Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4061
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INCUMPRIMENTO PARCIAL
FALTA DE PAGAMENTO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
Nº do Documento: SJ200602090040617
Data do Acordão: 02/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º do Código Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito
2. Está obrigado a prestar contas o procurador que age com poderes de representação, administrando bens ou interesses do representado, independentemente da existência ou da natureza de negócio de que resultou a procuração.
3. Não é o fim para que procuração é emitida nem o conteúdo dos poderes que dela constam como conferidos ao procurador, mas apenas os actos realizados, que justificam a prestação de contas.

4. Do disposto nos artigos 1014º e seguintes do Código de Processo Civil infere-se que a prestação de contas só tem interesse para o requerente (representado) quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos, não sendo de aplicar este processo quando o acto não tenha tido, nas relações entre mandatário e mandante, reflexos patrimoniais.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" intentou, no Tribunal Judicial de Ponta Delgada, contra BB e mulher CC, acção declarativa com processo especial de prestação de contas, pedindo que o réu preste contas da sua administração como procurador da falecida DD.

Os réus contestaram a obrigação de prestar contas, ademais impugnando o alegado no requerimento inicial.

A acção foi julgada improcedente por se entender que o réu não está sujeito a prestar contas.

Inconformada, apelou a autora, com êxito, porquanto o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 7 de Junho de 2005, concedeu provimento à apelação, e, em consequência, alterou a decisão recorrida, na parte em que absolveu o réu marido da obrigação de prestar contas, e, em substituição, decidiu condenar o mesmo na prestação de contas.

Interpôs, então, o réu recurso de revista, pugnando pela revogação do acórdão recorrido e sua substituição por outro que absolva o réu marido da obrigação de prestar contas.

Em contra-alegações defendeu a recorrida a bondade do julgado.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso formulou o recorrente as seguintes conclusões (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):
1. Não foi pela mera outorga das procurações por parte da falecida DD que o réu marido ficou incumbido da prática de qualquer dos actos jurídicos por elas conferido, pelo que - só por isso - não se está na presença de um contrato de mandato, tal como o define o art. 1157° do C.Civil.

2. O traço distintivo do mandato relativamente à procuração (negócio jurídico unilateral) é o de o mandato constituir um verdadeiro contrato de prestação de serviços, pelo que, nos termos do disposto no art. 1157° do C.Civil, para que exista mandato, é necessário que uma parte (o mandatário) se obrigue a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (o mandante).

3. Uma vez que não existem nos autos qualquer evidência da declaração de vontade do procurador (o réu marido) no sentido de que se obrigou a praticar algum dos actos jurídicos para que lhe foram conferidos poderes nas procurações, não se poderá considerar que foi efectivamente celebrado o contrato de mandato.

4. Para que se pudesse considerar que o réu marido, ao movimentar a conta da falecida DD, em sua vida, no Banco Comercial de modo a transferir o saldo aí existente distribuindo-o por outras contas dos sobrinhos daquela, actuou na incumbência de mandato, não basta o mero facto de se ter limitado a cumprir as instruções da falecida DD.

5. Faltando o elemento volitivo por parte do réu marido (procurador) no sentido de se obrigar a praticar o acto jurídico para que tinha poderes, jamais se poderia ter considerado - como se considerou no douto acórdão recorrido - que foi efectivamente celebrado um contrato de mandato entre a falecida DD e aquele seu procurador nos termos do disposto no art. 1157° do C.Civil.

6. Deverá, portanto, ser declarado que entre a DD (autora da procuração) e o réu marido (procurador) não foi celebrado qualquer contrato de mandato e, em consequência, deverá ser o réu absolvido da peticionada obrigação de prestar contas.

7. Mesmo a admitir-se a existência de mandato nos moldes em que o mesmo foi configurado no acórdão recorrido, não poderia ter sido proferida decisão que obrigasse o réu marido a prestar contas nos presentes autos de acção especial de prestação de contas.

