Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
37/18.3YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: JOSÉ RAINHO
Descritores: CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA
GRELHAS DE MONITORIZAÇÃO
RELATÓRIO DE INSPECÇÃO
RELATÓRIO DE INSPEÇÃO
INVALIDADE
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 12/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO
Área Temática:
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / PRINCIPIO DA IGUALDADE – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / TRIBUNAIS / INDEPENDÊNCIA.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA – COMPOSIÇÃO DA MAGISTRATURA JUDICIAL / INDEPENDÊNCIA / CLASSIFICAÇÕES / CRITÉRIO E EFEITOS DAS CLASSIFICAÇÕES / ELEMENTOS A CONSIDERAR NAS CLASSIFICAÇÕES.
Legislação Nacional:
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º E 203.º.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 2.º, 4.º, 34.º, N.º1 E 37.º.
REGULAMENTO DAS INSPEÇÕES JUDICIAIS (RIJ): - ARTIGOS 12.º E 16.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Sumário :

I - O n.º 1 do art. 34.° do EMJ rege sobre os critérios das classificações, estabelecendo que importa atender ao modo como os juízes de direito desempenham a sua função, bem como ao volume; à dificuldade e à gestão do serviço a seu cargo, termos em que a norma citada deixa em aberto a forma ou meio de operacionalizar na prática esses critérios.
II - O recurso à comparação com o desempenho profissional de outros juízes nas mesmas condições ou circunstâncias, bem como a utilização de relatórios e grelhas de monitorização, são formas de operacionalizar tais critérios, daí que de tal norma nada se retira que suporte a pretensa nulidade da deliberação em causa.
III - O mesmo se diga do art. 37.º do EMJ, norma que dispõe sobre os elementos a considerar obrigatoriamente nas classificações, não impedindo, naturalmente, que outros elementos sejam considerados, a começar por aqueles que a densificação dos critérios estatuídos no dito art. 34.º implica.
IV - Assim, carece de fundamento a afirmação do que a deliberação impugnada é irrazoável e ilegal, e que afronta os princípios da igualdade, da independência e da imparcialidade, quando tal deliberação se baseia num relatório inspetivo que se conteve rigorosamente dentro dos parâmetros legais, precisamente porque fez uso de critérios e elementos - entre estes o desempenho médio (comparativo) dos demais juízos da mesma Instância/Juízo Local, em função de elementos estatísticos - admitidos na lei e que, portanto, lhe era lícito usar.
V - A consideração de relatórios semestrais e de grelhas de monitorização, que são meros instrumentos de gestão que permitem a leitura da produtividade individual e global, bem como a análise do estado evolutivo das pendências, não assumindo a natureza de ordens ou instruções, não viola o princípio da independência dos juízes.
VI - Não resultando concludentemente dos autos que se tenham verificado supostos lapsos ou erros de apreciação, não se pode concluir por qualquer invalidade da deliberação recorrida em termos de violação do princípio da imparcialidade.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso):

I - RELATÓRIO

AA, juíza de direito, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça contra a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM) de 3 de março de 2018 que, indeferindo a reclamação que apresentou oportunamente contra a deliberação da composição Permanente do mesmo Órgão, manteve a notação de “Bom” que lhe foi atribuída com referência ao serviço prestado no...º Juízo Cível de ... (extinto) e na Instância Local, atual Juízo Local ... de ..., Juiz ... (período inspetivo de 27 de junho de 2013 a 4 de maio de 2017).

Sustenta que a deliberação é nula e de nenhum efeito, pedindo a correspetiva declaração.

O CSM respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Foram produzidas alegações, onde Recorrente e Recorrido mantiveram os seus pontos de vista.

O Ministério Público, pela pessoa do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer, concluindo pela improcedência total do recurso.

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São os seguintes os fundamentos do pedido, tal como sintetizados nas conclusões (que refletem adequadamente as questões colocadas na petição de recurso) apresentadas pela Recorrente no final da alegação que produziu:

A. No âmbito do relatório inspetivo a “comparação” foi determinante na análise dos elementos recolhidos, na apreciação do desempenho da inspecionada e na atribuição da respetiva notação, constituindo-se num verdadeiro critério de avaliação, em violação dos arts. 12° e 16° do RSI - pontos 1, 2, 3,4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25,26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34,50, 51,52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 59, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109 e 110 supra.

