Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | RAUL BORGES | ||
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL CONTRA-ALEGAÇÕES CONVOCAÇÃO DUPLA CONFORME DANOS FUTUROS PERDA DE ALIMENTOS TAXA DE JUROS DESCONTO PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA CAIXA NACIONAL DE PENSÕES REEMBOLSO DE DESPESAS | ||
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Data do Acordão: | 04/10/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO. DIREITO CIVIL – DIREITO DA FAMÍLIA / ALIMENTOS / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS / UNIÃO DE FACTO. | ||
Doutrina: | - Abílio Neto e Herlander A. Martins, Código Civil Anotado, Livraria Petrony, 1978, p. 225; - Adriano Vaz Serra, anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-04-1974, processo n.º 65.078, BMJ n.º 236, p. 138 ; RLJ, Ano 108.º (1975/1976), n.º 3.549, p. 183 e ss. ; RLJ, Ano 113.º, p. 91 a 96 e 104/5; - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição (revista e actualizada até 31-03-2008), p. 607/8; - Antunes Varela, Direito da Família, volume I, 5.ª edição, Fevereiro de 1999, Livraria Petrony, p. 27, 29 e 32 ; Das obrigações em geral, edição de 1980, a págs. 517 (e na 10.ª edição (2000), p. 622; - Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Livraria Almedina, Coimbra 1980, 2.ª edição, p. 260; - Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2018, p. 345/6; - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, volume I, p. 324; - J. Sinde Monteiro, Dano corporal (Um roteiro do direito português), RDE, 1989, n.º 15, p. 372; - José António França Pitão e Gustavo França Pitão, Responsabilidades parentais e alimentos, de acordo com as Leis n.ºs 48/2018 e 49/2018, de 14 de Agosto, Quid Juris Sociedade Editora, Outubro de 2018, p. 29 e 93 a 97; - Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, Almedina, 16.ª edição, 2007, p. 841; - Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, Almedina, 3.ª edição actualizada e ampliada, 1979, p. 231 e 354; - Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, volume III, Direito das Obrigações, da obra Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Coimbra Editora, 2007, p. 541; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, p. 1007/8; - Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora, Limitada, 1967, p. 340. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º 2, 410.º, N.ºS 2 E 3 E 412.º, N.º 1. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 609.º, N.º 1 E 637.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 2020.º. ESTATUTO DAS PENSÕES DE SOBREVIVÊNCIA: - ARTIGOS 2.º, 25.º, N.º 1, 26.º, 27.º, N.º 1, 28.º, N.º 3, 40.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B) E 47.º. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2005, DE 20-10-2005, IN DR, SÉRIE I-A, DE 07-12-2005; - DE 13-01-2016, PROCESSO N.º 1178/10.0TAFIG.C1.S1; - DE 19-10-2016, PROCESSO N.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1; - DE 11-10-2017, PROCESSO N.º 1090/12.9GBAMT.P1.S1; - DE 11-01-2018, PROCESSO N.º 111/02.8TAALQ.L1.S1; - DE 24-01-2018, PROCESSO N.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1; - DE 22-02-2018, PROCESSO N.º 33/12.4GTSTB.E1.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: - ACÓRDÃO N.º 442/2012, DE 26-09, PROCESSO N.º 618/11, IN DR, 2.ª SÉRIE, N.º 222, DE 16-11-2012. | ||
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Sumário : | I - Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão 7/95 -, publicado no DR, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que "É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no art. 410.º n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito", bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no DR, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se "no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto") e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP- é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. II - Não tendo os demandantes recorridos manifestado em requerimento autónomo vontade de recorrer do acórdão da Relação, não tendo interposto recurso autónomo ou subordinado, não podem nas contra-alegações apresentadas manifestar pretensão de elevação dos montantes indemnizatórios relativos a danos patrimoniais futuros. III - Na ausência de recurso autónomo, não podendo as contra-alegações apresentadas pelos recorridos ser convoladas em recurso subordinado, posto que não existe homogeneidade, nem equiparação entre o meio processual utilizado e o meio processual pretendido (art. 637.º do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 4.º do CPP), não se conhecerá nesta parte das contra-alegações de recurso apresentadas pelos demandantes, o que traz implícita a impossibilidade de qualquer apreciação sobre eventual elevação de montante indemnizatório. IV - O momento relevante para a fixação do direito subjectivo ao recurso corresponde à decisão desfavorável proferida pela primeira instância. V - A jurisprudência do STJ, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal. VI - O processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. VII - A consideração da data da apresentação do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal como o início do processo em matéria cível, em si, não coloca qualquer questão de desigualdade. VIII - Na génese da responsabilidade civil conexa com a criminal está no caso em apreciação, uma conduta ilícita, negligente, do condutor do veículo, integradora de um crime de homicídio negligente, violadora do direito à vida da vítima, geradora de danos patrimoniais e não patrimoniais. Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal aquela tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo. IX - Nos casos em que a parte dispositiva da decisão contenha segmentos decisórios distintos e autónomos, (podendo as partes, por conseguinte, restringir o recurso a cada um deles), o conceito de dupla conforme terá de se aferir, separadamente, relativamente a cada um deles. X - O conceito de confirmação da decisão recorrida abrange a coincidência decisória entre o acórdão do Tribunal da Relação e a sentença ou acórdão do tribunal de 1.