8. O objectivo da acção especial de prestação de contas consiste no apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

9. Para que exista obrigação de prestar contas e para que se possa, a tanto, lançar mão do processo especial regulado pelos arts. 1014° e seguintes do C.P.C. é necessária a alegação e a prova de que uma das partes (neste caso o réu marido) administrou bens alheios. Ou seja, que foi incumbido e obrigou-se na incumbência de gerir um património conservando o seu valor e frutificando-o.

10. Não há assim obrigação de prestar contas nos casos de mera movimentação de contas bancárias e nos casos em que, mesmo no exercício de mandato, não foram praticados actos de administração de bens.

11. Tal como também não existe obrigação de prestar contas perante a herança, nos casos (como é o dos autos) em que o procurador, mesmo no exercício de mandato, procede ao levantamento de depósitos bancários ainda em vida do de cujus e por suas instruções.

12. A autora não alegou qual o bem ou bens sobre cuja administração pede a prestação de contas, nem invocou que o réu marido tivesse administrado ou gerido a quantia depositada em conta bancária da falecida DD, de modo a que daí tivessem resultado créditos e débitos recíprocos entre esta e o réu marido.

13. O que consta dos autos relativamente aos actos praticados pelo réu marido é apenas que, actuando conforme a vontade manifestada pela DD e em vida desta, se limitou a praticar um acto de disposição (doação) de um bem (dinheiro), mas nunca qualquer acto de administração desse bem.

14. Aliás, o próprio acórdão recorrido, com base nos factos dados como provados, reconhece isso mesmo e delimita a actuação do réu marido, no âmbito do mandato que se considerou ter existido, à prática do acto de transferência do saldo da conta bancária da falecida DD para uma outra conta bancária de modo a distribuí-lo pelos sobrinhos desta conforme a vontade dela.

15. No limite e mesmo que se admitisse que o réu marido, ao proceder ao levantamento do saldo da conta bancária da falecida DD para o distribuir pelos sobrinhos desta conforme sua vontade, actuou no âmbito de mandato com representação, ainda assim deverá ser julgado que não está o mesmo obrigado a prestar contas à autora nos presentes autos, pois não foi incumbido nem procedeu à administração desse bem de onde pudessem ter sido obtidas receitas ou realizadas despesas.

16. Ao decidir pela obrigatoriedade de o réu marido prestar contas à autora, o acórdão recorrido violou e fez errada interpretação do disposto nos arts. 1157° e 1161° do C.Civil e no art. 1014° do C.P.C., os quais deverão ser aplicados com o alcance e de acordo com a interpretação que lhes foram dadas nas alegações e conclusões supra.

No acórdão recorrido foram considerados provados os seguintes actos:

i) - na petição inicial a autora alegou nos seguintes termos:

- Artigo 1°: A Requerente é única e universal herdeira de DD, também conhecida por DD e por DD, falecida a 9 de Junho de 2003;

- Artigo 2°: O Requerido foi procurador da falecida DD até 09/06/2003, data em que caducou o mandato por morte da dita DD;

- Artigo 3°: Na qualidade de procurador, o Requerido tinha poderes de administração dos bens da DD;

- Artigo 4°: A extinção do mandato obriga à prestação de contas;

- Artigo 5°: Não obstante tenha sido interpelado para o efeito, até hoje o requerido não ofereceu nem prestou quaisquer contas;

- Artigo 6°: Pretende assim a requerente, pela presente acção, que o requerido preste contas da sua administração;

ii) - na contestação os réus alegaram pelo seguinte modo:

- Artigo 10°: Quanto à outorga de procuração pela dita DD ao ora réu marido, o que se passou foi que, em finais de 2001, por altura do Natal e em contactos telefónicos com o réu marido e com um outro familiar EE (cunhado deste réu) aquela comunicou a vontade de distribuir pelos sobrinhos determinadas quantias em dinheiro, pois era solteira, não tinha descendentes nem ascendentes vivos;

- Artigo 12°: A DD disse que ia mandar dois cheques quando se vencessem as respectivas contas que tinha a prazo nos E.U.A., e que queria distribuir pelos ditos sobrinhos o dinheiro que tinha numa conta do Banco Comercial dos Açores (BCA);

