Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B3969
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
PRESTAÇÃO
TERCEIRO
SENTENÇA
HOMOLOGAÇÃO
TRANSACÇÃO
Nº do Documento: SJ200711270039697
Data do Acordão: 11/27/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
1. Não constitui título executivo uma sentença homologatória de uma transacção quando a exigibilidade da obrigação dela resultante para uma das partes está dependente de uma prestação por terceiros que não foi realizada, não tendo sido previsto na sentença, nem o prazo dessa prestação, nem nenhum meio alternativo de tornar exigível aquela obrigação;
2. O meio previsto no artigo 804º do Código de Processo Civil não permite, nesta situação, tornar exigível a obrigação dos executados;
3. É, assim, procedente a oposição à execução baseada na inexegibilidade da obrigação exequenda.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Por sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, de 26 de Junho de 2006, de fls. 61, foi julgada procedente a oposição, deduzida por AA e mulher, contra a execução para prestação de facto contra eles instaurada por BB, por inexigibilidade da obrigação constante do título, uma sentença homologatória de uma transacção judicial, com cópia junta a fls. 119, cujo texto é o seguinte:
«1º - Autores e réus aceitam, como é referido na peritagem e relatório junto, que é necessário fazer uma intervenção para corrigir as deficiências ali apontadas nas duas moradias, que tiveram origem na construção.
2º - Para tal acordaram que os peritos já nomeados nos autos elaborem um projecto de reparação para ambas as moradias, e especifiquem concretamente as intervenções a fazer bem como calculem o montante para tais intervenções, apresentando os custos parcelares de cada artigo definidor do trabalho.
3º - No caso de se verificar a necessidade de fazer drenagem em redor das duas moradias, de modo a permitir o melhor escoamento das águas exteriores, o respectivo custo, também a determinar pelos senhores peritos, será suportado na proporção de dois terços para o réu AA e mulher e um terço pelo autor.
4º - Os demais trabalhos a realizar, indicados pelos senhores peritos serão a cargo dos réus AA e mulher, os quais devem ser realizados no prazo de três meses a partir da entrega do projecto dos senhores peritos, devendo os trabalhos a realizar coincidir com os meses de Maio a Outubro.
5º - Casos os réus AA e mulher não cumpram esse prazo, obrigam-se imediatamente a pagar ao autor o custo global indicado pelos senhores peritos, podendo aqueles se assim o entenderem oferecer eles próprios aos autores o pagamento daquele referido custo, considerando-se nessa medida cumprida a obrigação.
6º - Com o cumprimento do acima clausulado por parte dos réus, o autor desiste dos restantes pedidos formulados na petição.
7º - (…).
Sentença
(…) condeno autor BB e réus AA e mulher CC, no integral cumprimento do acordado (…).»

