Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
202/08.1GBPSR.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
PENA DE PRISÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO EXCESSO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Doutrina: - FIGUEIREDO DIAS, in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, p.227;
- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, §55,§ 56, p. 121;
- FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.;
Legislação Nacional: - ARTIGOS 40º NºS 1 E 2, 71°, 72.º, 132º N.º 1 E 2 ALÍNEA B), TODOS DO CÓDIGO PENAL.
Jurisprudência Nacional: - ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL JUSTIÇA, DE 15-11-2006, 3ª SECÇÃO, PROC. N.º 2555/06;
- ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 15-11-2006, 3.ª SECÇÃO, PROC. N.º 3135/06.
Sumário :
I - As circunstâncias factuais determinativas da medida concreta da pena são apenas aquelas que constam da decisão em matéria de facto - matéria de facto provada –, sem prejuízo de o significado preciso de alguma expressões circunstanciais poder eventualmente conjugar-se com a motivação da convicção formada pelo tribunal.
II - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
III - Como ensina FIGUEIREDO DIAS ( Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):
“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
IV - O artº 40º nº 2 do Código Penal ao estabelecer que: “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, pressupõe que, em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa ,
A culpa é condição necessária mas não suficiente, da aplicação da pena
V - O princípio da culpa, não se fundamenta em qualquer concepção retributiva da pena, antes sim no princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. e “é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” (v. FIGUEIREDO DIAS – in ob. cit. § 56)
VI - A função da culpa no sistema punitivo assume-se “numa incondicional proibição de excesso” constituindo o limite inultrapassável: de quaisquer exigências preventivas (”- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.)
VII - As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
VIII - A prevenção geral atinge o seu expoente máximo, na dissuasora punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade no seu ordenamento jurídico, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista, se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, for inadequada ou desproporcional ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana
IX - Numa situação em que as exigências de prevenção especial, assumem alguma intensidade, face à falta de preparação do arguido para manter conduta lícita, documentada nos seus antecedentes criminais, e em que a culpa do arguido é muito elevada, pelo desvalor da acçãoque quis empreender e, desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir, ponderando a matéria fáctica provada à luz do artº 71º º s 1 e 2 do CPenal, não se afigura desproporcionada, nem contrária às regras de experiência a medida da pena aplicada de dezassete anos de prisão pelo crime p. e p. no artº 132º nº 1 e 2 al. b) do CP.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Nos autos de processo comum com o nº 202/08.1GBPSR, da comarca de Ponte de Sor, na sequência de acusação deduzida pela Digna Magistrada do Ministério Público, foram submetidos a julgamento perante o Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Abrantes, os arguidos,
a) AA, filho de J… B… E… e de L… C… R…, nascido em 19/11/1982, natural da freguesia e concelho de Ponte de Sor, solteiro, trabalhador rural, residente em M… P…., Vale da Bica, 7400-405, Ponte de Sor, actualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Elvas,
b) BB, filha de J… B… E… e de L… C… D…, nascida em 16/12/1975, natural da freguesia e concelho de Ponte de Sor, casada, trabalhadora rural, residente na Zona Industrial, Rua … (…), 7400 Ponte de Sor,

Imputava-lhes a douta acusadora:
Ao arguido:
A autoria e a co-autoria material, em concurso real e efectivo e na forma consumada de:
- Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do Código Penal;
- Um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal;
- Um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artigo 254.º, n.º 1, aI. a) do Código Penal; e de,
- Quatro crimes de condução de veiculo sem habilitação legal, p. e p. - pelo artigo 3.º, n. 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 03/01; e,

À arguida:
A co-autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples/" na forma continuada, p. e p. pelos artigos 143.°, n.º 1 e 30.º, n.º 2/ ambos do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferido acórdão em 11 de Maio de 2009 que decidiu:
“a) Absolver a arguida BB da co-autoria material, na forma consumada, do crime de ofensa à integridade física simples, e o arguido AA dos crimes de violência doméstica e de sequestro de que vinham acusados;
b) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelos art.ºs 131º e 132.°, n.º 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;
c) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material, de um crime de profanação de cadáver, previsto e punível pelo art.º 254.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
d) Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punível pelo artº 3.°, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3/1, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
e) Condenar o arguido AA, operando o cúmulo jurídico das penas supra impostas, na pena única de 17 (dezassete) anos e 8 (oito) meses de prisão;
f) Condenar o arguido AA a pagar seis U.c.'s de taxa de justiça e as custas do processo, fixando a Procuradoria em um terço da taxa de justiça, esta a favor do C.G.T.;
g) Condenar o arguido AA a pagar ao Cofre Geral dos Tribunais 1% da Taxa de Justiça (art.º 13.°, n.º 3, do Dec. Lei n.º 423/91, de 30/10); e,
h) Declarar perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos e indicados a fls. 389, os quais serão destruídos.”
Ordenou-se o demais de lei.

