Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DO REGO | ||
Descritores: | ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES FIXAÇÃO JUDICIAL PROGENITOR AUSENTE EM PARTE INCERTA INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA | ||
Data do Acordão: | 05/08/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA / FILIAÇÃO / ALIMENTOS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1878.º, N.º1, 2003.º, 2004.º. LEI N° 75/98, DE 19-11. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 12/7/11, PROCESSO N.º 4231/09.0TBGMR.G1.S1; -DE 27/9/11, PROCESSO N.º 4393/08.3TBAMD.L1.S1; -DE 29/3/12, PROCESSO N.º 2213/09.0TMPRT.P1.S1; -DE 15/5/12, PROCESSO N.º 2792/08.0TBAMD.L1.S1; -DE 22/5/12, PROCESSO N.º 5168/08.5TBAMD.L1.S1. | ||
Sumário : | O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que se desconheça no processo a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos, num caso em que se não vislumbra a existência de responsáveis subsidiários pela dívida alimentar, já que o interesse fundamental do menor sobreleva a indeterminação factual dos meios de subsistência do obrigado a alimentos – cabendo às instâncias, através do recurso a presunções naturais e a juízos de equidade, estabelecer um patamar mínimo de rendimento presumível, com base no qual fixarão a contribuição a cargo do progenitor ausente, a suportar efectivamente pelo Fundo de Garantia de Alimentos a Menores. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na acção da regulação do exercício das responsabilidades parentais, intentada por AA relativamente aos menores BB e CC, na qual o progenitor foi citado editalmente, foi proferida sentença em que se decidiu que o pai nada pagaria mensalmente, sem prejuízo de, futuramente, logo que a sua situação económica fosse eventualmente conhecida, se fixar contribuição para os alimentos. Inconformado com este sentido decisório, apelou o MºPº, tendo a Relação começado por fixar a matéria de facto relevante, nos seguintes termos: a) Os menores nasceram, respectivamente, no dia 15.10.01 e são filhos de DD e de EE; b) Os pais nunca casaram ou viveram maritalmente encontrando-se separados, residindo a mãe na travessa da........, ....,....Esq. ..., Gondomar e o pai algures; c) Os menores vivem actualmente com a mãe, onde preferem estar; d) A mãe não trabalha, tem problemas de foro oncológico, auferindo RSI de € 691,29 e abono de família de € 180,76, reside com 05 filhos dos 23 aos 11 anos de idade; e) Habitam um apartamento social T4 com boas condições de habitabilidade num agregado familiar composto por 06 pessoas; f) As despesas fixas mensais são as normais e correntes e da ordem dos € 270,00, a que acrescem as de alimentação, vestuário, calçado; g) O seu agregado apresenta estabilidade emocional; h) A mãe revela ligação afectiva e maternal com os menores e vice - versa; i) Os menor têm visto razoavelmente satisfeitas as necessidades básicas imediatas, materiais e afectuosas e estudam; j) Os menores estão bem integrados no seu meio social e escolar; k) O progenitor tem-se revelado completamente alheado do processo educativo dos menores, não visitando nem contactando; l) Não demonstra ligação afectiva para com os mesmos, mostrando –se, pouco atento ao percurso desenvolvencional do/a/s menor/es, em nada contribuindo para o seu sustento. m) Desconhece-se se trabalha ou se tem algum tipo de rendimentos. 3. Novamente inconformado, interpôs o MºPº a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões: 1. Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde deste, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação - artigo 1878° n° 1 do Código Civil; 2. O direito dever/dever de prover ao sustento do filho, inerente ao exercício das responsabilidades parentais, tem assento constitucional [art0 36° n° 3 e 5 da CRP] e decorre, igualmente, do disposto no art0 2009° n° 1, alínea c) do Código Civil; 3. A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar, impõe que o tribunal lhe confira o necessário conteúdo, fixando-se sempre alimentos ao menor que deles careça; 4. A circunstância de ser desconhecida a situação económico e financeira do progenitor - ausente em parte incerta - não deve impedir, antes obriga a que o tribunal, na defesa do superior interesse dos menores, proceda à fixação (quantitativamente) dos alimentos devidos; 5. Só essa fixação e o consequente incumprimento por parte do devedor, permite que o Fundo de Alimentos Devidos a Menores possa vir a 6. assegurar (subsidiariamente) o pagamento dessas prestações, nos termos previsto pela Lei n° 75/98, de 19/11 [art0 1°]; 7. A não fixação de alimentos a menores, por ser desconhecido o paradeiro do seu progenitor e impossibilidade daí decorrente de poder aceder àquele Fundo, coloca-os num situação de manifesta desigualdade perante outros menores relativamente aos quais fosse possível apurar a situação económica dos pais; 8. O que viola o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado no art0 13° da CRP. 9. Posição, esta, que tem vindo a ser sufragada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente pelos seus acórdão de 12.Jul.2011 e de 27.Set.2011, proferidos nos processos n°s 4231/09.0TBGMR.G1.S1 e 4393/08.3TBAMD.L1.S1, 10. respectivamente, de que se faz eco; 11.0 acórdão recorrido, ao omitir a fixação de pensão de alimentos aos menores violou, designadamente, os art°s 1878°, 2003° e 2004° do Código Civil, art° Io da Lei n° 75/98, de 19/11 e art°s 36° n°s 3 e 5 e 13° da CRP Termos em que, concedendo-se a revista, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que condene o recorridoDD - pai dos menores - a pagar a cada um dos seus filhos gémeos BB e CC o montante de € 120,00, a título de pensão de alimentos. O recorrido, através do defensor oficioso, pugna, na contra alegação que apresentou, pela manutenção da solução que obteve vencimento no acórdão recorrido. 4. A questão a dirimir – de contornos claramente normativos e, por isso, susceptível de integrar o objecto de um recurso de revista –consiste, portanto, em saber se deve o tribunal fixar uma prestação alimentícia a menor que dela careça quando seja desconhecido o paradeiro do progenitor, obrigado à prestação de alimentos, ignorando-se, por isso, se trabalha ou tem algum tipo de rendimentos. Como é evidente, o interesse prático na fixação judicial dos alimentos devidos a menor, em situações com os contornos da dos presentes autos, não é obviamente obter o reconhecimento judicial da obrigação alimentar do progenitor ausente para, de seguida, executar coercivamente tal obrigação, mas antes possibilitar o funcionamento efectivo do mecanismo legal da garantia dos alimentos devidos a menores, já que a Lei 75/98 condiciona expressamente a prestação assistencial pública, aí prevista, à existência de uma sentença condenatória da pessoa judicialmente obrigada a prestá-los. E, como decorre das amplas citações jurisprudenciais constantes dos presentes autos, têm efectivamente existido entendimentos diferenciados, ao nível das Relações, sobre esta matéria. Porém – e no que se refere à jurisprudência do STJ – verifica-se, bem pelo contrário, que, de modo uniforme e reiterado, se vem decidindo, em jurisprudência muito recente e nas várias Secções Cíveis deste Supremo, no sentido de que a ausência em parte incerta do progenitor vinculado à prestação de alimentos ou a falta de condições económicas para a prestação de um montante adequado à subsistência do filho não devem precludir a fixação de alimentos, já que tal omissão iria pôr em causa interesses e direitos fundamentais do menor. Assim, no Ac. de 12/7/11, proferido no P. 4231/09.0TBGMR.G1.S1, considerou o STJ: O princípio constitucional da igualdade jurídica dos progenitores criou a obrigação de ambos concorrerem para o sustento dos filhos, proporcionalmente, aos seus rendimentos e proventos, e às necessidades e capacidade de trabalho do alimentando, de modo a assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento dos menores. II - Não visando a prestação do FGADM (Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores) substituir, definitivamente, a obrigação legal de alimentos devida a menores, mas antes propiciar uma prestação a forfait de um montante, por regra, equivalente ao que fora fixado, judicialmente, constitui pressuposto necessário e indispensável da intervenção subsidiária, de natureza garantística, do mesmo, que a pessoa visada, para além de estar vinculada, por lei, à obrigação de alimentos, tenha ainda sido, judicialmente, condenada a prestá-los ao menor, em consequência de uma antecedente decisão, mesmo que não transitada em julgado, sob pena de se vedar ao filho carenciado o acesso a essa prestação social, com o argumento de que não existiria pessoa, judicialmente, obrigada a prestar alimentos ao mesmo. III - A específica natureza da obrigação fundamental de prestação de alimentos permite compreender que, na fixação judicial dos alimentos devidos, o tribunal deva ter em causa, não apenas, de forma redutora, o estrito montante pecuniário auferido pelo devedor dos alimentos, em certo momento temporal, mas, de forma ampla e abrangente, toda a situação patrimonial e padrão de vida deste, incluindo a sua capacidade laboral futura, estando, obviamente, compreendido no dever de educação e sustento dos filhos a obrigação do progenitor procurar, activamente, exercitar uma actividade profissional geradora de rendimentos, que permita o cumprimento mínimo daquele dever fundamental. IV - Constituindo a prestação de alimentos, a cargo dos progenitores, simultaneamente, uma obrigação do progenitor e um direito subjectivo do filho menor, a determinação do seu quantitativo contende apenas com aquele valor que exceda o mínimo, estritamente, indispensável à sua subsistência, porquanto este, por imperativo ético e social inalienável, não susceptível de retórica argumentativa, não pode deixar de ser atribuído a qualquer ser humano, maxime, a um menor, sob pena de se tratar de uma realidade metafísica, a acentuar ainda mais a já débil fragilidade da garantia dos direitos pessoais familiares, e de não constituir um “poder-dever”. V - A prestação de alimentos pelo progenitor, a favor do menor, tem como expressão mínima o valor diferencial existente entre a capitação dos rendimentos dos membros do agregado familiar em que se integra e o rendimento líquido correspondente ao salário mínimo nacional. No mesmo sentido, decidiu-se no Ac. de 27/9/11, proferido no P. 4393/08.3TBAMD.L1.S1: I - A essencialidade de que se reveste para o interesse do menor a prestação alimentar impõe ao tribunal que lhe confira o necessário conteúdo, não se podendo dar, e ter, por satisfeita pela constatação da falta de elementos das condições económicas do progenitor requerido, particularmente se por ausência deste em parte incerta ou de colaboração sua. Tal como, no recente Ac. de 29/3/12, proferido no P. 2213/09.0TMPRT.P1.S1, se considerou: -I O tribunal deve proceder à fixação de alimentos a favor do menor, ainda que desconheça a concreta situação de vida de um dos progenitores obrigado a alimentos. II - O interesse do menor sobreleva a indeterminação ou não conhecimento dos meios de subsistência do obrigado a alimentos, cabendo a este o ónus da prova da impossibilidade total ou parcial da prestação de alimentos. No mesmo sentido, vejam-se ainda : -o Ac. de 15/5/12 , proferido no P. 2792/08.0TBAMD.L1.S1, em que se decidiu: - I O tribunal deve fixar prestação alimentar a favor do menor, a suportar pelo progenitor, mesmo quando o paradeiro e condições sócio-económicas deste se desconheçam. - o Ac. de 22/5/12, proferido no P. 5168/08.5TBAMD.L1.S1. em que se decidiu identicamente que: Em acção de regulação de exercício do poder paternal deve ser fixada a pensão alimentar devida a menor, mesmo que seja desconhecida a situação sócio-económica do progenitor-pai, a cargo de quem não ficou o menor. É a esta firme e reiterada corrente jurisprudencial que se adere, por se entender que a tutela do interesse fundamental do menor tem efectivamente de prevalecer sobre quaisquer constrangimentos ou dificuldades procedimentais ou práticas que hajam obstado à aquisição processual de factos relevantes para aferir da capacidade económica do progenitor, vinculado pelo dever fundamental de custear prestação que garanta o direito a uma sobrevivência condigna do seu filho menor: não existindo, no caso, outros possíveis responsáveis subsidiários pela prestação alimentar e não parecendo viável, de jure constituto, realizar uma interpretação correctiva dos pressupostos da subrogação do Fundo de Garantia de Alimentos, que, pura e simplesmente, prescinda da prévia fixação judicial da prestação alimentar, expressamente prevista na lei, o abandonar a fixação de alimentos a cargo do progenitor com base numa indefinição factual sobre as capacidades contributivas do progenitor acabaria por conduzir a uma insuportável lesão do referido direito fundamental, ao privar totalmente o menor da prestação alimentar de que carecia num caso em que a sua situação de fragilidade e dependência ( acentuada pela ausência do progenitor) seria provavelmente mais intensa. Não é, por outro lado, esta seguramente a única situação em que os tribunais, através de juízos de prognose, porventura delicados, de presunções naturais ( por exemplo, a de que o progenitor ausente deterá seguramente um patamar mínimo de rendimento, de valor equiparável ao salário mínimo ou, ao menos, ao rendimento social de inserção), do apelo a critérios e juízos de equidade acabam por ter de tomar decisões sobre matérias que se revelam de impossível apuramento consistente através dos factos e provas efectivamente produzidas nos autos ( basta pensar na fixação de indemnização por danos patrimoniais futuros sofridos por lesado menor, em que não é identicamente viável formular juízos minimamente seguros e consistentes sobre o curso hipotético dos factos, sem que por isso o julgador não acabe por ter de dirimir efectiva e actualmente o litígio, através dos elementos disponíveis). 5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, concede-se provimento à revista, revogando o acórdão recorrido, que deverá ser reformulado fixando-se prestação alimentar a favor dos menores, a suportar pelo respectivo progenitor, apesar de o paradeiro e condições sócio-económicas deste serem desconhecidos no processo. Custas pelo recorrido. Lisboa, 08 de Maio de 2013 Lopes do Rego (Relator) Orlando Afonso Távora Victor |