Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | PEREIRA DA SILVA | ||
| Descritores: | RESPOSTAS AOS QUESITOS MATÉRIA DE DIREITO PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA CAMINHO PÚBLICO | ||
| Nº do Documento: | SJ200803270041492 | ||
| Data do Acordão: | 03/27/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | NEGADA REVISTA. | ||
| Sumário : | I - Constitui matéria de direito, não, pois, fora dos poderes de cognição do STJ, a questão da exorbitância ou excesso de resposta(s) a número(s) da base instrutória. II - Excedendo a(s) predita(s) resposta(s), ou parte dela(s), o âmbito da(s) pergunta(s), deve(m) aquela(s) ser considerada(s) como não escrita(s). III - A qualificação de um caminho como público poderá fundar-se: a) No ser propriedade de autoridade de direito público, ocorrendo a sua afectação à produção efectiva de utilidade pública. b) No, de harmonia com o Assento de 19-04-89 (hoje com valor de AUJ), interpretado restritivamente, como cumpre, estar no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais (tempo imemorial sendo aquele tão antigo cujo início se perde na memória dos vivos), ocorrendo a sua afectação à utilidade pública, à, enfim, satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, à luz dos costumes, das tradições, da generalidade das pessoas que o utilizam. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.1. Trazem AA e mulher, BB revista do acórdão do TRP, prolatado a 07-05-31, com o teor que fls. 769 a 790 mostram, doravante, tão só, como decisão" denominado, a qual julgou improcedente apelação que instalaram da sentença que, por mor do vazado a fls. 674 a 683, decretou o naufrágio de acção declarativa, com processo comum, ordinário, que intentaram contra CC e mulher, DD, "na parte que permanecia em litígio", acção essa em que foi impetrada: a) A condenação dos Réus a: 1'. Reconhecer que os autores são proprietários e legítimos possuidores do prédio identificado no art. 1º da p.i.; 2'. Reconhecer que a rua ou caminho identificado nos art.s 9º a 14º da p.i. faz parte integrante do domínio público e que os autores têm o direito de nele passar, em toda a sua extensão e sem embaraço: 3'. Absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos desses direitos, nomeadamente deixando de dificultar ou impedir o acesso de e para o prédio dos autores, através da rua ou caminho público a que se alude em 2', repondo-o no mesmo estado em que se encontrava antes de o ocuparem, ou seja, demolindo os tranqueiros e portão colocados, bem como o novo piso, que deve ser recolocado em alcatrão, de forma a que a passagem e entrada no prédio dos autores se processe sem entraves, em qualquer local da sua extrema norte. b) O ordenar do cancelamento de quaisquer registos efectuados em contrário do peticionado. Em audiência de discussão e julgamento, acordaram as partes, transacção essa homologada por sentença transitada em julgado, nos termos seguintes: "1º. Os réus reconhecem a propriedade dos autores sobre o prédio identificado no art. 1º da p.i., de forma aproximadamente triangular, com uma parte urbana e outra rústica e todo entre paredes". "2º. Os réus reconhecem que actualmente, o caminho em discussão, que se inicia na Estrada Nacional, Famalicão-Póvoa de Varzim, e que desemboca, fisicamente, no portão colocado pelos réus no seu extremo poente, está afecto ao uso público (sem prejuízo de continuarem a discutir a natureza do leito da restante parte do caminho referido pelos autores no artigo 10º da sua petição inicial.") 