindo um salário mensal de cerca de 280.000$00, tem a seu cargo mulher e dois filhos, um com 10 anos e outro com 20 meses;

48) o arguido C estava, à data, desempregado, vivia de ajudas de pessoas amigas; -

49) o arguido D trabalhava na construção civil, tem a seu cargo mulher e um filho com 1 ano de idade;

50) o arguido D demonstrou arrependimento;

51) o arguido A sofreu já as seguintes condenações:

a) 4 anos e 6 meses de prisão, por um crime p. e p. pelo artigo 21º, n° 1 do DL 15/93, de 22/1, factos de 27/12/93, Acórdão de 7/10/94, processo comum colectivo 1358/93.1, do 3° Juízo do Tribunal Judicial de Almada;

b) 7 anos de prisão, por idêntico crime, factos do ano 1992, Acórdão de 13/10/95, processo comum colectivo n° 52/95, do Tribunal do Circulo de Beja - 2/7/98, foi-lhe concedida liberdade condicional pelo TEP de Lisboa;

52) o arguido B sofreu já a seguinte condenação:

- 4 anos e 6 meses de prisão, por um crime p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22/1, Acórdão de 21/10/94, processo comum colectivo n° 10/94.1PILSB, da 1ª Secção da 1ª Vara Criminal de Lisboa.

53) O arguido C sofreu já a seguinte condenação:

- 8 anos de prisão, por idêntico crime ao anterior, factos de 22/11/93, Acórdão de 28/9/94, processo comum colectivo n° 191/94, da 1ª Vara Criminal do Porto - em 4/2/99, foi-lhe concedida a liberdade condicional, pelo TEP de Évora.

54) O arguido D nunca respondeu ou esteve preso.

Factos não provados:

a) Na sequência desses contactos, pela PSP de V.F. de Xira foi montada uma operação de vigilância policial que acompanhou um contacto posterior entre E e o arguido A, no decurso do qual o arguido falou àquela no negócio de drogas, dizendo-lhe que arranjava o que ela quisesse, e referindo-se inclusivamente a preços de produtos estupefacientes;

- b) No contacto aludido no artigo 12° de fls. 677, o arguido B disponibilizou-se para futuras transacções mesmo sem a presença da agente H, tendo ainda acrescentado que garantia o reembolso se a qualidade dos produtos estupefacientes não fosse a desejada; -

- c) poderia voltar a fornecer produtos estupefacientes com a periodicidade que a compradora desejasse - art.o 15° de fls. 678;

d) a referência expressa à canabis anteriormente fornecida e aos produtos a fornecer, a propósito do dinheiro - art.º 15° de fls.678;

c) o arguido C perguntou ao arguido B se já linha visto o dinheiro, tendo este respondido afirmativamente;

f) o arguido D tirou do bolso do blusão que envergava e mostrou à agente H um saco de plástico contendo produtos que, pela cor e apresentação, tudo levava a crer serem heroína e cocaína;

-g) na altura em que o arguido D ordenou à agente H que tosse buscar o dinheiro - art.º 20° de fls. 679;

-h) o"Renault Clio" de cor cinzenta, com a matrícula BB foi conduzido pelo arguido D por várias ruas sitas na Rinchoa até ao local em que surgiu estacionado, apesar daquele não ser titular da necessária carta de condução;

i)a canabis apreendida ao arguido A foi entregue a este pelo arguido B e por um tal N;

j) os produtos estupefacientes apreendidos nestes autos foram encomendados pelo preço total de esc. 1.200.000$00;-

k) pelo menos os arguido B e C encontram-se no território português em situação ilegal; l) o arguido D conduziu o veículo automóvel na via pública, sem estar legalmente habilitado para o efeito.

- 9 -

Recurso interposto pelo MºPº:

O Digno Recorrente sustenta que, nos presentes autos, é nula a prova inicial obtida através de agente provocador, bem como a posteriormente adquirida para o processo, por violação do artº 59º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, e dos artºs 32º, nº8 da CRP, e 126º nºs 1 e 2, al.a), in fine, do CPP.

Mas, não lhe assiste razão.

Na verdade, em face da matéria fáctica provada, não pode, a todas as luzes, qualificar-se a conduta da E como agente provocador, ou agente infiltrado, nos termos e para os efeitos do artº 59º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.

A imensa variedade das circunstâncias de que se pode revestir a colaboração espontânea, voluntária e desinteressada, dos particulares com as autoridades policiais, nem sempre é susceptível de enquadrar-se nas categorias de agente provocador ou de agente infiltrado.

No caso vertente, a E, ao encomendar - por sugestão da PSP - as quantidades de estupefacientes atrás referidas, não determinou, nem provocou o arguido A à prática do crime, sendo certo que, no seu meio social constava que este arguido estava ligado ao tráfico de drogas, o que nos autos veio a confirmar-se, pela facilidade e rapidez com que este satisfez a encomenda, e pela confiança existente entre os arguidos A e B.

