Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1647/16.9T8PVZ.P1.S2
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
LEI APLICÁVEL
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Considera-se que: (i) ainda que o AUJ n.º 8/2022 tenha incidido sobre o regime do CVM na redacção anterior à às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31.10; (ii) e que o caso dos autos respeite a uma situação em que a subscrição do produto financeiro teve lugar no final do primeiro semestre de 2008, na vigência do regime do CVM na redacção posterior à entrada em vigor das ditas alterações; (iii) atendendo a que, na matéria que releva para os presentes autos, a referida alteração legislativa consistiu (apenas) no desenvolvimento extensivo dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro; (iv) existe uma continuidade essencial do regime normativo em causa, pelo que, na resolução do caso, são de ponderar tanto os termos da decisão uniformizadora constante do AUJ n.º 8/2022 como os termos da respectiva fundamentação.

II. À luz dos pontos 3. e 4. do AUJ n.º 8/2022, não merece censura a decisão do acórdão recorrido de considerar não preenchido o pressuposto do nexo de causalidade, pelo que, sendo os pressupostos da responsabilidade civil cumulativos, se mostra irrelevante o juízo sobre o pressuposto de ilicitude (por violação dos deveres de informação).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – Relatório

1. AA intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco BIC Português, S.A., pedindo que o R. seja condenado a pagar-lhe o capital e os juros vencidos e garantidos, no valor de €57.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Ou, se assim não se entender, que seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os €50 000,00, que a A. entregou ao R., em obrigações subordinadas “SLN 2006”; que seja declarada ineficaz em relação a si a aplicação que o R. tenha feito desses montantes e que se condene o R. a restituir-lhe €57.000,00 dos montantes que entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento.

E sempre sendo o R. condenado a pagar-lhe a quantia de €3.000,00, a título de danos não patrimoniais, e ainda nas custas e demais encargos legais.


2. Foi proferida sentença julgando a acção improcedente e absolvendo o R. dos pedidos.


3. Inconformada, a A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito, vindo a ser proferido acórdão pelo qual se decidiu:

«Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da Recorrente/Autora quanto à impugnação da matéria de facto, mas improcedente quanto à matéria de direito e parte decisória, confirmando-se a decisão recorrida.».


4. Veio a A. interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça por via normal, e, subsidiariamente, por via excepcional. Em sede de contra-alegações, pugnou o Recorrido pela inadmissibilidade da revista tanto por via normal como por via excepcional.

Por despacho da relatora de 08.04.2019 foi o recurso admitido por via normal com fundamento em que a dupla conforme, enquanto obstáculo à admissibilidade da revista (cfr. art. 671.º, n.º 3, do CPC), se encontra descaracterizada pela existência de fundamentação essencialmente diferente.

No mesmo despacho foi ainda exarado o seguinte:

«[C]onsiderando que:

(i) As questões objecto do presente recurso respeitam ao alegado preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil do R. enquanto intermediário financeiro, em particular ao pressuposto da ilicitude e ao pressuposto do nexo de causalidade;

(ii) Por decisão de 29 de Março de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da densificação do pressuposto da ilicitude por violação dos deveres de informação por parte de banco que actuou como intermediário financeiro e sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores;

(iii) Por decisão de 2 de Abril de 2019, proferida neste Supremo Tribunal no Processo nº 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência igualmente sobre a questão da aferição do nexo de causalidade entre a conduta do intermediário financeiro e o dano sofrido pelos autores;

Entende-se que a apreciação do objecto do presente acórdão está dependente da decisão ou decisões que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir nos supra indicados recursos extraordinários para uniformização de jurisprudência pelo que, nos termos do art. 272º, nº 1, do CPC, se suspende a instância até que tais recursos sejam julgados.». [negrito nosso]


5. Entretanto, no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, foi proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, transitado em julgado em 19.09.2022, e publicado no Diário da República, Iª Série, de 03.11.2022, pelo qual se uniformizou jurisprudência nos seguintes termos:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.». [negritos nossos]


6. Em 21.10.2022 foi proferido despacho da relatora no qual, para o que ora importa, se exarou o seguinte:

«2. A decisão uniformizadora supra transcrita reporta-se, como expresso no respectivo n.º 1, ao Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro.

Ora, nos presentes autos, a subscrição do produto financeiro pela autora teve lugar no ano 2008, em data posterior, portanto, à data da entrada em vigor (1 de Novembro de 2007) da reforma do Código dos Valores Mobiliários realizada pelo referido Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, conforme previsto no art. 21.º deste diploma legal. Razão pela qual o AUJ proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A não permite, por si só, resolver as questões objecto do recurso de revista dos presentes autos.

Verificando-se que, nos autos do Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, os produtos financeiros em causa foram, em parte, subscritos no ano 2008, após ter entrado em vigor a referida reforma do Código de Valores Mobiliários, a apreciação do objecto do presente recurso de revista está dependente da decisão que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir no recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência admitido em tal Processo.

3. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 272º, nº 1, do Código de Processo Civil, mantém-se a suspensão da instância até que o recurso para uniformização de jurisprudência admitido nos autos do Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A seja julgado.».


7. No Processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1-A foi recentemente proferido Acórdão do Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal, que transitou em julgado em 01.06.2023, e pelo qual se decidiu:

«Termos em que, confirmando o teor da decisão singular do Juiz Conselheiro relator proferida em 2 de janeiro de 2023, decidem em conferência, ao abrigo do disposto no artigo 277.º alínea e) do Código de Processo Civil, por impossibilidade e/ou inutilidade superveniente da lide recursória, julgar extinta a instância e ordenar o oportuno arquivamento dos autos».


8. Declarada cessada a suspensão da instância, cumpre apreciar e decidir o recurso de revista, tendo em que as conclusões recursórias formuladas pela A. Recorrente:

«a) Do recurso de revista - Violação da lei substantiva com base em erro de interpretação do direito (art. 674°, n°1 a) do CPC):

1- Face à alteração da matéria de facto, atendendo a que o item 36) dos factos dados como provados passou a figurar nos factos dados como não provados, impunha-se pois decisão diversa da proferida, mormente quanto à responsabilidade do Banco Réu, por violação dos deveres de informação.

2- Em boa verdade, no investimento em causa não estava assegurado o retorno do capital investido, mas apenas o valor nominal dos títulos, sendo essa a razão pela qual foi oferecida à Autora uma atrativa taxa de rentabilidade.

3 - Ora, esta é a grande diferença entre a natureza do produto financeiro intermediado e a informação que foi prestada à cliente, no âmbito da qual lhe foi garantido o recebimento do capital aplicado e respetivos juros.

4 - O que nos leva a reafirmar a desconformidade da informação com a realidade do produto, no tocante ao seu reembolso.

5 - A mascarada caracterização que o então gerente do Banco Réu dava às Obrigações SLN 2006, aliada à confiança de que gozava por parte da Autora, criou nesta a convicção justificada de que se tratava de uma aplicação segura quanto ao reembolso da totalidade do dinheiro investido, desconhecendo outros aspetos relevantes.

6 - Sendo certo que, o Tribunal recorrido, pelo menos quanto a esta parte, e bem, deu como não provado que tenha sido entregue qualquer nota informativa à Autora.

7 - Ao não ter sido entregue à Autora qualquer nota informativa com as reais características do produto que estava a subscrever, aquela não ficou cabalmente informada e esclarecida sobre o investimento em causa.

8 - Em concatenação com o supra aludido, está a matéria de facto dada como provada sob os números 2), 3), 5), 6), 9), 10), 12), 13), e 14).

9 - É incontornável que no âmbito da colocação daquele produto no mercado, o intermediário faltou aos seus deveres de boa-fé, diligência, transparência, lealdade, fidelidade e informação, levando a que a cliente subscrevesse, desfavoravelmente, um valor mobiliário que não desejava e que importa a assunção de maiores riscos,

10 - O Banco réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos.

11 - Tal convicção incutida nos próprios funcionários pela hierarquia do banco, é demonstrativo de que os mesmos transmitiam informações falsas (incorretas) sobre os respetivos produtos, nomeadamente quanto à garantia de liquidez permanente.

12 - É evidente a ação de persuasão junto dos clientes do BPN de que se tratava de um produto de confiança quando não o era - como se viu, com o intuito de obter a anuência da cliente.

13 - Além disso, o facto de os funcionários do banco réu, nem sequer fazerem distinção entre SLN e BPN, é demonstrativo de que as reais características das obrigações não eram transmitidas aos clientes.

14 - O mesmo se dirá, relativamente à garantia que era transmitida aos clientes, pois se os funcionários não faziam qualquer distinção entre SLN e BPN, já que pensavam que a SLN era do Banco BPN, fácil será de concluir, que a garantia que os funcionários falavam, era a garantia dada pelo Banco BPN.

15 - Pelo que, dúvidas não restam de que o banco réu prestou informações falsas à Autora.

16 - Por outro lado, a ideia de que não se falava em risco, porque nem sequer havia risco, não corresponde à realidade.

17 - Em boa verdade, à data em que foi apresentado este produto à Autora, já se falava em risco, tanto mais que, esta não seria a primeira insolvência Bancária, já que em 1986 já havia ocorrido a falência da Caixa Económica Faialense, tal como explicou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n° 2928/16.7T8GMR.C1, datado de 24.04.2017.

18 - Portanto, o risco de insolvência não era tão inerte quanto o Tribunal recorrido quer fazer transparecer, de tal forma que a Autora deveria ter sido alertada para esse mesmo risco, o que efetivamente não aconteceu.         

