Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2669
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: AGRAVO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Nº do Documento: SJ20080219026696
Data do Acordão: 02/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO SE TOMOU CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário :
I. A introdução do disposto no nº 3 do art. 456º do Cód. de Proc. Civil visou permitir recurso, em um grau, independentemente do valor da causa e da sucumbência.
II. A admissibilidade de um segundo grau de recurso em matéria de litigância de má fé, está dependente do funcionamento das regras gerais sobre admissibilidade de recurso.
III. Por isso, o recurso de agravo interposto de decisão da Relação que confirmou a condenação da 1ª instância, em matéria de litigância de má fé, independentemente do valor da sucumbência, não é admissível por força da restrição do nº 2 do art. 754º do mesmo diploma legal, salvo se se verificar alguma das excepções previstas naquele nº 2 e no nº 3 do mesmo artigo.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

Nos presentes autos de acção com processo ordinário em que são autores a Companhia de Seguros AA, S. A. e ré BB Portuguesa – que, por dissolução desta, foi substituída pelos seus sucessores BB – Konzern Allgemeine Versichenungs – Aktiengesellschaft e Rolf BB -, proposta na 1ª Vara Mista de Sintra, foram os réus absolvidos da instância, mas foram estes condenados como litigantes de má fé em multa e indemnização.
Pelos réus foi interposto recurso de apelação e como tal recebido, onde apenas foi impugnada a condenação dos réus como litigantes de má fé.
Julgada a apelação improcedente, vieram os réus interpor recurso de revista em que impugnaram a condenação como litigantes de má fé, tendo sido recebido tal recurso como revista.
No despacho liminar o presente Relator mandou seguir a forma de agravo, por ser a aplicável à presente questão litigiosa, decisão esta de que reclamaram os recorrentes, para a conferência que confirmou aquela.
No mesmo despacho liminar foi mandado ouvir as partes sobre a questão que o Ministério Público levantou no sentido da inadmissibilidade do recurso.
Apenas os recorrentes se pronunciaram no sentido da admissibilidade do presente recurso com fundamento no valor da acção e da condenação dos recorrentes na decisão impugnada.
Por despacho do relator não foi admitido o presente agravo, tendo os recorrentes reclamado para a presente conferência, defendendo que a decisão seja proferida pelo plenário das secções cíveis.
Tendo este julgamento ampliado sido rejeitado pelo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, cumpre apreciar e decidir a reclamação.
O art. 456º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil estipula que independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.
Esta disposição legal foi introduzida na reforma processual do Dec.Lei nº 180/96 de 25/09 e visou permitir sempre um grau de recurso numa situação em que por força das regras gerais do valor e da sucumbência raramente era admissível o recurso.
O legislador foi sensível à reclamação nesse sentido da Ordem dos Advogados, no Parecer da Comissão de Legislação da Ordem dos Advogados sobre o Anteprojecto do Código de Processo Civil, da autoria de Armindo Ribeiro Mendes e Lebre de Freitas, publicado na Revista da Ordem dos Advogados, 1990. II, pág. 656, no sentido de haver sempre um grau de recurso em matéria de condenação como litigante de má fé.
Discute-se na jurisprudência a questão de saber se além do recurso sempre admitido nesta matéria, também haverá recurso se as regras gerais o permitirem.
Por outras palavras, diremos que se discute a questão de saber se o citado nº 3 do art. 456º veio admitir um grau de recurso num caso em que pelo funcionamento das regras gerais, raramente haveria recurso, deixando a funcionar para a existência de outro grau de recurso, as regras gerais, ou se aquela disposição do citado nº 3 veio limitar a um grau de recurso, com restrição às regras gerais sobre admissibilidade de recurso.
Chegamos à conclusão, repensando opinião anterior do presente Relator, de que a história do preceito referido aponta para a intenção do legislador de permitir um grau de recurso em casos em que por funcionamento das regras gerais sobre admissibilidade de recurso raramente este era permitido, sem que tenha sido intenção do legislador tocar no funcionamento das demais regras gerais sobre a admissibilidade dos recursos.
Tal conclusão é retirada, desde logo, do texto da lei, ao referir haver sempre um grau de recurso e não conter a expressão “somente”, ou vocábulo equivalente.
Por outro lado a história do preceito ao vir dar satisfação a uma pretensão dos advogados de em matéria de alguma delicadeza ou melindre, como é a condenação como litigante de má fé, ser sempre admitido um grau de recurso, em casos em que as regras gerais sobre a admissibilidade dos recursos, o não admitiriam.
Assim, ensina o Proc.-Geral-Adjunto Dr. Carlos Lopes do Rego, nos seus Comentários ao Cód. de Proc, Civil, vol. I, pág. 391 da 2ª ed., ao dizer que “tendo em conta a inovatória ampliação do âmbito da litigância de má fé e da sucumbência que a tal condenação, seja qual for o montante da sanção cominada, sempre se deveria atribuir”.
Por isso, atento o citado nº 3 do art. 456º, a admissão do presente recurso se tem de aferir de acordo com as regras gerais que regulam a admissibilidade dos recursos.
Tem sido esta a opinião, maioritária deste Supremo, segundo pensamos, citando-se a título de exemplo, os acs. de 12-12-2002, na revista nº 2997/02 - 1ª secção e de 27-11-2003 proferido no recurso nº 3644/03 – 7ª secção.
Tratando-se no caso de recurso de agravo, aplica-se-lhe o disposto no art. 754º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil que estipula que cabe recurso de agravo para o Supremo Tribunal do acórdão da Relação de que seja admissível recurso, salvo os casos em que couber revista ou apelação.
Já vimos que ao caso cabe o recurso de agravo e não o de apelação ou de revista.
Por outro lado, atento o valor do incidente de má fé e a respectiva sucumbência, caberia recurso nos termos do nº 1 do art. 678º do mesmo código.
Porém, no nº 2 do mencionado art. 754º, consta a restrição de que não é admissível recurso do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação e não houver sido fixado pelo Supremo, nos termos do arts. 732º-A e 732º-B do mesmo código, jurisprudência com ele conforme.
Por outro lado, o nº 3 do mesmo artigo ressalva à alegada regra de inadmissibilidade de recurso, os recursos referidos nos nº 2 e 3 do art. 678º e na al. a) do art. 734º.
Ora nenhuma destas excepções se verifica no presente caso.
Com efeito, não foi alegada a existência de qualquer decisão de tribunal superior em oposição ao decidido no acórdão em recurso.
Por outro lado, o nº 2 do citado art. 678º refere-se a recursos que tenham por fundamento a violação das regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou a ofensa de caso julgado.
Já o nº 3 do mesmo artigo se refere a recursos das decisões respeitantes ao valor da causa, dos incidentes ou dos procedimentos cautelares com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre.
Finalmente, o art. 734º, nº 1 al. a) do mesmo diploma legal refere-se a recurso de decisões que ponham termo ao processo.
Ora a decisão aqui impugnada trata de uma decisão de um incidente – litigância de má fé – que não pôs termo ao processo, sendo a decisão que pôs termo ao presente litigio a decisão de absolvição da instância de que os recorrentes não recorreram e nem podiam recorrer por falta de legitimidade, nos termos do art. 680º do mesmo código.
Desta forma, por funcionamento das regras gerais de admissibilidade dos recursos, não admite a lei o presente agravo.
Pelo exposto, se confirma a decisão do Relator no sentido de não conhecer do presente recurso, por inadmissibilidade legal do mesmo.
Custas do recurso a cargo dos recorrentes.

Lisboa , 19 de Fevereiro de 2008

João Camilo (relator)
Fonseca Ramos
Rui Maurício