B. Atentas as apontadas diferenças na redistribuição e distribuição dos processos, afetação dos Senhores Juízes Auxiliares e organização administrativa, encontra-se demonstrado que os Juízes a exercer funções no Juízo Local ... não se encontravam em idênticas circunstâncias no decurso do período inspetivo - mesmos pontos mencionados em A..

C. Resulta infirmada a presunção em que se baseou a elaboração do relatório inspectivo, isto é, na Instância Local as condições seriam idênticas e como tal possibilitariam a “comparabilidade” para efeitos inspetivos classificativos, do desempenho da inspecionada. Mostrando-se, por isso, legal e materialmente impossibilitada a comparação do desempenho entre juízes - mesmos pontos mencionados em A..

D. Ao fazê-la, nestas circunstâncias, o relatório inspetivo conferiu, arbitrariamente, tratamento idêntico ao que se demonstrou ser desigual, assim violando o princípio da igualdade previsto na Constituição da República Portuguesa - mesmos pontos mencionados em A..

E. Os princípios e normas estatísticas constantes do Código de Conduta para as Estatísticas Europeias impõem que As estatísticas provenientes de fontes diferentes e de periodicidade diferente são comparadas e compatibilizadas entre si, sem que se demonstre que os elementos estatísticos, constantes do relatório, o tenham sido (na análise comparativa realizada, incidente sobre as taxas de resolução e de recuperação e sobre a dilação do agendamento compara-se todo o período inspectivo com os elementos constantes do Relatório Semestral do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa publicado a 2016/07/13, que se refere ao período de 01-09-2015 a 29-02-2016); (vide, ainda, a este respeito a Lei n.º 22/2008, de 13-05 - Lei do Sistema Estatístico Nacional) - mesmos pontos mencionados em A..

F. As “taxas de referência” de taxas de resolução e de recuperação, bem como, os tempos médios de dilação no agendamento, não constam dos objectivos processuais fixados para o Juízo Local Cível de ... (Os objetivos processuais fixados para o Juízo Local Cível de ..., no ano 2016/2017, constam do documento n.º 17) - mesmos pontos mencionados em A ..

G. Violando-se, no relatório inspectivo, os princípios da legalidade, da razoabilidade e da imparcialidade - mesmos pontos mencionados em A..

H. Ao socorrer-se de elementos emanados da Presidência do Tribunal e do Conselho Superior da Magistratura, como sejam o Relatório Semestral e as grelhas de monotorização, para sustentar a comparação entre o desempenho de juízes, o relatório inspectivo institucionaliza e exacerba, desrazoavelmente, o peer pressure (pressão dos pares), violando, inelutavelmente, o princípio da independência dos tribunais e dos seus titulares - mesmos pontos mencionados em A..

I. Ao fazer desses mesmos elementos termo de comparação elege-se aqueles como modelos a seguir ou paradigma do que está certo, do que é admissível ou do que é desejável que os magistrados façam ou não façam, no exercício das suas funções. O que vem a constituir uma forma encapotada de sujeitar os magistrados judiciais a ordens e instruções do Conselho Superior da Magistratura e do órgão de gestão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, violando, inelutavelmente, o princípio da independência dos tribunais e dos seus titulares - mesmos pontos mencionados em A..

J. Foram cometidos diversos erros de facto e de análise, ao longo do relatório. Uma vez que os erros de facto e análise elencados supra pesaram nas conclusões constantes do relatório inspectivo e na proposta de notação, mantendo-se os indicados erros factuais e as indicadas contradições entre os factos e as conclusões formuladas, o mesmo não constitui um documento isento e idóneo a cumprir com as finalidades legais da inspeção ao serviço da recorrente, assim se violando o princípio da imparcialidade - pontos 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 111, 112, 113, 114, 115, 116, 117 e 118 supra.

