Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/13.5TBVR.G1-A.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO DA SILVA GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
RECURSO SUBORDINADO
DUPLA CONFORME
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO LITERAL
Data do Acordão: 10/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO / RECURSO SUBORDINADO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO / INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3.ª Ed., 383/384; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª edição, 2016, 85.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 343.
- Teixeira de Sousa, in Cadernos de Direito Privado, n.º 21.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 11.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º1, 2.ª PARTE, 633.º, 2, 3 E 5, 671.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 04.06.2015, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
-DE 10.03.2016,DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT
Sumário :
I - Sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme.

II - Muito embora não conste da lei (n.º 5 do art. 633.º do CPC) o apetecido expresso sinal literal a determiná-lo, é este o real pensamento legislativo, que só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia.

III - Se disso se tivesse apercebido, teria o legislador estendido ao “recurso subordinado” a contingência da “dupla conforme” – acrescentando ao “valor da sucumbência” também a “dupla conforme” – por ser esta a sua verdadeira vontade e assim o justificar a “ratio” (razão de ser da lei) envolvente da disciplina entranhada no “recurso subordinado”.

Decisão Texto Integral:
 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



AA intentou a presente acção (n.º 3.13.5TBVRL), com processo comum sob a forma ordinária, contra a "Companhia de Seguros BB, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 452 980,47 (quatrocentos e cinquenta e dois mil novecentos e oitenta euros e quarenta e sete cêntimos), bem como a quantia que se venha a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos resultantes de assinalado acidente de viação (atropelamento).


Citada, a ré aceitou a culpa do seu segurado, mas impugnou os danos reclamados e o seu montante.


Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença em que a ação foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, foi decidido:

a) Condenar a Ré, "Companhia de Seguros BB, S. A. " a pagar à Autora AA a quantia de € 30 163,00 (trinta mil cento e sessenta e três euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação da Ré até integral e efetivo pagamento, e a quantia de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos a contar da notificação desta sentença até e integral e efetivo pagamento.

b) Absolver a Ré do restante pedido formulado pela Autora.


Inconformada, desta sentença recorreu a autora para a Relação de Guimarães que, por acórdão de 21.01.2016, julgou parcialmente procedente a apelação e, em consequência:

 a) Condenou a ré, “Companhia de Seguros BB, S.A.”, a pagar à Autora AA a quantia de € 45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da data da citação da Ré até integral e efetivo pagamento, e a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos a contar da notificação da sentença até e integral e efetivo pagamento.

 b) Absolveu a ré do restante pedido formulado pela autora.


Desagrada, deste acórdão recorreu a ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” para este Supremo Tribunal, alegando e apresentando as respetivas conclusões.

Contra-alegando, a autora interpôs também recurso subordinado para este STJ, alegando e oferecendo as atinentes conclusões.


O Ex.mo Relator admitiu a revista interposta pela ré “Companhia de Seguros BB, S.A.”; todavia, com o fundamento em que in casu se verificava “dupla conforme”, rejeitou o interposto recurso subordinado pretendido pela recorrente/autora AA:

  - Com efeito, equipara-se à situação de dupla conforme aquela em que a Relação, como sucede in casu, profere uma decisão que, embora não seja quantitativamente coincidente com a da l.ª instância, seja mais favorável à parte.

Na verdade, este Tribunal, ao condenar a ré recorrida a pagar à autora, a título de indemnização, uma quantia global a mais, de € 39.837,00, da fixada na 1.ª instância, mantendo no mais o decidido por esta, não deixa de proferir decisão qualitativamente “conforme” com a decisão recorrida na perspectiva da recorrente, sendo certo que inexiste fundamentação essencialmente diferente.

A entender-se de outro seria até paradoxal com a situação em que este tribunal ad quem mantendo o quantitativo indemnizatório atribuído pela 1.ª instância, seria mais desfavorável para a recorrente e sendo aí inquestionável que haveria conformidade de decisões: "O apelante que é beneficiado com o acórdão da Relação relativamente à decisão da 1.ª instância nunca pode interpor revista para o Supremo, porque ele também não o poderia fazer de um acórdão da Relação que tivesse mantido a - para ele menos favorável - decisão da 1.ª instância" - Neste sentido vide A. S. Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 3.ª Ed., págs. 383/384.


É contra este despacho que a autora/recorrente reclama, deduzindo os seguintes argumentos:

1. De facto, o acórdão da Relação confirmou, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, alterando, apenas o quantitativo indemnizatório.

No entender da reclamante não deveria ter sido admitido o recurso interposto pela ré BB; e a regra geral é a da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme (art. 671, n.º 3 do CPC).

2. De todo o modo, para o caso de o recurso da ré ser admitido - como foi - a reclamante interpôs recurso subordinado, o qual não foi admitido com o fundamento de se tratar de situação de “dupla conforme”.

3. No entender da reclamante, o recurso subordinado interposto merece ser admitido, sobretudo por força da unidade do sistema jurídico.

