Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
283/08.8TTBGC-D.G1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: EXECUÇÃO
RECLAMAÇÃO DA CONTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
REQUERIMENTO EXECUTIVO
PRINCÍPIO DO PEDIDO
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- Em sede de processo executivo, o legislador apenas previu a possibilidade de ser interposto recurso de revista em incidentes declarativos (nos quais, pela sua natureza, a decisão final é de reserva jurisdicional) e apenas nos ali expressamente indicados, a saber, o procedimento de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético (previsto no artº 716º, nº s 4 e 5 do C.P.C.), a verificação e graduação de créditos (cfr. artº 791º do C.P.C.) e a oposição à execução (cfr. artºs 728º e seguintes do C.P.C.);


II- A reclamação de uma nota discriminativa de um agente de execução não configura um incidente de natureza declarativa, não é matéria de reserva jurisdicional e não se inclui em nenhum dos incidentes previstos no referido preceito;


III- A aplicação da sanção pecuniária compulsória legal, prevista no n.º 4 do art. 829.º-A do CC, não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo.

Decisão Texto Integral:

Processo 283/08.8TTBGC-D.G1.S1


Revista


117/23


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou acção executiva contra Sporting Clube ... com vista à execução da sentença condenatória de 11.03.2015, proferida na acção de impugnação de despedimento colectivo que correu termos sob o nº 283/08.8TTBGC1, entretanto alterada por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03.03.2016, no qual se decidiu o seguinte:


Nestes termos acorda-se em julgar a apelação independente do Réu e a apelação subordinada do 1º Autor parcialmente procedentes e em consequência:


a) condena-se o Réu a pagar ao 1º Autor uma indemnização de antiguidade calculada em função da data da sua admissão ao serviço do réu (28/11/1983) e da data do trânsito em julgado da decisão judicial que declarou a ilicitude do despedimento (24/04/2013) o que perfaz o valor de (185,745.6191,50 (6.191,50 x 30), absolvendo-se aquele do mais pedido a tal título;


b) condena-se o Réu a pagar ao 1º Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento (31/08/2008) até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal que declarou a ilicitude do despedimento (24/04/2013) deduzidas dos valores que porventura o mesmo recebeu a título de subsídio de desemprego (que deverão ser entregues pelo Réu à Segurança Social), bem como das retribuições que o mesmo tenha recebido de outras empresas após a data do despedimento e que não receberia se não fosse este, a liquidar no incidente processual próprio, absolvendo-se o Réu do mais pedido a título de retribuições posteriores à data do despedimento;


c) mantém-se no mais a sentença recorrida”.


Corre termos execução nos próprios autos, no âmbito da qual o Agente de Execução apresentou nota discriminativa.


A Executada apresentou reclamação da nota discriminativa.


O Exequente apresentou articulado de resposta.


Foi proferida decisão em 16.05.2022 pelo Tribunal de 1ª instância, nos seguintes termos:


Pelo exposto julga-se a presente reclamação parcialmente procedente, termos em que se decide:


a) determinar a reformulação da nota discriminativa elaborada pelo Senhor A.E., por forma a adequá-la ao destino legalmente previsto, da sanção pecuniária compulsória e dos juros compulsórios calculados, e que são devidos na proporção de metade ao exequente/reclamado e ao Estado;


b) Desatender, no mais, a reclamação apresentada”.


A Executada/Reclamante interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e subiu em separado.


Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.04.2023 decidiu-se o seguinte:


Em síntese a nota de liquidação deve refletir o seguinte:


a - As quantias ilíquidas relativas a retribuições (diferenças salarias, subsídios e remunerações intercalares) devem ser sujeitas aos devidos descontos para a segurança social e retenção na fonte para efeitos de IRS, devendo ser entregue o apurado às respetivas entidades no âmbito da execução.


b - Deve eliminar-se a liquidação, por não constar do título, da sanção pecuniária compulsória prevista no nº 1 do artigo 829-A do CC.


c – Os juros de mora relativos a diferenças salarias, subsídios e remunerações intercalares, devem ser calculados sobre os respetivos montantes, líquidos de quotizações.


d – Os juros civis relativos à indemnização devem ser calculados a contar de 11-5-2015.


e – Os créditos salarias vencidos à data da citação (€ 115.763,00), vencem juros a contar desta.


f - Relativamente às retribuições intercalares os juros são devidos - nos termos peticionados no requerimento executivo –, desde a data do trânsito do despacho saneador.


No mais a decisão é de manter.


Relativamente ao pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa, referida à devida pelo recurso será apreciado a propósito da condenação em custas.


*


DECISÃO:


Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente a apelação determinando-se a reforma da nota discriminativa de forma a refletir o que resulta dos pontos “a” a “f” da síntese constante da supra fundamentação.


Custas deste incidente em partes iguais com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP e tendo em consideração que não obstante alguma complexidade de algumas das questões colocadas, as mesmas são pertinentes, a alegação foi concisa clara e precisa, facilitando a função do julgador.”.


Foi interposto recurso de revista pela Executada/Reclamante, no qual se arguiu a nulidade do acórdão e se formularam as seguintes conclusões:


A. A soma dos montantes que o mesmo foi condenado a pagar ao aqui Recorrido, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, corresponde a € 648.232,00 (tendo este sido o valor indicado na Nota Discriminativa a título de capital considerado na “Quantia Exequenda”).


B. Contudo, tanto o Agente de Execução, como o Tribunal da 1.ª Instância entenderam (erroneamente, salvo o devido respeito) que deve ser considerada na Nota Discriminativa a quantia ilíquida, isto é, sem que tenham sido deduzidas as importâncias devidas em sede de IRS, à taxa estimada de 35,6%, e de quotizações para a Segurança Social, à taxa de 11%, não obstante estas importâncias serem objeto de retenção obrigatória.


