Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3542/14.7T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
SINAL
RESTITUIÇÃO DO SINAL
MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PRESUNÇÕES / PROVA DOCUMENTAL / DOCUMENTOS PARTICULARES / PROVA PERICIAL / PROVA TESTEMUNHAL – DIREITOS DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / ANTECIPAÇÃO DO CUMPRIMENTO, SINAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
- Ana Coimbra, O Sinal: Contributo para o Estudo do seu Conceito e Regime, O Direito, Ano 122.º, 1990, III-IV (Julho-Dezembro), p. 626.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 351.º, 376.º, 396.º, 389.º E 442.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2 E 663.º, N.º 2.
Sumário :
I - Ao STJ não compete sindicar a actividade da Relação que alterou a decisão da matéria de facto baseada em provas de livre apreciação (por exemplo, testemunhal, pericial, documental ou por presunção judicial) – arts. 396.º, 389.º, 376.º e 351.º do CC.

II - As quantias pagas pelo autor à ré têm o carácter de sinal, pelo que, em função da verificação do incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte da promitente-vendedora, e atento o preceituado no art. 442.º, n.º 2, do CC, o promitente-comprador, ora recorrido, tem o direito a exigir da ré o valor do sinal em dobro, ou seja, esta deve ser condenada a restituir-lhe o valor de € 198 000, correspondente ao dobro do valor que lhe foi entregue a título de sinal (€ 99 000 x 2).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO


AA intentou acção sob a forma de processo comum contra BB - Compra e Venda de Propriedades, Lda, pedindo que:

a) Seja executado o contrato-promessa celebrado com a ré;

b) Seja a ré condenada a entregar o imóvel prometido tal como descrito no dito contrato promessa. Subsidiariamente;

c) Seja a ré condenada no pagamento total do dano causado ao autor, tendo em conta o dobro do sinal dado, bem como todos os montantes pagos em acréscimo ao sinal.

Alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato-promessa de compra e venda de uma moradia que à data se encontrava em construção, entregando àquela o montante devido a título de sinal e princípio de pagamento. Tendo decorrido o prazo de oito meses para marcação da escritura pública, a ré nunca a marcou, apesar de interpelada para o efeito.

A ré contestou, negando ter celebrado quer o “aditamento ao contrato promessa” que fundamenta o pedido, cuja genuinidade impugnou, quer algum contrato-promessa. O autor não lhe entregou quaisquer quantias a título de sinal, e tão pouco a interpelou para a celebração da escritura definitiva. Não consegue precisar se a assinatura da primeira contraente no documento é ou não do seu legal representante, mas duvida seriamente que possa ser. A existir, terá esse documento sido assinado em branco, com qualquer outro propósito que não o estabelecido no documento junto aos autos.

Assim, não pode a ré deixar de impugnar a genuinidade do documento nos termos do artigo 444º do Código de Processo Civil, bem como a sua força probatória nos termos do artigo 446º do mesmo código.

Pugna pela improcedência da acção.


Foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a ré do pedido.


O autor recorreu e a ré não apresentou contra-alegações.

A Relação de …, no seu acórdão de 21 de Dezembro de 2017, julgou procedente a apelação, revogou a sentença recorrida na parte em que julgou improcedente o pedido subsidiário e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de €198.000,00.


Não se conformando com o douto acórdão, dele recorreu a ré para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

A) O tribunal de 1ª instância ponderou que “o aditamento ao contrato”, na ausência de qualquer confissão do pagamento do sinal por parte da promitente vendedora, ora ré, não faz prova do mesmo (artº 376º do CC), e as declarações do autor, a esse propósito, também não fundam a convicção necessária sobre o mesmo pagamento, cujo ónus de prova lhe incumbia (nº 1 do artº 342º do CC) e que, tendo o autor dito que o pagamento havia sido efectuado por meio de cheques, era fácil ter feito prova documental dessa circunstância, sobretudo ao tomar consciência da impugnação da matéria a tal respeito.