2. Nas alegações da revista, estas foram as conclusões tiradas: A. A presente acção visa a tutela do direito de propriedade dos autores, motivo porque, como se disse na sentença e no acórdão em apreço, os mesmos poderiam ter limitado a sua pretensão à declaração e defesa desse direito de propriedade. B. Como direito real que é, o direito de propriedade tem natureza absoluta, reforçada pelo carácter de "plenitude" e "exclusividade" expressamente consagrados pelo legislador - art. 1305º do CC. C. Como direito real por excelência, o direito de propriedade comunga das características gerais dos direitos reais, particularmente da sua eficácia absoluta, da qual resulta a obrigação de todas as pessoas o respeitarem, nada devendo fazer que possa impedir ou dificultar o seu exercício. São, portanto, direitos de exclusão (iura excludendi) e a sua eficácia é erga omnes. D. Conjugando todas as suas características (indeterminação, exclusividade e elasticidade) temos que o direito de propriedade é o real máximo, que confere ao seu titular o direito de aproveitamento pleno do seu objecto, com poderes não especificamente limitados. E. Para Mota Pinto (Direitos Reais, pag. 234), "no direito de propriedade, o titular tem, em princípio, todos os poderes". F. Também CARVALHO FERNANDES (Lições de Direitos Reais, 2001, pag.315) considera que "a essência da propriedade reside na sua aptidão para abarcar a generalidade dos poderes que permitem o total aproveitamento da utilidade de uma coisa, o que lhe dá carácter de exclusividade". G. Sendo certo que, «Invocada a propriedade de determinado prédio e a obstrução de caminho de acesso ao mesmo (ou parte dele), não sofrerá dúvida séria que: a) - definido o conteúdo do direito de propriedade no art. 1305º C.Civ., o direito - rectius, faculdade - de acesso ao objecto dum tal direito é, necessariamente, um dos poderes em que esse direito real - absoluto, erga omnes - se desdobra» - Ac. STJ de 9/1/2003, (www.dgsi.pt, Proc. 02B3654). H. Daí que os autores não tivessem sequer de alegar e demonstrar a natureza pública ou privada do caminho por onde querem fazer acesso ao seu prédio. I. Assim, para a procedência do direito dos autores bastava a prova da sua propriedade, cabendo aos réus o ónus de alegar e provar uma limitação ou excepção a esse direito de propriedade. J. Ou seja, os autores só poderiam ver negada a sua pretensão se os réus demonstrassem ser titulares de qualquer direito sobre o mesmo caminho, incompatível com o dos primeiros. K. Por saberem disso é que os réus alegaram (mas não provaram) que existia um caminho vicinal (art. 17º contestação) e que tal caminho se extinguiu ou "desapareceu" e, por isso, ficaram titulares únicos dele. L. Por isso também é que inundaram o processo de documentos sem interesse, de modo a tentarem contrariar o que é óbvio e desviarem a atenção daquilo que verdadeiramente interessa. M. Aliás, só por ser absurda a sua tese é que os réus celebraram a transacção de fls. 238, pois de outro modo estariam a defender o direito de se apropriarem de toda uma rua, fechando inclusive os acessos ao prédio dos autores! N. Mas não esclarecem porque motivo fecharam a rua no local indicado nos autos, antevendo-se que o fizeram apenas porque no local onde colocaram o portão existe um poste de iluminação pública. O. Exigir ao proprietário a prova do direito de aceder ao seu prédio é totalmente desconforme com a natureza do direito de propriedade, além de ser algo não encontrado na doutrina e contrário à jurisprudência do STJ (Ac. 9/1/2003 (www.dgsi.pt - Proc. 02B3654). P. De qualquer forma, não só não se provou qualquer limitação do direito dos autores, como se provou que os réus não são titulares de qualquer direito sobre o caminho em causa nos autos. Q. Efectivamente, basta ver a resposta aos quesitos 6 a 8 para concluir que o caminho em causa é exterior ao prédio dos autores e ao dos réus, tendo ficado provado que ambos confrontam com esse caminho e que ele passa entre os prédios. R. E se dúvidas restassem, a resposta ao quesito 11 deixa bem claro que o prédio dos réus estava delimitado pelo muro que foi demolido para a anexação do terreno do caminho, pelo que o caminho ficava e fica fora do seu prédio. S. E por saberem disso, quando registaram o seu prédio, os réus, colocaram-no a confrontar com caminho público (quesito 52) T. Provou-se também que pelo menos há mais de 70 anos que o acesso ao prédio dos autores sempre se efectuou a partir desse caminho (quesito 21) e que há mais de 70 anos que todas as pessoas, incluindo os autores, de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pelo referido caminho, a pé e de carro (quesito 16º), assim como se provou