C. O Tribunal a quo parece discordar da referida posição, mas apenas em parte. Sucede que se esta conclusão corresponde a uma mera suposição já que, com o devido respeito, se entende que este excerto decisório padece de nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão e por ambiguidade o torna ininteligível.


D. Argui-se, com o devido respeito por opinião diversa, nulidade do acórdão recorrido por manifesta contradição/oposição entre os seus fundamentos e respetiva decisão (no que respeita à questão da dedução ao montante ilíquido relativo a salários e subsídios, das quantias relativas a IRS e quotizações obrigatórias) e por ambiguidade nos fundamentos e na decisão que deixam a decisão ininteligível, nulidade esta que se deixará arguida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), 1.ª parte, do CPC (ex. vi. art. 666.º, n.º 1, do mesmo diploma).


E. Deve, assim, a nulidade ser suprida, nos termos do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, no sentido de se entender que o Acórdão recorrido manda deduzir pelo Recorrente, à quantia a pagar ao Agente de Execução, os valores referentes às retenções de IRS e de quotizações para a Segurança Social.


F. Na eventualidade de não ser julgada procedente a nulidade invocada (no que não se concede e refere por mero dever de patrocínio) ou de a declaração emitida pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 684.º, n.º 1, do CPC, quanto ao sentido da modificação da decisão for no sentido de que não há lugar à dedução, pelo empregador no montante apagar ao agente de execução, dos valores relativos a IRS e/ou das quotizações para a Segurança Social, vem o Recorrente recorrer, por violação de lei substantiva, da decisão que considerou parcialmente improcedente o recurso na parte respeitante à dedução ao montante ilíquido relativo a salários e subsídios, das quantias relativas a IRS e quotizações obrigatórias.


G. O Recorrente, enquanto (antiga) entidade empregadora do Recorrido, encontra-se obrigado a cumprir as suas obrigações fiscais e contributivas; contudo, o Tribunal a quo considerou, se bem se compreende o sentido da decisão, que deve ser considerada na Nota Discriminativa a quantia ilíquida, não obstante estas importâncias serem objeto de retenção obrigatória.


H. Assim, é a entidade devedora dos rendimentos (que o Tribunal a quo não põe em causa corresponder ao Recorrente) que é também responsável pela dedução das quantias correspondentes à taxa de retenção aplicável.


I. Quanto ao IRS, resulta que ao montante ilíquido de € 346.724,00, referente aos salários intercalares, deve ser abatido do valor de€ 123.434,00 atítulo de retenção na fonte de IRS, aplicando-se-lhe a taxa de 35,6% referente a rendimentos do trabalho mensais sujeitos a IRS que sejam superiores a € 5.880,00 e inferiores a € 6.727,00, sendo que o Recorrido se integra na tabela de retenção aplicável aos não casados sem filhos dependentes (cfr. artigo 99.º-C, n.º 9, do CIRS).


J. Em relação às diferenças salariais, aplica-se a mesma taxa de 35,6%, do que resulta que ao montante ilíquido de € 97.556,00 deve ser abatido o valor de € 34.729,94 a título de retenção na fonte de IRS.


K. Em relação aos créditos decorrentes da cessação, a saber: proporcionais de férias e subsídio de férias referentes ao ano de cessação (fixados no valor ilíquido de € 8.092,00), proporcional de subsídio de Natal (fixado no valor ilíquido de € 4.046,00) e retribuição do mês de agosto (fixada no valor ilíquido de € 6.069,00), é aplicável a taxa de 35,6%, do que resulta que ao montante ilíquido de € 18.207,00, deve ser abatido o valor de € 6.481,69a título de de retenção na fonte de IRS (cfr. artigo 99.º-C, n.º 7, do CIRS).


L. No que toca à indemnização, no valor de € 185.745,00, tendo em conta os valores a considerar para efeitos do cálculo dos limites de não sujeição (retribuição ilíquida de € 6.069,00 e diuturnidades no valor de € 122,50), verifica-se a não sujeição a IRS da totalidade dessa quantia (cfr. artigo 2.º, n.º 4, al. b), do CIRS).


M. Quanto às quotizações para a Segurança Social, o Acórdão recorrido faz


referência ao artigo 6.º/3 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, o qual não tem aqui aplicação porque as retribuições não estão depositadas em juízo, tendo sido apenas constituída caução sob a forma de garantia bancária.


N. Todos os montantes ilíquidos acima discriminados integram a base de incidência de contribuições e quotizações para a Segurança Social (cfr. artigo 46.º, n.º 2, alíneas a), g) e h), do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), pelo que a taxa contributiva aplicável a todas essas quantias será de 11% (cfr. artigo 53.º do referido diploma).


O. Assim, ao montante ilíquido de € 346.724,00, referente aos salários intercalares, deve ser abatido o valor de € 38.139,64 a título de quotizações para a Segurança Social.


P. Ao montante ilíquido de € 97.556,00, referente a diferenças salariais, deve ser abatido o valor de € 10.731,15 a título de quotizações.


Q. Em relação aos créditos decorrentes da cessação, correspondentes à soma total ilíquida de € 18.207,00, deve ser abatido o valor de € 2.002,77 a título de quotizações.


R. A indemnização pelo despedimento ilícito, no valor de € 185.745,00, está excluída da base de incidência contributiva por não ser uma contrapartida do trabalho (artigo 46.º, n.º 1, a contrario sensu, do Código dos Regimes Contributivos).


S. Consequentemente, deve o capital considerado na quantia exequenda ser alterado de € 648.232,00 para € 431.474,76, já que será esta a quantia que o Executado deve, a título de capital em dívida, ao Exequente e, nessa medida, só poderá ser esta a quantia cujo pagamento o Agente de Execução poderá exigir.