ª instância, o que abrange, quer a coincidência total dos segmentos decisórios em confronto (o que se obtém mediante a confirmação pela Relação de toda a decisão do tribunal de l." instância), quer a coincidência parcial, desde que a decisão contenha segmentos distintos e autónomos, em que, naturalmente, quanto aos mesmos, ocorra confirmação do decidido. XI - Tratando-se, no caso concreto, de uma indemnização fixada em sede de responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos, deverá atender-se para efeitos de dupla conforme à globalidade da indemnização fixada, por se considerar que o tribunal não está vinculado a respeitar os limites dos valores peticionados para cada uma das componentes indemnizatórias, encontrando-se, sim, autorizado a, dentro do valor global reclamado em termos de qualificação jurídica, proceder à sua fixação em moldes diferenciados dos peticionados, desde que não ultrapasse e se contenha dentro do valor global da indemnização. Apenas necessário não condenar “ultra vel extra petitum”. XII - Os limites da condenação estabelecidos no art. 609.º, n.º 1, do CPC (dantes art. 661.º, n.º 1, CPC), entendem-se referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para demonstração do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do prejuízo. XIII - A causa de pedir nas acções de indemnização por responsabilidade emergente de acidente de viação é o complexo constituído pelo dano e pelos factos constitutivos da responsabilidade, sejam a culpa do responsável ou a criação do risco. XIV - De há muito se consensualizou que a causa de pedir é complexa, sendo constituída, não apenas pelo acidente, nem apenas pelos prejuízos, mas pelo conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação. XV - Importa distinguir se está em causa a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, unicamente na perspectiva de perda de alimentos, ou diversamente, na perspectiva de lucros cessantes, pois em ambos os casos estamos perante a dedução de pedido de indemnização por danos patrimoniais, futuros, previsíveis, com fundamento em dois direitos de indemnização emergentes de danos XXII - Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente estradal está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais futuros resultantes da perda de salários, emergentes da perda de capacidade aquisitiva do lesado directo, imediato, e o autónomo, embora com a mesma génese no plano de insuficiência de satisfação de necessidades alimentares, dano da perda de alimentos. XXIII - No primeiro caso - indemnização por perda de alimentos - titular do direito é um terceiro, lesado indirecto, mas com direito próprio; no segundo - lucros cessantes - correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho, e para terceiro, na funesta hipótese de o lesado falecer, sendo a aquisição por via sucessória. XXIV - Para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos, ou por outras palavras, é dispensável a prova da necessidade de alimentos. XXV - O CC não fixava uma idade limite para cessar a obrigação alimentar relativamente a filhos maiores, gerando-se dúvidas e divergências na doutrina e na jurisprudência quanto à idade até à qual se mantinha essa obrigação, sendo considerado que poderia e deveria manter-se na medida em que fosse razoável para a conclusão de formação profissional, mesmo a nível superior. XXVI - Esta questão ficou definitivamente esclarecida com o aditamento do n.º 2 do art. 1905.º do CC pela Lei 122/2015 de 01 de Setembro (entrada em vigor em 1 de Outubro de 2015), que colmatando uma lacuna, surge como norma interpretativa do art. 1880.º, ao considerar que esta obrigação de alimentos a filho maior pode manter-se até aos vinte e cinco anos de idade. XXVII - Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o "id quod plerumque accidit"; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade. XXVIII - A função característica da equidade é "tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez". "A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto". XXIX - A equidade é a justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de “la legalité pour rentrer dans le droit”. XXX - Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência. XXXI - A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso. XXXII - O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada. XXXIII - A Caixa Geral de Aposentações, I.P. é um instituto público de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, tendo por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial. XXXIV - A pensão de sobrevivência que é outorgada pela Caixa Geral de Aposentações no âmbito do funcionalismo público está regulada no Estatuto das Pensões de Sobrevivência. XXXV - De acordo com o art. 27.º, n.º 1, do citado Estatuto das Pensões de Sobrevivência "A pensão de sobrevivência consiste numa prestação pecuniária mensal, cujo montante, salvo nos casos do n.º 3 do art. 28.º, é função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição no Montepio sujeito ao pagamento de quota." XXXVI - De acordo com o art. 2.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a CGA (que assume actualmente a posição inicialmente assumida pelo Montepio dos Servidores do Estado) "tem como finalidade assegurar o pagamento de pensões de sobrevivência aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes". XXXVII - Estabelecendo-se no art. 26.º do citado diploma legal que: "1. O Montepio obriga-se a pagar uma pensão de sobrevivência aos herdeiros hábeis do contribuinte quando este à data da sua morte tiver o mínimo de cinco anos completos de inscrição, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 25.° e no n.º 3 do artigo 28.º". XXXVIII - São havidos como herdeiros hábeis nos termos do art. 40.º, n.º 1, als. a) e b) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência: "Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.° do Código Civil"; e os filhos, incluindo os nascituros e os adoptados plenamente;" XXXIX - A pensão de sobrevivência atribuída pela Caixa Geral de Aposentações (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no art. 47.º do mencionado diploma legal. XL - O pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência não assume uma posição de provisoriedade e subsidiariedade face à obrigação de indemnização de que é titular passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil, ao contrário do que sucede com a pensão de sobrevivência paga pela Segurança Social. | ||