B) Por seu turno, o Tribunal da Relação considerou que, apesar do disposto no nº 1 do artigo 342º do Código Civil, “àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, não é menos certo que, de acordo com o preceituado no artº 344º nº 1 do mesmo código, “as regras dos artigos anteriores invertem-se quando haja presunção legal (…), e de um modo geral, sempre que a lei o determine.

C) E que no caso em apreço, em cumprimento do disposto no indicado artigo 342º nº 1 do CC, o autor juntou aos autos prova documental – os escritos referido em 1 e 5 da matéria de facto provada, denominados “Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, e “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel – dos factos que alegou relativamente ao pagamento do sinal e reforço do sinal.

D) E, em ambos os documentos particulares em apreço encontram-se apostas assinaturas, ali referidas como sendo de cada uma das partes outorgantes: a do autor, na qualidade de promitente-comprador e a da pessoa física que representa a sociedade ré, na qualidade de promitente vendedora.

E) Conforme decorre do preceituado no artigo 374º nº 1 do CC “ a letra e a assinatura, ou só a assinatura de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnada pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”.

F) No caso vertente, a ré, ora recorrente, confrontada com os documentos em causa, alegou na sua contestação quanto ao documento intitulado “Aditamento…”, único junto com a petição inicial, que “Efectivamente, a ré não consegue precisar se a assinatura da primeira contraente naquele documento é ou não do seu legal representante, mas duvida seriamente que possa ser”.

G) Ora, atento o disposto no indicado artigo, a alegação vertida no ponto 6º da contestação apresentada pela ré, seria desde logo enquadrável na previsão do artigo 374º nº 1 do CC, na medida em que, sendo facto pessoal e do qual não podia deixar de ter conhecimento, aquela se limitou a alegar genericamente, em síntese do sobredito, que “ não sabe se a assinatura lhe pertence”. Assim, a consequência de tal alegação genérica quanto à assinatura do legal representante da ré no referido documento, não podia deixar de ser a de que a assinatura do “Aditamento…” fosse tida como verdadeira, nos termos do referido preceito legal. E o mesmo se diga quanto ao documento escrito, posteriormente junto pelo autor, denominado “Contrato”.

H) Efectivamente, pese embora a recorrente tenha logo invocado no artigo 10º da contestação que impugnava a genuinidade do documento nº 1 junto pelo recorrido com a petição inicial, bem como a sua força probatória, convocando os artigos 444º e 446º do CPC, o mesmo fazendo expressamente quanto ao documento denominado “Aditamento…” após a respectiva junção, a verdade é que não liquidou a taxa de justiça devida pelo incidente, apesar de notificada para o efeito, tendo o tribunal proferido despacho “desatendendo a tal impugnação”, não restar do consequentemente quaisquer dúvidas que os documentos em causa não podem considerar-se validamente “impugnados”.

I) E que, a “impugnação” a que alude o artigo 374º nº 1 do CC, não configura uma referência à “impugnação” a que se refere o artigo 571º do CPC relativa à mera contradição pelo réu dos factos articulados na petição inicial, referindo-se antes à impugnação da genuinidade do documento previsto no artigo 444º nº 1 do CPC, enquanto incidente da instância, porque é através deste concreto meio processual que se procede, no que ora importa, “à impugnação da letra ou assinatura do documento particular”.

J) Consequentemente, conclui o Tribunal da Relação que, não tendo sido validamente impugnadas as assinaturas constantes dos documentos em questão nos autos, consideram-se verdadeiras e, por isso, tais escritos fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.

K) Acontece que a ré, para além de ter referido na sua contestação que “ não consegue precisar se a assinatura da primeira contraente naquele documento é ou não do seu legal representante, mas duvida seriamente que possa ser”, referiu também que “ não celebrou qualquer contrato promessa de compra e venda com o autor, de que o doc nº 1 junto com a p.i. possa ser um aditamento”.

L) E que a existir um original daquela reprodução mecânica, efectivamente assinado pelo seu legal representante, teria sido assinado em branco, com qualquer outro propósito que não o estabelecido nos autos, o que era possível em virtude da relação de confiança existente entre o autor e o legal representante da ré.

M) No fundo, a eventual autenticidade da assinatura do legal representante da ré no aditamento nem era o cerne da questão, tal como não era se tinha ou não existido qualquer contrato promessa entre autor e ré.