Tendo em conta que os peritos a que a transacção se refere se recusaram a fornecer qualquer dos elementos referidos na cláusula 2ª da transacção, por um lado, e que os exequentes se não socorreram do expediente probatório sumário previsto no (…) nº 2 do artigo 804º do C.P.C.”, por outro, a sentença entendeu proceder “a «oposição de mérito» de inexigibilidade da obrigação que decorre das cláusulas 3º, 4º e 5ª da transacção homologada por sentença transitada em julgado e que ora serve de pretenso título executivo”.
A procedência da oposição, pelos motivos indicados na sentença, foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Junho de 2007, de fls. 156, proferida no recurso de agravo interposto pelos exequentes, e do qual se transcreve a parte agora relevante:
“A acção executiva não pode ser promovida enquanto a obrigação se não vencer, na medida em que a demonstração da exigibilidade é um requisito essencial da obrigação exequenda. O título executivo que suporta a acção executiva é uma sentença homologatória de uma transacção – alínea a) do nº 1 do artigo 46º do CPC – que condenou as partes a cumprirem integralmente o acordado. Lendo a transacção verificamos que autor e réus aceitaram ser necessária uma intervenção com vista à correcção de defeitos de construção existentes em duas moradias. Acordaram, ainda, que os peritos já nomeados nos autos elaborassem um projecto de reparação para ambas as moradias, e especificassem concretamente as intervenções a fazer bem como calculassem o montante para tais intervenções, apresentando os custos parcelares de cada artigo definidor do trabalho.
Ora, é justamente nesta cláusula 2ª do termo de transacção que reside o busílis da questão, na medida em que os peritos não elaboraram os projectos de reparação, não individualizaram as intervenções a fazer e não calcularam o seu valor.
Não há dúvidas quanto à obrigação por parte dos executados em prestarem um facto – artigo 933º do CPC – todavia, não se mostram preenchidas as condições que tornem exigível o cumprimento de tal obrigação. Ora, excluídas as obrigações a prazo, a menos que se trate das referidas no nº 2 do artigo 777º do CPC, a acção executiva não pode ser promovida enquanto a obrigação se não vença. No que respeita, aos procedimentos a seguir para a conversão das obrigações inexigíveis em exigíveis, o artigo 804º do CPC destaca a situação da obrigação dependente de condição suspensiva ou de prestação por parte do credor ou de terceiro. «Ocorrendo esta situação, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação (…). Caso não seja possível o recurso à prova documental, deve o credor, ao requerer a execução, oferecer as respectivas provas, que serão logo sumariamente produzidas perante o Juiz».
Como ilustra o requerimento executivo junto a folhas 116, na parte relativa à «Exposição dos factos» o exequente considerou que as diligências por si levadas a cabo permitiam dar por cumprida a «condição» referida no ponto 2 do termo de transacção, isto à luz do disposto no artigo 804º, nº 1 do CPC.
Modestamente, opinamos em sentido contrário ao defendido pelo exequente na medida em que não foi documentalmente demonstrado terem os peritos elaborado os projectos acordados pelas partes – autor e réus – na cláusula 2ª do termo de transacção, como não demonstrou no requerimento de execução que a exigibilidade do débito não podia ser feita através de prova documental, envolvendo, necessariamente, o Exmo. Juiz do processo na tramitação de tal incidente, oferecendo as provas que considerasse pertinentes para o efeito.
(…) Ora, como os autos demonstram o exequente não percorreu nenhum dos caminhos que o artigo 804º do CPC lhe disponibiliza, preferindo, no contexto que a contestação à oposição evidencia, optar por ser ele próprio a elaborar projectos de reparação e custos que não só não mereceram o acordo dos executados, como não foram elaborados numa fase de claro e objectivo incumprimento, por eles, da cláusula 2ª.

