Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1015/11.9TMPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FIXAÇÃO JUDICIAL
PROGENITOR AUSENTE EM PARTE INCERTA
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
Data do Acordão: 05/08/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ALIMENTOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1878.º, N.º1, 2003.º, 2004.º.
LEI N° 75/98, DE 19-11.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 12/7/11, PROCESSO N.º 4231/09.0TBGMR.G1.S1;
-DE 27/9/11, PROCESSO N.º 4393/08.3TBAMD.L1.S1;
-DE 29/3/12, PROCESSO N.º 2213/09.0TMPRT.P1.S1;
-DE 15/5/12, PROCESSO N.º 2792/08.0TBAMD.L1.S1;
-DE 22/5/12, PROCESSO N.º 5168/08.5TBAMD.L1.S1.
Sumário :

O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que se desconheça no processo a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos, num caso em que se não vislumbra a existência de responsáveis subsidiários pela dívida alimentar, já que o interesse fundamental do menor sobreleva a indeterminação factual dos meios de subsistência do obrigado a alimentos – cabendo às instâncias, através do recurso a presunções naturais e a juízos de equidade, estabelecer um patamar mínimo de rendimento presumível, com base no qual fixarão a contribuição a cargo do progenitor ausente, a suportar efectivamente pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Na acção da regulação do exercício das responsabilidades parentais, intentada por AA relativamente aos menores BB e CC, na qual o progenitor foi citado editalmente, foi proferida sentença em que se decidiu que o pai nada pagaria mensalmente, sem prejuízo de, futuramente, logo que a sua situação económica fosse eventualmente conhecida, se fixar contribuição para os alimentos.

   Inconformado com este sentido decisório, apelou o MºPº, tendo a Relação começado por fixar a matéria de facto relevante, nos seguintes termos:

a) Os menores nasceram, respectivamente, no dia 15.10.01 e são filhos de DD e de EE;

b) Os pais nunca casaram ou viveram maritalmente encontrando-se separados, residindo a mãe na travessa da........, ....,....Esq. ..., Gondomar e o pai algures;

c) Os menores vivem actualmente com a mãe, onde preferem estar;

d) A mãe não trabalha, tem problemas de foro oncológico, auferindo RSI de € 691,29 e abono de família de € 180,76, reside com 05 filhos dos 23 aos 11 anos de idade;

e) Habitam um apartamento social T4 com boas condições de habitabilidade num agregado familiar composto por 06 pessoas;

f) As despesas fixas mensais são as normais e correntes e da ordem dos € 270,00, a que acrescem as de alimentação, vestuário, calçado;

g) O seu agregado apresenta estabilidade emocional;

h) A mãe revela ligação afectiva e maternal com os menores e vice - versa;

i) Os menor  têm  visto razoavelmente  satisfeitas as necessidades básicas imediatas, materiais e afectuosas e estudam;

j) Os menores estão bem integrados no seu meio social e escolar;

k) O progenitor tem-se revelado completamente alheado do processo educativo dos menores, não visitando nem contactando;

l) Não demonstra ligação afectiva para com os mesmos, mostrando –se, pouco atento ao percurso desenvolvencional do/a/s menor/es, em nada contribuindo para o seu sustento.

m) Desconhece-se se trabalha ou se tem algum tipo de rendimentos.