19 - Assim sendo, e feitas estas considerações, no que diz respeito à matéria de direito aplicável, podemos concluir que o tribunal "ad quem" violou a lei substantiva, por erro de julgamento na aplicação do direito.

20 - O BPN, na sua relação com o autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN.

21 - Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF - em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74° do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.°, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

22 - Como intermediário financeiro a sua responsabilidade está prevista no artigo 314.° do C.V. M. (na redação que foi oferecida pelo D.L. n.° 486/99, de 13-11) que determina que "os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua catividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.";

23 - O Banco Réu, ao ter avançado para aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação toma-se responsável pelos prejuízos causados à Autora;

24 - A responsabilidade a que se reporta o artigo 314° do CVM, é qualificada como sendo responsabilidade contratual - artigo 799° do CC;

25 - Outrossim, com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.º do CC, conjugado com o preceituado no artigo 314.° do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Banco Réu a obrigação de indemnizar a Autora do dano por ela sofrido.

26 - No caso em apreço, verificam-se os pressupostos da responsabilidade decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente: a ilicitude, por violação do dever de informação e do compromisso de garantia do capital e de juros; a culpa, a qual como vimos, se presume nos termos do art.799º, n°1 do CC, e a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art.799°, n°1 do CC.

27 - O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos causados aos autores (art.563° do CC) decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação;

28 - Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os € 50.000,00, acrescido dos respetivos juros.

29 - Houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts. 7°, 8°, 304° e 312° do CVM, o que basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido.

30 - A Autora só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que estaria a aplicar o dinheiro num produto sem risco, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada;

31 - Aliás, os funcionários do banco nem sequer distinguiam SLN do BPN, porque pensavam que aquela era o banco.

32 - E o Banco Réu sabia que prestava informação errada à Autora - dizendo-lhe que garantia o capital e os juros - e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida;

33 - Resulta que os funcionários do BPN apresentaram o produto seguro, como produto próprio do banco e este como garante do seu reembolso.

34 - A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco, constitui violação do dever de informação.

35 - Acresce que por força do art. 314o n° 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

36 - Nos termos do art. 563o do C.C., "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão".

37 - Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

38 - Que não é um produto de risco.

39 - Ao dizer-se que o produto era produto seguro, do próprio do banco, a Autora não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do BPN.

40 - À A. foi apresentado e criado um quadro que condicionou a declaração de vontade tal como acabou por se exteriorizar, quadro esse que essencialmente assentou na circunstância de o capital investido se encontrar garantido, tal como sucede com um depósito a prazo, e em que plenamente confiou dada a relação que mantinha com o gerente da instituição bancária.

41 - Tivesse a Autora tido conhecimento do que verdadeiramente estava em causa e não teria investido em obrigações subordinadas.

42 - Por outro lado, e neste contexto a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido e de risco exclusivamente banco, envolve que tal garantia seja, não a da entidade dele emitente, mas sim ou também do intermediário financeiro;

43 - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se no relacionamento contratual com o (cliente) assumir também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço.

44 - A garantia de retorno de capital prestada pelo banco à autora: "à própria luz do art. 236 n° 1 do CC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu (...) traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados ativos financeiros".

45 - Estamos perante um compromisso contratual (relação de mandato) em que o banco réu assume perante o autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil, e conforme o que supra vem referido.

46 - Sem a informação (errada do Banco de capital garantido e risco exclusivamente banco) a A., não daria o seu assentimento, pelo que é evidente que há um acordo das partes nesse sentido.

47 - Assim, a A. sempre teria direito à restituição das quantias aplicadas mercê desta garantia prestada pelo banco réu e conforme os termos do disposto nos arto 762o, 798°e seg do CC.

48 - Donde que também daqui emerge a responsabilidade do banco réu na medida em que ficou vinculado à garantia prestada sendo que em tal caso a obrigação de indemnizar não se distingue daquela que foi encontrada ao abrigo das disposições do CMVM.

49 - Existe um erro na formação da vontade que acarreta a conversão do negócio para um depósito a prazo (artigo 292o do CC).

50 - Ainda, no caso dos autos, em especial da matéria de facto alegada na petição inicial sob os artigos 37o e 40o decorre, claramente, a existência de um dano não patrimonial que é grave e que, por isso, merece a tutela do direito, nos termos do preceituado no artigo 496°, n°1 do CC, devendo o Réu ser condenado no valor peticionado a título de danos morais.

51 - Em face do exposto, entendem os recorrentes que a sentença recorrida interpretou e aplicou incorretamente, entre outros, os artigos 590o, 607o, 615o n°1 al. b), c) e d) todos do CPC; artigos 227°, 236o, 483°, 496°, 562°, 762o, 798°, 799o, 800o, 805o do Código Civil; 7o, 290o, 204o, 312o, 314° do CVM, entre outros.».