T. Nessa medida, e com o devido respeito, o despacho sub judice violou as disposições supra citadas, entendendo a Recorrente que os artigo 2.º, n.º 4, al. b), 99.º-C, n.ºs 7 e 9, do CIRS e artigos 46.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), g) e h), e 53.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, em conjugação com os artigos 43.º e seguintes da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, devem ser interpretados no sentido de que os valores a incluir na Nota Discriminativa do Agente de Execução devem ser líquidos de impostos e de taxas.


U. Os juros deverão ser calculados sobre o capital líquido (ou seja, após deduções fiscais e contributivas) (a saber: sobre € 431.474,76) já que é este o capital em dívida e não o capital ilíquido.


V. Nessa medida, e com o devido respeito, o despacho sub judice violou os artigos 804.º, n.º 1, e 805.º, n.º 3, do CC, entendendo a Recorrente que a interpretação daquelas normas, em conjugação com os artigo 2.º, n.º 4, al. b), 99.º-C, n.ºs 7 e 9, do CIRS e artigos 46.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a), g) e h), e 53.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, deve ser feita no sentido de que os juros devem ser calculados sobre os valores líquidos de impostos e de taxas.


W. Acresce que também o valor devido a título de juros está sujeito a descontos legais, mais concretamente a retenção na fonte à taxa liberatória de 28%, prevista no artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do CIRS.


X. Nessa medida, e com o devido respeito, o despacho sub judice violou os artigos 804.º, n.º 1, e 805.º, n.º 3, do CC, entendendo a Recorrente que a interpretação daquela norma, em conjugação com o artigo 71.º, n.º 1, alínea a), do CIRS e ainda com artigos 43.º e seguintes da Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, deve ser feita no sentido de que os juros devem ser calculados sobre os valores líquidos de impostos e de taxas.


Y. Por fim, na nota Discriminativa foi incluído um valor a título de “Juros compulsórios”, (em 50%), que respeitará ao previsto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil; no entanto, no requerimento executivo, o Exequente não pediu quaisquer valores a título de juros compulsórios, pelo que deve o montante de € 89.109,70 ser eliminado da Nota Discriminativa.


Z. Nessa medida, e com o devido respeito, o despacho sub judice violou o disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do CC, que deve ser interpretado no sentido de exigir queo Recorrido tivesse requerido a condenação, ainda queautomática, em juros no requerimento executivo, o que não fez.


AA. Em conclusão, deve ser ordenado que a Nota Discriminativa seja alterada por forma a que sejam deduzidos à quantia ilíquida objeto da condenação os valores correspondentes à retenção de IRS e às quotizações para a Segurança Social; a que os juros sejam calculados sobre o capital líquido; a que seja deduzido ao montante do juros o montante referente à retenção na fonte à taxa liberatória de 28% e que seja eliminada a verba relativa a sanção pecuniária compulsória do artigo 829.º-A, n.º 4, do CC (juros compulsórios.)


Não foram apresentadas contra-alegações.


Em 10.07.2023, foi proferido acórdão pela Conferência considerando improcedente a arguida nulidade.


Neste STJ, o Relator proferiu o seguinte despacho liminar:


“A Recorrente invoca em 1º linha o artigo 671º, nº1, do C.P.C. sustentando que o Acórdão recorrido põe termo ao processo. À cautela, invoca ainda o artigo 671º, nº2, a), por remissão para o 629º, nº1, d), do C.P.C. com fundamento na alegada contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (proc. nº 4579/10.0YYLSB-B.L1-7).


Subsidiariamente interpõe ainda revista excepcional com fundamento nas alíneas a) e b) do artigo 672º, nº1, do C.P.C..


Vejamos.


Prevê o artigo 26º-A do Regulamento das Custas Processuais, sob a epígrafe “ Reclamação da nota justificativa” que :


“1 - A reclamação da nota justificativa é apresentada no prazo de 10 dias, após notificação à contraparte, devendo ser decidida pelo juiz em igual prazo e notificada às partes.


2 - A reclamação da nota justificativa está sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.


3 - Da decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC.


4 - Para efeitos de reclamação da nota justificativa são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, as disposições relativas à reclamação da conta constantes do artigo 31.º”.


Decorre desta disposição que apenas é admissível recurso da decisão sobre a reclamação da nota discriminativa em um grau.


Ora, tendo o Tribunal de 1ª instância proferido decisão no incidente de reclamação da nota discriminativa e já tendo havido recurso para o Tribunal da Relação (um grau de recurso), concluímos que não é admissível recurso de revista (seja nos termos gerais do artigo 671º, seja como revista excepcional nos termos do artigo 672º do C.P.C.) porque tal corresponderia a admitir um segundo grau de recurso, o que o legislador expressamente afastou.


Afastada que está a possibilidade de admitir o recurso com fundamento nos artigos 671º ou 672º do C.P.C., importará verificar se estamos perante uma situação em que o recurso é sempre admissível, mais concretamente, se se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 629º, nº 2, do C.P.C..


Com efeito, do referido preceito apenas se pode ponderar a aplicação da alínea d) que prevê que há sempre recurso “do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do Tribunal, salvo se tivesse sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme”.


A Recorrente sustenta que existe contradição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão do processo nº 4579/10.0YYLSB-B.L1-7 quanto à questão de saber se o Tribunal pode condenar no pagamento dos juros a que alude o artigo 829º-A do C.C. sem que tal tenha sido peticionado pelo Exequente.


A admitir-se a contradição, tal implicará a admissibilidade do recurso apenas nessa parte.