Inconformado recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Évora, que por seu douto acórdão de 4 de Dezembro de 2009 decidiu “negar provimento ao recurso e em consequência manter o douto acórdão recorrido.“

De novo o arguido recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões na motivação de recurso.:
A) O Recorrente não contesta as penas unitárias aplicadas aos crimes de profanação de cadáver e condução sem habilitação legal na forma continuada.
B) Já quanto ao crime de homicídio qualificado, entende-se que, atento o disposto no artigo 70° e 71 ° do CP, é mais equitativa a pena de 15 anos de prisão, devendo fixar-se a pena única, resultante do cúmulo jurídico das três penas, em 15 anos e 6 meses de prisão.
C) A medida da pena a que chegámos tem em conta, quer as circunstâncias descritas no douto Acórdão da 1ª instância, quer as descritas no relatório social e nos factos provados (artigos 25°, 26°, 27° e 28°), designadamente: o meio em que o arguido viveu e cresceu (em local ermo), o percurso de vida traumatizado do arguido, pontuado pela precariedade, desestruturação e inconsistência dos modelos parentais, o abandono esco!ar precoce (4ª classe), motivado pelos sucessivos tratamentos de reconstituição facial e da cabeça a que foi submetido desde tenra idade, em consequência de um acidente que sofreu, que lhe deixou o rosto e a cabeça desfigurados, o facto de se ter apresentado voluntariamente às autoridades, contribuindo para a descoberta do corpo e participando na reconstituição dos factos, o facto de ter confessado os mesmos em sede de audiência de julgamento e a postura de auto-censura e auto-crítica que revelou no decorrer desta.
D) Decidindo, como decidiu, violou o Ex.mo Juiz, designadamente, o disposto nos artigos 70° e 71° do Código Penal.

Nestes termos, e porque só assim se fará justiça, deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o douto acórdão recorrido substituindo-se por outro que decida em conformidade com o exposto.

Respondeu o Exmo Magistrado do Ministério Público à motivação de recurso, concluindo:
“- o recurso interposto deverá ser rejeitado, porque manifestamente improcedente, ou, assim não vindo a entender-se,
- o acórdão objecto do recurso deve ser confirmado, na sua plenitude, negando--se provimento às pretensões do recorrente.
Vossas Excelências, porém, decidirão como for de Justiça! “

Neste Supremo, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde além do mais refere:
“Acompanhamos, sem reservas, a resposta da Ex. mo Procurador-Geral Adjunto junto do tribunal recorrido (792-799) quanto à medida das penas, quer pelo homicídio, quer única.
(…)
Em suma, entendemos que a decisão recorrida, respeitando todas as regras legais de fixação concreta da pena, não se mostra susceptível de censura que motive a intervenção correctiva do Supremo Tribunal no doseamento específico encontrado.
O mesmo se diga quanto à pena única, que acata os critérios definidos no art. 77.°, nº 1 do Cód. Penal, com relevo para a personalidade do arguido atrás apreciada.
Pelo exposto, entendemos que o recurso não merece provimento. “

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº2 do CPP.

Não tendo sido requerida audiência seguiu o processo para conferência, após os vistos legais.