que tal acontece á vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (quesitos 18 e 19), incluindo dos réus. U. De qualquer modo, mesmo apreciando a questão de determinar se o caminho em causa é público ou não, a acção teria de proceder. V. Devendo, desde logo, salientar-se que a forma de aquisição de direitos dos particulares sobre coisa pública é diferente da aquisição para o domínio público de coisas particulares. W. A aquisição de bens para o domínio público pode resultar de apoderamento, Dicatio ad patriam e posse imemorial. X. O primeiro caso, abrange as situações de facto que revelem um apoderamento, por parte de uma autarquia, em modo de extensão ao mesmo do seu senhorio de facto, empiricamente entendido, consubstanciando o correspondente corpus e animus da posse, servindo de aquisição desde que decorram os prazos legais da usucapião. Y. Para além do apoderamento, o carácter dominial (público) de um caminho pode também ser atribuído pelo instituto da dicatio ad patriam, «a qual consiste no facto, realizado por qualquer sujeito, de admitir o uso público no confronto dos bens da sua propriedade» - Durval Ferreira, «Posse e Usucapião", Almedina, edição 2003, pag. 101. Z. Sendo certo que esse instituto leva à aquisição de bens para o domínio público sem que se tenha sequer de esperar o decurso do prazo da usucapião, pois que, para completar o prazo prescricional se pode recorre à junção, por acessão, da posse do autor da dicatio. AA. Verifica-se pois, em termos de aquisição de bens para o domínio público, que existindo apoderamento basta o decurso do prazo normal da aquisição por usucapião, ao passo que na dicatio ad patriam nem sequer é necessário o decurso desse prazo. BB. Só quando se coloca a questão no âmbito da aquisição de bens para o domínio público através do uso directo e imediato do público é que se pode exigir a posse imemorial. CC. No caso dos autos estão preenchidas todas as citadas formas de aquisição, apesar de, como se disse, o direito dos autores não depender delas. DD. Provou-se que o caminho em causa é público, pois: - Encontra-se no uso directo e imediato das pessoas em geral (quesito 17) - A vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (q. 18 e 19). - Há mais de 70 anos que todas as pessoas, de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pelo referido caminho, a pé e de carro (q.16). - Tanto mais que SEMPRE se encontrou aberto e franqueado às pessoas em geral, sem qualquer embaraço, aí transitando, sempre que necessário, pessoas, animais e veículos, designadamente para acesso aos prédios confrontantes e, em determinado período, para deslocação de pessoas entre as duas margens da linha férrea, através de passagens de nível que existiam (q. 20). - Existem (e existiam em todo o seu percurso) entradas para os prédios confrontantes delimitadas em relação ao caminho e que com ele não se confundiram (q. 15). - Na Rua António Dias Costa está colocado um sinal de trânsito indicativo de "estrada sem continuação" (q. 40). - No caminho foi colocada iluminação pública há pelo menos 30 anos e sinalização de trânsito (q. 50). - Ao caminho em causa foi dado o nome de Rua António Dias Costa (quesito 51). EE. Destes factos extrai-se a conclusão evidente de que o caminho em causa integrou o domínio público pelo apoderamento. FF. Mas também se provou a dicatio, pois que: - O prédio dos autores confronta com caminho denominado Rua ... (q. 6). - O prédio dos réus confronta com esse caminho (q. 7). - Esse caminho ... prolonga-se ... entre os prédios dos autores e réus (q. 8). - Os réus fecharam esse caminho (q. 10). - Para esse efeito ... foi demolido um muro que DELIMITAVA o seu prédio (q. 11). - GG. Além do que ficou evidente que os réus sempre admitiram o uso do caminho pelo público em geral (q. 20, etc.) e sempre há mais de 70 anos, e é manifesto que esse caminho não se confundia com o prédio dos réus, do qual até estava separado por muro. HH. Consequentemente, o caminho em causa passou (se o não era antes) para o domínio público e permitir aos réus defender o contrário consubstancia um verdadeiro abuso