Ora, do Acórdão recorrido consta que “Nem o título executivo nem o requerimento executivo fazem referência a estes juros. Com base em tal facto pretende a recorrente a sua desconsideração. Na decisão recorrida refere-se “Os juros a que se reporta o nº 4 do artº 829º-A do Cód. Civil constituem verdadeira sanção pecuniária compulsória que é fixada por lei e automaticamente devida, contanto que verificados os pressupostos previstos na citada disposição normativa, como sucede no caso, não carecendo, por conseguinte, de ser peticionados pelo exequente no requerimento executivo, para que o agente de execução proceda ao respetivo cálculo/liquidação, nos termos previstos pelo artº 716º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil – vd., neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11.05.2017 [Proc. nº 90/14.9TBVFL-E.G1] e acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23.11.202 [Proc. nº 808/09.1T2SNT-A.L1-7], ambos disponíveis in www.dgsi.pt.


Concorda-se com o decidido.”. (sublinhados nossos)


No Acórdão fundamento sustentou-se que:


Assim quanto à sanção prevista no n.º 4, do art.º 829-A, do CC, e que agora nos interessa, tem-se como bom o entendimento[5] que a mesma decorre diretamente da lei[6], não sendo necessária qualquer decisão judicial a estabelecê-la[7], estando abrangidas no seu âmbito, todas as obrigações pecuniárias de soma ou quantidade, contratuais ou extracontratuais[8].


Desta forma, mesmo que não se mostre, de modo expresso, estipulada no título dado à execução, pode a sanção pecuniária compulsória ser peticionada no requerimento executivo, impondo-se que para ser atendida na execução seja efetivamente requerida em tal requerimento[9], pois não se questiona que o processo executivo se configura, em termos gerais, como uma ação, pelo que, em conformidade, depende de um pedido formulado pela parte, o qual delimita o âmbito da atividade judiciária a desenvolver, bem como os poderes do juiz que para o caso relevem, na observância do princípio do dispositivo, que não resulta que deva ser postergado.(…)


No entanto, para serem atendidos, necessário era que tivessem sido pedidos no momento próprio para tanto, isto é, conforme o já referenciado, no requerimento executivo, o que da análise do mesmo não se evidencia que tenha acontecido.


Aqui chegados, embora não comungando das razões que levaram ao indeferimento da pretensão formulada pelo Recorrente, face ao exposto, impõe-se concluir que não pode a mesma ser considerada, mantendo-se o decidido que a desatendeu.”.


Ora, da análise comparada do Acórdão recorrido e do Acórdão fundamento resulta que:


- ambos concordam que a sanção prevista no n.º 4, do art.º 829-A, do CC, pode ser executada/liquidada em acção executiva, sem necessidade prévia de condenação judicial (isto é, sem que tenha de constar no título executivo);


- enquanto o Acórdão recorrido pugna pela posição de que o Agente de Execução deve liquidar aquela sanção sem necessidade de requerimento nesse sentido, o Acórdão fundamento sustenta que tem de existir um pedido expresso no requerimento executivo.


Existe efectivamente uma contradição entre dois Acórdãos da Relação no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Considerando que o recurso só não seria admissível por motivo estranho à alçada (pois o pressuposto do valor da causa e da sucumbência está verificado), consideramos que se mostra preenchida a previsão da alínea d) do artigo 629º, º2 do C.P.C..


x


Nestes termos, admite-se o recurso apenas como revista geral e limitado à questão relativamente à qual existe contradição de julgados”.


A Recorrente apresentou reclamação deste despacho para a Conferência, nos seguintes termos:


1. O presente recurso foi interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação que incidiu sobre decisão que conheceu de reclamação de nota discriminativa elaborada pelo Agente de Execução com vista à liquidação das responsabilidades do Recorrente enquanto Executado, no âmbito de processo executivo.


2. No douto despacho do Mmo. Conselheiro Relator, a razão pela qual não foi admitido o recurso interposto, seja nos termos gerais do artigo 671.º do C.P.C., seja como revista excepcional nos termos do artigo 672.º do mesmo Código, foi a de se ter entendido que a admissão de um segundo grau de recurso não seria possível porque o legislador a teria expressamente afastado no artigo 26.º-A, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, segundo a qual apenas cabe um grau de recurso da decisão proferida sobre a reclamação da nota justificativa.


3. Fundamento da decisão foi, por isso, ter-se julgado aplicável à situação sub judice a referida norma do artigo 26.º-A, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais.


4. No entender da Recorrente, porém, essa norma não é aplicável porque tem em vista decisões proferidas sobre notas justificativas e discriminativas que são distintas e não se confundem com aquela que é objecto de reclamação nos presentes autos.


5. Na verdade, a “nota justificativa” a que a norma do artigo 26.º-A, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuaisserefereéaprevistano artigo 25.º do mesmo Regulamento, a qual respeita às custas de parte a que uma das partes tenha direito e que deve ser remetida à parte vencida após o trânsito em julgado da decisão final, contendo, nomeadamente, as quantias pagas a título de taxa de justiça, encargos ou outras despesas, honorários e o valor a receber.


6. Isso mesmo resulta da inserção sistemática desse mesmo artigo 26.º-A, ou seja, da sua inclusão num capítulo do Regulamento das Custas Processuais, o Capítulo IV, exclusivamente dedicados às custas de parte (como desde logo é dito na respectiva epígrafe).


7. Não há qualquer indicação na lei — seja no referido Regulamento das Custas Processuais, seja no Código de Processo Civil — de que se tenha pretendido, em matéria de impugnação da nota discriminativa, estabelecer a solução do artigo 26.º-A, n.º 3, como regime regra para toda e qualquer situação de impugnação de notas discriminativas ou justificativas que sejam elaboradas em processo por quaisquer entidades e quaisquer que sejam os seus fins.


8. Pelo contrário, trata-se de solução excepcional que a lei fixou especialmente para a nota discriminativa e justificativa de custas de parte.