2. Vieram então estes mesmos exequentes agravar para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo apresentado alegações onde formularam as seguintes conclusões:
“A) A obrigação dos executados é certa e exigível.
B) Resulta do texto da transacção das partes homologada por sentença que serve de título à execução, e de todo o circunstancialismo ou factualidade que a antecedeu e sucedeu e da própria confissão dos oponentes/executados que estes reconheceram a existência de defeitos nos imóveis por eles construídos e se obrigaram a eliminá-los, mediante a execução de obras de reparação ou mediante o pagamento do seu custo.
C) Ao condicionarem a execução das obras ou pagamento do preço a uma prestação de terceiros – peritos nomeados nos autos – as partes quiseram tão só, que estes viessem a definir os tipos de obras necessários a tal eliminação e o respectivo custo.
D) E não a definição ou prova da existência de defeitos e da necessidade de obras de reparação, uma vez que estas estavam assentes.
E) Os terceiros (peritos nomeados na acção ordinária) não se obrigaram a fazer obras e a recusa dos mesmos em elaborar o projecto de reparação não desonera os executados da sua obrigação principal, como bem se reconheceu no douto acórdão recorrido;
F) Sento o título executivo uma sentença, e resultando da correcta interpretação desta a certeza e a exigibilidade da obrigação exequenda, não pode o executado opôr-se-lhe por embargos com fundamento na al. e) do artª 813º do C.P.C. Se o fizer, deverão os mesmos ser liminarmente rejeitados.
G) O exequente formula na execução um pedido alternativo: execução das obras constantes do projecto adjunto ou o pagamento do seu preço.
H) Indicou um valor líquido para a execução, correspondente a um dos orçamentos juntos.
I) Pelo que, quando muito, poderia entender-se que se está perante uma liquidação da obrigação e aplicado o disposto no artº 380º do C.P.C.
J) Sem conceder, o exequente demonstrou nos autos, por documentos, que notificou os executados para fazerem obras, para indicarem o seu perito e elaborarem o projecto e que, se nada dissessem ou fizessem, seria o perito indicado pela exequente a elaborar o projecto, e os executados a suportar os seus custos e os custos das obras.
K) As cartas registadas com AR enviadas aos executados e a passividade destes face ao seu recebimento têm o mesmo valor jurídico de uma notificação avulsa, pelo que sempre se deveria julgar suprida a inexigibilidade da obrigação, nos termos do artº 804º do C.P.C.
L)Demonstrado nos autos que até à data os executados nada fizeram, não obstante a sentença condenatória e todas as notificações extra-judiciais que lhes foram feitas, cujo teor se dá por reproduzido, é da mais elementar justiça que esta execução prossiga.
M) Ao julgar verificado a falta de exigibilidade do título executivo o tribunal recorrido violou o princípio da economia de meios, o princípio do acesso aos tribunais (artº 2º nº 2, in fine, do C.P.C.), interpretou e aplicou incorrectamente o disposto nos artº 802º, 804º nºs 1 e 2, 814º e) do C.P.Civil e violou, por omissão, o disposto no artº 817º nº 1 b) do C.P.Civil.”
Não houve contra-alegações.

3. As questões colocadas no âmbito do presente recurso são, assim, as seguintes:
– Exigibilidade da obrigação exequenda, tal como consta da sentença homologatória;
– Cumprimento do disposto no artigo 804º do Código de Processo Civil, para suprir a eventual inexigibilidade da obrigação face ao título;
– Aplicabilidade do disposto no artigo 380º do Código de Processo Civil, por estar antes em causa a necessidade de liquidação da obrigação.

4. Da leitura atenta da sentença homologatória da transacção utilizada como título para a instauração da execução resulta, sem lugar a dúvidas, que ambas as partes reconheceram a necessidade de obras de reparação das moradias em causa, por deficiências resultantes da construção.
Resulta ainda que as despesas decorrentes dessas obras serão suportadas pelos executados, excepto quanto ao caso particular previsto na cláusula 3ª, em que se prevê uma eventual repartição de encargos.
A transacção não indica, todavia, nem quais são as reparações ou, em geral, as intervenções necessárias, nem os respectivos custos. Diferentemente, prevê que terceiros (os peritos que intervieram na acção declarativa) façam a correspondente determinação, especificando “concretamente as intervenções a fazer” e calculando “o montante para tais intervenções, apresentando os custos parcelares de cada artigo definidor do trabalho”.
Também não fixa, directamente, qual o prazo em que a obrigação dos executados deve ser cumprida: determina que os trabalhos (exceptuada a “drenagem em redor das moradias”, cuja necessidade depende do referido relatório) “devem ser realizados no prazo de três meses a partir da entrega do projecto dos senhores peritos”, e coincidir com determinada época do ano (cláusula 4ª), estabelecendo, depois, a consequência para o incumprimento de tal prazo.
Isto significa que a obrigação constante da sentença homologatória, utilizada, no caso, como título executivo, não reúne, “à face” deste (artigo 802º do Código de Processo Civil), todos os requisitos exigidos para que a execução possa iniciar-se sem que se realizem as diligências, “a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida”.
Entenderam as instâncias que, desde logo, face ao título executivo, a obrigação exequenda não se apresentava como exigível; e trata-se, na verdade, de uma afirmação incontestável, já que a sentença homologatória faz depender a exigibilidade da obrigação da apresentação do projecto de reparação referido na cláusula 2ª da transacção, não contendo qualquer meio alternativo de tornar exigível a referida obrigação.