2. Passando a apreciar o mérito do recurso, que – por maioria - julgou improcedente, considerou a Relação no acórdão recorrido:
Estabelece o artigo 36.º, n.º 5, da Constituição, que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, o que significa que, tal como dispõe o artigo 1878º, nº 1, CC, compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens.
O dever de sustento, consubstanciado em tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário, instrução e educação do menor (cfr. artigo 2003.º CC), mantém--se mesmo se o progenitor for inibido do exercício do poder paternal (artigo 1917.º CC).
Havendo desacordo dos pais quanto ao exercício do poder paternal, designadamente no que a alimentos concerne, cabe ao tribunal decidir de acordo com o interesse do menor (artigo 1905.º, n.º 2, CC), critério constante também do artigo 180.º OTM, e que constitui um pilar fundamental do direito dos menores.
Por seu turno, o artigo 2004.º, nº. 1, CC, epigrafado «medida dos alimentos», estabelece -que estes serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá--los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
A este quadro legal há que acrescentar o artigo 1.º da Lei 75/98, de 19.11 (Garantia dos Alimentos devidos a menores), que determina que «quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei 314/78, de 27.10, e ao alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início efectivo do cumprimento da obrigação».
Com efeito, os acórdãos favoráveis à fixação de alimentos em caso de impossibilidade do obrigado, e mesmo perante o desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado, fazem apelo a este diploma, argumentando com a necessidade de viabilizar o recurso ao Fundo de Garantia de Alimentos.
Refiram-se a este propósito os acórdãos da Relação de Lisboa, de 07.07.05, Manuel Gonçalves; de 05.10.13, Ferreira Lopes; de 03.10.23, Pereira Rodrigues;  e as decisões nos termos do artigo 705º CPC, de  07.12.20, Granja da Fonseca; de 07.06.26, Abrantes Geraldes; e de 06.11.29, Pimentel Marcos, em www.dgsi.pt.jtrl, proc. 4586/2007-6, 6890/2005-6, 7695/2003-6, 10.780/2007-6, 5797/2007-7, 10.079/2006-7, respectivamente. E da Relação do Porto, de 04.04.22, Oliveira Vasconcelos, www.dgsi.pt.jtrp,  proc. 0432181; da Relação de Coimbra, de 08.06.17, Jaime Ferreira, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 230/07.
Diz–se que o interesse do menor demanda que na equação do 2004º CC seja dada maior relevância às necessidades do menor alimentando do que às possibilidades do progenitor obrigado.