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Decisão Texto Integral: |
No âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, n.º 73/15.1PTBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local de Competência Criminal de ... – J2, foi acusado e submetido a julgamento o arguido AA, pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292.º e 69.º, ambos do Código Penal e das contra-ordenações, p. e p. pelos artigos 44.º e 145.º, n.º 1, alínea f), ambos do Código da Estrada. (cfr. acusação de fls. 214 a 220 do 2.º volume). ****
BB, por si, e em representação do seu filho menor, CC, deduziu em 21 de Abril de 2016, conforme requerimento de fls. 233 a 238, um pedido de indemnização civil contra a Companhia de Seguros DD, S.A., cuja designação social foi posteriormente alterada para EE, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes quantias: € 80.000,00 (oitenta mil euros), por danos não patrimoniais dos demandantes; € 368.982,00 (trezentos e sessenta e oito mil novecentos e oitenta e dois euros), referentes a danos patrimoniais futuros, pelo direito a alimentos; € 80.000,00 (oitenta mil euros), pelo dano da morte; € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais da própria vítima; € 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta euros), a título de despesas de funeral; € 252,00 (duzentos e cinquenta euros), pela roupa e objetos pessoais da vítima; tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. **** O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos, requerendo diligência e arrolando testemunhas, como consta de fls. 283-284. **** A demandada Companhia de Seguros ..., S.A., ora, EE, S.A., apresentou contestação, nos termos de fls. 316 a 338 do 2.º volume, requerendo a intervenção principal provocada da Caixa Geral de Aposentações; a intervenção principal de FF; e a intervenção acessória provocada de AA, arguido nos autos. Juntou documentos, requereu diligências e arrolou testemunhas **** Por despacho proferido a fls. 491 e verso, do 3.º volume, foi admitida a intervenção acessória provocada de AA; e admitido o chamamento da Caixa Geral de Aposentações; e foi indeferida a intervenção principal provocada do tomador do seguro (GG). **** A Caixa Geral de Aposentações declarou a fls. 507 abster-se de deduzir pedido de reembolso de quantias pagas à ofendida BB por a situação descrita nos autos parecer “não corresponder a um acidente em serviço”. **** O arguido AA, na qualidade de interveniente acessório, deduziu contestação ao pedido de indemnização civil apresentado, nos termos de fls. 511 a 522. **** Realizado o julgamento, com sessões em 8-11-2016 e em 15-11-2016, na data aprazada para a leitura da sentença, em 6-12-2016, o Tribunal procedeu a alteração não substancial de factos, como consta da acta de fls. 592 a 595, sendo a leitura marcada para o dia 15 seguinte.
Por sentença datada de 15 de Dezembro de 2016, constante de fls. 601 a 629, depositada na mesma data, conforme declaração de fls. 631, foi decidido: «Pelo exposto, julgo a acção penal, provada e procedente e, em consequência, condeno o arguido AA como autor material e em concurso real, pela prática de: A) Um crime de homicídio por negligência, p. e p. p. art.º 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de um ano, subordinada à condição de o arguido entregar, no prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença, a quantia de €500,00 (quinhentos euros), a favor dos Bombeiros Voluntários de ..., fazendo disso prova nos autos – art. 50.º, n.º 1, 2, 5 e 51.º, n.º 1, al. c) do Código Penal. B) Um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a multa de €540,00 (quinhentos e quarenta euros). C) Condeno o arguido na pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, nos termos do art.º 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses. D) Condeno o arguido na sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 3 (três) meses, nos termos do art.º 145.º, n.º 1, al. f) do Código da Estrada, por referência ao art.º 147.º, n.º 2 do referido código. E) O arguido deverá proceder à entrega da sua carta de condução, no prazo de 10 dias após o trânsito, neste Tribunal, ou no posto policial da área da sua residência, sob pena de incorrer na prática do crime de desobediência. F) É o arguido responsável pelo pagamento das custas do processo, com 4 (quatro) UC de taxa de justiça e encargos legais – art.º 513.º, n.º 1 e Tabela III do RCP. Parte Cível: Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido, condena[n] do a demandada seguradora Companhia de Seguros ..., SA, sem prejuízo do direito de regresso que venha a exercer, a pagar: - Aos demandantes BB e CC, a quantia de €70.000,00 (setenta mil euros), a título de indemnização pelo dano da morte; - Aos demandantes a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima; - A cada um dos demandantes a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), num total de €60.000,00 (sessenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais próprios, pela morte precoce do pai e marido; - Ao demandante CC, a quantia de €45.000,00 (quarenta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais futuros; - À demandante BB, a quantia de €30.300,00 (trinta mil e trinta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais futuros; - Aos demandantes a quantia de €1.741,00 (mil setecentos e quarenta e um euros) e a quantia de €252,00 (duzentos e cinquenta e dois euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, pela perda total do motociclo e pelas roupas e objectos pessoais do falecido, respectivamente; - A pagar aos demandantes juros de mora, à taxa legal, desde a data da sentença até integral pagamento, incidentes sobre as referidas quantias; com excepção das quantias de €1.741,00 (mil setecentos e quarenta e um euros) e €252,00 (duzentos e cinquenta e dois autos), sobre as quais incidem juros de mora, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento. - Absolvendo-se a demandada do mais peticionado. - Custas cíveis na proporção do decaimento, sem prejuízo do artº 15º, nº. 2 do RCP e do apoio judiciário concedido (aos demandantes). (…).».