4. A harmonia e unidade do sistema jurídico impõem e exigem uniformidade substantiva de critérios, mal se compreendendo que, por ter havido apenas uma alteração do montante das indemnizações, tenha sido admitido o recurso da ré e tenha sido rejeitado o recurso subordinado da autora.

5. Se o recurso interposto pela ré Açoreana foi admitido à luz do art.º 629.º, n.º 1 do C.P.C., também o da autora/reclamante deve ser admitido, com idêntico fundamento, pois que o decaimento assim o permite e a unidade e harmonia do sistema jurídico e das decisões judiciais assim o exigem.

6. O recurso subordinado interposto pela autora deve ser admitido, conclui a reclamante.



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Por decisão singular do Relator e com os fundamentos nela expendidos sobre esta temática, a reclamação da autora foi desatendida.


Não se conformando com esta decretação, dela vem novamente reclamar a autora para a “conferência”; e, porfiando na mesma argumentação já “ab initio” produzida, roga que seja admitido o recurso subordinado pela demandante/reclamante interposto.



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Vamos reanalisar esta detalhada controvérsia.



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I. A lei distingue entre recurso independente e recurso subordinado - artigo 633.º do C.P.Civil - para expressar a ideia de que o prazo do recurso subordinado se conta a partir da notificação da interposição do recurso da parte contrária e que, se o recorrente principal desistir do recurso ou este ficar sem efeito ou o tribunal não tomar conhecimento dele, caduca o recurso subordinado (n.º 2 e 3 do art.º 633.º do C.P.Civil).


Esta denunciada caracterização do recurso designado de subordinado tem apenas a justificar a sua subsistência duas circunstâncias, quais sejam, a de que o recorrente principal não desista do recurso ou que, efectivamente, se não mostrem razões capazes de justificar que dele se não conheça.


Quer isto dizer que ambos os recursos mantêm plena e acabada autonomia no que aos seus fundamentos e objectivos diz respeito, designadamente no que toca aos especificados aspectos em que cada uma das partes recorrentes ficou vencida.


Notemos a este propósito que se o recurso independente for admissível, o recurso subordinado também o será, ainda que a decisão impugnada seja desfavorável para o respetivo recorrente em valor igual ou inferior a metade da alçada do tribunal de que se recorre (n.º 5 do art.º 633.º do C.P.Civil).

    

Flui da enunciação posta neste preceito que, porque não constitui embaraço algum à admissibilidade do recurso subordinado a circunstância de a sua rejeição resultar de o valor da sucumbência o não permitir, isto é, que a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal - tomando o estatuído na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 629.º do C.P.Civil, a revista só é admissível se o valor da sucumbência for superior a € 15.000,00 - [1] segue-se que o recurso subordinado, confrontando-o com o regime afeto ao recurso independente (principal), é, neste contexto, tratado de forma diversificada deste, libertando-o de um obstáculo que ao primeiro se lhe impõe.


II. Pondo em confronto ambos estes particularizados recursos, é esta, em termos gerais, a principal prerrogativa de que goza o recurso subordinado relativamente ao recurso principal.

O que se depreende do disposto no n.º 5 do art.º 633.º do C.P.Civil é que o recurso subordinado não fica dependente da regra da sucumbência, isto é, a sua admissibilidade não é condicionada pela circunstância de a parte ter ficado vencida em montante que é igual ou inferior a metade da alçada do tribunal em que a decisão impugnada foi proferida.

    

A temática que ora havemos de apreciar e julgar não se configura, porém, tão só com a simplicidade da aplicação dos princípios que acabamos de enunciar e que, naturalmente, sobressaem da descrição posta na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 629.º e n.º 5 do art.º 633.º, ambos do C.P.Civil.

A problemática que presentemente abordamos apresenta-nos a especificidade - suscetível de frequentemente ocorrer - que se completa na circunstância de a revista subordinada interposta pela autora/reclamante incidir sobre “acórdão da Relação que, relativamente à recorrente, confirma, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância”, desta feita tomando a sua discussão assento no regime jurídico estabelecido para a “dupla conforme” (n.º 3 do seu art.º 671.º do C.P.Civil).


Pondo-a em comparação com a universalidade dos princípios ínsitos no nosso ordenamento jurídico, esta contingência assim despontada não fará com que a “dupla conforme”, efetivamente verificada, tenha de se amoldar à tutela da “igualdade”, garantida pela nossa Lei Fundamental?


Não é fácil a opção a tomar por um ou outro entendimento; e tanto assim é que este Supremo Tribunal vem fazendo diferenciadas reflexões sobre esta própria questão.


Esta possibilidade - de recurso subordinado - apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor. Já se esta decorrer de ausência de outros requisitos (v.g. por ser vedado o recurso para o Supremo atenta a existência de dupla conforme relativamente à concreta questão decidida desfavoravelmente ou por outro motivo de ordem legal), a interposição do recurso principal não pode ser invocada como fundamento para a admissão de recurso subordinado. Ou seja, parece-me que o disposto no n.º 5 apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto de recorribilidade em função da sucumbência, não tendo, por si, a virtualidade de abrir múltiplos graus de jurisdição, ainda que por via subordinada, quanto a decisões cuja irrecorribilidade encontre na lei outros motivos - Abrantes Geraldes; Recursos no Novo Código de Processo Civil; 3.ª edição, 2016, pág. 85.

