Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
252-A/2002.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: HELDER ROQUE
Descritores: ALIMENTOS
DIVÓRCIO
SEPARAÇÃO DE FACTO
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
RECURSO DE APELAÇÃO
CÔNJUGE CULPADO
DEVERES CONJUGAIS
DEVER DE ASSISTENCIA
DIREITO A ALIMENTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA
Doutrina: - Antunes Varela, Direito da Família, 1993, 340, 349 e ss..
- Ferreira Pinto, Causas de Divórcio – Doutrina, Legislação e Jurisprudência, 1992, 82.
- Galvão Telles, Alimentos, CJ, Ano XIII, T2, 19 e ss..
- Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, revista e actualizada, 1997, 310 a 312.
- Maria Nazareth Lobato Guimarães, Alimentos, Reforma do Código Civil, 1981, 190.
- Pereira Coelho, Divórcio e Separação Judicial de Pessoas e Bens na Reforma do Código Civil, Ordem dos Advogados, 1981, 37.
- Pereira Coelho, Lições de Direito de Família, II, 1970, 26 e 27.
- Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I, 3ª edição, 2003, 741 e 742.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, 1995, 579, 607 e 608.
- Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com Os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2000, 12, nota (11), 56, 57, 62 a 64, 162, nota (214).
- Vaz Serra, RLJ, Ano 102º, 263 e ss..
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 268.º, 272.º, 481.º,B), 672.º, 673.º, 1416.º, Nº1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, Nº1, 1439.º, 1672.º, 1675.º, NºS1, 2 E 3, 1676.º, NºS 2 E 3, 1775.º, Nº1, 2003.º, Nº1, 2004.º, NºS 1 E 2, 2015.º, 2016.º, Nº1, A), E N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 30-11-1973, BMJ Nº 231º, 173 E RT, 92º, 277;
-DE 15-1-1974, BMJ Nº 233º, 204;
-DE 13-11-1990, BMJ Nº 401, 591.
Sumário :
I - É admissível a alteração da causa de pedir, em acção de alimentos proposta com fundamento na separação de facto, com base no estado de divorciado, ocorrido, posteriormente, e formulada na Relação, que a aceitou, sem oposição do requerido.
II - Quando não existe ruptura da vida em comum, isto é, na plena efectividade de vigência da sociedade conjugal, a obrigação de alimentos em que os cônjuges, mutuamente, estão constituídos, é quantificada, estritamente, em função do padrão de vida ou do estatuto matrimonial in fieri.
III - A obrigação de alimentos dos cônjuges separados de facto, em situação que não exclua a intenção do restabelecimento da coabitação, não se reduz ao indispensável, antes visa manter, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social, já alcançado desde a celebração do casamento e que se verificava à data da separação, sem que tal importe a demonstração de uma situação de necessidade de auto-subsistência.
IV - Na separação de facto, imputável a um dos cônjuges, que não deseje restabelecer a coabitação, subsiste o dever de assistência, não, propriamente, sob a forma de dever de manutenção, mas como obrigação legal unilateral de prestação de alimentos, cujo beneficiário é o cônjuge inocente ou menos culpado, mas que não tem um direito adquirido a um nível de vida superior, ou seja, a que o outro contribua, acrescidamente, para assegurar o «status» elevado que o casal, eventualmente, vinha mantendo.
V - A obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, afere-se, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, mas, também, suficiente para satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família, de acordo com o seu padrão de vida normal, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
VI - O factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio, porquanto este, sem embargo do direito a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, nem a expectativa jurídica da garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do casamento.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AA, farmacêutica reformada, residente na Rua .............., nº..., Bloco .., Apartamento ,,,,, Oeiras, propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB, capitão de mar e guerra reformado e advogado, com domicílio na Rua ................., nº ......., ..., ......, Lisboa, pedindo que, na sua procedência, este seja condenado a pagar-lhe, a titulo de alimentos, uma quantia mensal não inferior a 195.000$00, alegando, para o efeito, e, em síntese, que são casados entre si, mas que, em Janeiro de 1999, o requerido abandonou a casa de morada de família para passar a coabitar com CC.
Ora, a autora aufere duas pensões, uma da Caixa Geral de Aposentações, no valor de 101.200$00, e outra da Segurança Social, no valor de 23.600$00, que adicionadas totalizam 124.800$00 mensais, sendo certo que este quantitativo não lhe permite suprir as suas despesas, no valor mensal de 327.000$00.