**** Inconformados com o decidido no tocante à parte cível, recorreram os demandantes para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 637 a 645, repetida a fls. 647 a 664, e em original, de fls. 667 a 675 verso. Recorreu também a demandada EE, S.A., para o Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando a motivação de fls. 678 a 713 (e em original, de fls. 736 a 753 verso). A demandada seguradora EE, S.A. apresentou igualmente contra-alegações de recurso com pedido de ampliação do objecto de recurso, de fls. 792 a 811 verso, do 3.º volume. O falecido HH era agente principal da PSP, auferindo à data dos factos o salário base bruto de €1.151,26, a que acresciam subsídios e suplementos, de montante variável, o que lhe proporcionava um rendimento anual líquido de €17.017,36. - Passar a constar do elenco dos factos não provados que o rendimento líquido anual auferido por CC, fosse de €20.499,00. b) Na procedência parcial do recurso dos demandantes, elevar para: - € 3.000,00 (três mil euros), a indemnização a atribuir aos pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima ... **** Os demandantes apresentaram contra-alegações de recurso a fls. 1022 a 1027 (e em original, de fls. 1029 a 1031 verso) que rematam com as seguintes conclusões (em transcrição integral): Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso. As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502). E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.
**** Questões propostas a reapreciação.
As conclusões de recurso apresentadas pela recorrente seguradora são muito extensas, reproduzindo quase integralmente as alegações por esta formuladas, sendo possível delimitar como questões essenciais suscitadas pelo presente recurso as seguintes:
Questão I – Indemnização por danos patrimoniais futuros – Dano de perda de alimentos devidos a cônjuge sobrevivente de casamento dissolvido por morte de um dos seus membros e ao filho menor de ambos – Cálculo da indemnização – Montante indemnizatório – Redução? – Conclusões I a XVII e XXVII a XXXI. Questão II – Desconto ou abatimento pelo recebimento integral por antecipação do capital encontrado relativo à indemnização por danos patrimoniais futuros – Conclusões XXIII a XXVI. Questão III – Desconto ou abatimento dos valores das pensões de sobrevivência que os demandantes receberam e continuarão a receber da Caixa Geral de Aposentações na indemnização do dano patrimonial de perda de alimentos – Conclusões XVIII a XXII, XXIX, ponto 2 e XXX, ponto 3. 21. O arguido AA conduzia com manifesta desatenção e falta de cuidado, desprezando os mais elementares deveres de cautela, essenciais a uma circulação rodoviária prudente. 22. E foi devido à mencionada distracção e falta de cuidado que o arguido não respeitou as regras de mudança de sentido de marcha, nomeadamente o cumprimento das distâncias de segurança e respectiva sinalização aposta no local. 23. O arguido sabia que ao conduzir desatento à estrada poderia colocar em perigo a vida de pessoas, como veio a acontecer. (Do PIC): 29. O ofendido CC, face à manobra inesperada e repentina do veículo conduzido pelo arguido, invadindo a sua faixa de rodagem e cortando-lhe a sua linha de marcha, não logrou evitar o embate. 30. À data do sinistro a responsabilidade decorrente de acidentes de viação do veículo PA, encontrava-se transferida pela apólice nQ 0033130323, para a Companhia de Seguros ..., SA. 31. O falecido HH deixou como herdeiros a 1ª demandante, BB, com quem estava casado; e o filho de ambos, CC, nascido em 06/01/2004. 32. O falecido era saudável, alegre, trabalhador e muito amigo, quer dos seus familiares, quer dos seus amigos. 33. O falecido e os demandantes formavam uma família muito feliz, sendo o casal, muito cúmplice e fazendo muitos planos para as suas vidas em comum. 34. O falecido e a demandante ... estavam casados há 14 anos, depois de mais de 10 anos de namoro. 35. Apesar de a demandante ... se encontrar desempregada e o falecido ser o único sustento do agregado familiar, ambos enfrentavam com amor as dificuldades da vida. 36. O demandante ..., nasceu em 06/01/2004, tinha à data dos factos 11 anos de idade e ficou sem o seu pai, sem o seu amigo e companheiro. 37. O demandante ... e o pai gostavam de passear, jogar futebol juntos ou simplesmente conversar. 38. A falta repentina e inesperada de HH causou um grande sofrimento e desgosto nos demandantes. 39. Tem sido muito difícil para o demandante ... aceitar que seu Pai nunca mais volta. 40. A demandante ... ficou viúva aos 40 anos de idade. 41. Além de se encontrar destroçada por ter perdido o seu grande amor e o seu companheiro de vida, tem de se esforçar para não deixar que o seu desgosto afecte ainda mais o seu filho menor. 42. A demandante padece da doença de Crohn. O desgosto e o sofrimento pela perda do marido agravou o seu estado de saúde, tendo ficado com anemia, depressão e emagrecimento acentuado. 