K. Na deliberação do Plenário do CSM não se sopesam os factos alegados pela recorrente, na reclamação apresentada, que se sustentam em documentação coeva, produzida pelos próprios serviços. Optando-se por não apreciar do essencial, isto é, se no período inspectivo existiram ou não idênticas circunstâncias formais e materiais, entre os magistrados judiciais, que possibilitem a comparação do desempenho de todos eles e se esta é desejável. Não se aceitou o contraditório, em violação do princípio da imparcialidade ­pontos 119, 120, 121, 122 e 123 supra. Ao Plenário do Conselho Superior da Magistratura, resta fazer uma última observação: a vida dum ser humano não é uma brincadeira.

L. Assim, mostra-se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de que se recorre, ferida de invalidade por violação das normas constitucionais e legais supra citadas, nomeadamente:

- os princípios constitucionais da independência dos tribunais e da igualdade, ínsitos nos arts. 203.° e 13.° da Constituição da República Portuguesa;

- o disposto nos arts. 4.°, 34.° e 37.º, n.º 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais;

- os princípios da legalidade, igualdade, razoabilidade e imparcialidade, ínsitos no art. 2° do Regulamento das Inspeções Judiciais do Conselho Superior da Magistratura;

- o disposto nos arts. 12.° e 16.°, n.º 1, al. c) do Regulamento das Inspecções Judiciais do Conselho Superior da Magistratura;

- o ponto 14.4 do Código de Conduta para as Estatísticas Europeias.

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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- Os termos da pretensão impugnatória definem o âmbito do conhecimento deste tribunal (sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento);

- Há que conhecer de questões, e não das razões ou fundamentos que às questões subjazam;

- A decisão a proferir não visa criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato impugnado.

                                                           +

É questão a conhecer:

- A invalidade da deliberação recorrida pelos fundamentos invocados pela Recorrente.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

Com relevo para a decisão do recurso, mostram os autos que:

- A inspeção judicial ordinária à ora Recorrente incidiu sobre o respetivo desempenho no ...º Juízo ... (extinto) e na Instância Local, atual Juízo Local ..., Juiz ... (período inspetivo de 27 de junho de 2013 a 4 de maio de 2017).

- Foi proposta a notação classificativa de “bom”.

- O relatório inspetivo considerou que a ora Recorrente apresentava produtividade positiva, mas que esta ficava aquém dos valores médios revelados na Instância Local, em condições idênticas.

- Tal consideração assentou, entre o mais, na análise comparativa, mediante o recurso a elementos estatísticos oficiais e a objetivos processuais fixados, dos dados do desempenho da ora Recorrente (nomeadamente taxas de resolução e de recuperação processual, dilação do agendamento e excesso de prazo na prolação de atos decisórios) com os da média do conjunto dos 24 juízes da mesma instância.

- O Conselho Permanente do CSM homologou o relatório inspetivo.

- Tendo a ora Recorrente reclamado para o Conselho Plenário (conforme o escrito de fls. 92 e seguintes destes autos, cujos termos se dão por reproduzidos), a reclamação foi indeferida e mantida a notação de “bom”.

De direito

Sustenta a Recorrente (pontos 2 a 23 e 50 a 74, 87, 88, 92, 93, e 92 a 110 da petição de recurso) que a deliberação impugnanda é irrazoável, ilegal e afrontadora dos princípios constitucionais e legais da igualdade, da independência dos juízes e da imparcialidade a que está sujeita a atividade administrativa. Cita a propósito os art.s 13.º e 203.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os art.s 2.º, 4.º, 34.º e 37.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) e os art.s 12.º e 16.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento das Inspeções Judiciais (RIJ) emanado do CSM.

Começa por afirmar para o efeito, em suma, que a deliberação recorrida se serviu de critérios e elementos de que não podia ter-se servido.

Mas a Recorrente carece de razão neste particular.

É exato que o relatório inspetivo da ora Recorrente - e que foi inteiramente sufragado na deliberação recorrida - teve por base a premissa de que na Instância Local as condições eram idênticas entre Juízos, do mesmo modo que se socorreu da “comparabilidade” entre J... (sob o desempenho da Recorrente) e os valores médios revelados na Instância/Juízo Local (nomeadamente no que respeita à taxa de resolução ou descongestionamento, à taxa de recuperação e à dilação do agendamento). Isto decorre claramente do texto do relatório.

É igualmente exato que, em decorrência de tal premissa, o relatório inspetivo concluiu por resultados “menos fortes” (“aquém dos valores médios”) da ora Recorrente em termos de produtividade.