Por outro lado, o requerido aufere três pensões, um da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados, no valor aproximado de 50.000$00 mensais, outra da Segurança Social, com um valor líquido de cerca de 80.000$00 mensais, e uma outra da Caixa Geral de Aposentações, referente à sua carreira como oficial da Marinha de Guerra, com o último valor conhecido de 364.133$00.
Na contestação, o requerido invoca, designadamente, que a autora é possuidora, em seu nome próprio, de avultadas quantias em dinheiro, depositadas em diversas instituições bancárias, e dos dois bens imóveis do casal, que administra, devendo ser julgado improcedente o pedido, não se fixando qualquer montante de alimentos a pagar à mesma, por deles não carecer.
A sentença julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o requerido do pedido.
Desta sentença, a autora interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, parcialmente, procedente a apelação e, em consequência, fixou em €385,00 (trezentos e oitenta e cinco euros) o valor da prestação mensal a pagar pelo requerido, a actualizar como supra referido.
Do acórdão da Relação de Lisboa, o requerido interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, mantendo-se a decisão proferida em 1ª instância, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem, integralmente:
1ª – Perante a factualidade dada como provada no acórdão em crise, é patente que o peso económico da recorrida, isto é, a sua capacidade de gerar rendimento é por demais suficiente para se auto-sustentar. Com efeito,
2ª – A recorrida dispõe de: a) rendimentos mensais reportados a 2004/2005, provenientes das suas reformas, do montante de 1137,17 euros; b) com datas reportadas a 1997/2002, tem aforrado montante muito superior a 100000,00 euros. Logo,
3ª – O acórdão de que ora se recorre violou o disposto no nº 1 do artigo 2004 do Código Civil, quando decide atribuir alimentos a pessoa que deles, manifestamente, não necessita.
A autora não apresentou contra-alegações.
O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz:
1. A requerente e o requerido contraíram entre si casamento canónico, em 27 de Março de 1954, no regime de comunhão geral de bens.
2. Em Janeiro de 1999, o requerido deixou a casa de morada de família de Oeiras.
3. Não se ausentou, porém, o requerido do lar familiar, sem antes ter comunicado à requerente que lhe entregaria, mensalmente, a quantia de 167.000$00 (cento e sessenta e sete mil escudos), a título de alimentos mensais devidos, que corresponde a metade de uma das suas três pensões, a de oficial de Marinha de Guerra, e com periodicidade igual à auferida, isto é, 14 vezes por ano.
4. O requerido confirmou tal decisão, ao dar instruções para o seu cumprimento, à Caixa Geral de Depósitos, na dependência da Rua do Ouro, em Lisboa, onde recebe a referida pensão.
5. Em documento de 6 de Janeiro de 1999, entrado na Caixa Geral de Depósitos, no dia 12 do mesmo mês, o requerido deu instruções aquela instituição bancária para a transferência para a conta da requerente, com início em 19 de Fevereiro de 1999, da quantia mensal de 167.000$00, e ainda para duas transferências do mesmo valor, nos meses de Julho e Novembro, perfazendo 14 entregas por ano.
6. Porém, volvido menos de um mês, o requerido deu o dito por não dito, comunicando, por escrito, à requerente que "... depois de ter muito pensado, alterei a pensão, que vou pagar voluntariamente, para Esc. 100.000$00 pagos mensalmente, se bem que tenha pensado reduzi-la para Esc. 80.000$00. Resta-te o recurso, se o desejares, de pedires ao Tribunal para ser fixada urna pensão".
7. Por documento datado de 17 de Janeiro de 1999, o requerido solicitou à Caixa Geral de Depósitos a transferência mensal da quantia de 100.000$00 para a conta da requerente e solicitou o cancelamento da anterior ordem de transferência, dada em 6 de Janeiro, aludida no n.º 5.
8. O novo valor que o requerido se propôs, unilateralmente, pagar (o que efectivamente pagou durante os meses de Março e Abril do corrente ano), corresponde, sensivelmente, a metade do rendimento anual, inicialmente, proposto, isto é, a 12 x 100.000$00 = 1.200.000$00.
9. Mas, mesmo assim, o requerido, sem disso dar qualquer tipo de conhecimento à requerente, decidiu, posteriormente, cancelar toda e qualquer pensão à mesma.
10. A requerente tinha 71 anos, à data do pedido.
11. Dado o seu depauperado estado de saúde, que determinou a sua reforma antecipada, a requerente tem necessidade de intervenções fisioterapêuticas (massagens), acompanhamento médico regular (consultas diagnóstico) e medicação.
12. O requerido aufere três pensões.
13. Uma das pensões do requerido é da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados, no valor aproximado de 50.000$00 mensais.