43. A demandante ... encontrava-se à data dos factos desempregada, situação que se mantém. 44. Com o falecimento do único sustento do agregado familiar, a demandante tem tido dificuldade em pagar as suas despesas e proporcionar uma vida condigna ao seu filho, com a parca pensão de sobrevivência atribuída, desde o dia 01/10/2015, pela Caixa Geral de Aposentações, no valor de €270,50 mensais, para a demandante ... e no valor de €90,17 mensais para o demandante .... 45. Os demandantes têm sobrevivido com a ajuda dos pais da demandante ..., que são emigrantes. 46. A demandante ... é doente de Crohn, tem de fazer medicação regular e consultas. 47. O demandante ... sofre de asma e rinite, necessitando de consultas e tratamentos regulares e tratamentos SOS ("bombinhas"). 48. O falecido HH era agente principal da PSP, auferindo à data dos factos o salário base bruto de €1.151,26, a que acresciam subsídios e suplementos, de montante variável, o que lhe proporcionava um rendimento anual líquido de €17.017,36.[1] 49. HH tinha à data do acidente 43 anos de idade. 50. Era uma pessoa alegre, saudável, não padecendo de qualquer enfermidade física ou psíquica. 51. Era trabalhador, honrado e honesto e devoto à sua família e amigos, sendo uma pessoa feliz. 52. A sua morte precoce foi uma perda enorme para a família. 53. Pela forma como o acidente ocorreu, o ofendido HH viveu, antes do embate, momentos de pânico e posteriormente, nos minutos que ocorreram até ao momento em que entrou em paragem cardio-respiratória, grande sofrimento físico. 54. Em virtude do acidente o motociclo de matrícula 26-52-0C, propriedade do ofendido HH, ficou destruído, não sendo viável a reparação material, pelo que ficou numa situação de perda total. 55. Desta forma a Uon Salvados ficou com os salvados pelo valor de €259,00 e a demandada colocou à disposição da Demandante o valor de €1.741,00, que até ao momento não pagou. 56. A demandante teve despesas com o funeral de seu marido, no valor de €1.550,00, quantia de que foi já reembolsada. 57. Em consequência do acidente, a roupa e alguns objectos pessoais que CC usava ficaram destruídos, a saber: uma T'shirt no valor de €10,00; uns calções/calças, no valor de €10,00; um cinto no valor de €12,00; umas sapatilhas no valor de €35,00; um colete, no valor de €15,00; um telemóvel Samsung, no valor de €120,00, um capacete, no valor de €15,00; tudo perfazendo a quantia de €252,00. 58. O ofendido HH era beneficiário: nº 14513100, da SAD; nº 1341116/00 da CGA; e nº 12049484172, da Segurança Social. 59. A demandante ... é beneficiária: nº 145131101/F, da SAD; nº 1341116/01 da CGA; e nº 10297097018, da Segurança Social. 60. O demandante ... é beneficiário: nº 145131201/F, da SAD; nº 1341116/02 da CGA; e nº 12033016324, da Segurança Social. 61. A demandante ... concluiu, em 28/05/2001, na Universidade do Minho, a licenciatura em Ensino de Português/Francês. 62. Apenas leccionou durante o período de estágio e nunca foi colocada até ao ano de 2010. 63. Trabalhou como caixa, na Loja Primark, desde o ano de 2011 a 2013, não tendo a entidade patronal renovado o contrato. 64. Desde 2013, até à data do acidente, enviou currículo para várias empresas, mas nunca foi chamada. 65. Em 10/11/2015, a demandada Companhia de Seguros ..., SA comunicou à Demandante a não assunção da responsabilidade dos danos invocados relativos ao acidente em apreço nos autos. 66. O arguido trabalha com seu pai, na actividade de restauração, retirando dessa actividade pelo menos o salário mínimo nacional. 67. Vive com a esposa, que é auxiliar num lar de idosos e dois filhos, com 10 e 5 anos de idade. 68. O agregado familiar paga uma prestação bancária, no valor de cerca de €350,00 mensais, pela aquisição de casa própria. 69. Como habilitações o arguido possui o 9º ano de escolaridade. 70. O arguido é considerado condutor habitualmente prudente e é bem considerado no seu meio social. 71. O arguido não possui qualquer averbamento no seu registo individual do condutor. 72. O arguido não possui antecedentes criminais. B. Factos não provados - Ao executar a manobra de direcção à esquerda, o veículo automóvel ...-PA pretendia entrar na Rua ... (localizada à direita do referido entroncamento, sentido descendente). - O óbito de HH ocorreu instantaneamente, no momento da colisão. - HH ficou instantaneamente por força da colisão num estado de total e imediata inconsciência. - O rendimento líquido anual auferido por CC era de €20.499,00.[2] *****