de direito. II. Mas também se encontra preenchido o requisito da posse imemorial, pois que se provou: - No caminho em causa estacionam os veículos e o mesmo encontra-se afecto ao trânsito de pessoas sem discriminação, encontrando-se no uso directo e imediato das pessoas em geral (q. 17). - Á vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja (q. 18 e 19). - Tanto mais que SEMPRE se encontrou aberto e franqueado às pessoas em geral, sem qualquer embaraço, aí transitando, sempre que necessário, pessoas, animais e veículos, designadamente para acesso aos prédios confrontantes e, em determinado período, para deslocação de pessoas entre as duas margens da linha férrea, através de passagens de nível que existiam (q. 20). JJ. Ora, ao dar como provado que o caminho em causa se encontra no uso directo e imediato das pessoas em geral, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja e que o mesmo caminho SEMPRE se encontrou aberto e franqueado às pessoas em geral e nele transitavam pessoas, animais e veículos, é manifesto que estão preenchidos os requisitos da posse imemorial. Kk. E não se diga que o quesito 16º contraria este entendimento ao dar como provado que desde há mais de 70 anos que todas as pessoas, de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pelo referido caminho, a pé e de carro, a interpretação desse quesito tem de ser harmonizada com o que consta dos quesitos 17 a 20. LL. De facto, esse quesito não estabelece um limite temporal. MM. Com efeito, o conceito de imemorial está ligado à perda de memória dos homens, quanto ao início, começo ou princípio do facto. NN. Ora, ao dizer-se «DESDE HÁ MAIS DE 70 ANOS» que todas as pessoas, de forma livre e discriminada, fazem passagem pelo referido caminho, a pé e de carro, outra coisa não pode entender-se que não seja no sentido de que se perdeu a memória do início e, por isso, ficou demonstrada a imemorialidade da posse. OO. Aliás, seguindo a mesma lógica, o STJ, no acórdão de 3/2/2005 (www.dgsi.pt - Proc. 04B4805) considerou que: «6. É público o caminho que é utilizado pelo público há mais de 50, 100 e 200 anos para acesso a uma Fonte ...» . sublinhado nosso. PP. E sobre o alcance da expressão "há mais de 50 anos" o mesmo STJ manifestou o entendimento igual ao aqui defendido pelos recorrentes - vide Ac. STJ de 13/01/2004, www.dgsi.pt, Proc. 03A3433. QQ. Perante toda esta realidade, a apelação tinha de merecer provimento e a acção tinha de ser julgada procedente. RR. Ao não entender assim, a decisão de que se recorre contraria frontalmente a matéria de facto considerada provada, bem como os citados preceitos legais. TERMOS em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via dela, revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que julgue a acção totalmente provada e procedente e condene os réus no pedido, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a devida JUSTIÇA. 3. Contra-alegaram os réus, pugnando pela confirmação do julgado. 4. Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Antes de se passar à enunciação da matéria de facto adquirida na "decisão" e da que como definitivamente fixada se deve ter, importa, "in casu", as seguintes considerações, à guisa de liminares, tecer: Constitui matéria de direito, não, consequentemente, fora dos poderes de cognição do STJ (art. 26º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro, e art.729º nº 1 do CPC), a questão do excesso ou exorbitância da (s) resposta (s) da base instrutória. Excedendo a resposta (ou parte dela) o âmbito da pergunta, como não escrita deve a mesma considerar-se (cfr., neste sentido. Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. IV, pág. 533, e acórdão deste Tribunal, de 00-03-14 (revista nº 57/00-1ª). III. Eis como se configura a materialidade fáctica dada como provada na "decisão": 1. Os autores são titulares inscritos do prédio rústico denominado Leira de Serrões, com a área de 550 m2, sito no Lugar de Serrões ou Santo Adrião, da freguesia de V. N. Famalicão, deste concelho e comarca, a Confrontar de Norte com Rua António Dias Costa, do Sul e Nascente com prédio urbano do autor (descrição predial 64882, matriz urbana 837) e do Poente com a linha férrea, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 45112, onde se encontra inscrito em nome dos autores pela inscrição nº 48521, e omisso na matriz, mas com participação para a sua inscrição apresentada no dia 23 de Dezembro de 2003 (na antiga matriz rústica estava inscrito sob o art. 693º) (A). 