14. Outra das pensões é da Segurança Social e tinha, em Agosto de 1998, o valor líquido de 72.700$00, tendo, posteriormente, sofrido aumento, pelo que, actualmente, terá o valor líquido de cerca de 80.000$00 mensais.
15. A terceira pensão mensal de que o requerido usufrui é da Caixa Geral de Aposentações, referente à carreira que fez como oficial da Marinha de Guerra, com o último valor conhecido de 364.133$00.
16. A requerente foi reformada aos 58 anos, por invalidez.
17. O requerido abandonou a casa de morada de família para passar a coabitar com a sua ex-cliente, CC.
18. Encontra-se inscrita, na 1a Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, a favor de CC, a aquisição do apartamento, sito na Travessa ............, ......, ......., Vila Nova de Gaia, com usufruto a favor do requerido.
19. A requerente concordou com o montante da pensão de alimentos de 167.000$00, com a condição de ser actualizada, anualmente, na igual proporção do aumento que a pensão do requerido tivesse sofrido.
20. O requerido concordou com essa condição de actualização.
21. A requerente nunca concordou com a redução do valor estipulado, inicialmente.
22. Desde Maio de 1999, inclusive, a requerente não recebe qualquer quantia do requerido que lhe permita fazer face às suas despesas regulares.
23. A requerente aufere duas pensões mensais:
a) Uma do Centro Nacional de Pensões, no montante mensal de 25.000$00, em 2000, e com o valor conhecido, mais actualizado, de 164,17 euros, em 2005;
b) Outra da Caixa Geral de Aposentações, tendo auferido, no ano de 2000, o montante total (anual) de 1.479.800$00 (pensão ilíquida) e, no ano de 2004, o montante total (anual) de 11.676,00 euros (pensão ilíquida).
24. Dada a sua idade e estado de saúde, a requerente necessita de ajuda nos trabalhos domésticos.
25. A requerente tem despesas com alimentação, electricidade, água, gás, telefone, gasolina, artigos de higiene e despesa da casa, cabeleireiro, vestir e calçar, despesas de conservação da casa e do carro, de montante, concretamente, não apurado, a que acrescem as seguintes despesas mensais:
- consultas médicas, exames médicos e medicamentos, no valor de cerca de 150 euros;
- condomínio, no que despendeu, no ano de 2000, a quantia total de 295.000$00, e, no ano de 2005, a quantia trimestral de 420 euros.
- em empregada doméstica e despesa para a Segurança Social e seguro respeitante à mesma, a quantia mensal de 300 euros.
- tratamento da coluna (massagista), com o custo mensal de, pelo menos, 120 euros.
26. O filho do casal assegurou o pagamento da prestação referida no n.º 5, desde a data em que o requerido deixou de pagar qualquer montante, a título de alimentos, até à data em que foram fixados alimentos provisórios, a favor da requerente, tendo entregue à requerente, em tal período, quantia não inferior a 2.000.000$00.
27. Em 2004, foi pago ao requerido, pela Caixa Geral de Aposentações, o montante total anual de 32.424,84 euros, e, em 2005, o mesmo auferiu a quantia mensal ilíquida de 2367,01 euros, tendo, em Fevereiro de 2005, auferido a quantia de 1650,51 euros, já com o desconto da quantia de 384,07 euros, respeitante à prestação provisória de alimentos.
28. A requerente não tem forma de angariar rendimentos, por meio de actividade laboral, para além das referidas pensões.
29. A requerente é possuidora de quantias em dinheiro, depositadas em instituições bancárias, nos seguintes termos:
a) Na Caixa Geral de Depósitos, conta nº 00000000/000000, em Fundos de Investimento ("F........."), 645.577$00, à data de 31/12/1997.
b) No Barclays Bank, conta nº 0000000000 em fundos de Poupança-Reforma, 778.432$00, à data de 02/08/1999;
c) Na sequência da divisão do património do casal, o requerido transferiu para a conta da requerida nº 0000000000, do Barclays Bank, a quantia 9.912.504$00, à data de 13/01/99;
d) Mais transferiu para a mesma conta a quantia de 4.723.292$00, à data de 21/01/99;
e) Sendo que, em 28 de Fevereiro de 2002, era titular, no Barclays Bank, conta n.º 00000000000, de depósitos e investimentos de 91.535,35 euros e, em 28 de Fevereiro de 2005, de depósitos e investimentos, no valor global de 60.877,03 euros,
f) E, em Julho de 2002, apresentava como saldo da conta Poupança Reformado n.º 00000000000 o montante de 45.041,49 euros, na Caixa Geral de Depósitos, com o montante de rendimento anual de 933,77 euros.