Consta do acórdão recorrido:

“Foram dados como provados na 1 a instância os seguintes factos (transcrição com numeração nossa):
1-0 arguido AA manteve uma relação de namoro com a ofendida CC, durante cerca de I ano, em período não concretamente apurado.
2-Entre Setembro de 2007 e Junho de 2008, o arguido AA viveu maritalmente com a ofendida CC, partilhando casa, mesa e cama, tendo a última residência comum sido na Avenida da Liberdade, n.º …, em Ponte de Sôr.
3-No dia 5/6/2008, a CC apresentava as seguintes lesões:
- duas escoriações com cerca de I cm cada, no bordo lateral esquerdo do nariz,
- hematoma de forma circular com cerca de 3 cm de diâmetro na região anterior direita do terço superior do tórax,
- hematoma com cerca de 6 cm de diâmetro na face externa do terço proximal da perna direita,
- equimose em forma de dedada na face anterior do terço superior da perna direita.
4- Tais lesões determinaram 10 dias de doença, 3 dos quais com afectação da capacidade geral e 3 com afectação da capacidade para o trabalho profissional.
5-Em data não concretamente apurada, mas que terá ocorrido no decurso do mês de Junho de 2008, na sequência de uma desavença entre o arguido e a CC, esta passou a residir em casa da sua avó em Portalegre.
6-Porém, após essa separação, a CC vinha passar os fins-de-semana com o arguido e, por vezes, também pernoitava com ele às quartas-feiras.
7-No dia 25/07/2008, a hora não concretamente apurada, mas que terá ocorrido entre as 19h e as 20 horas, a ofendida CC e o arguido foram a Foros do Arrão, área desta cidade e comarca, fazendo-se transportar no veículo automóvel com a matrícula RL- …-…, conduzido pela CC.
8-Após isso, no trajecto entre Foros do Arrão e Vale de Bica, a pretexto da CC ter dito ao arguido que ele devia ir trabalhar como guarda de caça e deste ter recusado a sugestão, desencadeou-se uma discussão entre este e aquela.
9-Nessas circunstâncias de tempo e de lugar, e por essa razão, quando estavam a chegar à zona de Cortiço, numa estrada de terra batida, o arguido desferiu, pelo menos, 3 murros na cara da CC, em zona não concretamente apurada.
lO-Nessa sequência, a CC ficou com um hematoma num olho, a escorrer sangue pelo nariz e pela boca, após o que desmaiou.
11-De seguida, o arguido pegou na ofendida ao colo e colocou-a no interior da bagageira do referido veículo automóvel.
12-Nessa sequência, o arguido conduziu o referido veículo automóvel entre a zona do Cortiço e Vale de Estacas, numa extensão de cerca de 800 metros, sem que fosse titular de documento legal que o habilitasse a conduzir tal veículo automóvel.
13-Uma vez chegado a Vale de Estacas, o arguido imobilizou o referido veículo automóvel, retirou a ofendida do interior da bagageira e transportou-a ao colo, através de vegetação rasteira, num percurso de cerca de 50 metros, após o que a colocou no chão.
14-Como a ofendida ainda respirava, o arguido fazendo uso de um ramo de árvore que ali se encontrava caído, desferiu um número indeterminado de pancadas na cabeça da ofendida com a intenção de a matar.
15-Após o que, pegou novamente na CC ao colo, desceu cerca de 60 metros, passou uma vala ali existente e atirou o corpo da vítima para o meio de um silvado, para que o corpo não fosse encontrado, e abandonou de imediato aquele local.
16-Como consequência directa e necessária de tais agressões a CC sofreu as seguintes lesões:
- destruição generalizada dos ossos frontais do nariz,
- exposição dos ossos da zona supra-ciliar, com afundamento,
- fractura do maxilar inferior e superior,
- ferimentos de natureza perfurante na zona mentoniana e face,
- múltiplas escoriações lineares espalhadas pelos membros superiores e inferiores,
- hematoma com aproximadamente 10 cm de comprimento por 7 cm de largura na região tempora-parietal direita,
- hematoma com 17 cm de comprimento por 12 cm de largura na região tempora - parietal esquerda,
- fractura na região temporal esquerda, sem perfuração do cérebro, com a dimensão de 5 em por 3 em,
- hematoma nos lobos parietal e occipital direito,
- hematoma no cerebelo,
- fractura transversal de toda a base do crânio.
17 - Tais lesões foram causa directa e necessária da morte da CC.
18-Nessa sequência, o arguido conduziu o referido veículo automóvel entre Vale de Estacas e Foros do Arrão, área desta cidade e comarca, sem que fosse titular da necessária habilitação legal.
19-Na manhã do dia seguinte, a hora não concretamente apurada, o arguido conduziu o referido veículo automóvel entre a cidade de Ponte de Sôr e a cidade de Vila Franca de Xira, sem que fosse titular da necessária habilitação legal.
20-Uma vez chegado a Vila Franca de Xira, de imediato o arguido regressou à cidade de Ponte de Sôr, conduzindo o referido veículo automóvel, sem que fosse titular da necessária habilitação legal.
21-Agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com perfeito conhecimento de que suprimia a vida da vítima CC, e de que esta havia mantido consigo uma relação análoga à dos cônjuges, o que quis.
22-Mais agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com perfeito conhecimento de que sem autorização de quem de direito, ocultava o cadáver da CC, o que quis.
23-Agiu o arguido de modo livre, voluntário e consciente, com perfeito conhecimento de que conduzia o referido veículo automóvel, na via pública, sem que fosse titular da necessária habilitação legal para o efeito.
24-Mais sabia o arguido que tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
25-No dia seguinte, o arguido procurou o seu patrão e contou-lhe o que sucedera e pediu-lhe para o acompanhar ao posto da GNR para se entregar, o que veio a fazer, indicando aos guardas o local onde tinha deixado o corpo.
26-0 arguido AA provém de família de modesta condição sócio-cultural.
27-Cessou o percurso escolar após concluir o primeiro grau, passando a dedicar-se à pastorícia, ao abate de árvores e na produção de lenha e carvão vegetal, como assalaria do.
28- Tem hábitos de consumo imoderado de bebidas alcoólicas e consumo ocasional de haxixe. À data dos factos auferia € 50 por dia como motoserrista, recebendo igualmente alimentação e alojamento.
30 - O arguido AA foi condenado em penas de multa e de prisão, pela prática de crimes de furto qualificado, condução em estado de embriaguez, condução sem habilitação legal, roubo e desobediência- ut fIs. 538 a 543.
Relativamente à matéria de facto dada como não provada consignou-se no acórdão recorrido o seguinte (transcrição):