Ainda e subsidiariamente,

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

57 - Se o banco garantiu através dos seus funcionários, que o capital era garantido, o banco é responsável perante o cliente, seja pela responsabilidade pré-contratual, seja pela contratual civil ou extracontratual, como supra se expôs;

58 - Há claramente violação do dever de informação (arts. 483°, 227° e 779° do CC), decorrente da utilização de informação enganosa ou ocultação de informação relevante para a adesão dos clientes, ao produto de risco obrigações SLN;

59 - As informações prestadas pelo Banco Réu são inexatas, incompletas e falsas, sendo que foram causais de celebração de um contrato, pelo que terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causou, quer pela via contratual quer pela via extracontratual;

60 - Sendo que a culpa do Banco Réu presume-se-799°, n°1 do CC e 314°, n°2 do CVM;

61 - O nexo causal encontra-se abrangido pela supra referida presunção e além, os prejuízos da Autora decorrem claramente da informação enganosa do R.;

62 - A informação enganosa foi exclusivamente determinante para a celebração do contrato;

63 - E que provocou, com tal atuação, um estado de preocupação e ansiedade permanente a A. que receia em não reaver o seu capital;

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

65 - O acórdão recorrido violou entre outras normas, todas as supra mencionadas nas alegações e conclusões referentes à responsabilidade pré-contratual, contratual e extracontratual e bem assim, as normas atinentes aos danos morais.

[excluem-se as conclusões relativas à admissibilidade da revista por via excepcional]

70 - Os factos apurados configuram o exercício por banda do banco réu da atividade de intermediação financeira.

71 - Sendo diversas as variantes desta atividade, a mesma envolve, além de outras, a "consultoria para investimento em valores mobiliários"- (art. 291°, al. c), do CVM).

72 - O produto obrigações SLN foi proposto pelos funcionários do Banco equivalente a um depósito a prazo e não tinha risco;

73 - Os princípios norteadores da atividade dos intermediários financeiros estão consagrados no art. 304 do CVM, onde, à data dos factos, se estabelecia, além do mais, que: 1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.

74 - Também o art. 312 n°1 do CVM, no que concerne à observação peio intermediário financeiro dos deveres de informação, é bem explícito quando estatui: "O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) O custo do serviço a prestar.

75 - O que está subjacente a estes deveres informativos é a proteção dos investidores e do mercado - cfr. Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, pág. 85.

76 - E decorre do art. 70 do CVM que "a qualidade da informação" deve ser "completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita".

77 - Assim, os intermediários financeiros estão sujeitos a elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, devendo orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

78 - No mercado dos valores mobiliários a informação surge como fator essencial.

79 - Ora, no caso em apreciação a A. era uma investidora não qualificada, o que requeria maior informação, pois que sendo que a "extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente" (art. 312°, n° 1, al. a), e n° 2).

80 - O investidor não qualificado não tem em regra capacidade para recolher as informações de que necessita para avaliar de uma forma esclarecida a relação risco/rendimento.

81 - Ao invés de informar a autora do risco inerente à aquisição de obrigações SLN, de que eram obrigações subordinadas; de dar conhecimento a estes da situação financeira da SLN, de que se fosse à insolvência não pagava, informou que se tratava de uma aplicação equivalente a um depósito a prazo e não tinha risco e que o risco era exclusivamente banco;

82 - Deram os funcionários do Banco Réu informação incompleta e manipulada, ainda que em consonância com as instruções internas da instituição em nome da qual agiu, pois que as instruções superiores do BANCO aos respetivos funcionários, eram no sentido de que não havia risco porque era "uma empresa do banco" e era equivalente a um depósito a prazo". Cfr. teor do e-mail junto com a p.i.;

83 - Atentas as relações de confiança mútuas estabelecidas entre a autora e o banco réu, aquela confiou nas informações prestadas por este, de que se tratava de aquisição de um produto com garantia do montante investido, sem risco.

84 - O reembolso do capital investido cabe à entidade emitente, sem prejuízo de outras condições ou garantias estabelecidas nas respetivas condições de emissão.

85 - A solvabilidade da sociedade emitente é fator importante na decisão de subscrição".

86 - Sendo embora insofismável e do conhecimento geral que no mercado de capitais não existem investimentos de risco nulo (até os depósitos bancários, que são considerados dos investimentos mais seguros, estão sujeitos ao risco de insolvência das entidades bancárias), o certo é que no caso havia risco e esse não era o da insolvência do banco, em quem os autores confiavam, mas sim da emitente do papel comercial.

87 - Temos assim por evidente que no caso em apreciação ocorreu uma violação dos deveres de informação a que o BANCO Réu estava vinculado na atividade que desenvolveu junto da autora.