30. O requerido, além da sua idade, tem uma incapacidade laboral permanente global de 75%, desde Abril de 1998.
31. O requerido necessita de acompanhamento médico regular, face às doenças que o atingiram.
Está ainda provado, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 713.º, n.º 2, do Código de Processo Civil:
32. Por Acórdão proferido nesta Secção e Tribunal da Relação, nos autos de Proc. n.º 8499/00, datado de 22 de Fevereiro de 2001, fixou-se, em setenta e sete mil escudos, a quantia mensal devida à ora autora pelo requerido, seu então marido, a título de alimentos provisórios.
33. Na acção de divórcio que correu entre apelante e apelado, em 16 de Abril de 2002, junto da 1a Secção, do 1° Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Lisboa, sob o n.º 892/04.4 TMLSB, foi proferida decisão, declarando a culpa exclusiva do, então, autor, ora requerido, na dissolução do vínculo conjugal, condenando-o ainda ao pagamento de uma indemnização à ora autora, por danos não patrimoniais.
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir.
A única questão a decidir, na presente revista, em função da qual se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 690º e 726º, todos do CPC, consiste em saber se a autora está carecida de alimentos que justifique a fixação de uma prestação mensal, a seu favor, a cargo do requerido.

DA CARÊNCIA DA PRESTAÇÃO ALIMENTAR APÓS A SEPARAÇÃO DE FACTO E ATÉ AO DIVÓRCIO

1. Aquando da propositura da acção, a autora invocou como causa de pedir a necessidade da prestação alimentar decorrente do facto complexo da situação de separação de facto em que, então, se encontrava em relação ao requerido.
Posteriormente, mas ainda vários anos antes da prolação da sentença de 1ª instância, foi dissolvido o casamento celebrado entre ambos, por decisão que declarou a culpa exclusiva do, então, autor, ora requerido, e decretou o divórcio litigioso.
Com as alegações da apelação, a autora juntou aos autos a sentença que decretou o divórcio litigioso entre ambos e dissolveu o respectivo vínculo conjugal, com culpa exclusiva do aqui requerido, não tendo este, em sede de contra-alegações, deduzido qualquer oposição ao novo fundamento do pedido invocado.
O Tribunal da Relação aditou à matéria de facto já consagrada pela primeira instância uma nova factualidade, sob o nº 33, precisamente, com base nos aludidos documentos juntos com as alegações da apelação, no âmbito do disposto pelo artigo 713º, nº 2, do CPC, segundo a qual foi proferida decisão que decretou o divórcio litigioso entre a autora e o requerido e dissolveu o respectivo vínculo conjugal.
Assim sendo, o Tribunal da Relação admitiu a alteração da causa de pedir formulada pela autora que, inicialmente, baseou o pedido de alimentos na separação de facto, para passar a ter como fundamento o estado de divorciado.
Dispõe o artigo 272º, do CPC, que “havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”.
Trata-se de uma modificação objectiva da instância que não pode ter lugar, perante o Supremo Tribunal de Justiça, mas que o Tribunal de 2ª instância pode aceitar, desde que entenda que a alteração não perturba, inconvenientemente, a instrução, discussão e julgamento do pleito, ou seja, que essa alteração, não obstante o estado adiantado em que o processo se encontra, não põe ao tribunal questões novas que já não possam ser julgadas com segurança e consciência.
Efectivamente, o requerido não deduziu oposição à alteração da causa de pedir formulada pela autora que a Relação aceitou, por decisão que, nesta parte, transitou em julgado, nos termos do estipulado pelos artigos 672º e 673º, do CPC, produzindo-se, quanto ao novo fundamento do pedido apresentado, os efeitos característicos da citação, ou seja, por força do princípio da estabilidade da instância, esta mantém-se a mesma, quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, atento o disposto pelos artigos 481º, b) e 268º, ambos do CPC.
2. Os cônjuges estão vinculados, reciprocamente, pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência, nos termos do preceituado pelo artigo 1672º, do Código Civil (CC).
A obrigação de alimentos em que os cônjuges, mutuamente, estão constituídos, ou, mais, precisamente, o respectivo dever de manutenção, tem natureza pessoal, sendo a contribuição para os encargos normais da vida familiar quantificada, estritamente, em função do padrão de vida ou do estatuto matrimonial «in fieri».