Não se dão como provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão, designadamente que:
- Em datas não concretamente apuradas, mas que terão ocorrido pouco tempo depois do inicio da relação marital, no interior da residência de ambos, sita na Av. da Liberdade, nº …, em Ponte de Sôr, área desta cidade e comarca, o arguido AA, dirigindo-se à ofendida CC proferia as seguintes expressões: "puta, marra, vadia" e afirmava que esta tinha outros homens.
- Em datas não concretamente apuradas, mas que terão ocorrido no lapso de tempo em que perdurou a relação marital entre o arguido AA e a ofendida CC, também no interior da residência de ambos, sita na Av. da Liberdade, nº …, em Ponte de Sôr, área desta cidade e comarca, o arguido desferia murros, estalos, empurrões e pontapés por todo o corpo da ofendida e apertava-lhe o pescoço.
- Em datas não concretamente apuradas, mas que terão ocorrido entre Novembro de 2007 e Maio de 2008, no interior da residência do arguido AA e da ofendida CC, sita na Av. da Liberdade, nº …, em Ponte de Sôr, área desta cidade e comarca, o arguido AA segurava a ofendida CC e a arguida Antonina agredia a ofendida de modo não concretamente apurado.
- Em 29/05/2008 no interior da residência do arguido AA e da ofendida CC, sita na Av. da Liberdade, nº …, em Ponte de Sôr, área desta cidade e comarca, o arguido AA segurou a ofendida CC e a arguida Antonina agrediu-a de modo não concretamente apurado.
- As lesões observadas no dia 5/612008, na pessoa da CC resultassem de qualquer conduta dos arguidos.
- O arguido apertou o pescoço da CC.
- No dia 26/07/2008, a hora não concretamente apurada, mas que terá ocorrido ao final do dia, o arguido conduziu o referido veiculo automóvel entre Vale de Bica e Foros do Domingão, área desta cidade e comarca, sem que fosse titular da necessária habilitação
legal.

Cumpre apreciar e decidir

Não se afigura existirem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer nos termos do artigo 410º nºs e 3 do CPP.