9. Ora, no presente caso, o que foi objecto de reclamação foi a “nota discriminativa elaborada pelo Senhor Agente de Execução com vista à liquidação da quantia devida pelo Executado ao Exequente no âmbito de acção executiva”, pelo que a aludida disposição do artigo 26.º-Ado Regulamento das Custas Processuais não é aqui aplicável.


10. Este acto do Agente de Execução não partilha com a apresentação de uma nota justificativa e discriminativa de custas de parte nenhuma similitude senão a que resulta da sua designação: ali, está em causa o acto de liquidação da responsabilidade do executado com vista à extinção da execução, que a lei confia ao Agente de Execução no quadro dos poderes de gestão do processo executivo que ora são reconhecidos a esta entidade; já as custas de parte têm unicamente a ver com o reembolso dos encargos suportados pela parte vencedora relacionados com a demanda.


11. O acto de liquidação da responsabilidade do executado, que, reitera-se, é aquele que está em causa na reclamação que originou o presente recurso, é um acto vinculado do Agente de Execução que tem um significado e uma relevância no processo executivo, de determinação do montante que deve ser liquidado para que a execução se extinga, que não tem qualquer paralelo com a mera apresentação da nota discriminativa das custas de parte.


12. Aliás, é em razão da relevância processual deste acto que a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo pacificamente que desse acto do Agente de Execução pode ser interposto recurso nos termos gerais, e que não está, por isso, sujeito ao disposto no artigo 723.º, alínea c), do C.P.C. — assim, por exemplo, o acórdão da Relação de Lisboa de 22.11.2022 (proc n.º 4634/09.0TBALM.L1-7), com outras referências doutrinais e jurisprudenciais (“Na situação em apreço, de reclamação do ato da AE de liquidação da responsabilidade do executado, com vista à extinção da execução, afigura-se-nos, pois, ser recorrível a decisão do juiz que aprecia essa reclamação, desde que se verifiquem os pressupostos gerais, do art.º 629º, nº 1, para tal”; sublinhado nosso).


13. Por conseguinte, não existe também razão que possa justificar a aplicação analógica desta solução do artigo 26.º-A, n.º 3, à situação em apreço.


14. Acresce que a referência que é feita no n.º 4 do artigo 26.º-A a que “a liquidação da responsabilidade do executado compreende as quantias indicadas na nota discriminativa” também não contraria o que vem de ser dito, porque está em causa nessa norma, somente, o dever do Agente de Execução de, na liquidação das responsabilidades do executado, tomar em conta também os montantes que hajam sido indicados nanota discriminativadecustas departequetenhasido apresentada pelo exequente.


15. Por todas estas razões, afigura-se ao Recorrente que, não sendo aplicável a restrição excepcional ao recurso de revista imposta no artigo 26.º-A do Regulamento das Custas Processuais, deve o recurso ser admitido não apenas como revista geral limitada à questão relativamente à qual existe contradição de julgados, mas antes nos termos requeridos pelo Recorrente.


Foi cumprido o artº 655º do CPC, nos seguintes termos:


“Reclamação para conferência da Recorrente /Executada:


Efectivamente, tal como sustenta a Recorrente, parece não lograr aqui aplicabilidade o artigo 26ºA do RCP, na medida em que a sua inserção sistemática parece levar a concluir que o legislador apenas se está a referir à nota discriminativa de custas de parte.


Isto não quer dizer, contudo, que seja admissível o recurso para além da parte em que foi recebido.


É que no que ao recurso de revista concerne em processo executivo, o legislador previu expressamente no artigo 854º do C.P.C. que “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.”.


Analisado este preceito verificamos que, excepcionando os casos em que o recurso é sempre admissível, o legislador apenas previu a possibilidade de ser interposto recurso de revista em incidentes declarativos (nos quais, pela sua natureza, a decisão final é de reserva jurisdicional) e apenas nos ali expressamente indicados, a saber, o procedimento de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético (previsto no artigo 716º, nºs 4 e 5 do C.P.C.), a verificação e graduação de créditos (cfr. artigo 791º do C.P.C.) e a oposição à execução (cfr. 728º e seguintes do C.P.C.).


Ora, a reclamação de uma nota discriminativa de um agente de execução não configura um incidente de natureza declarativa, não é matéria de reserva jurisdicional e não se inclui em nenhum dos incidentes previstos no referido preceito.


Daí que se me afigure que deve improceder a reclamação, embora por diferentes fundamentos dos expresso no despacho liminar do Relator.


Nesta conformidade, e ao abrigo do disposto no artº 655º, nº 1, do C.P.C., ouçam-se as partes, pelo prazo de 10 dias”.


O Exmº PGA emtiu parecer no sentido de ser negada a revista.


x


Nos termos do artº 653º, nº 4, do CPC, a reclamação é decidida neste acórdão que julga o recurso.


Temos, assim, como questões a decidir:


- se a reclamação que incidiu sobre o despacho liminar do Relator deve proceder;


- em caso afirmativo, com que âmbito o recurso deve ser admitido, e se se deve apreciar a arguida nulidade do acórdão da Relação;


-se o Agente de Execução pode liquidar a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A, nº4, do Código Civil, sem requerimento prévio do Exequente nesse sentido.


x


Como factualidade relevante temos a descrita no relatório deste acórdão.


x


- o direito:


- se a reclamação que incidiu sobre o despacho liminar do Relator deve proceder:


Do acórdão da Relação que se pronunciou sobre a reclamação da nota discriminativa foi interposto recurso de revista pela Executada/Reclamante, no qual sustentou que:


- quanto à quantia exequenda, o Agente de Execução não deduziu as importâncias devidas a título de IRS e de quotizações para a Segurança Social;


- quanto aos juros civis, (i) o Agente de Execução calculou os juros sobre os valores ilíquidos ao invés de líquidos, (ii) não deduziu a taxa liberatória de 28%.