88 - Assim, a A. avançou para uma aplicação financeira num montante considerável em dinheiro (€50.000,00), sem terem sido alertados das características e riscos que o produto em causa encerrava, incorrendo, assim, o banco réu em responsabilidade.

89 - Com efeito, sendo o banco réu responsável perante os credores pelos atos dos seus funcionários (art. 800°, n.° 1, do CC), conclui-se que aquele violou, de forma ostensiva, os deveres de informação, bem como os princípios da boa-fé, diligência, lealdade e transparência a que estava adstrito, quer por força do relacionamento contratual existente, e que se desenvolveu ao longo dos anos, gerador de uma relação de confiança, quer na qualidade de intermediário financeiro.

90 - Atuou, por isso, de forma ilícita.

91 - Por outro lado, estatuí o art. 314, n° 2 do CVM (aplicável à data) que: 2 -A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

92 - Ora, o Banco Réu não ilidiu esta presunção de culpa, sendo que a falha de informação inicial, atrás descrita, projetou-se negativamente na esfera patrimonial da autora, a qual após o vencimento da aplicação não foi reembolsada pela emitente.     

93 - Por outro lado, o comportamento do banco réu foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que foi com base na informação de capital garantido e sem risco que a A. deu o seu acordo na aquisição do mencionado produto;

94 - Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que a autora reclama (cfr. art. 563° do C. Civil).

95 - O dano corresponde ao valor do montante investido, e não reembolsado na data do seu vencimento, tal como se considerou na sentença recorrida.

96 - Assim, salvo melhor entendimento, o tribunal recorrido, Tribunal da Relação de Lisboa, podia e devia ter apreciado o recurso admitindo a assunção da responsabilidade do Banco Réu, quer pela omissão e falsas informações bancárias prestadas ao cliente, quer pela responsabilidade do intermediário financeiro.

97 - Deste modo, e nos termos das disposições conjugadas dos artigos 674°, n° 3 e 682°, n° 2 ambos do CPC, a decisão proferida pelo Tribunal " a quo" deverá ser revogada e substituída por outra que responsabilize o Banco Réu pelos prejuízos causados aos AA., julgando, em consequência, a ação procedente por provada.

98 - A decisão recorrida fez desadequada aplicação do direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene o Banco Réu no pedido;

99 - O douto Acórdão recorrido, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto dos artigos 590°, 615°, n°1, al. d) e 672° todos do CPC; artigos 227°, 236°, 483°, 496°, 562°, 762°, 798°, 799°, 800°, 805° do Código Civil; 7°, 290°, 204°, 312°, 314° do CVM, entre outros.».


9. O Recorrido contra-alegou, concluindo nos termos seguintes:

«- A causalidade entre a eventual violação do dever de informação não se pode presumir legalmente, e presumindo-se judicialmente sempre se deverá reflectir na afirmação de um facto como provado e não apenas na justificação de um raciocínio jurídico.

- A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.».


II – Fundamentação de facto

Foram dados como provados os seguintes factos (mantêm-se a numeração e a redacção da Relação):

1) A autora era cliente do réu (BPN), na sua agência da ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

2) Em 19 de Maio de 2008 o gerente do Banco réu da agência da ... disse à autora, que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

3) A autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

4) O dinheiro da autora – 50.000,00€, foi colocado em obrigações SLN 2006.

5) A autora, actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura.

6) Nunca foi intenção da autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e a autora sempre esteve convencida que lhe seria restituído o capital e os juros.

7) Os juros foram sendo pagos semestralmente.

8) Após a nacionalização do Banco réu, que ocorreu em 2008, tudo mudou.

9) O gerente ou funcionários do réu, não leram ou explicaram à autora o que eram obrigações.

10) Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela autora.

11) A autora já pretendeu levantar o seu dinheiro na data de vencimento contratada, no entanto o réu não lhe disponibilizou tal quantia.

12) Como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo réu aos seus funcionários, um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes, como o fez com a autora, era o de que se tratava de um investimento seguro.

13) As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade.

14) O réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

15) No mês seguinte à subscrição a autora recebeu por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.

16) Uma Obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

17) Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património.

18) [eliminado pela Relação]

19) [eliminado pela Relação]

20) Na altura da subscrição, nada havia que desabonasse sobre o investimento efectuado.

21) Na data da contratação, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do banco BPN não cumprir, tendo em conta a estrutura accionista existente à data.

22) [eliminado pela Relação]

23) Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

24) Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

25) Ao longo dos anos foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN.

26) Tendo sido todas pagas sem qualquer tipo de problema até à altura da nacionalização.

27) Todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido.

28) Não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado à autora, era que em novembro de 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.

29) No mês seguinte ao da operação a autora recebeu por correio, em casa, um aviso de débito correspondente à subscrição efectuada.

30) Como também foi recebendo, desde então, um extracto periódico onde lhe apareciam essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.