Quando não existe ruptura da vida em comum, isto é, na plena efectividade de vigência da sociedade conjugal, as duas modalidades em que o dever de assistência, de carácter recíproco, de desdobra, ou seja, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, consagradas pelos artigos 1675º, nº 1 e 1672º, do CC, diluem-se ou confundem-se, no seio da aludida comunhão de vida, que importa o dever de compartilhar o mesmo tecto, sendo, então, a prestação de alimentos absorvida pela obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, a qual só adquire autonomia, em regra, quando os cônjuges se encontram separados de facto.
3. E o dever de assistência, que se mantém durante a separação de facto, se esta não for imputável a qualquer dos cônjuges, compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, em conformidade com o estipulado pelo artigo 1675º, nºs 1 e 2, do CC.
Não se tendo demonstrado que a separação de facto verificada entre os cônjuges, desde Janeiro de 1999 até à data do trânsito da sentença de divórcio, ocorrido em 2007, fosse imputável à autora, como facto constitutivo do direito alegado, com base no disposto pelo artigo 342º, nº 1, do CC, é inequívoco que esta tinha o direito de exigir do requerido o cumprimento do dever de assistência e a correspondente prestação alimentícia (1), em harmonia com o preceituado pelo artigo 1675º, nº 3, do CC, mesmo que, por mera hipótese académica, se considerasse que ainda se não havia provado a culpa do requerido no abandono do lar conjugal.
Aliás, conforme já se disse, ficou provado que o casamento entre a autora e o requerido foi dissolvido, por divórcio, tendo a respectiva sentença declarado a culpa exclusiva deste no seu decretamento.
Havendo separação de facto, não imputável à autora, como ficou demonstrado, carecida de alimentos, tem o requerido a obrigação de os prestar, desde que tenha possibilidades económicas de o fazer.
Efectivamente, em situação de separação de facto que não exclua a intenção do restabelecimento da coabitação, pode afirmar-se, com propriedade, que, salvaguardando o princípio da proporcionalidade, as prestações alimentares, em princípio, pecuniárias, visam manter o estalão, social e económico, já alcançado, desde a celebração do casamento (2), devendo a medida ou quantificação dos alimentos conduzir a um resultado que implique, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social que se verificava à data da separação (3)..
E isto é, assim, também, porque o cumprimento judicial do dever de assistência não está condicionado pela alegação e prova, por parte do cônjuge autor, de que se encontra numa situação de necessidade de auto-subsistência, com base no disposto pelos artigos 1676º, nº 3, do CC, e 1416º, do CPC, ou que está desprovido de recursos económicos, equiparável à situação prevista no artigo 2003º, nº 1, do CC, pois que a medida destas prestações, quando pecuniárias, nunca se pode reduzir ao indispensável, sendo antes, quantitativamente, diversa do estabelecido neste normativo legal(4)..
De facto, quando o artigo 1416º, nº 1, do CPC, dispõe que “o cônjuge que pretenda exigir a entrega directa da parte dos rendimentos do outro cônjuge, necessária para as despesas domésticas, indicará a origem dos rendimentos e a importância que pretenda receber, justificando a necessidade e a razoabilidade do montante pedido”, não pressupõe, como condição de procedência da providência, a falta de bens próprios ou rendimentos sacrificáveis, ou se o credor pode, ou não, prover às respectivas necessidades, através do seu trabalho ou de outros meios que dispensem a entrega de parte dos rendimentos do cônjuge demandado, mas antes a falta de entrega dessas quantias ou a sua insuficiência, tendo em vista o montante dos rendimentos percebidos pelo cônjuge faltoso, contanto que daí não resulte a violação do princípio da proporcionalidade, atento o preceituado pelo artigo 1676º, nºs 2 e 3, do CC.
Deste modo, a necessidade, a que alude o mencionado artigo 1416º, nº 1, do CPC, pode derivar, simplesmente, do facto de as referidas despesas estarem a ser custeadas pelo cônjuge autor, com o produto do seu trabalho, ou, inclusivamente, por terceiros, como sejam os próprios filhos, quando é certo que o demandado dispõe de recursos económicos suficientes para o efeito (5).
4. Porém, quando a separação de facto é imputável a um dos cônjuges, o dever de assistência só incumbe, em princípio, ao único ou principal culpado, sendo certo que, na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges se encontram, reciprocamente, vinculados à prestação de alimentos, atento o teor das disposições conjugadas dos artigos 1675º, nº 3 e 2015º, do CC.