O recorrente discorda apenas da medida concreta da pena quanto ao crime de homicídio qualificado, por entender mais equitativa a pena de 15 anos de prisão, devendo fixar-se a pena única, resultante do cúmulo jurídico das três penas, em 15 anos e 6 meses de prisão.
Considera que quer as circunstâncias descritas no douto Acórdão da 1ª instância, quer as descritas no relatório social e nos factos provados (artigos 25°, 26°, 27° e 28°), designadamente: o meio em que o arguido viveu e cresceu (em local ermo), o percurso de vida traumatizado do arguido, pontuado pela precariedade, desestruturação e inconsistência dos modelos parentais, o abandono escolar precoce (4ªclasse), motivado pelos sucessivos tratamentos de reconstituição facial e da cabeça a que foi submetido desde tenra idade, em consequência de um acidente que sofreu, que lhe deixou o rosto e a cabeça desfigurados, o facto de se ter apresentado voluntariamente às autoridades, contribuindo para a descoberta do corpo e participando na reconstituição dos factos, o facto de ter confessado os mesmos em sede de audiência de julgamento e a postura de auto-censura e auto-crítica que revelou no decorrer desta. “

Analisando:
As circunstâncias factuais determinativas da medida concreta da pena são apenas aquelas que constam da decisão em matéria de facto - matéria de facto provada – sem prejuízo de o significado preciso de alguma dessas circunstâncias factuais poder eventualmente conjugar-se com a motivação da convicção formada pelo tribunal.

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. (Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo Tribunal e desta 3ª Secção, Proc. n.º 2555/06)

A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.
O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Como ensina Figueiredo Dias (Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121):“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.”
Aduz o mesmo Ilustre Professor – As Consequências Jurídicas do Crime, §55 que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”
Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”
Ou, e, em síntese: “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
A função da culpa encontra-se consagrada no artº 40º nº 2 do Código Penal que estabelece: Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.
Como resulta, v. g. do Ac. deste Supremo de 15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção, o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece:
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência:
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.
Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Concretizou a decisão recorrida:

“ Finalmente pretende o recorrente que lhe seja reduzida a pena aplicada a quinze anos pela prática do crime de homicídio qualificado, afastadas as hipóteses de se tratar de crime de ofensas corporais graves ou de homicídio simples.

Não resultando dos autos qualquer violação perante a matéria de facto dada como provada e respectivo enquadramento jurídico. Para além da matéria de facto fixada na 1ª instância que beneficiou dos princípios da oralidade e da imediação se manter inalterável pelas razões já atrás referidas, sempre será ainda de referir que as atenuantes que constam dos factos provados foram tidas em conta pelo tribunal recorrido ao dosear a pena. De salientar pelo que atrás ficou exposto que se mantém a qualificação do crime de homicídio, pelo que a pena abstracta aplicável é a prevista no citado artigo 132º n.º 1 e 2.

A pena de 17 anos aplicada pelo Tribunal recorrido a este crime não se mostra excessiva, pelo que se mantém uma vez que como claramente consta do acórdão foi aplicada com respeito pelo disposto nos artigos 71º e 72º do Código Penal, aliás o recorrente também não refere ou especifica em concreto como foram violadas as normas, pretendendo antes que se atenda às circunstâncias que depõem a favor do agente, constantes do relatório social do mesmo e dos factos dados como provados no acórdão recorrido.

Ora a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do delinquente sendo que em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.

A medida da culpa condiciona assim a própria medida da pena estabelecendo um limite inultrapassável desta.

Nos termos do disposto no artigo 71º do Código Penal deve-se atender na medida da pena a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo do crime deponham a favor ou contra o agente. Essas circunstâncias foram referidas no acórdão proferido na 1ª instância pelo que se considera bem doseada e adequada a pena aplicada ao referido crime.

No caso concreto foram devidamente aplicadas as disposições do Código Penal, artigos 71º, 72º, sendo a pena aplicada em concreto proporcionada e adequada.

Não se verifica neste caso que o Tribunal recorrido não tenha aplicado devidamente os preceitos legais a observar aquando da fixação da pena nem que a mesma se mostre fixada com violação das regras da experiência ou desproporcionada na sua quantificação, pelo que nesta parte também não pode proceder a pretensão do recorrente.

Este tribunal tem pelo exposto ajustada a pena de 17 anos de prisão que foi aplicada ao recorrente pelo Tribunal recorrido e que não excede a culpa e satisfaz as exigências de prevenção, atenta a moldura abstracta da pena de prisão aplicável ao crime, o qual é punível com pena de prisão de 12 a 25 anos, verifica-se que lhe foi aplicada a pena de dezassete anos de prisão, tendo o Tribunal recorrido respeitado o limite imposto pela culpa, atendido às circunstâncias que depunham a favor (nomeadamente às suas condições pessoais, apresentação ás autoridades e colaboração na descoberta da verdade), e contra o arguido (antecedentes criminais e inoperância das penas anteriormente aplicadas) e ainda sem olvidar também a função de reintegração social da pena.