5. O obstáculo da inexigibilidade da obrigação exequenda à face do título não é todavia, em abstracto, insusceptível de ser ultrapassado, prevendo justamente o artigo 804º do Código de Processo Civil um mecanismo, inserido na fase inicial da execução, destinado a esse fim.
Assim, se – como é o caso – a obrigação estiver “dependente (…) de uma prestação por parte (…) de terceiro”, os nºs 1 e 2 do artigo 804º regulam o meio de o exequente demonstrar o preenchimento desse requisito de exigibilidade (“que se efectuou ou se ofereceu a prestação”), quer documentalmente (nº 1), quer por outra via (nº 2).
Ora essa demonstração não foi feita. Está provado que os peritos a que a transacção se refere se recusaram a elaborar o projecto; assim sendo, e na falta de qualquer previsão, no título, dessa eventualidade, e de uma forma de a ultrapassar, nem o recurso ao referido artigo 804º do Código de Processo Civil permitiria ao exequente suprir tal deficiência. Não é, naturalmente, aplicável ao caso, como sustentou o mesmo exequente, o disposto no artigo 828º do Código Civil, pois que não é a referida elaboração do projecto pelos peritos que constitui a obrigação exequenda.
Não permitindo o título, nem pela via do disposto neste artigo 804º, considerar que a obrigação dos executados é exigível; impondo a lei que, para ser possível a execução, a obrigação exequenda seja exigível; e sendo através do título que “se determinam o fim e os limites da acção executiva”, a falta do projecto a que a cláusula 2ª da transacção se refere – ou seja, de projecto elaborado por aqueles peritos e não, por exemplo, por iniciativa do exequente – determina a procedência da oposição à execução deduzida pelos executados, por “inexigibilidade (…) da obrigação exequenda”, nos termos do disposto na al. e) do artigo 814º do Código de Processo Civil.

6. O exequente sustenta, diferentemente, que a obrigação é certa e exigível à face do título, por resultar do seu texto “e de todo o circunstancialismo ou factualidade que a antecedeu e sucedeu”, bem como da “confissão dos oponentes/executados” quanto à existência de defeitos da sua responsabilidade, e que a intervenção dos peritos se destinava, apenas, “a definir os tipos de obras necessários a tal eliminação e o respectivo custo, e não a definição ou prova da existência de defeitos e da necessidade de obras de reparação, uma vez que estas estavam assentes”.
Assim, admite que, no limite, se poderia entender necessária a liquidação da obrigação exequenda, sendo aplicável o disposto no artigo 380ºdo Código de Processo Civil, já que “formul[ou] na execução um pedido alternativo: execução das obras constantes do projecto junto ou o pagamento do seu preço”, indicando “um valor líquido para a execução”.
Tratando-se, todavia, de uma acção executiva baseada em sentença (cfr. artigos 805º e 378º e segs. do Código de Processo Civil), e ainda que de um mero problema de liquidação se tratasse, seria necessário que a sentença contivesse uma condenação genérica “nos termos do nº 2 do artigo 661º” do Código de Processo Civil, o que não é o caso.
E sempre subsistiria, diga-se a terminar, a falta do pressuposto de que o exequente parte: não está demonstrada a exigibilidade da dívida, nos termos já expostos. Note-se, aliás, que não é exacto que tenha formulado um pedido alternativo na execução (cfr. cópia do requerimento executivo, junta a fls.111 e segs., em especial a fls. 116); nem o título executivo o permitiria, como se verifica pela leitura da cláusula 5ª da transacção.

7. Nestes termos, nega-se provimento ao agravo.
Custas pelo agravante.

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Salvador da Costa
Ferreira de Sousa