- Artigos 13° e 14°: EE veio a saber que era preciso para movimentar a referida conta a DD passar uma procuração em nome de um dos sobrinhos;

- Artigo 15°: Em cumprimento do que havia dito, a DD enviou um cheque, em nome do réu marido, para que distribuísse os respectivos montantes pelos sobrinhos;

- Artigo 16°: DD outorgou em Notário Público nos E.U.A., a 13/05/2002, a procuração que se junta como documento nº 1, constituindo o réu marido como seu procurador;

- Artigo 18°: Apresentada a dita procuração ao BCA, o banco invocou a falta de poderes especiais para movimentar contas bancárias e que, por isso, era necessário uma outra procuração;

- Artigo 19° e 20°: O réu marido solicitou a sua tia DD a outorga de nova procuração, conferindo os poderes já constantes na anterior, bem como acrescentando agora também os "poderes especiais para depositar, levantar ou transaccionar toda e qualquer quantia da sua conta no BCA de Ponta Delgada, assinando toda a documentação necessária aos indicados fins";

- Artigo 21°: Em poder dessa segunda procuração e em cumprimento da vontade da DD, o réu marido procedeu então à transferência do saldo da conta daquela no BCA para uma outra conta bancária dele onde já tinha depositado os dois cheques dela recebidos;

- Artigo 22°: Tendo depois então procedido à abertura de uma outra conta em nome dos três sobrinhos da DD, para onde transferiu a totalidade dos montantes em Dollars dos cheques recebidos e da transferência da sua conta no BCA.

A questão que se nos coloca no âmbito do recurso - que vem, aliás, suscitada desde a 1ª instância - é a de saber se o recorrente (a ré mulher foi absolvida da instância por ilegitimidade, através de decisão transitada em julgado) se encontra obrigado a prestar contas.

Estabelece o art. 1014º do C.Proc.Civil que "a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha direito de exigi-las (ou por quem tenha o dever de prestá-las) e tem por objecto o apuramento e aprovação de receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se".

Preceituando, por sua vez, o art. 1016º, nº 1, do mesmo diploma, que "as contas que o réu deva prestar são apresentadas em forma de conta corrente e nelas se especificará a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respectivo saldo".

A obrigação de prestação de contas é estruturalmente uma obrigação de informação, que existe sempre que o titular de um direito tenha dúvida fundada acerca da sua existência ou do seu conteúdo e outrem esteja em condições de prestar as informações necessárias (art. 573º do C.Civil) e cujo fim é o de estabelecer o montante das receitas cobradas e das despesas efectuadas, de modo a obter-se a definição de um saldo e a determinar a situação de crédito ou de débito. (1)

No que, concretamente diz respeito ao obrigado à prestação de contas, pode, conforme sustentava Alberto dos Reis (2) formular-se o princípio geral de que "quem administra bens ou interesses alheios está obrigado a prestar contas da sua administração ao titular desses bens ou interesses".

O mesmo é dizer que "a obrigação de prestar contas tem lugar todas as vezes que alguém trata de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios" (3)

Sendo certo que, segundo aquele mesmo princípio, "é perante a gestão que a atribuição de poderes postula que se julga a obrigação do procurador de prestar contas ao representado".(4)


O que nos leva a ter que analisar a posição do réu, não perante todo o conteúdo da procuração que lhe foi conferida pela DD (são vários e diferentes os poderes de representação atribuídos) mas tão só no que respeita aos actos de gestão praticados que - face à contestação e à resposta da autora - se traduzem na "transferência do saldo da conta daquela no BCA para uma outra conta bancária dele onde já tinha depositado os dois cheques dela recebidos".

De facto, não é o fim para que procuração é emitida nem o conteúdo dos poderes que dela constam como conferidos ao procurador, mas apenas os actos realizados, que justificam a prestação de contas (os únicos actos realizados através da procuração, com base na qual a autora fundamenta a sua pretensão, reportam-se apenas à movimentação da conta que aquela DD tinha no BCA, que o réu terá feito, saldando a conta e distribuindo o respectivo saldo pelos respectivos sobrinhos).