2. Dou aqui por reproduzido o teor da escritura pública de compra e venda constante de fls. 12 a 16 dos autos (B). 3. Os réus são proprietários de um prédio urbano, sito no citado Lugar de Serrões, da freguesia de V. N. Famalicão, inscrito na matriz sob o Art. 1664 urbano e descrito na Conservatória sob o nº 555 (C). 4. Dou aqui por reproduzido o teor do auto de contra-ordenação levantado contra o réu constante de fls. 35 a 39 (D). 5. O prédio dos autores (referido em A) da M.F.A.) confronta pelo lado Norte/Nascente com caminho denominado Rua António Dias Costa, bem como, pelos lados Sul e Nascente, com um prédio urbano que igualmente lhes pertence (6º). 6. O prédio dos réus confronta, pelo seu lado Sul com esse mesmo caminho (7º). 7. Esse caminho tem a largura de cerca de 4,30 metros e prolonga-se no sentido Nascente/Poente, em parte entre os prédios dos autores e réus, flectindo ligeiramente para a direita, quando começa o confronto entre os mesmos, no sentido Sul/Norte, e, até ao momento em que foi modernizada e alargada a linha férrea, flectia junto à mesma, quase totalmente à direita, acompanhando a extrema Poente do prédio dos réus e essa linha (8º). 8. Com as obras realizadas na via férrea que passa a Poente de ambos os prédios, que ocuparam esse último troço (que flectia quase completamente à direita), e com a existência de caminhos alternativos, o caminho em causa, na parte em que passa entre os dois prédios e desemboca na vedação da linha férrea, passou a ter menos uso para outras pessoas que não os autores e os réus e as pessoas que acedem aos seus prédios (9º). 9. Entretanto, os réus fecharam esse caminho, à distância de 14,30 metros daquela vedação da linha-férrea (e assim da confrontação Poente do prédio dos Autores com a mesma), querendo com isso vedar, como sendo seu, o solo por onde o mesmo seguia até à linha-férrea (10º). 10. Para esse efeito, em data indeterminada, mas anterior e próxima da da propositura desta acção, foi demolido um muro que delimitava o seu prédio, numa extensão de cerca de 5 metros de comprimento e na parte situada na sua extrema Sul/Poente, bem como foi colocado por ordem dos Réus um tranqueiro de betão e um portão de ferro, de modo a fechar o caminho precisamente em frente a um poste da iluminação pública implantado junto do muro que delimita o prédio dos autores (11º e 12º). 11. Os réus retiraram algum alcatrão e pedra do pavimento desse caminho, na parte que ficou dentro desse portão, e, tal como no logradouro do seu prédio, substituíram-no por calçada em pequenos blocos de cimento (13º). 12. O solo que integra actualmente o referido caminho (até ao muro de vedação da linha férrea), incluindo na parte ocupada pelos réus, e aquele (entretanto anexado à mencionada linha férrea) que seguia até à denominada Casa dos Aguiar, é (era, a parte anexada) inculto, servindo de zona de passagem de pessoas, veículos e animais e permitindo livremente o acesso para todos os prédios que com ele confrontam actualmente, incluindo o dos autores, e confrontavam antes daquela expropriação (14º). 13. Pelo que existem em todo o seu percurso) entradas para os prédios confrontantes, devidamente delimitadas em relação ao caminho, e que com ele nunca se confundiram (15º). 14. Desde há mais de 70 anos que todas as pessoas, de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pelo referido caminho, a pé e de carro (16º). 15. Também ali estacionam os veículos (sobretudo após a urbanização dos terrenos confrontantes) e o mesmo encontra-se (e encontrava-se, na parte ocupada pela linha férrea) afecto ao trânsito de pessoas sem descriminação, encontrando-se no uso directo e imediato das pessoas em geral, à vista de toda a gente, e sem oposição de quem quer que seja (17º, 18º e 19º). 