O artigo 2004º, nº 1, CC, estabelece uma correlação entre as necessidades e as possibilidades, pressupondo o conhecimento dos dois termos da equação: necessidades do alimentando e possibilidades do obrigado. Da mesma forma que não há fixação de alimentos sem necessidade do alimentando, também não pode haver em caso de falta de possibilidades do obrigado.
Neste sentido se pronunciaram os acórdãos da Relação do Porto, de 03.10.28, Cândido Lemos, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0324797; da Relação de Évora, de 90.12.18, Matos Canas, BMJ 402/690;  e da Relação de Lisboa, de 07.01.18, Ana Paula Boularot, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 10081/2007-2.
Como se refere neste último acórdão,
«inexistindo matéria factual que nos permita concluir, quer pelas necessidades do alimentando, quer pelas possibilidades do obrigado, não se pode fixar qualquer quantia a titulo de alimentos e, acrescentamos, fazê-lo seria, não só uma temeridade como, também, um    verdadeiro    atentado    às   regras   básicas  enformadoras   do   nosso    sistema    jurídico- -processual, que não permitem, em caso algum, que o Tribunal decida sem uma base sólida no que tange à factualidade consubstanciadora do direito a tutelar: fixar-se uma prestação de alimentos na quantia de € 150 (ou de outra qualquer quantia nestas circunstâncias precisas), como propugnou o Apelante em sede de conferência, sem qualquer suporte factual, constituiria uma decisão completamente aleatória violadora, além do mais, do disposto nos artigos 664º e 1410º do CPCivil, pois não obstante neste tipo de decisões o Tribunal não esteja sujeito a critérios de legalidade, mas antes de conveniência e oportunidade, isso não quer dizer que lhe seja permitido decidir sem factos e que ignore em absoluto as normas em vigor».
O acórdão da Relação de Lisboa, de 07.06.26, Abrantes Geraldes, defende, numa situação idêntica à dos autos, que a não fixação da pensão deixa o menor  desprotegido. E ao obstáculo que o artigo 2004º CC representa responde com uma pergunta: «que indivíduo, não afectado por qualquer incapacidade grave, tendo sobre si o encargo de suportar uma parte dos alimentos de uma filha de tenra idade, não está em condições de dispor, pelo seu trabalho, daquela quantia, se necessário, fazendo um esforço suplementar?».
E continua:
«Ainda que estivesse apurado - e não está - que o requerido não aufere qualquer rendimento, tal não contenderia com aquela obrigação, já que é inerente à relação de paternidade a necessidade de realizar esforços e de ajustar a vivência por forma a que se consigam obter rendimentos que, além do mais, possam servir para prover às necessidades de quem, como o filho menor, não tem possibilidades de sobrevivência autónoma».
Este acórdão cita ainda Clara Sottomayor, que, numa situação de desemprego deliberado por parte do obrigado, defende a utilização de critérios de imputação de rendimentos a pais desempregados de acordo com a sua capacidade laboral para que possa ser fixada a pensão.
Nada sabemos da capacidade laboral do progenitor, nem se se encontra numa situação de desemprego voluntário.
Nesta situação afigura-se abusivo tecer conjecturas ou apelar a regras de experiência comum, designadamente recorrer a critérios de imputação, pois, como refere J. Remédio Marques, Algumas Notas sobe alimentos devidos a menores, Coimbra Editora, pg. 200, «os factos que justificam ou autorizam a imputação de rendimentos serão todos aqueles factos voluntários ou controláveis pelo devedor, que o colocam numa situação económica mais desvantajosa relativamente àquela que, doutro modo, poderia usufruir (v.g., colocação voluntária em situação de desemprego, emprego a tempo parcial ou sub-emprego, escolha de uma actividade profissional menos lucrativa, tendo em vista a respectiva formação e /ou experiência profissional)».
E, contrariamente ao que muitas vezes se afirma, não se vislumbra em que medida a não fixação de alimentos possa obrigar o progenitor relapso a assumir as suas responsabilidades parentais, nem que a não fixação surja como um prémio para o progenitor relapso, porquanto logo que lhe sejam conhecidos meios procede-se à fixação dos alimentos.
O principal argumento a favor da fixação de alimentos mesmo em caso de desconhecimento total do paradeiro e situação do obrigado é de natureza pragmática: é necessária a fixação prévia de alimentos para, face ao (altamente previsível) incumprimento, ser possível recorrer ao Fundo de Garantia dos Alimentos.
Nos termos do artigo 1º da Lei 75/98, de 19.11, o dever de prestar do Estado depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
            - existência de sentença que fixe alimentos ao menor («pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos»);
                - residência do devedor em território nacional (cfr. Remédio Marques, op. cit., pg. 234, e acórdão da Relação de Coimbra, de 08.02.12, Isaías Pádua, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 886/06);
            - que o não beneficie na mesma quantidade de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre;
            - falta de pagamento total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida através de uma das formas previstas no artigo 189.º OTM.
Não se afigura, porém, que o entendimento que tem sido maioritariamente acolhido pela jurisprudência seja o mais adequado, por introduzir distorções no regime estabelecido pelo artigo 2004.º CC..
Este regime é perfeitamente equilibrado, e conforme o princípio da proporcionalidade,  e não se vê que a Lei 75/98, de 19.11, tenha pretendido alterá-lo.
O problema está no figurino restritivo do regime estabelecido pela Lei 75/98, de apenas abranger, pelo menos na sua letra, os casos em que é possível proceder à fixação de alimentos por se ter conhecimento da situação económica do obrigado.
Eventualmente o legislador terá dito menos do que pretendia, como sugere o preâmbulo do diploma regulamentar (o Decreto- Lei 164/99, de 13.05), ao referir  que «De entre os factores que relevam para o não cumprimento da obrigação de alimentos assumem frequência significativa a ausência do devedor e a sua situação sócio-económica, seja por motivo de desemprego ou de situação laboral menos estável, doença ou incapacidade, decorrentes, em muitos casos, da toxicodependência, e o crescimento de situações de maternidade ou paternidade na adolescência que inviabilizam, por vezes, a assunção das respectivas responsabilidades parentais».
Com efeito, não se vislumbra razão válida para discriminar as situações em que a impossibilidade é superveniente (aparentemente só esta está contemplada no diploma) daquelas, porventura mais graves, em que a impossibilidade se verifica já no momento da fixação da pensão.
A Relação do Porto, através de acórdãos recentes, ensaiou um novo caminho, que passa por responsabilizar o Fundo de Garantia de Alimentos naquelas situações em que não se fixou pensão de alimentos por impossibilidade do obrigado.
Como exemplo desta tendência refira-se o acórdão de 06.02.23, Ana Paula Lobo,  www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0630817, onde se lê:
«A nova prestação social referida no DL 164/99 de 13 de Maio assente, como já demonstrado em algumas ficções, não pode deixar de fora exactamente as crianças mais desprotegidas e mais carecidas dessa prestação social que são aquelas em que os seus progenitores são tão pobres que nem mesmo num momento inicial puderam, nos termos da lei, ser condenados a pagar uma prestação de alimentos concreta.
Sob pena da prática de actos inúteis e da aplicação da lei conduzir a um resultado injusto e que em concreto desmente a finalidade para que foi criada a Garantia de pagamento pelo Estado dos alimentos devidos a menores, na presente situação terá que entender-se que o Fundo poderá ser obrigado a pagar uma prestação de alimentos cujo montante não foi concretamente fixado relativamente às pessoas a quem incumbe prestar alimentos aos menores, por falta de meios do devedor para o efeito».
No mesmo registo, o acórdão dessa Relação, de 06.10.02, Abílio Costa, www.dgsi,pt.jtrp, proc. 0653974, defende que a não fixação de alimentos por impossibilidade do obrigado cabe no espírito da lei, ou por interpretação extensiva, sob pena de violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
O acórdão da Relação de Coimbra, de 08.02.12, Isaías Pádua, www.dgsi.pt.jtrc, proc. 886/06-5, embora entenda que deve ser fixada pensão de alimentos mesmo em caso de impossibilidade do obrigado, defende que, por razões de economia processual, deve impor-se logo na sentença de regulação do exercício do poder paternal a prestação de alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos em situações de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado.
Esta jurisprudência tem o mérito de destacar as insuficiências do regime do Fundo de Garantia de Alimentos: o problema não está no artigo 2004.º CC, mas sim na concepção restritiva da intervenção do Fundo, reflectida no artigo 1º da Lei 75/98, de 19.11. J. Remédio Marques, op, cit., pg. 236-7, prefere a solução da fixação de uma pensão através da quantificação da capacidade laboral e apuramento, pelo baixo, de uma quantia a título de pensão de alimentos, subtraída a quantia equivalente ao mínimo de subsistência do devedor. No entanto, e para as situações de inactividade voluntária, defende  que  deverão  ser  demandados  os restantes obrigados legais (cfr. artigo 2009.º CC).
E terá também de ser essa a solução para os casos de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado, ou de comprovada ausência de meios.
Assim, em caso de desconhecimento do paradeiro e situação económica do obrigado, ou de comprovada insuficiência de meios,  não é possível proceder à fixação de alimentos a menor que deles careça, devendo ser accionados os demais obrigados nos termos do artigo 2009.º CC..
E poderão ser accionados outros mecanismos de protecção de menores a nível da Segurança Social.
Do exposto resulta que o artigo 2004.º CC, que está na base da contestação da sentença sob recurso não padece de nenhuma inconstitucionalidade.  Esta questão só pode ser equacionada  relativamente ao regime restritivo estabelecido pelo diploma que regula a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos. A ocorrerem as apontadas inconstitucionalidades,  elas derivam de o Fundo só intervir quando o obrigado falha a sua obrigação, e não sempre que um menor apresente situação de carência.
Não há, pois,  que subverter o regime do artigo 2004.º CC, já que o problema se põe a jusante, quando não se pode fazer intervir o Fundo de Garantia de Alimentos.    