É que, não obstante a existência de uma procuração, se em nenhum acto ou negócio ela for utilizada, não existe gestão de bens alheios e, consequentemente, não existe obrigação de prestar contas.

Ora, a obrigação de prestação de contas existe, umas vezes, porque a própria lei o impõe (v. g. no Código Civil, os arts. 1161º, al. d) - quanto ao mandatário - e 2093º - relativamente ao cabeça de casal) enquanto noutras o dever de apresentar contas resulta de negócio jurídico ou do princípio geral da boa fé. Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte.

Parece ser, assim, indiferente, para o efeito da obrigação de prestação de contas a existência de mandato ou de simples procuração, que são figuras distintas e têm apenas de comum o poder de autónoma modelação na esfera jurídica de outrem. Na verdade, o poder de representação emana da procuração, como acto, englobando ou não poderes expressamente conferidos. (5)

De pouco serve, portanto, a determinação da relação jurídica constituída através da procuração emitida a favor do réu marido pela DD (fls. 44), qualquer que seja o negócio subjacente - se é que algum negócio existiu. De facto, como resulta do art. 258º do C.Civil, a representação traduz-se na prática de um negócio jurídico em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos. A representação voluntária é a que se funda no acto voluntário atributivo de poderes representativos, a procuração.

Não podemos, por isso, salvo o respeito devido, aceitar as razões da Relação para impor ou negar a obrigação de prestar contas, conforme na base da ingerência na esfera jurídica do titular esteja uma procuração (negócio unilateral) ou um mandato (contrato) ademais porque "se ao representante foram, pela procuração, atribuídos poderes representativos, não deixa o procurador de ser mandatário e, como tal, de ser titular dos direitos e obrigações do mandatário/representante (1161º e 1178º CC)". (6)

E parece não haver dúvidas de que a procuração outorgada pela falecida DD a favor do réu consubstancia um mandato com representação, na medida em que atribuía a este poderes para movimentar as suas contas bancárias (acto que, indubitavelmente, produz efeitos jurídicos)

Na verdade, embora se nos afigure que, em qualquer caso de representação - simples procuração ou mandato representativo - cumpre ao representante prestar contas, certo é que "a obrigação de prestação de contas (al. d)) só tem interesse para o mandante quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos. Não parece de aceitar a doutrina ensinada em Itália, sob a influência de autores alemães e franceses, de que a prestação de contas, neste caso, existe, mesmo que o acto não tenha tido, nas relações entre mandante e mandatário, reflexos patrimoniais. Prestar contas é, para estes autores, fornecer ao mandante o pleno conhecimento de quanto aconteceu na actuação da relação de mandato. No prestar contas, escreve Mirabelli (...) o mandatário é obrigado, pois, a comunicar ao mandante todos os elementos que lhe interessam, entre os quais, como exemplo, está o nome do terceiro com o qual se celebrou o negócio, se o mandante tiver nisso interesse, e a demonstração da regularidade das operações realizada (cfr. a mesma doutrina em Minervini, ob. cit. nº 38).

Parece-nos que o cumprimento destas obrigações está previsto nas duas alíneas anteriores, e que não há, hoje, entre nós, nenhuma razão para não dar à expressão prestar contas o significado que ela tem em todas as outras disposições legais, atribuindo-lhe, porventura, o sentido corrente que, para muitos autores, tem no Código francês, quando preceitua que tout mandataire est tenu de rendre compte de sa gestion (art. 1993º), ou que possivelmente teria no artigo 1339º do Código de 1867 (o mandatário é obrigado a dar contas exactas da sua gerência) ... Também nos parece inaceitável a doutrina, igualmente defendida em Itália, como consequência da primeira, de que a obrigação de prestar contas não importa a aplicação das normas relativas ao processo de prestação de contas previsto na lei processual. Não pode duvidar-se, entre nós, da aplicação a este caso, não havendo acordo entre os interessados quanto ao saldo da conta, do disposto nos artigos 1014º e seguintes do Código de Processo Civil. Estes preceitos distinguem, como é sabido, entre a prestação forçada de contas, requerida por quem tem direito de a exigir, e a prestação espontânea, efectuada por iniciativa do obrigado". (7)

Daí que, em boa verdade, se possa concluir que a prestação de contas só tem interesse para o requerente (mandante) quando haja, em relação às partes, créditos e débitos recíprocos, não sendo de aplicar este processo quando o acto não tenha tido, nas relações entre mandatário e mandante, reflexos patrimoniais.