N) O busílis da questão residia em a ré nunca ter celebrado com o autor qualquer aditamento a um contrato promessa de compra e venda e muito menos respeitante à moradia objecto do aditamento em causa, relativamente à qual nunca houve qualquer negócio entre as partes.

O) Para além disso, a ré não recebeu qualquer quantia do autor referente a esse suposto negócio, motivo pelo qual, requereu na sua contestação que:

“ Deve o autor ser notificado para juntar aos autos o original do doc. nº 1 junto com a p.i., bem como do contrato promessa a que o aditamento se reporta.

Deve o autor ser igualmente notificado para juntar provas de pagamento das quantias que se arroga ter pago à ré”.

P) E o autor juntou aos autos o original do doc. nº 1 junto com a p.i., bem como um Contrato Promessa, mas não juntou quaisquer provas de pagamento das quantias que se arrogava ter pago à ré e não o fez, porque efectivamente nunca ocorreram nem disso fez o autor prova documental através dos mencionados cheques.

Q) Pelo que, face a isso, a interpretação correcta da lei é, s.m.o., aquela que foi efectuada pelo tribunal da 1ª instância e não pelo Tribunal da Relação.

R) Mais, para além da questão do não pagamento de qualquer quantia, a ora recorrente salientou diversas incongruências nos documentos, incongruências essas que nunca foram sequer tentadas esclarecer ou dissipar pelo autor.

S) No entanto, o Tribunal da Relação, indo além do que era suposto, considera que basta a leitura atenta dos mesmos, para concluir que entre as partes foram celebrados os dois acordos consubstanciados nos escritos particulares já referidos, cuja determinação não é vinculativa e que são aditamento um do outro.

T) Assim, verifica que o denominado aditamento ao contrato não foi celebrado na data que ali só pode constar por evidente lapso, já que, quer a licença a que se refere, quer os poderes de representação são de datas posteriores, ambas mais próximas do final do ano.

U) E que deve considerar-se este acordo celebrado em 2009 e não em 2008, como ali consta por lapso de escrita comum no início de cada ano, corrigível a todo o tempo.

V) Acontece que, apesar da ré ter suscitado a questão da data do “aditamento”, nunca o autor referiu que existia ali um lapso.

W) Com efeito, a data do aditamento é anterior à data de emissão da licença de utilização que dele consta; a descrição do prédio como lote de terreno para construção de uma moradia destinada a habitação nunca dispõe de Licença de Habitação e se o acordo tivesse sido celebrado em 2009 como refere o Tribunal da Relação, nessa data a descrição do prédio já seria uma moradia e não um lote de terreno, ao contrário do que ali consta.

X) Por outro lado, o denominado aditamento tem um objecto diferente do contrato promessa inicial, existindo apenas identidade de partes e duma quantia de € 88.000,00, supostamente entregue.

Y) Apesar disso e sem constar sequer do aditamento que teria sido inicialmente celebrado um contrato promessa mas que as partes pretendiam alterar o seu objecto, o Tribunal da Relação conclui, a nosso ver mal, que em Janeiro de 2009 as partes acordaram que o contrato prometido não seria realizado relativamente à moradia inicialmente identificada mas sim quanto à moradia descrita neste segundo documento, com as especificações ali constantes, alterando ainda o prazo para a celebração do contrato.

Z) Não existe identidade entre os contratos nem existe qualquer prova de que o aditamento corresponde ao contrato promessa.

AA) Todavia, o Tribunal da Relação interpreta que as partes apesar de terem acordado em diferente objecto contratual não quiseram celebrar um novo contrato porque pretenderam que o valor de € 88.000,00 entregue a título de sinal aquando da celebração do primeiro contrato se mantivesse e que por isso consta no aditamento à alínea a) da cláusula relativa à forma do pagamento que se percebe muito bem no confronto com a cláusula do contrato inicial.