É também verdade que o relatório inspetivo faz alusão aos objetivos processuais fixados para a Instância/Juízo Local ... (ano judicial de 2016/2017) e que se socorreu de elementos estatísticos.

É ainda verdade que estes elementos têm finalidades precípuas (as decorrentes da Lei da Organização do Sistema Judiciário) que não se direcionam diretamente a atividades inspetivas.

Contudo, não vemos em que medida é que tudo isto implica as ilegalidades que a Recorrente aponta à deliberação recorrida.

Desde logo, relativamente às citadas normas do EMJ e do RIJ, não vemos como se possa extrair a partir delas a conclusão de que na deliberação recorrida foram postos em causa os princípios gerais (como tal elencados no art. 2.º do RIJ) da igualdade, da legalidade, da razoabilidade e da imparcialidade.

O art. 34.º (n.º 1) do EMJ é norma que regula sobre os critérios das classificações. Ao estabelecer que importa atender ao modo como os juízes de direito desempenham a sua função, bem como ao volume, à dificuldade e à gestão do serviço a seu cargo, a norma deixa em aberto a forma ou meio de operacionalizar na prática esses critérios. O recurso ao comparativo com o desempenho de outros juízes (desempenho médio) nas mesmas condições ou circunstâncias, e a utilização de relatórios e grelhas de monitorização, tudo isso não passa senão de formas de operacionalizar tais critérios, como aliás resulta depois melhor particularizado no RIJ. Daqui que de tal norma nada se retira que suporte a pretensa nulidade da deliberação em causa.

O mesmo se diga do art. 37.º do EMJ. Esta norma regula apenas sobre os elementos a considerar sempre (ou seja, obrigatoriamente) nas classificações, não impedindo, naturalmente, que outros elementos sejam considerados, a começar precisamente por aqueles que a densificação dos critérios do art. 34.º implica.

Os art.s 12.º e 16.º do RIJ não apenas não dão cobertura ao entendimento da Recorrente, como, ao invés, o contrariam claramente. Da alínea h) do n.º 3 da primeira destas normas (e que procura substanciar o conceito de adaptação ao serviço) decorre logicamente a possibilidade de comparação que a Recorrente contesta, por isso que está em causa a contribuição do juiz para o cumprimento dos objetivos processuais aprovados. Não se perceberia como aferir do mérito dessa contribuição para uma finalidade global sem a comparar com a contribuição dos demais juízes. E das alíneas c), d) e e) do n.º 1 da segunda norma decorre expressamente que as inspeções se baseiam, e nomeadamente, (i) em elementos em poder do CSM a respeito dos tribunais, secções ou serviços em que o juiz tenha exercido funções, tendo em consideração os dados disponíveis relativamente ao desempenho de outros juízes de direito em idênticas circunstâncias; (ii) em relatórios, informações e quaisquer elementos complementares, referentes ao tempo e lugar em que a inspeção respeita e que estejam na posse do CSM; (iii) em elementos de avaliação periódica referentes ao acompanhamento do desempenho dos tribunais e dos juízes a que respeitem.

Ora, sendo assim, como é, a conclusão a retirar é que carece de fundamento a afirmação da Recorrente de que a deliberação impugnanda é irrazoável e ilegal, e que afronta os princípios da igualdade, da independência e da imparcialidade. Pelo contrário, a deliberação baseia-se num relatório inspetivo que, no que aqui está em causa, se conteve rigorosamente dentro dos parâmetros legais, precisamente porque fez uso de critérios e elementos - entre estes o desempenho médio (comparativo) dos demais juízos (rectius, juízes) da Instância/Juízo Local ..., em função de elementos estatísticos - admitidos na lei e que, portanto, lhe era lícito usar. E isto, note-se, é inteiramente válido independentemente do que consta ou não consta dos objetivos processuais fixados.

O que a Recorrente aduz nos pontos 56 a 74 e 96 a 99 da sua petição de recurso em torno dos princípios da igualdade e da independência dos juízes é, em abstrato, inteiramente válido. Ocorre, porém, que a deliberação em causa não vai contra tal conjunto de considerações, e daqui que não pode ser subscrita a conclusão de que a deliberação é nula por violação desses princípios.