Verificada a deterioração das relações conjugais, traduzida na separação de facto, imputável a um dos cônjuges, e admitindo que, pelo menos, um deles não deseje restabelecer a coabitação, como se provou ter acontecido na hipótese em presença, uma vez que se mantém o dever de assistência, que consubstancia, mas já não sob a forma de manutenção, uma obrigação legal unilateral de prestação de alimentos, cujo beneficiário é, em princípio, o cônjuge inocente ou menos culpado na mencionada ruptura, ou seja, o credor de alimentos, cada um dos cônjuges deve contribuir, recíproca, global e proporcionalmente, para os encargos da vida familiar, atento o disposto pelos artigos 1775, nº 1 e 2015º, do CC (6).
Então, não permanece já o dever de assistência recíproca, em função dos respectivos recursos económicos, porque a vida familiar comum deixou de existir, sem embargo de, a qualquer um dos cônjuges, ser lícito o seu reatamento, pois o que existe, verdadeiramente, é o dever de prestação de alimentos de um dos cônjuges ao outro.
Nesta situação, durante a separação de facto, nenhum dos cônjuges tem direito a que o outro contribua, acrescidamente, para assegurar o «status» elevado que o casal, eventualmente, vinha mantendo, inexistindo um direito adquirido a um nível de vida superior.
5. Porém, a obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio, a que alude o artigo 2016º, do CC, constitui um efeito jurídico novo, que se radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal(7)). .
Por isso é que o cumprimento do dever conjugal de assistência, contemplado pelos artigos 1672º e 1675º, do CC, pressupondo a não dissolução ou a não interrupção do vínculo matrimonial, se distingue do cumprimento da obrigação geral de alimentos, de natureza individual, a que se reportam os artigos 2003º e seguintes e 2016º, do CC, na hipótese de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens.
Nos casos de divórcio litigioso, ainda que cesse o dever de contribuir para os encargos da vida familiar, mantém-se a regra de que só o cônjuge inocente ou o menos culpado tem, em princípio, direito a alimentos, com base no estipulado pelo artigo 2016º, nº 1, a), do CC.
É que a obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, afere-se, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, apresentando uma dupla face, simultaneamente, indemnizatória e alimentar, pois que não tem já subjacente o dever de assistência de um cônjuge para com o outro, na constância do matrimónio, mas antes a culpa, única ou principal, do ex-cônjuge, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência, em conformidade com o disposto pelo artigo 2004º, nºs 1 e 2, do CC (8).
Por isso, na situação em apreço, prossegue-se, tão-só, o objectivo de fazer face às carências económicas da autora, a suprir em função dos meios económicos suficientes do ex-marido, não recaindo já sobre este o dever de a manter, ou seja, de lhe proporcionar, não apenas tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, em conformidade com o estipulado pelo artigo 2003º, do CC, mas o suficiente para ela satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família (9), isto é, a obrigação de alimentos do requerido apenas se baseia agora na medida necessária para manter a sociedade conjugal, de acordo com o seu padrão de vida normal (10). .
De todo o modo, a insuficiência de meios do ex-cônjuge não pode derivar, mecanicamente, da impossibilidade de, na sequência do divórcio, ser mantido num estalão de vida análogo ao existente antes da dissolução do matrimónio, ou, dito de modo diferente, o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio.
Com efeito, só quando a mulher não careça que o marido lhe preste alimentos, em virtude de os rendimentos do trabalho ou dos seus bens lhe assegurarem, suficientemente, a manutenção, é que cessará aquele dever do marido(11), ou, por outro lado, quando a mulher for obrigada a continuar a actividade produtiva que desenvolvia, ao tempo da coabitação, por o rendimento do trabalho do marido, já, então, não ser suficiente para satisfazer as necessidades familiares, ou, por deixar de se ocupar da vida doméstica do marido, deve considerar-se obrigada à aquisição de meios de subsistência (12).
Na verdade, o cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir a comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado (13).
E se não foi intenção do legislador português, ao redigir o artigo 2016º, nº 3, do CC, pretender que o ex-cônjuge carecido de alimentos seja, invariavelmente, colocado numa posição idêntica, do ponto de vista financeiro, aquela que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido, criando-se uma expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do casamento, o que consubstanciaria um verdadeiro “seguro de vida”, por não ser «concebível a manutenção de um status económico atinente a uma relação jurídica já extinta»(14), não se pode, por outro lado, subestimar o seu direito a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, tomando-se em conta, nomeadamente, a duração do casamento, o estado de saúde e a idade do autor do pedido.
6. Analisando, criticamente, a prova que ficou consagrada, importa reter que a autora e o requerido constituíram uma sociedade conjugal, durante perto de quarenta e cinco anos, encontrando-se, actualmente, divorciados, a autora a viver sozinha e o requerido, que foi declarado como o único culpado pelo divórcio, com uma senhora.