Acresce que, como resulta do ponto 51) da matéria fáctica, o arguido A já anteriormente, em 1994 e em 1998, sofreu duas condenações - em penas de 4 anos e 6 meses e 7 anos de prisão, respectivamente -, por haver praticado crimes de tráfico de estupefacientes.

Por outro lado, dos factos provados, definitivamente fixados, resulta que o arguido A, ao aceitar a encomenda de estupefacientes, determinou-se com inteira liberdade, de forma autónoma e plenamente consciente, sem que se verificasse qualquer perturbação da vontade ou liberdade de acção do agente.

Ora, nos termos do artº 126º, nº1, do CPP,"são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas".

E o nº 2 do citado artigo, enumera as circunstâncias em que as provas obtidas são ofensivas da integridade física e moral das pessoas e, portanto, proibidas, sendo geralmente considerado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, que os meios enganosos usados, eventualmente, pela Polícia, só deverão considerar-se proibidos, nos termos do artº 126º, nºs 1 e 2, alínea a), do Cód. Proc. Penal, quando causarem "perturbação da liberdade de vontade ou de decisão" que o que não verificou no caso em apreço.

Logo improcede a invocada nulidade, pelo que o recurso não merece provimento, por não haverem sido violados os preceitos legais e a norma constitucional atrás referidos.

- 10 -

Recurso do arguido B (fls.1273):

O arguido invoca como fundamento do recurso a nulidade de toda a prova produzida nos autos, por utilização de"métodos proibidos de prova"com violação dos artºs 126º, nºs 1 e 2, al.a), do Cód. Proc. Penal, e 32º, nº8 da CRP.

Da apreciação do antecedente recurso interposto pelo MºPº, já pode concluir-se que o presente recurso, forçosamente, haverá de improceder, pois é idêntica a questão que o recorrente coloca, agora, à nossa apreciação.

Contudo, sempre se dirá, que o arguido A, ao aceitar a encomenda de estupefacientes feita pela E, se determinou com total liberdade, não tendo ocorrido, por parte do arguido A qualquer perturbação da liberdade de vontade ou de decisão, pelo que as provas produzidas nos autos não enfermam de qualquer nulidade, sendo inteiramente válidas.

Assim, não se mostram infringidos o preceito legal e a norma constitucional, atrás referidos, pelo que o recorrente foi muito bem condenado, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.

Desta sorte, o recurso terá de improceder.

- 11 -

Recurso do arguido A:

O recorrente defende a tese segundo a qual, se não fora a intervenção da PSP, não existiria crime, afirmando, depois, que E actuou como agente provocador, sendo nula a prova produzida nos autos, devendo ser absolvido, por terem sido violados o artº 125º, 126º, nºs 1 e 2, al.a), do Cód. Proc. Penal, os artºs 21º, nº1, 31º e 59º, de DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, e os artºs 32º, nº8, e 272º, nºs 1, 2 e 3, da CRP.

As questões suscitadas pelo recorrente, no fundo, coincidem no essencial, com as que foram levantadas no recurso do MºPº, pelo que damos aqui como reproduzido tudo quanto dissemos aquando apreciámos aquele recurso.

Todavia, sempre se dirá que a E, ao encomendar estupefacientes ao recorrente não actuou como agente provocador, dado que, com a sua actuação não causou qualquer"perturbação da liberdade ou de decisão do arguido recorrente, não provocando nem determinando o recorrente à prática do crime de tráfico de estupefacientes, já que dos factos provados resulta, inequivocamente que, no caso dos autos, o recorrente se determinou com inteira liberdade, de forma autónoma e plenamente consciente.

Logo as provas produzidas nestes autos não enfermam da nulidade prevista no artº 126º do Cód. Proc. Penal, não havendo sido violador os demais preceitos legais, e as normas constitucionais mencionados pelo recorrente.

Assim sendo, como é o recurso terá, fatalmente, de improceder.

- 12 -

Nestes termos e concluindo:

Acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento a todos os recursos, confirmando, integralmente o douto acórdão recorrido, condenando cada um dos recorrentes no pagamento de 7Uc´s de taxa de justiça.

Paguem-se os honorários legais à Srª defensora oficiosa.

Oportunamente, remetam-se os autos ao Tribunal Constitucional (recurso de fls. 1260), nos termos já ordenados a fls.1333.

Lisboa, 30 de Outubro de 2002

Pires Salpico,

Borges Pinto,

Franco de Sá,

Leal Henriques. (Vencido : anularia o julgamento para que se esclarecesse devidamente o tipo de relacionamento existente entre a P.S.P. e o arguido A e o papel desenvolvido na acção pela E).