Efetivamente, e no que se refere à pretensa violação do princípio da igualdade, há que dizer que as menções factuais (particularizações) que a Recorrente faz (pontos 25 a 34 da sua petição de recurso) com vista a significar que as condições não seriam idênticas - e que, desse modo, se tratou de forma igual o que era desigual - carecem de essencialidade ou relevância. A identidade de condições para efeitos classificativos, prevista no RIJ (e pressuposta no relatório inspetivo e na deliberação em causa), não tem o sentido de uma identidade em toda a linha ou absoluta - identidade absoluta essa que, pela própria natureza das coisas, nunca poderia existir - mas apenas um conjunto de circunstâncias equivalentes (equivalência perante a amplitude, solicitação ou esforço inerentes ao serviço). E é isto que se passa relativamente a juízes do mesmo círculo ou núcleo jurisdicional de atividade, como é precisamente o caso do conjunto de juízes da Instância/Juízo Local em que se estava inserida a Recorrente. Todos eles estão submetidos a uma taxa de solicitação ou esforço de serviço equivalente.

E no que se refere à pretensa violação do princípio da independência dos juízes - que a Recorrente faz derivar do uso de relatórios semestrais e de grelhas de monitorização (o que exercebaria desrazoavelmente a “pressão dos pares”, introduziria um inaceitável paradigma de desempenho e seria uma forma encapotada de sujeitar o juiz a ordens e instruções do CSM e do órgão de gestão da comarca) - é de dizer que a perspetiva da Recorrente é carecida de cabimento. Exatamente como se mostra exarado na deliberação impugnanda, tais elementos são meros instrumentos de gestão que permitem a leitura da produtividade individual e global, bem como a análise do estado evolutivo das pendências, não se conseguindo descortinar como tais dados gestionários poderiam assumir a natureza de ordens ou instruções.

Improcede assim o que consta das conclusões A. (na parte em que se refere que foram violados os art.s 12.º e 16.º do RIJ), B., C., D., G., H. e I., sendo irrelevante o que consta da conclusão F.

O que a Recorrente sustenta (pontos 35 a 49 e 111 a 118 da petição de recurso) em torno da violação do princípio da imparcialidade é igualmente improcedente. Diz a Recorrente, a propósito, que o relatório inspetivo avalizado pela deliberação impugnanda “não é isento e idóneo a cumprir com as finalidades legais da inspecção ao serviço da recorrente”, pois que contém “manifestos lapsos de facto e análise” ou “erros de facto e de análise”, e daqui que teria sido afrontado o dito princípio.

Porém, se se trata de lapsos, então a relevância desse desvalor reconduz-se à possibilidade de os retificar, e daqui que havia de ter sido suscitada a respetiva retificação junto de quem os cometeu, mas de tal não cuidou a Recorrente. E se acaso se trata de erros de apreciação dos factos, a verdade é que também a Recorrente não reclama a invalidade da deliberação com fundamento em erro quanto aos pressupostos de facto.

Mas, seja como for, dos elementos que nos estão disponíveis (constantes dos autos apensos) não resulta concludentemente que tais supostos lapsos ou erros de apreciação existam efetivamente. Daqui que não se pode concluir por qualquer invalidade da deliberação recorrida em termos de violação do princípio da imparcialidade.

De resto, o princípio da imparcialidade vem aqui manifestamente mal invocado pela Recorrente, visto que não tem o sentido que lhe está a emprestar. Efetivamente, o que o princípio significa é que a atividade administrativa não pode ser enviesada pela introdução de interesses subjetivos ou pessoais, senão apenas pela prossecução do interesse público. Ou seja, o princípio visa a salvaguarda da isenção ou neutralidade administrativa face a interesses alheios ao interesse público. Convir-se-á que isto em nada se pode relacionar com a prática dos supostos lapsos ou erros de apreciação de que vem falar a Recorrente.

O que tudo significa que improcede a conclusão J.