Este mesmo entendimento é o que está preconizado no Acórdão do STJ de 10.03.2016 (Manuel Tomé Soares Gomes (Relator) e disponível em www.dgsi.pt):

 - Não se afigura que, face ao lapidarmente disposto na parte final do n.º 5 do artigo 633.º, se possa concluir pela ocorrência de lacuna a preencher por via analógica de modo a contemplar, para os mesmos efeitos, a irrelevância da dupla conforme, sendo de salientar que aquela disposição foi mantida aquando da introdução deste novo limite de recorribilidade da revista - Ac. STJ de 10.03.2016; Manuel Tomé Soares Gomes (Relator); disponível em www.dgsi.pt.

   

A decisão singular tomada pelo Relator (cfr. fls. 64 a 66), inspirada na doutrina e na jurisprudência atrás assinaladas, não atendeu à motivação apresentada pela reclamante.


III. Não obstante isso, reavaliando os argumentos ora propostos pela recorrente/reclamante, designadamente a perceção professada pelo Prof. Teixeira de Sousa, que se revela partidária da admissibilidade do recurso subordinado mesmo que se verifique a “dupla conforme”, por ser a solução ditada pela igualdade e pelo equilíbrio entre as partes (in Cadernos de Direito Privado, n.º 21”), pensamento igualmente acolhido no acórdão do STJ de 04.06.2015, desta Secção (disponível em www.dgsi.pt), vamos repensar a nossa decisão singular anteriormente tomada e considerar que, “sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme”, ou seja, adotando o sentido decisório que se ultima neste último aresto.


Esta reflexão, assim delineada, tem a sufragá-la, pensamos, a interpretação extensiva do regime evidenciado pelo n.º 5 do artigo 633.º do C. P. Civil, que neste enquadramento jurídico nós fazemos, desta feita fazendo estender aquela minudenciada disciplina legal aos casos em que se discute, conjuntamente com a possibilidade do “recurso subordinado”, a sobreposição da “dupla conforme” caracterizada no n.º 3 do seu art.º 671.º do C.P.Civil, ou seja, desatender, para este efeito, a aparente ingerência da disciplina da “dupla conforme” na permissividade do “recurso subordinado”.


Muito embora não conste da lei o apetecido expresso sinal literal a determinar esta destacada firmeza normativa - sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme- quer-nos parecer que é este o real pensamento legislativo, orientador do regime jurídico apropriado a este circunstancialismo jurídico-positivo e que, só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia.

Se disso se tivesse apercebido, depreendemos nós agora, teria o legislador estendido ao “recurso subordinado” a contingência da “dupla conforme” - acrescentando ao “valor da sucumbência” também a “dupla conforme” - por ser esta a sua verdadeira vontade e assim o justificar a “ratio” (razão de ser da lei) envolvente da disciplina entranhada no “recurso subordinado” - equiparar, até onde isso for racionalmente possível, a disciplina do “recurso subordinado” ao regime adstrito ao “recurso independente” (principal).


Ajuizando que há convincentes motivos que apontam no sentido de que o recurso não deve ser rejeitado, interpretando extensivamente a lei (artigos 9.º e 11.º do C.Civil), vamos atender a pretensão da recorrente/reclamante.

         

Concluindo:

1. Sendo admissível a revista principal, é admissível a revista subordinada, ainda que, quanto a esta, haja dupla conforme.

2. Muito embora não conste da lei (n.º 5 do artigo 633.º do C. P. Civil) o apetecido expresso sinal literal a determiná-lo, é este o real pensamento legislativo, que só não foi explicitamente consagrado porque disso se não terá apercebido o legislador no momento em que procedeu à sua redação, dizendo menos do que pretendia.

3. Se disso se tivesse apercebido, teria o legislador estendido ao “recurso subordinado” a contingência da “dupla conforme” - acrescentando ao “valor da sucumbência” também a “dupla conforme” - por ser esta a sua verdadeira vontade e assim o justificar a “ratio” (razão de ser da lei) envolvente da disciplina entranhada no “recurso subordinado”.


Pelo exposto, atendendo-se a reclamação ora deduzida, decretamos a admissibilidade da revista subordinada interposta.

  

Sem custas.


Supremo Tribunal de Justiça, 19 de outubro de 2016.


António da Silva Gonçalves (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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 [1] A sucumbência carateriza-se pelo insucesso obtido pela parte na ação, consubstanciando a denegação da sua discriminada pretensão posta na decisão jurisdicional que aferiu a prerrogativa que nela se imprecava, sempre aferida pelo pedido que na demanda se destacou.

  “Parte vencida é aquela que decaiu no pleito - aquela a quem a sentença seja desfavorável, por não ter acolhido a sua pretensão, já negando -lhe o direito que deduziu em juízo ou não chegando a apreciar a sua existência (artigo 288.º), já reconhecendo o direito deduzido pela outra parte; a sucumbência equivale, portanto, ao insucesso na lide - Prof. Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil”; pág. 343.