Quanto ao respectivo quadro de suporte económico, o requerido aufere pensões, no valor aproximado de €2682,00 mensais, enquanto que a autora recebe pensões, no valor aproximado de €1000,00 mensais.
A isto acresce que a autora dispunha, no “Barclays Bank”, de depósitos e investimentos que, em 28 de Fevereiro de 2005, ascendiam ao valor global de €60.877,03, e, na Caixa Geral de Depósitos, um saldo que, em Julho de 2002, somava o montante de €45.041,49, o que perfaz um rendimento mensal aproximado proveniente destas aplicações, atento o valor conhecido, de €933,77 anuais, relativamente ao rendimento da Caixa Geral de Depósitos, de cerca de €185,00.
Para além das referidas pensões, a autora não tem forma de angariar outros rendimentos, por meio da actividade laboral, porquanto o seu depauperado estado de saúde determinou a sua reforma antecipada, obrigando-a a submeter-se a intervenções fisioterapêuticas (massagens), acompanhamento médico regular (consultas diagnóstico) e a medicação.
Por outro lado, o requerido padece de uma incapacidade laboral permanente global de 75%.
A isto acresce que a autora apresenta despesas com saúde, condomínio e empregada doméstica, no valor mensal de cerca de €710,00, embora não se tenha demonstrado qual o montante das restantes despesas domésticas variáveis que efectua, outrotanto se diga com o quantitativo que o requerido despende com o seu acompanhamento médico regular, face às doenças que o atingiram.
Quer isto dizer, em síntese, e com a falibilidade dos montantes aludidos referirem registos atrasados, que a autora recebe, a título de pensões e rendimentos do capital, um valor aproximado de €1185,00 mensais, com despesas fixas mensais de €710,00, e outras cujo quantitativo não ficou provado, ao passo que o requerido aufere rendimentos de pensões, no valor aproximado de €2682,00 mensais, não se tendo obtido elementos no sentido de quantificar as suas despesas.
Como assim, à autora, após abater as despesas fixas ao seu rendimento mensal, resta-lhe um diferencial de cerca de €475,00, que não lhe permite, razoavelmente, satisfazer as despesas domésticas essenciais de manutenção da sua pessoa e da casa onde habita.
Relativamente ao requerido, que vive com uma senhora, cuja profissão e eventuais outros rendimentos não de demonstraram, tem um rendimento mensal, independentemente de despesas, no valor aproximado de €2682,00.
Certo que, a favor da senhora com quem o requerido vive, CC, acha-se inscrita a aquisição de um apartamento, situado em Vila Nova de Gaia, com usufruto a favor daquele, o que significa a reserva de um bem que, encontrando-se em nome de outrem, por título que se desconhece, aquele dispõe do direito de o gozar, plenamente, nos termos do preceituado pelo artigo 1439º, do CC, o que não permite dissociar a sua pessoa do nascimento da nua propriedade que o completa.
Entretanto, não se provou que, quer a autora, quer o requerido, desde o início da separação de facto até à data da propositura da acção, tenham conhecido aumentos ou reduções substanciais dos montantes dos rendimentos auferidos e das despesas efectuadas.
Na ocasião em que ocorreu a separação de facto, o requerido comprometeu-se, perante a autora, a entregar-lhe, mensalmente, a quantia de 167.000$00, correspondente a €832,00, a título de alimentos, devidos 14 vezes por ano, com actualização anual, em igual proporção ao aumento que a pensão do requerido tivesse sofrido, sendo certo que o filho de ambos assegurou o satisfação da aludida prestação, desde a data em que o requerido deixou de a pagar até ao momento em que foram fixados alimentos provisórios, a favor da autora, durante cerca de um ano.
Efectivamente, por acórdão proferido a 22 de Fevereiro de 2001, fixou-se, em setenta e sete mil escudos, correspondente a €384,074, a quantia mensal devida à autora pelo requerido, seu, então, marido, a título de alimentos provisórios.
Sendo o rendimento mensal do requerido equivalente a um valor aproximado de €2682,00, admitindo-se que gaste consigo, incluindo em matéria de saúde, cerca de 2/3 do mesmo, ainda lhe sobra uma quantia disponível de, sensivelmente, €900,00.
Por seu turno, a autora dispõe de um saldo residual aproximado de €475,00 mensais, depois de deduzir as despesas fixas, com o qual tem de suportar as restantes despesas básicas não demonstradas.