Nos pontos 119 a 123 da sua petição de recurso reporta-se a Recorrente de novo à violação do princípio da imparcialidade por parte da deliberação impugnada, desta feita em decorrência de um misto de uma suposta não-aceitação do contraditório e de uma suposta não consideração de factos alegados na reclamação que justificou a deliberação. Diz a Recorrente, a propósito, que a deliberação teria optado por “não apreciar do essencial, isto é, se no período inspectivo existiram ou não idênticas circunstâncias formais e materiais, entre os magistrados judiciais, que possibilitem a comparação do desempenho de todos eles” e daí ter retirado as necessárias consequências legais.

Também aqui não vemos qualquer relação entre a argumentação da Recorrente e o princípio da imparcialidade. Mas, ainda assim, dir-se-á que é verdade que na referida reclamação a ora Recorrente se reportou a diversas ocorrências que, na sua perspetiva, infirmavam a “presunção” de que as condições eram idênticas na Instância Local; e é também verdade que a deliberação recorrida não se ocupa expressamente dessa temática. Contudo, considerou-a implicitamente improcedente, ao afirmar que a Reclamante não punha em causa os dados vertidos no relatório inspetivo.

E, na realidade, a Reclamante não pôs em causa os dados relevantes vertidos no relatório inspetivo. Como acima ficou dito, o que a Reclamante aduziu com vista a mostrar uma falta de identidade de condições carece de essencialidade ou relevância. Repete-se que identidade de condições não pode significar uma identidade em toda a linha ou absoluta - que, pela própria natureza das coisas, nunca poderia existir - mas apenas um conjunto de circunstâncias genericamente equivalentes (equivalência perante a carga e esforço que o serviço demanda). O que a Recorrente alegou não passa senão de ocasionais ocorrências de funcionamento do serviço, assunto que não se reconduz a qualquer falta de identidade de condições.

Improcede, assim, a conclusão K.

Nos pontos 75 a 86, 90, 91, 94 e 95 da sua petição de recurso a Recorrente reporta-se a princípios e normas estatísticas, invocando, a propósito, a Lei n.º 22/2008 (Lei do Sistema Estatístico Nacional), o Regulamento (CE) n.º 223/2009 do Parlamento e do Conselho, alterado pelo Regulamento (EU) 2015/759 do Parlamento e do Conselho (relativo à qualidade das estatísticas europeias) e o Código de Conduta para as Estatísticas Europeias. Afirma que a deliberação recorrida violou o ponto 14.4 deste Código.

Mas é por demais óbvio que a Recorrente está a introduzir aqui uma temática absolutamente deslocada ou espúria. Como bem aponta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, as estatuições decorrentes de tais instrumentos não são dirigidas ao CSM e aos seus atos, mas sim às autoridades com funções governativas e às autoridades estatísticas dos Estados-Membros da União Europeia, além de que as resenhas dos dados estatísticos de que no procedimento inspetivo se valeu o CSM não são enquadráveis ao conceito de “estatísticas europeias” ou sequer ao de “estatísticas oficiais” (de que, no plano do direito interno, a Lei n.º 22/2008 trata). Aliás, particularizando, o ponto 14 do referido Código de Conduta para as Estatísticas Europeias estabelece que as estatísticas europeias devem ser consistentes internamente e ao longo do tempo, e comparáveis entre regiões e países, e que deve ser possível combinar e utilizar conjuntamente os dados relacionados provenientes de diferentes fontes; e o subponto a que se refere a Recorrente estabelece que as estatísticas provenientes de inquéritos e fontes diferentes são comparadas e conciliadas entre si. Não se logra perceber o que é que tudo isto tem a ver com os termos do processo inspetivo da Recorrente.

Improcede, deste modo, o que, em contrário do que fica dito, se supõe na conclusão E.

Conclui-se assim, conhecidas que estão todas as questões suscitadas pela Recorrente (de novo: não confundir questões com razões ou argumentos), que improcede totalmente o presente recurso, não enfermando a deliberação recorrida das invalidades que a Recorrente lhe imputa na conclusão L.

IV. DECISÃO

Pelo exposto acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso.

Regime de custas:

A Recorrente é condenada nas custas do recurso. Taxa de justiça. 6 Uc’s.

                                                           ++

Lisboa, 13 de dezembro de 2018

José Rainho (relator) *
Alexandre Reis
Tomé Gomes
Raul Borges
Isabel São Marcos
Olindo Geraldes
Pinto Hespanhol (Presidente)