BB) Acontece que para tal não precisavam de fazer um novo contrato, bastando fazer um aditamento ao anterior que identificasse precisamente a situação, o que não ocorreu e a tal cláusula terceira do aditamento refere que “será entregue aquando da assinatura do presente contrato … a título de sinal … a quantia de € 88.000,00” e que “nesta data foi efectuado um reforço de sinal a serem entregues na mesma data (€88.000,00 e €11.000,00)”, o que significa contemplar um sinal e um reforço de sinal a serem entregues na mesma data (€88.000.00 e €11.000,00).

CC) Efectivamente, a única coisa que existe idêntica nos documentos é a referência a uma quantia de € 38.000,00, pelo que estamos perante documentos com objectos diferentes, não estando em causa nos presentes autos o prédio constante do contrato promessa nem o seu eventual cumprimento ou incumprimento e que, quanto ao aditamento e ao seu objecto, nunca foi celebrado pela ré, nunca recebeu aquelas quantias e existem várias incongruências com o contrato promessa que não são passíveis de ser sanadas pelo Tribunal da Relação, como fez num esforço interpretativo.


Termina, pedindo que seja dado provimento ao recurso e a acção ser julgada improcedente e a ré absolvida de todos os pedidos.


Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II -FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto[1]


Mostram-se provados os seguintes factos:

1º - Autor e ré, em 20 de Julho de 2007, celebraram acordo escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, junto a fls. 57 a 59, e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, em cujos termos a ré prometeu vender ao autor, livre de ónus ou encargos, a moradia urbana destinada a habitação, que à data ainda se encontrava em construção, sita na Urbanização do …, Lote .., da freguesia de …, concelho de Setúbal, inscrito na matriz sob o artigo 3021 daquela freguesia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob o n.º 1989, com área aproximada de 250,00 m2, com Alvará de Licença de habitação n.º 1…8/2007 passado pela Câmara Municipal de … em 10.04.2007.

2º - Nos termos da cláusula segunda o preço acordado para a venda era de € 192.500,00.

3º - A modalidade de pagamento é descrita na cláusula terceira do contrato em apreço, onde se refere que 88.000€ (oitenta e oito mil euros) foram pagos no momento de celebração do contrato de promessa, a título de sinal e princípio de pagamento e que a restante quantia no valor de € 104.500,00, seria liquidada até à data da outorga da respectiva escritura de compra e venda, em reforços sucessivos conforme o andamento da respectiva construção.

4º - A escritura pública de compra e venda (vide clausula 4ª) deveria ser celebrada num prazo máximo de 90 dias após a emissão da licença de habitabilidade emitida pelos serviços competentes, sendo a sua marcação da responsabilidade da primeira outorgante, ora ré.

5º - Em 30 de Janeiro de 2009, autor e ré celebraram acordo escrito denominado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, junto a fls. 16 a 18, e que aqui se dá por inteiramente reproduzido, em cujos termos a ré prometeu vender ao autor, livre de ónus ou encargos, a moradia urbana destinada a habitação, que à data ainda se encontrava em construção, sita na Urbanização do …, Lote …, da freguesia de …, concelho de Setúbal, inscrito na matriz sob o artigo 2985 daquela freguesia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de … sob o nº 1494, com área aproximada de 183,75 m2, com Alvará de Licença de habitação nº 3…0/2008 passado pela Câmara Municipal de … em 03.11.2008.

6º - A modalidade de pagamento é descrita na cláusula terceira do contrato em apreço, onde se refere que 88.000€ (oitenta e oito mil euros) foram pagos no momento de celebração do contrato de promessa, a título de sinal e princípio de pagamento. Mais foi referido que “nesta data foi efectuado um reforço de sinal no valor de € 11.000,00 e que a restante quantia no valor de € 93.500,00, seria liquidada até à data da outorga da respectiva escritura de compra e venda.

7ª - A escritura pública de compra e venda (vide clausula 4ª) deveria ser celebrada num prazo máximo de 8 meses, sendo a sua marcação da responsabilidade da primeira outorgante, ora ré.

8ª - Apesar de algumas solicitações, a ré nunca chegou a comunicar a marcação da escritura.

9ª - O autor efectuou o pagamento do montante referente ao sinal e princípio de pagamento de 88.000,00€, a que se alude em 3º e ao reforço de sinal de 11.000,00€, mencionado em 6º.