No caso concreto foram devidamente aplicadas as disposições do Código Penal, mesmo os artigos 40º e 71º, sendo a pena aplicada em concreto proporcionada e adequada.

Não se verifica neste caso que o Tribunal recorrido não tenha aplicado devidamente os preceitos legais a observar aquando da fixação das penas aplicadas a cada um dos crimes, ou ainda na pena única resultante do cúmulo, pelo que se mantém a mesma uma vez que também esta não se mostra excessiva na sua quantificação, pelo que não se dá razão ao recorrente.”
Por sua vez, a o acórdão da 1ª instância fundamentou a aplicação da pena da seguinte forma:
3.7. Escolha e medida da pena.
Apurada a comissão dos ilícitos criminais importa concretizar as sanções a aplicar.
Como vimos, a lei preceitua a sanção abstracta para o crime de homicídio qualificado a pena de 12 a 25 anos de prisão. (…)
Os artigos 70º e 71.º, do Código Penal, indicam os critérios para a escolha e a determinação da pena a aplicar.
O primeiro critério e limite a considerar é o da culpa do agente. A pena não pode ultrapassar em caso algum, a medida da culpa (FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 227). Trata-se de uma consequência do princípio da culpa, que estabelece o limite superior da 26 pena a aplicar.
Também as preocupações de prevenção geral e especial devem ser atendidas para efeito de determinação da pena, ponderando-se as consequências a nível social e as expectativas de reintegração e socialização do arguido.
Atendendo às várias alíneas do nº 2, do art.º 71.º, há, em especial, que realçar:
a) o grau de i1icitude dos crimes (elevado dada a relação com a vítima, exigindo maior contenção perante um atentado contra a vida);
b) o dolo directo e necessário;
c) as condições pessoais do arguido (pessoa que evidencia problemas de relacionamento e integração social);
d) a apresentação voluntária perante as autoridades, indicando o local onde abandonou o cadáver e contribuindo para o esclarecimento da verdade; e,
e) a existência de antecedentes criminais.
Assim, ponderado todo o circunstancialismo evidenciado pela matéria de facto apurada, particularmente a personalidade do arguida, a necessidade de prevenção geral deste tipo de grave violência e porque a pena também tem que reflectir o sentimento social de profunda reprovação que decorre da deliberada privação do valor da vida humana, o Tribunal entende que a pena de 17 anos de prisão é a que se mostra adequada aos factos apurados e à subsunção jurídica do crime de homicídio. “

Como bem salienta o Exmo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo, em seu douto Parecer:
“No que respeita à imposta pelo homicídio, verifica-se que se situa aquém do limite médio da moldura, sendo adequada à culpa do agente e exigências de prevenção, atendendo expressa e inequivocamente às condições pessoais do arguido, pessoa que evidencia problemas de relacionamento e integração social.
E, salvo melhor opinião, nem sequer uma personalidade formada em ambiente pontuado pela precariedade, desestruturação e inconsistência dos modelos parentais, o abandono escolar precoce, na sequência dos tratamentos a que foi submetido devido a acidente sofrido em tenra idade, impõe necessariamente um efeito atenuante da culpa.
A reacção particularmente violenta a uma discussão travada com a pessoa com quem viveu maritalmente a propósito de uma sugestão sobre o emprego do arguido, dá nota clara das qualidades desvaliosas do seu carácter, qualidades essas que terão que entrar na ponderação do juízo de culpa.
Ora, sendo particularmente desvaliosas sobre interesses societários muito relevantes - é mais um gravoso caso de violência doméstica, que não se revela mais digno de tolerância e de aceitação jurídico-penal pelo facto do arguido ter passado por uma infância com pouca assistência parental -, e reflectindo uma perigosidade latente (bem retratada na execução do crime e hábitos de consumo imoderado de bebidas alcoólicas e consumo ocasional de haxixe), fundamentam uma agravação da culpa, e com ela, a agravação da pena (que não terá sido fixada em medida superior, pela atitude do arguido posterior ao homicídio - n.o 25 da matéria de facto provada). “

Na verdade

Valorando a matéria fáctica provada nos termos do artº 71º e 72º do CP, , há que ter em conta:
O grau de ilicitude do facto: o mais elevado pois que a violação do direito à vida é o bem primeiro, o suporte de todos os bens da tutela jurídica;

O modo de execução: 3 murros na cara e número indeterminado de pancadas com um ramo de árvore e atirou com a vítima para o meio de um silvado
Um ramo de árvore não se identifica com ramo de folhas, tem estrutura e consistência de pau, como aliás, sem margem para dúvidas, a motivação da convicção do tribunal da 1ª instância afirma quando refere: “(…)o Tribunal convenceu-se que a CC seguramente ainda estaria viva quando sofreu tais golpes com um pau.”