7. Assim sendo, embora os meios do requerido sejam limitados, tal não o impede de prestar alimentos à autora e de contribuir para a sua manutenção.
Verificam-se, portanto, em concreto, os pressupostos justificativos da prestação alimentar, a cargo do requerido, isto é, a disponibilidade deste e a carência da autora.
Por todo o exposto, considerando o montante do rendimento mensal disponível do requerido, seguramente, de cerca de €900,00, e o saldo sobejante da autora, de €475,00 mensais, aproximadamente, considerando a duração do casamento de mais de cinquenta anos, que a autora tem hoje, cerca de oitenta anos de idade, e que o requerido foi o único culpado pela dissolução do matrimónio, entende-se equitativo, adequado e proporcional à satisfação das necessidades da autora e compatível com o rendimento mensal líquido disponível do requerido, fixar o montante dos alimentos que aquela são devidos, a suportar por este, em €385,00, tal como resulta do acórdão recorrido e, também, da decisão que, em sede de providência cautelar, definiu o quantitativo dos respectivos alimentos provisórios.
CONCLUSÕES:
I – É admissível a alteração da causa de pedir, em acção de alimentos proposta com fundamento na separação de facto, com base no estado de divorciado, ocorrido, posteriormente, e formulada na Relação, que a aceitou, sem oposição do requerido.
II – Quando não existe ruptura da vida em comum, isto é, na plena efectividade de vigência da sociedade conjugal, a obrigação de alimentos em que os cônjuges, mutuamente, estão constituídos, é quantificada, estritamente, em função do padrão de vida ou do estatuto matrimonial «in fieri».
III - A obrigação de alimentos dos cônjuges separados de facto, em situação que não exclua a intenção do restabelecimento da coabitação, não se reduz ao indispensável, antes visa manter, tendencialmente, a igualação ao trem de vida económico e social, já alcançado desde a celebração do casamento e que se verificava à data da separação, sem que tal importe a demonstração de uma situação de necessidade de auto-subsistência.
IV - Na separação de facto, imputável a um dos cônjuges, que não deseje restabelecer a coabitação, subsiste o dever de assistência, não, propriamente, sob a forma de dever de manutenção, mas como obrigação legal unilateral de prestação de alimentos, cujo beneficiário é o cônjuge inocente ou menos culpado, mas que não tem um direito adquirido a um nível de vida superior, ou seja, a que o outro contribua, acrescidamente, para assegurar o «status» elevado que o casal, eventualmente, vinha mantendo.
V – A obrigação alimentar genérica, na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, afere-se, tão-só, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário, mas, também, suficiente para satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família, de acordo com o seu padrão de vida normal, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
VI - O factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio, porquanto este, sem embargo do direito a uma existência, economicamente, autónoma e condigna, não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, nem a expectativa jurídica da garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do casamento.
Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido.

Custas, a cargo do requerido.
Notifique.
Lisbo, 16 de Março de 2011

Helder Roque (Relator)
Gregório Silva Jesus
Martins de Sousa

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(1) Antunes Varela, Direito da Família, 1993, 349 e ss; STJ, de 30-11-1973, BMJ nº 231º, 173 e RT, 92º, 277; STJ, de 15-1-1974, BMJ nº 233º, 204.
(2) Antunes Varela, Direito da Família, 1993, 340.
(3) Pereira Coelho, Divórcio e Separação Judicial de Pessoas e Bens na Reforma do Código Civil, Ordem dos Advogados, 1981, 37.
(4) Ferreira Pinto, Causas de Divórcio – Doutrina, Legislação e Jurisprudência, 1992, 82.
(5) Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com Os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2000, 62 a 64.
(6) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, 1995, 579; Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2000, 56 e 57.
(7) Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2000, 12, nota (11) e 162, nota (214).
(8) STJ, de 13-11-1990, BMJ nº 401, 591.
(9) Pereira Coelho, Lições de Direito de Família, II, 1970, 26 e 27; Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, I, 3ª edição, 2003, 741 e 742.
(10) Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, V, 1995, 607 e 608.
(11) Pereira Coelho, Lições de Direito de Família, II, 1970, 27.
(12) Vaz Serra, RLJ, Ano 102º, 263 e ss.
(13)Maria Nazareth Lobato Guimarães, Alimentos, Reforma do Código Civil, 1981, 190.
(14) Galvão Telles, Alimentos, CJ, Ano XIII, T2, 19 e ss.; Leite de Campos, Lições de Direito da Família e das Sucessões, 2ª edição, revista e actualizada, 1997, 310 a 312.