10ª - Da certidão da Conservatória do Registo Predial relativa à moradia identificada em 5º constam a constituição de hipoteca voluntária, registada pela Ap. 2659 de 2011/09/19 e o registo de diversas penhoras, nos anos de 2014 e 2015.

11º - De entre essas, a registada no processo executivo nº 3786/14.1TBSTB.1 em que a ora ré é executada, no qual foi penhorado o imóvel a que se alude em 1º em 10.03.2015, para garantia do pagamento da quantia exequenda de € 289.124,08, encontrando-se em curso diligências para a respectiva venda, e tendo a empresa ali exequente requerido a respectiva adjudicação.

12º -A presente acção foi registada provisoriamente, por natureza, pela Ap. 4276 de 03.06.2015.


B) Fundamentação de direito


Apesar da notável extensão das conclusões que são um mero exercício de repetição dos nºs 11º a 56º das alegações, a questão colocada e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, consiste em saber se o acórdão do Tribunal da Relação decidiu com acerto no tocante à procedência do pedido subsidiário.


Efectivamente, o Tribunal da Relação julgou improcedente o recurso interposto pelo autor no que toca ao pedido principal, ou seja, à execução específica do contrato promessa; por outro lado, julgou procedente o pedido subsidiário, que consistia na condenação da ré a pagar ao autor o sinal em dobro, no montante de € 198.000,00 (€ 99.000,00x2).


É contra este segmento da condenação que reage a ré, em cujas conclusões pretende convencer, em argumentos repetitivos, que os factos que o Tribunal da Relação deu como provados, o foram de forma incorrecta.

Concretizando, entende a recorrente que não celebrou com o autor o contrato promessa de compra e venda de 20 de Julho de 2007 e muito menos o aditamento de 30 de Janeiro de 2009. E ainda que não recebeu daquele qualquer quantia referente a esse “suposto negócio”, nem mesmo em relação ao contrato promessa.


Pois bem, antes de entrarmos na análise dos argumentos da recorrente, é bom lembrar aqui que, além do mais, a Relação deu como provado:

- Que autor e ré, em 20 de Julho de 2007, celebraram acordo escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, junto a fls. 57 a 59 (…) – (1º da Fundamentação de facto).

- A modalidade de pagamento é descrita na cláusula terceira do contrato em apreço, onde se refere que 88.000€ (oitenta e oito mil euros) foram pagos no momento de celebração do contrato de promessa, a título de sinal e princípio de pagamento e que a restante quantia no valor de € 104.500,00, seria liquidada até à data da outorga da respectiva escritura de compra e venda, em reforços sucessivos conforme o andamento da respectiva construção – (3º).

- Em 30 de Janeiro de 2009, autor e ré celebraram acordo escrito denominado “Aditamento ao Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, junto a fls. 16 a 18, (…) – (5º).

- A modalidade de pagamento é descrita na cláusula terceira do contrato em apreço, onde se refere que 88.000€ (oitenta e oito mil euros) foram pagos no momento de celebração do contrato de promessa, a título de sinal e princípio de pagamento. Mais foi referido que “nesta data foi efectuado um reforço de sinal no valor de € 11.000,00 e que a restante quantia no valor de € 93.500,00, seria liquidada até à data da outorga da respectiva escritura de compra e venda – (6º).

- O autor efectuou o pagamento do montante referente ao sinal e princípio de pagamento de 88.000,00€, a que se alude em 3º e ao reforço de sinal de 11.000,00€, mencionado em 6º - (9º).


Perante isto, vamo-nos cingir apenas à singeleza dos argumentos que deveremos opor à recorrente.

Não tendo sido validamente impugnadas, as assinaturas constantes do contrato promessa e respectivo aditamento consideram-se verdadeiras.

Assim, atento o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 376º do CC, encontrando-se reconhecida a autoria dos referidos documentos particulares, e não tendo sido validamente arguida e provada a falsidade dos mesmos, tais escritos fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, considerando-se provados os factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante.


Além disso, diremos que ao Supremo Tribunal de Justiça não compete sindicar a actividade da Relação que alterou a decisão da matéria de facto baseada em provas de livre apreciação (por exemplo, testemunhal, pericial, documental e por presunção judicial) – artigos 396º, 389º, 376º e 351º do Código Civil.