3. Novamente inconformado, interpôs o MºPº a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

  1.      Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde deste, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação - artigo 1878° n° 1 do Código Civil;

2.         O direito dever/dever de prover ao sustento do filho, inerente ao exercício das responsabilidades parentais, tem assento constitucional [art0 36° n° 3 e 5 da CRP] e decorre, igualmente, do disposto no art0 2009° n° 1, alínea c) do Código Civil;

3.         A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar, impõe que o tribunal lhe confira o necessário conteúdo, fixando-se sempre alimentos ao menor que deles careça;

4.         A circunstância de ser desconhecida a situação económico e financeira do progenitor - ausente em parte incerta - não deve impedir, antes obriga a que o tribunal, na defesa do superior interesse dos menores, proceda à fixação (quantitativamente) dos alimentos devidos;

5.         Só essa fixação e o consequente incumprimento por parte do devedor, permite que o Fundo de Alimentos Devidos a Menores possa vir a

6.         assegurar (subsidiariamente) o pagamento dessas prestações, nos termos previsto pela Lei n° 75/98, de 19/11 [art0 1°];

7.         A não fixação de alimentos a menores, por ser desconhecido o paradeiro do seu progenitor e impossibilidade daí decorrente de poder aceder àquele Fundo, coloca-os num situação de manifesta desigualdade perante outros menores relativamente aos quais fosse possível apurar a situação económica dos pais;

8.         O que viola o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no art0 13° da CRP.

9.         Posição, esta, que tem vindo a ser sufragada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente pelos seus acórdão de 12.Jul.2011 e de 27.Set.2011, proferidos nos processos n°s 4231/09.0TBGMR.G1.S1 e 4393/08.3TBAMD.L1.S1,

10.       respectivamente, de que se faz eco;

11.0 acórdão recorrido, ao omitir a fixação de pensão de alimentos aos menores violou, designadamente, os art°s 1878°, 2003° e 2004° do Código Civil, art° Io da Lei n° 75/98, de 19/11 e art°s 36° n°s 3 e 5 e 13° da CRP

Termos em que, concedendo-se a revista, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o recorridoDD - pai dos menores - a pagar a cada um dos seus  filhos   gémeos  BB  e CC o montante de € 120,00, a título de pensão de alimentos.