16. Tanto mais que sempre se encontrou aberto e franqueado às pessoas em geral, sem qualquer embaraço, aí transitando, sempre que necessário, pessoas, animais e veículos, designadamente para acesso aos prédios confrontantes e, em determinado período, para deslocação de pessoas entre as duas margens da linha férrea, através de passagens de nível que existiam (20º). 17. Desde pelo menos há mais de 70 anos que o acesso ao prédio dos autores sempre se efectuou também a partir desse caminho (21º). 18. Os réus, ao ocuparem e vedarem essa parte do caminho, impedem que do prédio dos autores se possa circular livremente através dessa zona do mesmo, ao contrário do que até então podiam fazer, se abrissem alguma abertura no muro de vedação do seu prédio, como fizeram em Julho de 2004 (22º). 19. A actual denominada Rua António Dias Costa até há pouco tempo (até à anexação na linha férrea desencadeada em 2002) dava acesso aos seguintes prédios: - um prédio urbano que pertence a membros da Família ...;- um prédio urbano, mais recente, que pertence aos réus; - um prédio misto que pertence aos autores (23º). 20. O caminho terminava no prédio (casa) da Família... (antes da anexação parcial à linha férrea do Minho) (27º). 21. Ao ser construída a linha de caminho de ferro, no século XIX, a mesma alterou o acesso e a localização da capela de Santo Adrião (28º). 22. Por causa do alargamento da linha-férrea, foi ocupada uma faixa de terreno a Nascente da mesma e ocupado todo o caminho que existia em tal local, deixando a Família ... de por aí poder passar (30º, 31º e 32º). 23. Passou, por isso, a utilizar exclusivamente o acesso pelo lado Norte (33º). 24. Chegou-se assim a uma situação em que desapareceu o caminho anexado ao solo da linha-férrea e o prédio dos réus ficou a confrontar com o caminho-de-ferro, no lado para este virado (35º). 25. Existe uma distância de uns 9,50 metros, entre o portão que os réus colocaram e o acesso que os Autores abriram recentemente no seu prédio e na parte interior daquele portão e é de 13,70 metros a distância entre esse mesmo portão dos Réus e o portão que os Autores já tinham nesse mesmo prédio rústico (37º). 26. Os Réus procederam no caminho denominado Rua António Dias Costa ao asfaltamento de parte do seu percurso, mais precisamente na parte situada entre o seu prédio e o dos Autores (38º). 27. Nunca os réus impediram os autores de acederem a tal prédio rústico, excepto através da abertura referida supra no item 25, 1ª parte, com a colocação do portão mencionado no mesmo lugar (39º). 28. Na Rua António Dias Costa está colocado um sinal de trânsito indicativo de "estrada sem continuação" (40º). 29. O caminho antes terminava no ponto referido em 20., a Norte do prédio dos réus (41º). 30. Termina actualmente no seu limite Sul (42º.). 31. O réu insurgiu-se contra o auto de contra-ordenação levantado pela Câmara Municipal e que terminou com o seu arquivamento, por, em relação a ele, "não ter sido provado o acto pelo qual foi acusado (43º. e 44º). 32. Actualmente a chamada Rua António Dias Costa é utilizada também pelos autores e réus (45º). 33. Os trabalhos de demolição do muro foram executados pela REFER (46º). 34. Os Réus, aquando da sua reconstrução, aproveitam para vedar novamente o seu terreno e prédio urbano (47º). 35. A pequena parte do caminho ocupada pelos réus, quando implantaram o portão, visando vedar a sua propriedade, não impede o acesso livre à propriedade dos autores, nem à sua livre e boa fruição, excepto através da abertura que fizeram recentemente e está referida 25 (48º). 36. Nele foi colocada iluminação pública há pelo menos 30 anos e sinalização de trânsito (50º). 37. Ao caminho em causa foi dado o nome Rua António Dias Costa e tudo isso é do pleno conhecimento dos réus que, quando em 1998 registaram o seu prédio, o colocaram a confrontar de Sul com caminho público (51º e 52º). 