31) Da mesma forma, foram-lhe sendo creditados em conta os juros relativos aos cupões das obrigações, o que originava igualmente o competente registo no seu extracto e até a emissão de avisos de lançamento que lhe eram enviados para casa.

32) Tudo isto nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação.

33) A autora é funcionária bancária do Banco ..., S.A.

34) A autora já havia investido em obrigações antes da subscrição da obrigação SLN 2006.

35) A autora adquiriu a obrigação SLN 2006, por endosso de um primitivo subscritor.

36) [facto dado como não provado pela Relação]

37)  A autora em 10 de novembro de 2008 recebeu um cupão no valor de € 1.246,20, inerente à remuneração do título dos últimos 6 meses.

38) A autora assinou o Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, onde sob a epígrafe “Prazo e Reembolso” consta: “O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios SGPS, S.A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”.


Factos dados como não provados:

1. Que tenha sido garantido pelo gerente do banco réu à autora que a aplicação era em tudo igual a um depósito a prazo e que o capital fosse garantido pelo BPN;

2. Que o dito funcionário do Banco réu sabia que a autora não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente;

3. Que a autora sempre aplicou o seu dinheiro em depósitos a prazo;

4. Que a autora não soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa …

5. …o que motivou a autorização, por parte da autora, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;

6. Que a autora estava convencida que a aplicação tinha as características de um depósito a prazo, e por isso, um produto com risco exclusivamente Banco;

7. Que se a autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria;

8. Que o réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo;

9. Que daí a convicção plena com que a autora ficou da segurança da aplicação em causa, o que transmitiu segurança à autora e nunca a alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhe tinha sido dito pelo referido gerente da agência da ...;

10. Que alteraram a posição antes transmitida e assumida, passaram a atribuir a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que a autora nem sabia existir e passaram a pagar os juros contratados a uma taxa muito inferior ao contratado e da ordem de 1% …

11. ..pelo que a autora, ficou alarmada e reclamou junto do réu a restituição daquele seu dinheiro, tendo só então sido informada que o produto obrigações SLN seriam da responsabilidade desta entidade e que por isso, não competia ao Banco réu proceder ao pagamento dos montantes que tinha ainda aplicado;

12. Que a autora não sabia o que era a SLN. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco réu utilizava;

13. Que a autora desconhecia e nem podia conhecer, que tinha adquirido uma aplicação diferente de um depósito a prazo, pois caso soubesse que se tratava de produtos de risco, não os teria adquirido;

14. Que nem sequer foi informada sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006;

15. Que o réu acabou por informar a autora, ao fim de várias reclamações, das aplicações que tinham sido dadas ao seu dinheiro;

16. Que a autora não assinou nenhum documento a autorizar a compra de obrigações SLN 2006;

1. Que nem nunca conheceu a autora qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente…

2. …tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que a autora nunca aceitaria, se acaso o réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco réu;

3. Que na agência da ... diziam à autora que era melhor esperar até à maturidade das obrigações;

4. Que o réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa…

5. …e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros…

6. …e assegurar que o Banco garantia o capital investido…

7. … - garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos;

8. Que com a sua actuação, o réu colocou a autora num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro…

9. …e tem provocado na autora ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida…

10. …pelo que a autora anda em permanente estado de “stress”, doente e sem alegria de viver, por ter sido desapossada das suas economias de uma vida, e sem perspectivas de futuro;

11. Que a autora é e sempre foi pessoa informada, meticulosa e ciosa do seu investimento e património;

12. Que em maio de 2008, a autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. –, e que, tal qual consta do Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, sob a epígrafe “Prazo e Reembolso”: “o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. a partir do 10º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”;

13. Que a autora foi informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

14. Que todos os elementos constavam da nota informativa do produto, que se encontrava disponível para consulta pela autora. [facto dado como não provado pela Relação]


III – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

O presente recurso tem como objecto a seguinte questão:

- Verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro réu: ilicitude (por violação de deveres de informação), culpa, nexo de causalidade e dano.


IV – Fundamentação de direito

1. Antes de proceder à apreciação do objecto do recurso, importa ter em conta que, de acordo com a orientação que vem sendo seguida pela jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., a título exemplificativo, os acórdãos de 30.11.2022 (proc. n.º 1558/17.0T8LRA.C1.S1) e de 30.03.2023 (proc. n.º 1613/17.7T8LRA.C1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt), se verifica que:

(i) Ainda que o AUJ n.º 8/2022 tenha incidido sobre o regime do Código dos Valores Mobiliários na redacção anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro;

(ii) E que o caso subjacente aos presentes autos respeite a uma situação em que a subscrição das obrigações subordinadas SLN teve lugar no final do primeiro semestre de 2008, na vigência do regime do Código dos Valores Mobiliários na redacção posterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro;

(iii) Atendendo a que, na matéria que releva para os presentes autos, a referida alteração legislativa consistiu (apenas) no desenvolvimento extensivo dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro, passando, designadamente, o n.º 1 do art. 312.º do Código dos Valores Mobiliários a ter a seguinte redacção[1]:

«Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

(...)»;

(iv)  Considera-se existir, na matéria que ora releva, uma continuidade essencial do regime normativo em causa, pelo que, na resolução do caso sub judice, serão de ponderar tanto os termos da decisão uniformizadora constante do AUJ n.º 8/2022 como os termos da respectiva fundamentação.