Apreciando. Fundamentação de direito. Questões Prévias Na génese da responsabilidade civil conexa com a criminal está no caso em apreciação, uma conduta ilícita, negligente, do condutor do veículo, integradora de um crime de homicídio negligente, violadora do direito à vida da vítima, geradora de danos patrimoniais e não patrimoniais. Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal aquela tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo. A prática de uma infracção criminal pode ser fundamento de duas pretensões dirigidas contra os seus agentes: uma acção penal, para julgamento, e em caso de condenação, com aplicação das reacções criminais adequadas, e uma acção cível, para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado causa. A unidade de causa, a circunstância de as duas acções que se juntam terem na sua génese um mesmo facto, impõe entre elas uma estreita conexão, mas não se confundem, apesar da acção civil ser incorporada no processo criminal e ser julgada, conjuntamente com aquela, no foro criminal. Como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Verbo, 1996, volume I, pág. 324, «O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia e de cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente». E a fls. 111, expende: «Sucede é que o pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso de absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo».
No domínio do Código Civil de 1867 (Código do Visconde de Seabra) e do Código de Processo Penal de 1929 (aprovado pelo Decreto n.º 16.489, de 15 de Fevereiro de 1929), quer um, quer outro destes diplomas, continha um capítulo próprio, a regular de forma autónoma a responsabilidade por perdas e danos. Ali um capítulo com a epígrafe «Da responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal», dispondo no artigo 2373.º que a indemnização civil conexa com a responsabilidade criminal, nos termos dos artigos 2382.º a 2392.º (que dispunham sobre a graduação da responsabilidade proveniente dos factos criminosos), seria exigida no competente processo criminal. No Código de Processo Penal de 1929, com o Capítulo II do Título I, do Livro I, com a epígrafe “Da acção civil”, abrangendo os artigos 29.º a 34.º. Enquanto o Código Civil de 1867 e o Código de Processo Penal de 1929 regulavam autonomamente a responsabilidade por perdas e danos emergentes do crime, nos seus pressupostos e quantitativamente, o Código Penal de 1982 – artigo 128.º – remeteu a disciplina da responsabilidade por perdas e danos para a lei civil, afastando o entendimento de que essa responsabilidade tinha natureza diversa da meramente civil, solução que foi mantida na revisão de 1995 (Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte - artigo 13.º), apenas se alterando o número do preceito, que passou para o artigo 129.º.
Integrado no Título VI – Indemnização de perdas e danos por crime, o artigo 129.º do Código Penal, sob a epígrafe “Responsabilidade civil emergente de crime”, na versão da terceira alteração do Código Penal, operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, “sucedendo” ao artigo 128.º do Código Penal de 1982, estabelece: “A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil”.
Desde cedo a jurisprudência entendeu que a norma do artigo 128.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro (e posteriormente quanto ao actual artigo 129.º) só determina que a indemnização seja regulada “quantitativamente e nos seus pressupostos” pela lei civil, remetendo para os critérios da lei civil relativos à determinação concreta da indemnização, não tratando de questões processuais, que são reguladas pela lei adjectiva penal, nomeadamente nos seus artigos 71.º a 84.º - neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 227; de 06-03-1985, BMJ n.º 345, pág. 213; de 13-02-1986, processo n.º 38028; de 06-01-1988, BMJ n.º 373, pág. 264; de 26-10-1989, AJ, n.º 2, 4 (a indemnização por perdas e danos provocados pela prática de um crime é regulada pela lei civil, pelo que a essa lei – arts. 483.º e segs. do CC – se têm de ir buscar não só os pressupostos da responsabilidade civil, como também as regras de determinação dos danos a indemnizar); fundamentação do Assento de 27-01-1993, proferido no processo n.º 42.798, BMJ n.º 423, pág. 57 (a acção cível para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infracção tenha dado lugar está substantivamente sujeita à lei civil); de 12-01-1995, processo n.º 45.261, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181 (a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil “quantitativamente” e nos seus “pressupostos”; porém, processualmente, é regulada pela lei processual penal – arts. 71.º a 84.º); de 09-06-1996, processo n.º 6/95; de 06-11-1996, processo n.º 48.738, in CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 185 [passando a ser determinada de acordo com os pressupostos e critérios, substantivos, da lei civil, por força da norma do art. 128.º do CP de 1982 (que revogou tacitamente o § 2.º do art. 34.º do CPP/1929) reproduzida no art. 129.