- o Agente de Execução não podia liquidar a sanção pecuniária compulsória prevista no artº 829º-A, nº4, do Código Civil, sem requerimento prévio do Exequente nesse sentido.


Como fundamento da admissibilidade do recurso invocou em 1ª linha o artº 671º, nº 1, do C.P.C., sustentando que o acórdão recorrido põe termo ao processo. À cautela, invoca ainda o artº 671º, nº 2, a), por remissão para o artº 629º, nº 1, d) do C.P.C., com fundamento na alegada contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.03.2013 (proc. nº 4579/10.0YYLSB-B.L1-7). Subsidiariamente interpõe ainda revista excepcional com fundamento nas alíneas a) e b) do artº 672º, nº1, do C.P.C..


O recurso de revista foi admitido, pelo Relator, apenas com fundamento na contradição de julgados com o decidido no processo nº 4579/10.0YYLSB-B.L1-7, quanto à questão de saber se o Agente de Execução pode liquidar a sanção pecuniária compulsória prevista no artº 829º-A, nº 4, do Código Civil sem requerimento prévio do Exequente nesse sentido.


A Recorrente veio reclamar do despacho, na parte em que não admite parcialmente o recurso, para a Conferência.


Vejamos.


Efectivamente, tal como sustenta a Recorrente, não logra aqui aplicabilidade o artº 26º-A do RCP, na medida em que a inserção sistemática parece levar a concluir que o legislador apenas se está a referir à nota discriminativa de custas de parte.


Isto não quer dizer, contudo, que seja admissível o recurso para além da parte em que foi recebido.


Prevê o artº 46º da Portaria nº 282/2013, sob a epígrafe “Reclamação da nota de honorários e despesas” que “Qualquer interessado pode, no prazo de 10 dias contados da notificação da nota discriminativa de honorários e despesas, apresentar reclamação ao juiz, com fundamento na desconformidade com o disposto na presente portaria.”


Estabelece o artº 723º, nº 1, alínea c), do C.P.C., que “


1 - Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz: (..)


c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias; (…).


Trata-se de uma regra de irrecorribilidade expressa.


Saliente-se que no desenho do processo executivo o legislador atribuiu ao agente de execução a competência para todas as diligências executivas, com excepção das que sejam atribuídas à secretaria ou sejam atribuídas ao juiz. E, em consonância, previu apenas um grau de controlo jurisdicional dos actos do agente de execução no supra referido preceito.


Não obstante, alguma jurisprudência e doutrina tem pugnado por uma interpretação restritiva desta irrecorribilidade, no sentido de admitir recurso de apelação em determinadas situações, interpretação essa que motivou a admissão do recurso de apelação.


No entanto, no que ao recurso de revista concerne em processo executivo, o legislador previu expressamente no artº 854º do C.P.C. que “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução.”.


Analisado este preceito verificamos que, excepcionando os casos em que o recurso é sempre admissível, o legislador apenas previu a possibilidade de ser interposto recurso de revista em incidentes declarativos2 (nos quais, pela sua natureza, a decisão final é de reserva jurisdicional) e apenas nos ali expressamente indicados, a saber, o procedimento de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético (previsto no artº 716º, nºs 4 e 5, do C.P.C.), a verificação e graduação de créditos (cfr. artº 791º do C.P.C.) e a oposição à execução (cfr. artºs 728º e seguintes do C.P.C.).


Ora, a reclamação de uma nota discriminativa de um agente de execução não configura um incidente de natureza declarativa, não é matéria de reserva jurisdicional e não se inclui em nenhum dos incidentes previstos no referido preceito.


Note-se que o mecanismo previsto no referido artº 46º da Portaria nº 282/2013 destina-se a colocar em causa a indicação dos honorários e despesas e a sua desconformidade com o que consta da Portaria e não a discutir a “liquidação da obrigação” indicada no requerimento executivo e concretizada pelo Agente de Execução.


Sucede que, com a reclamação da nota discriminativa (na parte que ainda releva neste recurso), o Recorrente pretende discutir a incidência dos juros e os descontos para o IRS e Segurança Social e a aplicação de uma taxa liberatória, o que, desde logo, extravasa manifestamente aquilo que seria o respectivo objecto nos termos do referido preceito.


Mas ainda que se admita configurar em termos mais latos a reclamação concretamente apresentada, considerando-a não como uma reclamação da nota discriminativa propriamente dita, mas como uma qualquer reclamação ou impugnação de um acto/decisão do agente de execução (permitida em termos genéricos pelo artº 723º, nº 1, c) do C.P.C.), essa reclamação de um acto do agente de execução não pode, naturalmente, ter a virtualidade de transformar aquele mecanismo num incidente de liquidação sui generis ao arrepio do regime legal.


Não se discute que possa existir controvérsia sobre os descontos a efectuar a título de impostos e de contribuições para a Segurança Social, sobre a taxa liberatória a aplicar aos juros e se os juros devem ser calculados sobre valores líquidos ou ilíquidos, nem que tal justificasse admitir recurso de apelação (como entendeu o Tribunal da Relação e cujo despacho de admissibilidade do recurso de apelação não cumpre sindicar).


Contudo, da existência de tal controvérsia não se retira que estejamos perante um incidente declarativo de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético nos termos em que é previsto no artigo 854º do C.P.C..


Com efeito, o procedimento de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, quando está em causa uma decisão judicial, tem uma tramitação própria, estando previsto no artº 716º, nºs 4 e 5, do C.P.C..