   O recorrido, através do defensor oficioso, pugna, na contra alegação que apresentou, pela manutenção da solução que obteve vencimento no acórdão recorrido.

         4. A questão a dirimir – de contornos claramente normativos e, por isso, susceptível de integrar o objecto de um recurso de revista –consiste, portanto, em saber se deve o tribunal fixar uma prestação alimentícia a menor que dela careça quando seja desconhecido o paradeiro do progenitor, obrigado à prestação de alimentos, ignorando-se, por isso, se trabalha ou tem algum tipo de rendimentos.

   Como é evidente, o interesse prático na fixação judicial dos alimentos devidos a menor, em situações com os contornos da dos presentes autos, não é obviamente obter o reconhecimento judicial da obrigação alimentar do progenitor ausente para, de seguida, executar coercivamente tal obrigação, mas antes possibilitar o funcionamento efectivo do mecanismo legal da garantia dos alimentos devidos a menores, já que a Lei 75/98 condiciona expressamente a prestação assistencial pública, aí prevista, à existência de uma sentença condenatória da pessoa judicialmente obrigada a prestá-los.

   E, como decorre das amplas citações jurisprudenciais constantes dos presentes autos, têm efectivamente existido entendimentos diferenciados, ao nível das Relações, sobre esta matéria.

   Porém – e no que se refere à jurisprudência do STJ – verifica-se, bem pelo contrário, que, de modo uniforme e reiterado, se vem decidindo, em jurisprudência muito recente e nas várias Secções Cíveis deste Supremo, no sentido de que a ausência em parte incerta do progenitor vinculado à prestação de alimentos ou a falta de condições económicas para a prestação de um montante adequado à subsistência do filho não devem precludir a fixação de alimentos, já que tal omissão iria pôr em causa interesses e direitos fundamentais do menor.

   Assim, no Ac. de 12/7/11, proferido no P. 4231/09.0TBGMR.G1.S1, considerou o STJ:

O princípio constitucional da igualdade jurídica dos progenitores criou a obrigação de ambos concorrerem para o sustento dos filhos, proporcionalmente, aos seus rendimentos e proventos, e às necessidades e capacidade de trabalho do alimentando, de modo a assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento dos menores.

II - Não visando a prestação do FGADM (Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores) substituir, definitivamente, a obrigação legal de alimentos devida a menores, mas antes propiciar uma prestação a forfait de um montante, por regra, equivalente ao que fora fixado, judicialmente, constitui pressuposto necessário e indispensável da intervenção subsidiária, de natureza garantística, do mesmo, que a pessoa visada, para além de estar vinculada, por lei, à obrigação de alimentos, tenha ainda sido, judicialmente, condenada a prestá-los ao menor, em consequência de uma antecedente decisão, mesmo que não transitada em julgado, sob pena de se vedar ao filho carenciado o acesso a essa prestação social, com o argumento de que não existiria pessoa, judicialmente, obrigada a prestar alimentos ao mesmo.

III - A específica natureza da obrigação fundamental de prestação de alimentos permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter em causa, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor dos alimentos, em certo momento temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando, obviamente, compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação do progenitor procurar, activamente, exercitar uma actividade profissional geradora de rendimentos, que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental.

IV - Constituindo a prestação de alimentos, a cargo dos progenitores, simultaneamente, uma obrigação do progenitor e um direito subjectivo do filho menor, a determinação do seu quantitativo contende apenas com aquele valor que exceda o mínimo, estritamente, indispensável à sua subsistência, porquanto este, por imperativo ético e social inalienável, não susceptível de retórica argumentativa, não pode deixar de ser atribuído a qualquer ser humano, maxime, a um menor, sob pena de se tratar de uma realidade metafísica, a acentuar ainda mais a já débil fragilidade da garantia dos direitos pessoais familiares, e de não constituir um “poder-dever”.