38. Os réus levantaram o alcatrão que em parte cobria o solo do caminho em causa (na parte interior do seu actual portão) e colocaram novo pavimento precisamente até ao limite do poste de iluminação pública existente no mesmo (53º). IV. a) Sem mácula (por respeitar o alegado - art. 20º da p.i. - controvertido - art.36º da contestação e art. 490º nºs 1 e 2 do CPC, diploma legal a que pertencem os normativos que se vierem a citar sem indicação de outra proveniência -, relevante para o vertido no art. 511º nº 1, indúbio como é que um dos requisitos caracterizadores, da dominialidade pública de um caminho é a imemorialidade do uso directo e imediato do mesmo pelo público), eis a redacção que mereceu o nº 20 da base instrutória: "Tanto mais que se encontra aberto e franqueado ao público, sem qualquer embaraço, aí transitando, sempre que necessário, pessoas e animais, designadamente para acesso aos prédios confrontantes?" Logrou a resposta já noticiada em III., flagrantemente excessiva, exorbitante, em parte, por não respeitadora do alegado e perguntado. Deve, pelo dilucidado, ter-se como não escrito o excesso, como provado, consequentemente, tão só se tendo que o referido caminho/rua "se encontra aberto e franqueado ao público, sem qualquer embaraço, aí transitando, sempre que necessário, pessoas, animais e veículos, designadamente para acesso aos prédios confrontantes. b) No atinente ao nº 50 da base instrutória: Como não escrita, por via do aduzido em a) que antecede, se deve ter a alusão a "... há pelo menos 30 anos." Trata-se, na verdade, de mais uma resposta excessiva, exorbitante. V. Não se estando ante caso excepcional previsto no art. 722º nº 2, nem sendo caso para desencadear a aplicação do nº 3 do art. 729º, como definitivamente fixada se tem a materialidade fáctica enunciada em III, excepção feita à respostas aos nºs 20 e 50 da base instrutória, já que, pelo explicitado, antes se deve haver, no às mesmas concernente, o consignado em IV. VI. 1. Ao arrepio do propugnado pelos recorrentes, não se estando, manifestamente, ante hipótese em tudo idêntica à versada no acórdão do STJ, de 03-01-09 (doc. nº SJ200301090036547, disponível in www.dgsi.pt/jstj, à liça chamado pelos irresignados autores (conclusão "G" da alegação da revista, pelo sublinhado na "decisão" (cfr. fls. 783 e 784), que, quanto a tal conspecto, se acolhe, para ela se remetendo, nos termos consentidos pelo art. 713º nº 5, atento o disposto no art. 726º, aos autores incumbia a "prova da natureza pública do caminho" (cfr., sobre a temática, outra tese, em substância, que não a por nós perfilhada, não defendendo: acórdãos do STJ, de 05-02-03 e 06-05-18 - docs. nºs SJ200502030048057 e SJ200605180014687, respectivamente, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj). Prosseguindo: 2. Como se deixou assinalado, em acórdão por nós, a 05-07-06, relatado, proferido nos autos de revista registados sob o nº 394/05-2ª, na esteira do, ainda, sufragado, entre muitos outros, no acórdão deste Tribunal, de 04-01-13 (revista nº 3433/03-6ª): ("...a) A qualificação de um caminho como público (por isso se integrando, necessariamente, no instituto do domínio público, no sistema viário, ao que não faz óbice, flagrantemente, o art. 84º nº 1 d) da CRP tão só aludir às estradas, ponderado o carácter exemplificativo da enumeração, em sede da Lei Fundamental, dos bens pertencentes ao domínio público, como ressuma do plasmado na al. f) do nº 1 e no nº 2 de tal artigo - cfr., neste sentido, José Oliveira Ascensão, in "Caminho Público, Atravessadouro e Servidão de Passagem" - "O DIREITO", Ano 123 - 1991 - IV (Outubro-Dezembro), pág. 536), poderá basear-se: 1º. Em ser ele propriedade de autoridade de direito público, ocorrendo a sua afectação à produção efectiva de utilidade pública - cfr. Marcello Caetano, in "Manual de Direito Administrativo", vol. II, 9ª Edição, págs. 880 e segs., bem como in "Princípios Fundamentais de Direito Administrativo", Almedina-Coimbra-96, págs. 323 e segs. "e entre outros, Acs. deste Tribunal, de 2-2-93, 10-11-93 e 15-6-00, in CJ-Acs. do STJ, Ano I-tomo I, págs. 115 e segs., tomo III, págs. 135 e segs., e Ano VIII-tomo II, págs. 117 e segs., respectivamente. 