º do CP/95, a reparação assume-se agora como pura indemnização civil que, sem embargo de se lhe reconhecer uma certa função adjuvante, não se confunde com a pena e no plano adjectivo, mantendo a adesão mas introduzindo alteração veio conferir à acção de indemnização pela prática de um crime, formalmente enxertado no processo penal, a estrutura material de uma autêntica acção civil]; de 10-12-1996, processo n.º 553/96, CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 202 e BMJ, n.º 462, pág. 294; de 09-07-1997, processo n.º 1.257, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 260; de 14-11-2002, processo n.º 3.316/02-5.ª; de 24-11-2005, processo n.º 2.831/05-5.ª; de 07-03-2007, processo n.º 4.596/06-3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 131/08; de 25-06-2008, processo n.º 449/08-3.ª; de 10-07-2008, processo n.º 1.410/08-3.ª; de 03-09-2008, processo n.º 3.982/07-3.ª; de 15-10-2008, processo n.º 1.964/08-3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3.373/08-3.ª; de 05-11-2008, processo n.º 3266/08-3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3.638/08-3.ª [a interdependência das acções significa independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal]; de 18-02-2009, processo n.º 2.505/08-3.ª; de 25-02-2009, processo n.º 3.459/08-3.ª; e 25-02-2009, processo n.º 390/09-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3.704/08-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3.ª; de 04-02-2010, processo n.º 106/01.9IDPRT.S1-3.ª, por nós relatado; de 24-02-2010, processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1-3.ª (idem); de 15-09-2010, processo n.º 322/05.4TAEVR.E1.S1 (idem); de 27-04-2011, processo n.º 712/00.9JFLSB.L1.S1-3.ª; de 12-10-2011, processo n.º 1/01.1JBLSB.L1.S1-3.ª; de 29-02-2012, processo n.º 11.968/03.5TDLSB.L2.S1-5.ª; de 08-03-2012, processo n.º 13.375/02.8TDLSB-3.ª; de 29-03-2012, processo n.º 18/10.5GBTNV-3.ª; de 27-06-2012, processo n.º 1.466/07.3TABRG.G1.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 513/10.6TDLSB.P1.S1-3.ª; de 11-02-2015, processo n.º 28/07.0TAPRD.P2.S1-3.ª; de 15-07-2015, processo n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1-3.ª; de 13-01-2016, processo n.º 1178/10.0TAFIG.C1.S1-3.ª e voto de vencido de 11 de Janeiro de 2018, no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1-3.ª Secção.
Formalmente enxertada no processo penal e neste decidida, por força da unidade da causa de pedir (no caso responsabilidade delitual decorrente do homicídio), determinante da conexão das acções penal e civil - embora no que concerne à materialidade conserve a sua autonomia por força da sua especificidade, maxime, na exposição, descrição e quantificação dos danos indemnizáveis - a acção cível segue, pois, o regime da acção penal, ou seja, o regime estabelecido pelo CPP, no que tange aos aspectos processuais, inclusive, quando caso disso, no que se reporta a nulidades e vícios da sentença.
Vejamos a evolução legislativa concernente à própria recorribilidade neste segmento específico do pedido de indemnização deduzido no processo criminal, restringindo-se o recurso à parte cível (no caso presente, verificando-se caso julgado na parte criminal). “Dantes, a respeito da admissibilidade do recurso restrito a matéria cível, estabelecia o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, então na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto: «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada».
O acórdão uniformizador de jurisprudência (AUJ), cognominado na Imprensa Nacional/Casa da Moeda [pese embora a revogação do artigo 2.º do Código Civil – Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral – pelo artigo 4.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, complementado pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, diplomas que introduziram a reforma do processo civil em 1995/1996], como «Assento» n.º 1/2002, de 14 de Março de 2002, proferido no processo n.º 255-A/98, da 5.ª Secção, publicado in Diário da República, I Série - A, n.º 117, de 21 de Maio de 2002, fixou jurisprudência no sentido seguinte: «No regime do Código de Processo Penal vigente - n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».
No sentido de que a norma do n.º 2 do artigo 400.º do Código de Processo Penal não se apresentava desprovida de razoabilidade e justificação e não se mostrava ofensiva do princípio da igualdade, não sendo de julgar inconstitucional, pronunciaram-se os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 320/2001, de 4 de Julho de 2001, proferido no processo n.º 641/00, in Diário da República - II Série, n.º 258, de 7 de Novembro de 2001; n.º 94/2001, de 13 de Março de 2001, processo n.º 589/00-3.ª Secção, in Diário da República - II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2001; e n.º 100/2002, de 27 de Fevereiro de 2002, processo n.º 557/2001-1.ª Secção, in Diário da República - II Série, n.º 79, de 4 de Abril de 2002.