Essa administração terá necessariamente de ser susceptível de gerar receitas, podendo também impor a realização de despesas; e do apuramento dessas duas realidades, resultará ou não um saldo que o administrador terá de pagar.

Com efeito, "a prestação de contas visa a definição de um quantitativo como saldo e tal finalidade pode sempre alcançar-se por uma conta de receitas e despesas, sempre que esta forneça os elementos que permitam conhecer da origem das primeiras e do destino das segundas". (8)

Por isso, em nosso entender, não havendo qualquer reciprocidade de créditos e débitos que justifiquem o presente processo especial, restará à autora (como aliás é apontado já na sentença da 1ª instância) intentar uma acção de condenação, visando o reconhecimento de que o dinheiro levantado fazia parte da herança aberta por morte da DD e, consequentemente, a sua reposição ao acervo hereditário. (9)
Com efeito, no caso concreto, não ficou provado, nem podia ficar porque a autora o não alegou, que houve uma administração dos valores levantados, da qual tenham resultado créditos e débitos recíprocos entre a falecida DD e o réu marido, limitando-se a matéria provada a evidenciar levantamentos efectuados pelo réu, razão pela qual não tem qualquer fundamento o pedido de prestação de contas deduzido.
Ademais, há que convir em que, no caso sub judice, os actos praticados pelo réu marido em nome da DD hão-de ter-se como praticados por esta, donde resulta, evidentemente, que o representante não tem contas a prestar. Tudo se passa como tendo sido a própria DD, titular das contas bancárias, quem efectuou as movimentações monetárias em causa.

Não houve, portanto, qualquer administração de bens geradora de recíprocos créditos e débitos a apurar na acção a que se refere o art. 1014º do C.Proc.Civil, não estando, em consequência, o réu obrigado a prestar contas.

Termos em que se decide:

a) - julgar procedente o recurso de revista interposto pelo réu BB;

b) - revogar o acórdão recorrido, e, em consequência, por não estar obrigado a prestar contas, absolver o réu do pedido formulado na acção.

b) - condenar a recorrida nas custas da revista.

Lisboa, 9 de Fevereiro de 2006

Araújo Barros

Oliveira Barros

Salvador da Costa
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(1) Ac. STJ de 03/02/2205, no Proc.4671/05 da 7ª secção (relator Salvador da Costa). Cfr. também Acs. STJ de 16/10/84, in BMJ nº 340, pag. 400 (relator Joaquim Figueiredo; e de 23/04/2002, no Proc. 916/02 da 1ª secção (relator Lopes Pinto).

(2) "Processos Especiais", vol. I, Reimpressão, Coimbra, 1982, pag. 303.

(3) Acs. STJ de 28/01/75, in BMJ nº 243, pag. 265 (relator José Fernandes) citando o Prof. Vaz Serra (BMJ nº 39, pag. 27 e nº 79, pag. 150); de 15/06/93, no Proc. 83751 da 1ª secção (relator Pereira Cardigos).

(4) Ac. STJ de 04/07/95, no Proc. 87454 da 1ª secção (relator Afonso de Melo).
(5) Ac. STJ de 05/03/96, in CJSTJ Ano IV, 1, pag. 111 (relator Torres Paulo).

(6) Ac. STJ de 01/07/2003, no Proc. 1913/03 da 6ª secção (relator Afonso Coreia).

(7) Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil, Anotado", vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1986, pag. 716.

(8) Ac. STJ de 17/05/78, in BMJ nº 277, pag. 212 (relator Santos Victor).

(9) Cfr. Ac. STJ de 12/01/99, no Proc. 1229/98 da 1ª secção (relator Lemos Triunfante).