V - A prestação de alimentos pelo progenitor, a favor do menor, tem como expressão mínima o valor diferencial existente entre a capitação dos rendimentos dos membros do agregado familiar em que se integra e o rendimento líquido correspondente ao salário mínimo nacional.

No mesmo sentido, decidiu-se no Ac. de 27/9/11, proferido no P. 4393/08.3TBAMD.L1.S1:

I - A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua.

II - Mesmo no caso de se desconhecer o paradeiro e a situação económica do progenitor, deve fixar-se a pensão de alimentos devidos a menor.

III - Não o fazer, deixando para o futuro, de duração incerta se não mesmo inalcançável, campo para novas iniciativas por banda da mãe dos menores ou do MP com o objectivo de descobrir o paradeiro do requerido-pai e as suas condições de vida ou expectar o seu surgimento, compromete inevitavelmente a eficácia jurídica da satisfação das necessidades básicas dos menores alimentandos, prolongando no tempo de forma injustificada a carência continuada de recebimento de qualquer prestação social de alimentos

Tal como, no recente Ac. de 29/3/12, proferido no P. 2213/09.0TMPRT.P1.S1, se considerou:

-I O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que desconheça a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos.

II - O interesse do menor sobreleva a indeterminação ou não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos, cabendo a este o ónus da prova da impossibilidade total ou parcial da prestação de alimentos.

No mesmo sentido, vejam-se ainda :

-o Ac. de 15/5/12 , proferido no P. 2792/08.0TBAMD.L1.S1, em que se decidiu:

- I O tribunal deve fixar prestação alimentar a favor do menor, a suportar pelo progenitor, mesmo quando o paradeiro e condições sócio-económicas deste se desconheçam.

II - A fixação do montante da pensão alimentar a prestar pelo progenitor a filho é da exclusiva competência das instâncias.

- o Ac. de 22/5/12, proferido no P. 5168/08.5TBAMD.L1.S1. em que se decidiu identicamente que:

Em acção de regulação de exercício do poder paternal deve ser fixada a pensão alimentar devida a menor, mesmo que seja desconhecida a situação sócio-económica do progenitor-pai, a cargo de quem não ficou o menor.

   É a esta firme e reiterada corrente jurisprudencial que se adere, por se entender que a tutela do interesse fundamental do menor tem efectivamente de prevalecer sobre quaisquer constrangimentos ou dificuldades procedimentais ou práticas que hajam obstado à aquisição processual de factos relevantes para aferir da capacidade económica do progenitor, vinculado pelo dever fundamental de custear prestação que garanta o direito a uma sobrevivência condigna do seu filho menor: não existindo, no caso, outros possíveis responsáveis subsidiários pela prestação alimentar e não parecendo viável, de jure constituto, realizar uma interpretação correctiva dos pressupostos da subrogação do Fundo de Garantia de Alimentos, que, pura e simplesmente, prescinda da prévia fixação judicial da prestação alimentar, expressamente prevista na lei, o abandonar a fixação de alimentos a cargo do progenitor com base numa indefinição factual sobre as capacidades contributivas do progenitor acabaria por conduzir a uma insuportável lesão do referido direito fundamental, ao privar totalmente o menor da prestação alimentar de que carecia num caso em que a sua situação de fragilidade e dependência ( acentuada pela ausência do progenitor) seria provavelmente mais intensa.

   Não é, por outro lado, esta seguramente a única situação em que os tribunais, através de juízos de prognose, porventura delicados, de presunções naturais ( por exemplo, a de que o progenitor ausente deterá seguramente um patamar mínimo de rendimento, de  valor equiparável ao salário mínimo ou, ao menos, ao rendimento social de inserção), do apelo a critérios e juízos de equidade acabam por ter de tomar decisões sobre matérias que se revelam de impossível apuramento consistente através dos factos e provas efectivamente produzidas nos autos ( basta pensar na fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros sofridos por lesado menor, em que não é identicamente viável formular juízos minimamente seguros e consistentes sobre o curso hipotético dos factos, sem que por isso o julgador não acabe por ter de dirimir efectiva e actualmente o litígio, através dos elementos disponíveis).

         5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se provimento à revista, revogando o acórdão recorrido, que deverá ser reformulado fixando-se prestação alimentar a favor dos menores, a suportar pelo respectivo progenitor, apesar de o paradeiro e condições sócio-económicas deste serem desconhecidos no processo.

   Custas pelo recorrido.

Lisboa, 08 de Maio de 2013

Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor