Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
248/17.9T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
ALCOOLEMIA
IMPUTAÇÃO DO ACIDENTE
Data do Acordão: 03/07/2019
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 674.º, N.º 3.
REGIME DO SISTEMA DE SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL, APROVADO PELO DL Nº 291/07, DE 21-08: - ARTIGO 27.º, N.º 1, ALÍNEA C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 06-07-2011, PROCESSO N.º 129/08, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-11-2013, PROCESSO N.º 995/10;
- DE 21-01-2014, PROCESSO N.º 21/09;
- DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 1253/07;
- DE 09-10-2014, PROCESSO N.º 582/11;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 1305/12;
- DE 07-02-2017, PROCESSO N.º 29/13;
- DE 06-04-2017, PROCESSO N.º 1658/14;
- DE 19-12-2018, PROCESSO N.º 3454/15.
Sumário :
1. Está fora das atribuições do Supremo, enquanto Tribunal de revista, sindicar o modo como a Relação reapreciou os meios de prova sujeitos a livre apreciação ou fez uso de presunções legais, fora dos estreitos limites do art. 674º, nº 3, do CPC.

2. Em face do art. 27º, nº 1, al. c), do DL nº 291/07, de 21-8, procede a ação de regresso numa situação em que se apurou que o veículo segurado abalroou uma viatura que se encontrava parada e devidamente sinalizada numa via que formava uma reta numa localidade, estando o condutor daquele veículo com uma taxa de 0,92 gr/l e sob influência do álcool, e seguindo a uma velocidade superior a 90 kms/h.

Decisão Texto Integral:

I - AA, SA, propôs a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra BB peticionando a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 69.987,27, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

Alegou, para o efeito, que segurava a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ...-VH conduzido pelo R. com uma taxa de alcoolemia no sangue de 0,92 gr/l, o qual deu causa a um embate num veículo de recolha de resíduos sólidos urbanos e provocou lesões num trabalhador da CC, SA.

Em consequência disso, pagou indemnizações à Seguradora de acidentes do trabalho do dito lesado – DD, SA – e, depois de ele ter falecido, à sua mãe, no valor de € 45.437,74 e € 24.550,13, respetivamente, pelo que reclama o reembolso dessas quantias ao abrigo do disposto no art. 27º, nº 1, al. c) do DL nº 291/07, de 21-8.

O R. contestou, invocando que não teve culpa na produção do acidente e que não conduzia sob o efeito do álcool. Alegou ainda desconhecer os montantes pagos pela A. a título de indemnizações e arguiu a inconstitucionalidade da recolha de sangue para efeitos de deteção de álcool no sangue e consequentemente pugnou pela ilegalidade, invalidade e nulidade de tal meio de prova.

Realizou-se a audiência de julgamento, no âmbito da qual, face à notícia do trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do processo criminal (proc. nº 1325/10.2TBEPS, do Juízo Central Cível de ...), no qual as partes tiveram intervenção e foi discutido, apreciado e decidido o acidente de viação em litígio, foi considerada assente a factualidade atinente ao circunstancialismo e dinâmica deste nos exatos moldes constantes daquele aresto, porquanto tal decisão constitui caso julgado quanto ao R., nos termos do art. 323º, nº 4, do CPC.

No âmbito da audiência de discussão e julgamento, o R. aceitou o pagamento pela A. das quantias identificadas na petição inicial, a título de indemnização decorrentes do acidente de viação em causa.

A final foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou o R. a pagar à A. a quantia de € 69.987,27, acrescida de juros de mora, desde a data da citação até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

O R. apelou e a Relação confirmou a sentença.

Foi interposto recurso de revista excecional, o qual foi admitido, nele se suscitando as seguintes questões essenciais:

a) Se basta que o condutor se encontre etilizado para se concluir, como fizeram as instâncias, que existiu uma relação causal entre a ingestão do álcool e o acidente por via de presunção judicial;

b) Se é necessária demonstração de um nexo de causalidade entre a condução com alcoolemia e o acidente.

Houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos provados:

1. No dia 24-10-09, pelas 00.00 h, ocorreu um acidente de viação na EN nº 13, ao km 46,020, na freguesia e concelho de ..., em que intervieram o veículo automóvel pesado de limpeza urbana, de matrícula ...-QH, conduzido por EE, e o veículo automóvel ligeiro de mercadorias de matrícula ...-VH, conduzido pelo R. que habitualmente fruía e utilizava tal veículo.

2. Momentos antes do acidente ambos os veículos seguiam no sentido ... e o QH encontrava-se parado, junto à berma direita, atento o seu sentido, com os faróis traseiros e dianteiros ligados e com um farolim intermitente ligado sobre o tejadilho, sendo visível a mais de 200 metros;

3. FF seguia de pé sobre a plataforma traseira do QH, local próprio para o transporte dos trabalhadores que fazem a recolha dos resíduos sólidos urbanos e os introduzem no camião.

4. O veículo VH circulava a mais de 90 km/h.

5. O VH embateu com a parte frontal na parte traseira do QH e abalroou FF, projetando-o a uma distância superior a 20 metros.

6. O embate ocorreu dentro dos limites da cidade de Esposende, num local bem iluminado por potentes candeeiros de iluminação pública, junto a um cruzamento e a uma zona comercial, com circulação de peões.

7. O R. conduzia sob o efeito do álcool e após o embate, foi recolhido sangue ao R., tendo sido detetada a presença de álcool no sangue de 0,92 gr/litro.

8. A presença de álcool no sangue causou ao R. uma perturbação dos reflexos e da coordenação motora, uma diminuição da atenção e concentração, bem como uma lentidão na capacidade de reação e perceção, determinando o embate referido em 5.

9. Em consequência do embate, FF sofreu politraumatismos com fratura da coluna cervical, joelho esquerdo, da bacia e traumatismo crânio encefálico, com hemorragia subaracnoideia.

10. Do local do embate, FF foi transportado para o Hospital ..., onde permaneceu em observações durante a noite, após o que foi transferido para o Hospital de ..., tendo aí permanecido internado durante um mês, onde foi operado à coluna C1 e C2, consequente a lesões sofridas no acidente, após o que regressou ao Hospital ..., onde se manteve internado mais um mês.

11. Após a alta do Hospital..., e em consequência das lesões sofridas no acidente, foi acompanhado pelos serviços clínicos da A. no Hospital ..., onde foi submetido a nova intervenção cirúrgica à coluna cervical, e onde se manteve internado mais dois meses.

12. Após alta do Hospital ... e em consequência de lesões sofridas no acidente, realizou tratamentos de fisioterapia no Hospital ... até 19-8-10 e posteriormente de novo para o Hospital ....

13. Em consequência das lesões sofridas e após tratamento, FF sofreu de ansiedade, insónias, sonhos repetitivos, problemas cognitivos caracterizados por dificuldades de memória, cefaleias e irritabilidade fácil, teve sequelas dolorosas de fratura da bacia com limitação da mobilidade da anca e sequelas de fratura do prato tibial in situ, com instabilidade ligamentar, gonalgia e sinais de instabilidade articular com persistência de dores.

14. Ficou com cicatriz na face posterior do pescoço na região mediada com limitação da flexão e extensão, rigidez das rotações da coluna cervical limitadas a 30º para cada lado, sequelas de artrodese cirúrgica posterior C1-C3 e edema do pescoço.

15. Em consequência das referidas lesões e sequelas FF sofreu de dificuldades de locomoção em geral, não conseguia apoiar-se no joelho esquerdo, teve dores na zona da bacia e do pescoço, teve dificuldades em movimentar o pescoço, não conseguia levantar objetos pesados, o que determinava a necessidade de readaptação do posto de trabalho, por limitações no desempenho da sua atividade.

16. Em consequência das lesões sofridas no acidente, seus tratamentos e sequelas, FF ficou afetado de um défice funcional da integridade físico-psíquica de 27 pontos.

17. Em consequência das lesões sofridas no acidente e sequelas, FF sofreu dores físicas (fixando-se o quantum doloris no grau 5, numa escala de 1 a 7), sofreu um dano estético permanente de grau 3, numa escala de 1 a 7, sentimento de inferioridade face aos restantes indivíduos, permanente ansiedade, com receio de deixar de ser autónomo e ficar dependente de terceiros e perdeu a sua alegria e dinâmica próprias.

18. À data do embate, FF exercia a profissão de cantoneiro de limpeza e no momento em que aquele ocorreu estava ao serviço da sua entidade patronal, CC, S.A., proprietária do QH, onde seguia sob a sua autoridade e instruções.

19. À data do embate, a CC, SA, havia transferido para a DD, SA, a responsabilidade por acidentes de trabalho de que fossem vítimas os seus empregados, por via de contrato de seguro desse ramo - acidentes de trabalho-, titulado pela apólice 0010.10.092168.

20. A responsabilidade civil por danos causados pela circulação do veículo automóvel de matrícula ...-VH foi assumida pela A., mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., vigente à data do acidente.

21. FF instaurou o proc. nº 1325710.2TBEPS que correu termos na Instância Central, 1ª secção cível - ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., contra a ora A., na qualidade de empresa seguradora, à data do embate, do veículo VH, para desta haver a indemnização a que tinha direito em consequência das lesões que sofreu no acidente.

22. No processo referido em 21., intervieram o R., a DD, SA. (hoje GG, S.A.) e HH, mãe do FF, habilitada como única e universal herdeira deste, falecido em 11-3-15.

23. A DD, SA, ao abrigo do contrato referido em 19., por força das lesões sofridas pelo FF, pagou-lhe a quantia de € 7.159,69 a título de custos com despesas e internamentos hospitalares, transportes e outras obrigatórias, € 5.568,81 a título de indemnizações por incapacidades temporárias até 26-08-10 e € 32.709,24 a título de pagamento do capital de remição da pensão, tudo no total de € 45.437,74.

24. Face à responsabilidade do R. na produção do embate, a A. pagou à DD, seguradora de acidentes de trabalho, a quem assistia o direito de regresso dos valores suportados no âmbito do acidente de trabalho que, para o FF, o acidente de viação dos autos, também constituiu, o valor de € 45.437,74.

25. E, por força da sentença proferida no âmbito do processo identificado em 22., a A. pagou à habilitada HH a quantia de € 24.550,13, correspondente ao capital de € 20.000,00 e aos juros vencidos desde a data da citação até à data do pagamento.

 

III – Decidindo:

1. O R. insurge-se contra a manutenção na decisão da matéria de facto relacionada com a condução sob alcoolemia, considerando, por um lado, que a colheita de sangue só ocorreu duas horas depois do acidente e, por outro, que, não estando provado o grau de alcoolemia que detinha na ocasião em que ocorreu o acidente, não poderia considerar-se provada, mediante presunção judicial, a existência de um nexo de causal entre o acidente e a alcoolemia.

Pretende, na realidade, que este Supremo Tribunal de Justiça sindique a decisão da matéria de facto que foi enunciada pela 1ª instância e, depois, confirmada pela Relação que para o efeito procederam à apreciação e reapreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais.

No precedente recurso de apelação pretendeu o R. que se considerassem não provados os seguintes factos que a 1ª instância inscrevera na sentença:

- Que o R. conduzia sob o efeito do álcool;

- Que após o embate, foi recolhido sangue ao R., tendo sido detetada a presença de álcool no sangue de 0,92g/litro;

- E que a presença de álcool no sangue causou ao R. perturbação dos reflexos e da coordenação motora, diminuição da atenção e concentração, bem como lentidão na capacidade de reação e perceção, determinando o embate.

Cada um destes factos foi verificado pela Relação que procedeu à reapreciação dos meios de prova produzidos, concluindo, também por via de presunções judiciais, pela sua manutenção.

Tal decisão, na medida em que envolve a formulação de juízos sustentados na livre apreciação dos meios de prova, não está, por regra, submetida a recurso de revista, nos termos do art. 662º, nº 4, do CPC. Por outro lado, atento o disposto no art. 674º, nº 3, são limitados os poderes que o Supremo Tribunal de Justiça detém relativamente à matéria de facto que as instâncias considerem provada e não provada, o que apenas pode ocorrer em casos em que o erro de apreciação das provas decorra da violação de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que determine a sua força legal.

No aspeto formal, as instâncias procederam à ponderação dos meios de prova que foram produzidos num processo contraditório. Em termos materiais, nenhum dos factos relacionado com a condução sob efeito do álcool estava sujeito a prova tarifada ou resultou do não atendimento de algum meio de prova com valor vinculativo para as instâncias.

Tendo a Relação feito uso de presunções judiciais, não existe motivo para recusar a legitimidade de tal atuação, na medida em que, mais uma vez, se trata de factos que não rejeitam o uso de tal mecanismo decisório.

Ademais, os factos a que o recorrente e reporta nem sequer se enquadram na estreita faixa de situações em que porventura poderia justificar-se a ação cassatória do Supremo Tribunal de Justiça que, segundo a jurisprudência corrente, está reduzida a casos em que a base das presunções não apresenta qualquer logicidade (neste sentido cf. o Ac. do STJ de 4-11-16, relatado e subscrito pelos ora adjuntos, relativamente a um caso de alcoolemia).

No caso, quer a reapreciação dos meios de prova, quer o uso de presunções judiciais inscrevem-se na esfera de influência do princípio da livre apreciação das provas, não havendo razão alguma para sindicar e alterar a decisão da Relação.

Assim, quer o facto de a recolha de sangue ter ocorrido depois do acidente (o que é normal), quer a afirmação de que o R. conduzia sob efeito do álcool e que se verificava um nexo de causalidade entre a alcoolemia existente e o acidente não podem ser objeto de qualquer modificação por parte deste Supremo Tribunal de Justiça.

2. Questiona também o recorrente a interpretação que foi feita do regime jurídico aplicável ao caso. Considera que para que proceda a ação de regresso recai sobre a Seguradora a demonstração de um nexo de causalidade entre a alcoolemia e o acidente, o que não se verificaria em face da matéria de facto.

No caso concreto, provou-se que:

- Momentos antes do acidente ambos os veículos seguiam no sentido ... e o QH encontrava-se parado, junto à berma direita, atento o seu sentido, com os faróis traseiros e dianteiros ligados e com um farolim intermitente ligado sobre o tejadilho, sendo visível a mais de 200 metros;

- O lesado seguia de pé sobre a plataforma traseira do QH, local próprio para o transporte dos trabalhadores que fazem a recolha dos resíduos sólidos urbanos e os introduzem no camião, altura em que o veículo conduzido pelo R embate na parte traseira onde aquele seguia, provocando-lhe as lesões.

- O R. seguia a mais de 90 kms/h, ainda que dentro dos limites da cidade de ..., num local bem iluminado por potentes candeeiros de iluminação pública, junto a um cruzamento e a uma zona comercial, com circulação de peões.

- Depois do acidente foi feita a recolha de sangue no organismo do R., tendo sido detetada a presença de álcool no sangue de 0,92 gr/litro.

- Ademais, o R. conduzia sob o efeito do álcool cuja presença no seu organismo lhe causou uma perturbação dos reflexos e da coordenação motora, uma diminuição da atenção e concentração, bem como uma lentidão na capacidade de reação e perceção, determinando o embate.

3. Relativamente ao exercício do direito de regresso em casos de condução sob efeito do álcool, o AcUJ nº 6/02 fixou jurisprudência no sentido de fazer depender o seu reconhecimento da prova da existência de um nexo de causalidade entre esse facto ilícito e o acidente.