A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artigo 674º - artigo 682º do Código de Processo Civil.

E o artigo 674º nº 3 do Código de Processo Civil preceitua que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Por seu turno, o artigo 662º nº 4 refere que das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


No caso dos autos é evidente que não se mostra violado qualquer preceito legal imperativo nem o raciocínio seguido pelo Tribunal da Relação se mostra incongruente, como alega repetidamente a recorrente.


Perante os factos provados, de que se destacaram os nºs 1º, 3º, 5º, 6º e 9º e considerando ainda que existem várias penhoras sobre o imóvel prometido vender, referido em 1º, (Cfr facto provado sob o nº


11º), é bem revelador de uma impossibilidade objectiva de cumprimento, exclusivamente imputável à recorrente, promitente-vendedora, que obsta ao cumprimento do negócio prometido.


Como já referimos, o autor entregou à ré, ora recorrente, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de €88.000,00, e posteriormente, reforçou o valor do indicado sinal em €11.000,00, perfazendo a quantia entregue a título de sinal à ré a quantia de €99.000,00.


Preceitua o artigo 440º do Código Civil que “ se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa o carácter de sinal”.

E o subsequente artigo 441º preceitua que “no contrato-promessa de compra e venda, presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço”.


No caso em apreço, as partes atribuíram expressamente às duas entregas (€ 88.000,00 e € 11.000,00) o carácter de sinal, com a dupla função de coerção ao cumprimento e de determinação prévia da indemnização devida em caso de não cumprimento.


Deste modo e como bem refere o douto acórdão da Relação, conclui-se ser de reconhecer que toda a quantia paga pelo autor à ré tem o carácter de sinal, pelo que, em função da verificação do incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte da promitente vendedora, e atento o preceituado no artigo 442º nº 2 do Código Civil, o promitente comprador, ora recorrido, tem o direito a exigir da ré o pagamento do valor do sinal em dobro, ou seja, esta deve ser condenada a restituir-lhe o valor de €198.000,00, correspondente ao dobro do valor que lhe foi entregue a título de sinal (99.000,00€x2).


Na verdade, esta é a indemnização que expressamente decorre da disciplina da lei quando existe sinal passado, de acordo com a qual, “sendo o contraente faltoso aquele que recebeu o sinal, constitui-se, pelo não cumprimento, na sua esfera jurídica, a obrigação de devolver em dobro o recebido, constituindo-se a favor do contraente fiel, simultaneamente e pela mesma razão, o crédito à restituição dobrada”[2].


Deste modo, improcedem as conclusões das alegações da recorrente.


CONCLUSÕES

- Ao Supremo Tribunal de Justiça não compete sindicar a actividade da Relação que alterou a decisão da matéria de facto baseada em provas de livre apreciação (por exemplo, testemunhal, pericial, documental e por presunção judicial) – artigos 396º, 389º, 376º e 351º do Código Civil.

- As quantias pagas pelo autor à ré têm o carácter de sinal, pelo que, em função da verificação do incumprimento definitivo e culposo do contrato por parte da promitente vendedora, e atento o preceituado no artigo 442º nº 2 do Código Civil, o promitente comprador, ora recorrido, tem o direito a exigir da ré o pagamento do valor do sinal em dobro, ou seja, esta deve ser condenada a restituir-lhe o valor de €198.000,00, correspondente ao dobro do valor que lhe foi entregue a título de sinal (99.000,00€x2).


III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 25 de Outubro de 2018


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Olindo Geraldes

______

[1] O Acórdão da Relação aditou à matéria de facto os nºs 9, 10, 11, e 12 e corrigiu o “ evidente lapso de escrita no ponto 5 da matéria de facto provada, devendo, onde consta 30 de Janeiro de 2008, passar a constar 30 de Janeiro de 2009” – fls 411.
[2] Ana Coimbra, O Sinal: Contributo para o Estudo do seu Conceito e Regime, In O Direito, Ano 122.º, 1990, III-IV (Julho-Dezembro), pág. 626.