A gravidade das consequências: quantidade e variedade, natureza e características das lesões que directa e necessariamente produziram a morte.

A intensidade do dolo: específico, pois que o arguido agiu de modo livre, voluntário e consciente, com perfeito conhecimento de que suprimia a vida da vítima CC, de que esta havia mantido consigo uma relação análoga à dos cônjuges, o que quis, sabendo o arguido que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei,

Os sentimentos manifestado no cometimento do crime: insensibilidade e indiferença, pela vítima como se verifica da actuação do arguido constante dos pontos 8 a 15 dos factos provados.
Após ter atirado o corpo da vítima para o meio de um silvado para que não pudesse ser encontrado abandonou de imediato aquele local.
No dia seguinte, o arguido procurou o seu patrão e contou-lhe o que sucedera e pediu-lhe para o acompanhar ao posto da GNR para se entregar, o que veio a fazer, indicando aos guardas o local onde tinha deixado o corpo.

Os motivos e fins determinantes: agiu na sequência de discussão desencadeada entre ele e a vítima, a pretexto da CC ter dito ao arguido que ele devia ir trabalhar como guarda de caça e deste ter recusado a sugestão,

A condição pessoal e económica: 0 arguido AA manteve uma relação de namoro com a ofendida CC, durante cerca de I ano, em período não concretamente apurado. Entre Setembro de 2007 e Junho de 2008, o arguido AA viveu maritalmente com a ofendida CC, partilhando casa, mesa e cama, tendo a última residência comum sido na Avenida da Liberdade, n.º 74, em Ponte de Sôr.
0 arguido AA provém de família de modesta condição sócio-cultural.
Cessou o percurso escolar após concluir o primeiro grau, passando a dedicar-se à pastorícia, ao abate de árvores e na produção de lenha e carvão vegetal, como assalaria do.
Tem hábitos de consumo imoderado de bebidas alcoólicas e consumo ocasional de haxixe.
À data dos factos auferia € 50 por dia como motoserrista, recebendo igualmente alimentação e alojamento.

A conduta anterior e posterior ao facto: O arguido AA foi condenado em penas de multa e de prisão, pela prática de crimes de furto qualificado, condução em estado de embriaguez, condução sem habilitação legal, roubo e desobediência- ut fIs. 538 a 543.

A prevenção geral atinge as suas exigências mais prementes ou mais elevadas, o seu expoente máximo de maior intensidade, na dissuasora punição do crime de homicídio, em que a reposição contrafáctica da norma violada pressupõe o restabelecimento da confiança da comunidade no seu ordenamento jurídico, pois que ninguém se sentirá seguro, nem haverá sociedade que subsista se a punição das actuações homicidas ficar aquém da necessidade, forem inadequadas ou desproporcionais ao âmbito de protecção da norma na defesa e salvaguarda da vida humana
Qualquer crime de homicídio faz vibrar o clamor de qualquer sociedade humana onde ocorra.

As exigências de prevenção especial, assumem alguma intensidade, face à falta de preparação do arguido para manter conduta lícita, documentada nos seus antecedentes criminais
A culpa do arguido é muito elevada, pelo desvalor da acção que quis empreender e do desvalor do resultado que procurou e conseguiu atingir.
Ponderando o exposto e uma vez que o agente do crime p. e p. no artº 132º nº 1 e 2 al. b) do CP é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos, a pena aplicada não se revela desproporcional nem contrária às regras da experiência.
E não se vislumbrando desproporcionalidade no quantum da pena do cúmulo, a mesma é igualmente de manter.

Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção - em negar provimento ao recurso e, confirmam o acórdão recorrido.
Tributam, o recorrente em 6 Ucs de taxa de justiça

Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Abril de 2010
Elaborado e revisto pelo relator.
Pires da Graça (Relator)
Raul Borges