2. Postas estas considerações, passemos a apreciar o caso concreto.

2.1. Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pela A. do produto financeiro “Obrigação SLN 2006”, que teve lugar no decurso do primeiro semestre de 2008 (cfr. factos provados 2 e 4), é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022 – proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras – que, pelas razões acima expostas (no ponto IV, 1. do presente acórdão), se afigura valerem essencialmente para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição –  que lhe foram transmitidas pelo Autor –  das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).

Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)

Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.º 1, al. a) e 290.º, n.º 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.».

2.2. Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».

2.3. Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre a ilicitude (por não cumprimento do dever de informação) e o dano – está assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre a ilicitude (por não cumprimento do dever de informação) e o dano.

Essas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.». [negrito nosso]


2.4. Na apreciação do pressuposto da ilicitude teremos de verificar se, no caso dos autos, ocorreu violação dos deveres de informação, tal como foram desenvolvidos extensamente no art. 312.º do CVM pela redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro (transcrita supra, no ponto IV, 1. do presente acórdão).

Relevam os seguintes factos provados:

1) A autora era cliente do réu (BPN), na sua agência da ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentava parte dos dinheiros, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

2) Em 19 de Maio de 2008 o gerente do Banco réu da agência da ... disse à autora, que tinha uma aplicação com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

3) A autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro.

4) O dinheiro da autora – 50.000,00€, foi colocado em obrigações SLN 2006.

5) A autora, actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura.

6) Nunca foi intenção da autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e a autora sempre esteve convencida que lhe seria restituído o capital e os juros.

9) O gerente ou funcionários do réu, não leram ou explicaram à autora o que eram obrigações.

10) Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pela autora.

12) Como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo réu aos seus funcionários, um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes, como o fez com a autora, era o de que se tratava de um investimento seguro.

13) As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade.

14) O réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

15) No mês seguinte à subscrição a autora recebeu por correio, em casa, não só o aviso de débito correspondente à subscrição efectuada, como também e desde então os vários extractos periódicos onde lhe aparecia essa obrigação como integrando a sua carteira de títulos.

16) Uma Obrigação era então, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.

17) Ao que acrescia, no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um componente da solvabilidade daquela, por ser um dos principais activos do seu património.

20) Na altura da subscrição, nada havia que desabonasse sobre o investimento efectuado.

21) Na data da contratação, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do banco BPN não cumprir, tendo em conta a estrutura accionista existente à data.

23) Nesse momento não havia qualquer indicação de que a emissão pudesse vir a não ser paga.

24) Ou qualquer ideia sobre o risco de insolvência do emitente.

25) Ao longo dos anos foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo SLN.

26) Tendo sido todas pagas sem qualquer tipo de problema até à altura da nacionalização.

27) Todos os cupões foram pagos na íntegra e no momento devido.

28) Não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado à autora, era que em novembro de 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira.

33) A autora é funcionária bancária do Banco ..., S.A.

34) A autora já havia investido em obrigações antes da subscrição da obrigação SLN 2006.

35) A autora adquiriu a obrigação SLN 2006, por endosso de um primitivo subscritor.

38) A autora assinou o Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, onde sob a epígrafe “Prazo e Reembolso” consta: “O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios SGPS, S.A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”.

E foram dados como não provados os seguintes factos:

1. Que tenha sido garantido pelo gerente do banco réu à autora que a aplicação era em tudo igual a um depósito a prazo e que o capital fosse garantido pelo BPN;

2. Que o dito funcionário do Banco réu sabia que a autora não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente;

3. Que a autora sempre aplicou o seu dinheiro em depósitos a prazo;

4. Que a autora não soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa …

6. Que a autora estava convencida que a aplicação tinha as características de um depósito a prazo, e por isso, um produto com risco exclusivamente Banco;

8. Que o réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo;

9. Que daí a convicção plena com que a autora ficou da segurança da aplicação em causa, o que transmitiu segurança à autora e nunca a alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhe tinha sido dito pelo referido gerente da agência da ...;

12. Que a autora não sabia o que era a SLN. Pensava que era uma mera denominação de conta a prazo, que o Banco réu utilizava;

13. Que a autora desconhecia e nem podia conhecer, que tinha adquirido uma aplicação diferente de um depósito a prazo, pois caso soubesse que se tratava de produtos de risco, não os teria adquirido;