2º. No, de harmonia com o Assento de 19-04-89, in DR de 2-6-89 (hoje com o valor de acórdão proferido nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B do CPC - vide art. 17º nº 2 do DL nº329-A/95 -, o objectivo de tal assento não tendo sido o de estabelecer a distinção entre caminhos públicos e atravessadouros (art.s 1383º e 1384º do CC) e (ou) a figura do atravessadouro excluir, antes o assinalado por Oliveira Ascensão, in artigo citado, págs. 543 e 544) interpretado restritivamente, como importa, "ex vi" do dissecado nos já citados Acs. de 10-11-93 e 15-06-00, bem como no Ac. deste tribunal, de 19-11-02 (CJ-Acs. do STJ-Ano X-tomo III, págs. 139 e segs.), estar no uso directo e imediato do público, desde tempos imemoriais, ocorrendo a sua afectação à utilidade pública, à, enfim, satisfação de "interesses colectivos de certo grau ou relevância", consoante referido, também, em Ac. de 10-04-03, disponível em www.dgsi.pt/jstj. (doc. nº SJ200304100047142)." Pois bem: 3. Lida a petição inicial, sem dificuldade se antolha que os autores, os arquitectos da acção (art. 467º nº 1 a), d) e e) ), fizeram repousar o bem fundado do peticionado, sob recurso, no integrar a rua/caminho a que se alude em tal articulado o domínio público, por força do dissecado em " a) 2º", no nº 2 que antecede, que não, outrossim, no ser " propriedade de autoridade de direito público, ocorrendo a sua afectação à produção efectiva de utilidade pública". Na resposta à contestação (cfr. fls. 50 e 51), não houve, é tal apodíctico, alteração ou ampliação da "causa petendi", não consentida, por lei, aliás (cfr. art. 273º nº 1), nem tal aconteceu, frise-se, em articulado oferecido após a prolação do despacho de fls. 82, o qual, decidindo o incidente de verificação do valor da causa, suscitado oficiosamente, determinou que aquela passasse a seguir os termos do processo comum, ordinário. Assim, perfila-se manifestamente despiciendo tratar, com detalhe, o levado às conclusões "W" a "GG" da revista, em ordem a filiar o mérito da pretensão recursória em causa. Sem embargo do supracitado, tão só se dirá que, como expresso na "decisão", os factos provados "não são suficientemente significativos do apoderamento" , "por parte de uma entidade pública" cfr. fls. 787 e 788), de, acrescentamos nós, citada, já, afectação, traduzida "numa prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público" (cfr.Marcello Caetano, in "Manual de Direito Administrativo", 8ª Edição - tomo II-, pág.853). 4. E quanto aos requisitos caracterizadores da dominialidade pública de um caminho referidos em "a) 2º" do antecedente nº 2? Quedaram, manifestamente, indemonstrados. Efectivamente: As respostas restritivas aos nºs 16º e 21º da base instrutória, sopesada, como urge, a significância daquelas, arredam, desde logo, como de igual sorte destacado na "decisão" (cfr. fls. 786 e 787), a prova da imemorialidade do uso, sendo imemorial a posse se os vivos não sabem quando começou, quer por observação directa, quer pelas informações que lhes chegaram dos seus antecessores - cfr., neste sentido, entre outros, o invocado acórdão de 02-11-19. Nem sequer os inconformados demandantes lograram provar, como vítreo brota das respostas aos nºs 9º, 14º, 16º, 17º, 20º, 21º, 27º e 45º da base instrutória, que a rua/caminho em causa visa a satisfação de interesses colectivos de certo grau ou relevância, à luz, como importa, dos costumes e das tradições da generalidade das pessoas que o utilizam (cfr. cit. acórdão de 04-01-13), sem prejuízo de se reconhecer a natureza difusa desta noção, "a fluidez de conceito caracterizado (ou condicionado) "por expressão como "de certo grau ou relevância", bem "como a inevitável subjectividade a que pode dar lugar a respectiva apreciação, em concreto" (vide aludido acórdão de 02-11-19). VII. CONCLUSÃO: Destarte, não provados os requisitos da dominialidade pública do caminho a que se alude na petição inicial, naquela tendo os ora recorrentes feito assentar a bondade do peticionado, nega-se a revista, confirmando-se a "decisão". Custas pelos autores (art. 446º nºs 1 e 2). Lisboa, 27 de Março de 2008 Pereira da Silva (relator) Rodrigues dos Santos João Bernardo |