Numa ocasião em que a jurisprudência divergia em face do regime jurídico anterior, o Supremo Tribunal de Justiça fez prevalecer, através de tal aresto uniformizador, a tese segundo a qual recaía sobre a Seguradora que pretendesse exigir o direito de regresso o ónus de provar o nexo de causalidade entre a alcoolemia e o acidente, nos termos seguintes:

“A al. c) do art. 19º do DL nº 522/85, de 31-12, exige para a procedência do direito de regresso contra o condutor por ter agido sob influência do álcool o ónus da prova pela seguradora do nexo de causalidade adequada entre a condução sob o efeito do álcool e o acidente”.

Porém, como arestos anteriores já o haviam demonstrado, logo se verificou que a aplicação da referida jurisprudência determinava, na prática, a inviabilidade de as Seguradoras ultrapassarem as exigências probatórias, o que, em regra, ficava reservado para casos em que o grau de alcoolemia era de tal modo elevado que notoriamente influía (por via de presunção judicial) na capacidade de condução automóvel. Como efeito dessa prova diabollica, sucediam-se as decisões que julgavam improcedentes as ações de regresso.

Por esse motivo, na revisão do regime do seguro obrigatório de responsabilidade automóvel, através do Dec. Lei nº 291/07, de 21-8, consagrou-se expressis verbis a solução oposta, a qual ficou inscrita no art. 27º, nº 1, al. c), nos termos do qual “satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso … contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida, ou acusar consumo de estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos”.

Deste modo, por via desta intervenção legislativa, caducou aquela jurisprudência uniformizadora, sendo agora inequívoco que a Seguradora já não tem de demonstrar a existência da aludida relação de causalidade, bastando que se apure, por um lado, que, na ocasião do embate, o condutor apresentava taxa de alcoolemia superior à legalmente permitida, e que, por outro lado, o mesmo foi o responsável pelo acidente, ou seja, que o acidente lhe é imputável a título de culpa efetiva ou presumida.

4. Esta é a solução que emerge, praticamente de modo uniforme, da jurisprudência deste Supremo, sendo claramente minoritário o aresto que o recorrente invoca em sentido diverso (o Ac. do STJ de 6-7-11, 129/08, em www.dgsi.pt).

Outros arestos, mais numerosos e mais recentes, revelam a adesão a uma interpretação que, em face do dispositivo legal em vigor, prescinde da demonstração do nexo de causalidade entre a alcoolemia e o acidente: Acs. do STJ de 28-11-13, 995/10, de 21-1-14, 21/09, de 7-5-14, 1253/07, de 9-10-14, 582/11, de 14-7-16, 1305/12, de 7-2-17, 29/13 ou de 6-4-17, 1658/14.

No caso concreto, a solução é ainda mais simples, na medida em que até se provou a existência do nexo de causalidade: “o R. conduzia sob o efeito do álcool”, cuja presença “no sangue causou ao R. uma perturbação dos reflexos e da coordenação motora, uma diminuição da atenção e concentração, bem como uma lentidão na capacidade de reação e perceção”.

O condutor segurado conduzia com alcoolemia superior à legal e, além disso, o acidente foi causalmente imputado ao seu comportamento, na medida em que seguindo com velocidade excessiva, numa localidade e numa via reta bem iluminada, não conseguiu evitar o embate na traseira do veículo em que seguia o lesado.

Ademais, nem sequer se coloca o problema da falta de influência da alcoolemia no concreto acidente (a que se alude no Ac. do STJ de 19-12-18, 3454/15), na medida em que a mesma está demonstrada, não havendo dúvida que foi também devido à influência alcoólica que ocorreu o embate.

Por conseguinte, sempre a ação teria de proceder.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Notifique.

Lisboa, 7-3-19

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo (com declaração de voto que junto)

__________


Declaração de voto

Votei o acórdão com fundamento no facto de a Relação ter dado como provada, no uso de presunções judiciais, a verificação de nexo de causalidade.


Maria da Graça Trigo