Aliás, admitir um recurso de revista no âmbito de um incidente de reclamação de um acto do agente de execução seria admitir um triplo grau de controlo jurisdicional, o que manifestamente não foi a opção do legislador.


Mais, quisesse a Recorrente discordar da forma de processo seguida (o processo seguiu a forma de processo sumário, o que não seria possível caso a obrigação exequenda carecesse de ser liquidada e a liquidação não dependesse de simples cálculo aritmético da liquidação, conforme resulta da aplicação conjugada do disposto nos artºs 550º, nºs 1 e 3, b), e 626º, nºs 1 e 2, do C.P,C.) ou suscitar dúvidas sobre a (i)liquidez da obrigação exequenda, deveria ter deduzido oposição à execução nos termos do artº 729º, alíneas c) e e), do C.P.C..


Em suma, independentemente da controvérsia existente nos autos, não está em causa nenhum dos incidentes previstos no artigo 854º, do C.P.C., pelo que a revista não é admissível com o âmbito pretendido pela Recorrente.


Ficando, assim, prejudicado o conhecimento da segunda questão supra-enunciada.


-se o Agente de Execução pode liquidar a sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A, nº 4, do Código Civil sem requerimento prévio do Exequente nesse sentido:


A esta questão se refere a conclusão Y da alegação de recurso:


Y. Por fim, na nota Discriminativa foi incluído um valor a título de “Juros compulsórios”, (em 50%), que respeitará ao previsto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil; no entanto, no requerimento executivo, o Exequente não pediu quaisquer valores a título de juros compulsórios, pelo que deve o montante de € 89.109,70 ser eliminado da Nota Discriminativa.


Ora, constitui jurisprudência predominante deste STJ que a aplicação da sanção pecuniária compulsória legal, prevista no nº 4 do artº 829º-A do CC, não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo.


Assim, escreveu-se, a este propósito, no Acórdão de 23.02.2021, Processo nº 708/14.3T8OAZ-A.P1.S1:


“Questão diversa é a de saber se a cláusula penal compulsória do n.º 4 pode ser oficiosamente decretada ou se depende de pedido do credor.


Neste ponto, a jurisprudência também propende, em confortável maioria, a considerar não ser necessário qualquer pedido do credor nesse sentido.


As razões deste entendimento estão proficientemente vertidas no acórdão deste STJ de 12.09.2019, proferido no âmbito do recurso de revista de um acórdão da Relação do Porto relatado precisamente pelo Ex.º Desembargador que votou vencido no acórdão recorrido.


Veja-se, então, o que consta desse acórdão do STJ:


“(…) o Dec.-Lei n.º 226/2008, de 20/11, veio alterar a redação do artigo 805.º do CPC, passando, no que aqui interessa, a constar o seguinte:


2 – Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.


3 – Além do disposto no número anterior, o agente de execução líquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação.


Tais normativos foram inteiramente transpostos para o artigo 716.º, n.º 2 e 3, do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, como também se encontra transposto para o respetivo artigo 868.º, n.º 1, o dantes constante da parte final do artigo 933.º, n.º 1, acima transcrito.


Deste quadro normativo resulta assim, em primeira linha, uma regra geral sobre a sanção pecuniária compulsória a determinar a liquidação a final, pelo agente de execução, das importâncias devidas em consequência da sua imposição, a par da norma especial, em sede da execução para prestação de facto, a exigir o requerimento do exequente para o pagamento da sanção pecuniária compulsória relativa a prestação de facto infungível, ainda que constante de condenação prévia.


A este propósito, Lebre de Freitas considera que: «A liquidação pelo agente de execução tem também lugar no caso de sanção pecuniária compulsória (…): executando-se obrigação pecuniária, a liquidação não depende de requerimento do executado [rectius, exequente], devendo ser feita a final (art. 716-3); executando-se obrigação de prestação de facto infungível, o exequente tem de a requerer, quer já tenha sido fixada na sentença declarativa, quer se pretenda que seja pelo juiz de execução (arts. 868-1 e 876-1-c)).»


(…)


Com efeito, o n.º 3 do artigo 716.º do CPC parece inequívoco no sentido de consagrar, como regra geral relativa à sanção pecuniária compulsória, que esta seja liquidada a final pelo agente de execução pelas importâncias devidas em consequência da sua imposição.


Ora, tratando-se da sanção pecuniária compulsória prescrita no n.º 4 do artigo 829.º-A do CPC, tal imposição decorre da própria lei, sem necessidade de qualquer impulso processual por parte do credor, o que bem se compreende, como foi dito, atenta a sua finalidade meramente coercitiva, de reforço das decisões judiciais que condenem o devedor em prestação pecuniária determinada e, portanto, com relevo predominante do interesse público numa realização mais eficaz da justiça.


De resto, a referida sanção traduz-se num adicional taxativamente fixado pela lei que acresce à prestação pecuniária em dívida, a par dos juros moratórios ou de qualquer outra indemnização a que haja lugar, destinado, em partes iguais ao credor e ao Estado.


Nessa conformidade, é de presumir que o legislador, ao estabelecer, de forma tão lapidar, a liquidação a final em consequência da imposição da sanção pecuniária compulsória devida, caso pretendesse torná-la ainda dependente de petição do exequente, o tivesse ressalvado expressamente, tanto mais que se tratava de questão controvertida na jurisprudência.


Contudo, não só o não fez, como até determinou a notificação do executado em momento subsequente àquela liquidação para poder então exercer o respetivo contraditório.


Estamos em crer que as situações em que os exequentes omitem, no requerimento inicial, a referência à sobredita sanção compulsória se devem, porventura, a desatenção ou mesmo ao entendimento de que, nos termos da lei, tal não é necessário, que não propriamente a renúncia àquele benefício. Neste particular, deixar o funcionamento daquela sanção à sorte de tais eventualidades diluiria em muito o efeito com ela pretendido de reforçar as decisões judiciais e de otimizar a realização da justiça.