14. Que nem sequer foi informada sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006;

15. Que o réu acabou por informar a autora, ao fim de várias reclamações, das aplicações que tinham sido dadas ao seu dinheiro;

16. Que a autora não assinou nenhum documento a autorizar a compra de obrigações SLN 2006;

1. Que nem nunca conheceu a autora qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente…

2. …tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição, prazos de reembolso, que a autora nunca aceitaria, se acaso o réu lhe tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco réu;

12. Que em maio de 2008, a autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. –, e que, tal qual consta do Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, sob a epígrafe “Prazo e Reembolso”: “o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. a partir do 10º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”;

13. Que a autora foi informada que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.

14. Que todos os elementos constavam da nota informativa do produto, que se encontrava disponível para consulta pela autora.

O acórdão da Relação entendeu que da factualidade dada como provada não resulta a violação dos deveres de informação.

Contra, insurge-se a ora Recorrente.

Vejamos.

Antes de mais, não pode deixar de se assinalar que a decisão de facto de contradições insanáveis. Com efeito, tanto foi dado como provado que «3) A autora tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro», que «5) A autora, actuou convicta de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura» e que «6) Nunca foi intenção da autora investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e a autora sempre esteve convencida que lhe seria restituído o capital e os juros», como, simultaneamente, foi dado como provado que «34) A autora já havia investido em obrigações antes da subscrição da obrigação SLN 2006» e que «38) A autora assinou o Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, onde sob a epígrafe “Prazo e Reembolso” consta: “O prazo da emissão é de 10 anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de maio de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN – Sociedade Lusa de Negócios SGPS, S.A., a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”». E foi dado como não provado que «Que a autora não assinou nenhum documento a autorizar a compra de obrigações SLN 2006» e que «Que em maio de 2008, a autora foi informada de que as obrigações eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a SLN, Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A. –, e que, tal qual consta do Boletim de Subscrição da Obrigação SLN 2006, sob a epígrafe “Prazo e Reembolso”: “o reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa do BPN - Banco Português de Negócios, S.A. a partir do 10º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal”».

Contudo – sendo os pressupostos da responsabilidade civil de natureza cumulativa – a decisão de, ao abrigo do previsto no art. 682.º, n.º 3, do CPC, se ordenar a baixa dos autos à Relação para expurgar a decisão de facto das referidas contradições, apenas se justificaria se houvesse possibilidade de, vindo a, eventualmente, ser proferido juízo no sentido do preenchimento do pressuposto da ilicitude, se considerar igualmente preenchido o pressuposto do nexo de causalidade entre a (eventual) violação dos deveres de informação e o dano invocado pela A..

O que implica que se aprecie, em seguida, da verificação do referido pressuposto do nexo de causalidade.


2.5. As dúvidas acerca dos parâmetros probatórios pelos quais deve ser aferido o nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro foram resolvidas pelo AUJ n.º 8/2022 da seguinte forma, que, pelas razões acima explanadas (cfr. ponto IV, 1. do presente acórdão), se entendem ser aplicável ao caso dos autos:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.». [negrito nosso]

Assim, e diversamente do invocado pela Recorrente, ao alegar que «a causalidade, ou seja, o nexo entre o facto e o dano, que a doutrina também considera estar abrangida pela presunção do art.799°, n 1 do CC», a decisão uniformizadora do Pleno interpretou o regime normativo aplicável no sentido de que incide sobre o investidor o ónus de alegar e provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

Ora, no caso dos autos, foram alegados, mas não provados, os seguintes factos:

5. …o que motivou a autorização, por parte da autora, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo Banco réu, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias;

7. Que se a autora tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

Assim, à luz da orientação fixada nos pontos 3. e 4. da decisão uniformizadora consubstanciada no AUJ n.º 8/2022, não merece censura a decisão do acórdão recorrido de considerar não preenchido o pressuposto do nexo de causalidade, mostrando-se irrelevante o juízo sobre o pressuposto de ilicitude, razão pela qual se entende prejudicada a necessidade de pronúncia sobre a existência de violação dos deveres de informação por parte do réu.

Forçoso é, assim, concluir-se pela improcedência do recurso.


V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 6 de Julho de 2023


Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra (vencida, nos termos da declaração de voto em anexo)

Paulo Rijo Ferreira


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Declaração de Voto

Vencida.

Parece-me que as contradições insanáveis na decisão sobre a matéria de facto (referidas, aliás, no Acórdão) prejudicam o conhecimento imediato da questão.

Em coerência, teria anulado o Acórdão recorrido, nos termos do n.º 3 do artigo 682.º do CPC.

Catarina Serra

____

[1] Que, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, tinha a seguinte redacção:
«Deveres de informação
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:
a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar;
d) Custo do serviço a prestar.(...)».