Da norma do artigo 829.º-A, n.º 1, do CC a exigir que o credor requeira a fixação da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento de obrigação de prestação de facto infungível, o que não é exigível para a fixação da sanção compulsória prevista no n.º 4 do mesmo artigo, não é lícito inferir que a mesma exigência se estende à cobrança executiva desta sanção, já que se trata de uma exigência respeitante à fixação daquela sanção compulsória, não alcançando, nessa medida, a respetiva cobrança executiva.


(…)


Por outro lado, a natureza específica da sanção pecuniária compulsória pelo incumprimento da prestação de facto infungível prescrita no n.º 1 do art.º 829.º, do CC, atentos o casuísmo e as razões de equidade com que é fixada, é de molde a gerar controvérsia em sede da sua própria execução, o que bem justifica sujeitá-la ao impulso processual do exequente, de modo a permitir o exercício inicial do contraditório por parte do executado. Tais razões não militam em sede de aplicação da sanção compulsória legal.


Em suma, a exigência de que o exequente requeira, em sede de execução, a aplicação da sanção pecuniária compulsória por incumprimento de prestação de facto infungível mesmo que esta já tenha sido objeto de condenação prévia, consagrada no artigo 868.º, n.º 1, do CPC, representa um desvio, como norma especial, da regra geral constante do artigo 716.º, n.º 3, segundo a qual, na linha do acima exposto, tal não é exigido”.


A força desta argumentação quanto ao modo como deve proceder-se à interpretação integrada das normas dos artigos 829º-A do CC e 716º, n.º 3, do CPC, leva-nos a concluir do mesmo modo, ou seja, a aplicação do n.º 4 do artigo 829º-A não depende de qualquer pedido do credor no requerimento executivo, decorrendo automática e oficiosamente da dedução do pedido exequendo.


Em recente acórdão do Tribunal Constitucional deixou-se bem claro esse entendimento, dizendo-se que a cláusula compulsória legal “opera automaticamente e pelo valor resultante da taxa anual legalmente fixada para o efeito, acrescendo a qualquer outra indemnização, incluindo moratória, a que haja lugar, sem qualquer outro pressuposto ou condição para além do trânsito em julgado da sentença que condene o devedor no cumprimento de obrigação pecuniária”.


Esta doutrina não viola o princípio do dispositivo, pois, como acima se disse, a sanção compulsória do n.º 4 reveste natureza legal, constituindo um efeito directamente imposto pela lei que, inclusivamente, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida”.


E no Acórdão de 31-03-2022, Processo nº 9423/19.0T8SNT-A.L1.S1:


“Os juros compulsórios de 5%, previstos no n.º 4 do artigo 829.º-A do CC, aplicam-se a todas as obrigações pecuniárias, sendo, por isso, classificados pela doutrina como uma sanção pecuniária legal. Esta sanção opera de forma automática, quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente e é devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação. Tem sido entendimento consolidado na jurisprudência e na doutrina que, dada à execução sentença condenatória de obrigação pecuniária, a sanção pecuniária compulsória opera sem ter de constar da sentença, constituindo efeito legal do respectivo trânsito em julgado, e integrando-se, sem mais, no âmbito de exequibilidade desse título.


A questão que ora se discute é a de saber se a referida sanção pecuniária compulsória é devida independentemente de ter sido requerida pelo exequente no requerimento inicial executivo.


A jurisprudência predominante do Supremo Tribunal de Justiça entende não ser necessário qualquer pedido do credor nesse sentido, sendo antes decorrência automática e oficiosa da dedução do pedido exequendo. Cfr. neste sentido, os acórdãos de 08.11.2018 (proc. n.º 1772/14.0TBVCT-S.G1.S2), de 12.09.2019 (proc. n.º 8052/11.1TBVNG-B.P1.S1) e de 23.02.2021 (proc. n.º 708/14.3T8OAZ-A.P1.S1), todos consultáveis em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, se pronuncia Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 7ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2017, pág. 117.


Esta posição não viola o princípio do dispositivo, pois que a sanção compulsória do n.º 4 do art. 829.º-A do CC reveste natureza legal, constituindo um efeito directamente imposto pela lei que, inclusivamente, fixa o seu montante e o momento a partir do qual é devida.


Deste modo, considera-se que a sanção pecuniária compulsória deve ser contabilizada, pese embora não tenha sido referenciada pelo exequente no requerimento executivo; não sendo assim de censurar, nesta parte, o acórdão recorrido”.


Concordando com esta argumentação, a que nada há a acrescentar, entendemos que deve improceder o recurso, na parte admitida.


x


Decisão:


Nos termos expostos, nega-se a revista, confirmando-se, na parte em que o recurso foi admitido, o acórdão recorrido.


Custas pela Recorrente.


Lisboa, 06/03/2024


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos José de Morais


Mário Belo Morgado





Sumário (da responsabilidade do Relator).


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1. Em cujo dispositivo constava a condenação da ora Recorrente a pagar ao Autor a quantia global de €792.644,61, bem como todas as retribuições que se vencessem desde 01.03.2015 até ao trânsito em julgado da sentença.↩︎

2. No sentido de que só é admissível recurso de revista nos incidentes declarativos, vide:

o Acórdão do STJ de 14.01.2021 proferido no processo nº 3421/16.3T8FNC.L1.S1, cujo link de publicação é: https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2021:3421.16.3T8FNC.L1.S1.07/

- o Acórdão do STJ de 26.01.2021, proferido no processo nº 1060/14.2YYLSB-B.L1.S1, cujo link de publicação é:

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/fc66a504bcd422c6802586800053112b↩︎