Referenciando o citado AUJ (na nomenclatura oficial “Assento”) n.º 1/2002 e correlativa bondade de solução, pronunciou-se o acórdão n.º 338/2005, de 22 de Junho de 2005, proferido no processo n.º 596/2002, da 2.ª Secção, publicado in Diário da República - II Série, n.º 145, de 29 de Julho de 2005, que decidiu: «Não julgar inconstitucional o artigo 432.º, alínea b), conjugado com o artigo 400.º, n.º s 1, alínea e) e 2, do CPP, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão do Tribunal da Relação relativa à indemnização civil, proferida em 2.ª instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal». No mesmo sentido, o acórdão n.º 575/2006, de 18 de Outubro de 2006, 2.ª Secção, com sumário publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional (ATC), volume 66.º, pág. 825, onde consta: “Não julga inconstitucional o artigo 400.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça da decisão do Tribunal da Relação relativa a indemnização civil, proferida em segunda instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal”.
Entretanto, a consagração da dupla conforme.
No Verão de 2007, à distância de escassos cinco dias, em 24 e 29 de Agosto, foram publicados dois diplomas - o Decreto-Lei n.º 303/2007 e a Lei n.º 48/2007 - que vieram alterar, senão de forma profunda, pelo menos de modo muito relevante, o panorama dos recursos, no que respeita aos recursos cíveis, no primeiro caso, e aos recursos em acções cíveis enxertadas em processo penal, no segundo, sendo patente que o legislador terá querido aproximar os respectivos regimes recursórios. Mas, se tivermos em conta as significativas alterações da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, sobretudo, no específico campo do processo penal, teremos uma nova panorâmica global, emergente da consagração da figura da dupla conforme, quer no plano penal, quer no cível, e aqui, independentemente da área de adjectivação do pedido de indemnização baseado na responsabilidade aquiliana – cível ou penal.
A 15.ª alteração do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento, n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República n.º 216, de 09 de Novembro), entrada em vigor no imediato dia 15 de Setembro seguinte (artigo 7.º), procedeu, no que ora interessa, à alteração do artigo 400.º do CPP. A Lei n.º 48/2007, para além da modificação introduzida na alínea f) do n.º 1 - dupla conforme - manteve a redacção do n.º 2 do artigo 400.º e introduziu o n.º 3, que estabelece: «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».
A partir daqui, alterou-se o paradigma do sistema recursório, a nível da recorribilidade autónoma da decisão cível, independentemente da sorte (no caso, cristalização) da decisão no segmento penal, o que deixava antever óbvias dificuldades de concatenação entre o caso julgado criminal, porque já não admissível o recurso neste vector (como diz o preceito legal “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal”), mas apenas da matéria cível, e a decisão nesta sede.
O citado n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, introduzido em 2007, constitui absoluta inovação legislativa, que veio contrariar, não só a jurisprudência fixada pelo “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março de 2002, como as aludidas posições concordantes do Tribunal Constitucional, maxime, a do acórdão n.º 338/2005, de 22 de Junho de 2005, assumida mais de três anos depois da fixação de jurisprudência e mais tarde a do acórdão n.º 575/2006, de 18 de Outubro de 2006. Face ao regime anterior, havia lugar a apenas um grau de recurso, dizendo o Tribunal da Relação a solução final, divergindo assim os graus de recurso, consoante houvesse ou não adesão ao processo penal. Ora, foi justamente a equiparação de tratamento nas duas formas de adjectivação do pedido de indemnização, que esteve na base da inovação introduzida em 2007. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 1007/8, «A bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal, como se afirma na motivação da proposta de lei n.º 109/X, o legislador introduz uma quebra ao princípio da adesão». Na 4.ª edição actualizada, Abril de 2011, o Autor repete esta consideração, na nota 17, pág. 1049, sendo aditado o seguinte: “(concorda, Simas Santos, 2008, b:363)”.
A preocupação com o princípio da igualdade já vinha da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que explicitou: “Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artigo 400.º, a previsão de limites máximos superiores a 5 e 8 anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas. Prescreve-se ainda que quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo. Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal.”
Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 400.º, no Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, Almedina, 16.ª edição, 2007, dizia, a págs. 841: “3. A norma do n.º 2 foi decalcada em disposição semelhante prevista para ser introduzida no CPC pela Comissão que, aquando do funcionamento da CRCPP, estava a preparar a revisão daquele diploma. A disposição representa limitação do direito de recorrer relativamente ao regime do art. 626.º, n.º 6, do CPP de 1929, na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 402/82, de 23 de Setembro; perante esse regime podia haver lugar a recurso sempre que o montante do pedido excedesse a alçada do tribunal recorrido.”. “4. O n.º 3, introduzido pela Lei n.º 48/2007, veio contrariar a jurisprudência fixada pelo STJ. Haja ou não lugar a recurso da matéria penal, pode haver lugar a recurso da parte relativa à indemnização civil, se o puder haver perante a lei civil, e conforme se estabelece no n.º 2. (Realce nosso).
Entretanto, já antes, no plano do processo civil e na senda da dupla conforme.
A Lei n.º 6/2007, de 2 de Fevereiro (Diário da República, I Série, n.º 24, de 2 de Fevereiro de 2007), autorizara o Governo a alterar o regime dos recursos em processo civil e o regime dos conflitos de competência, e definindo o sentido e extensão da autorização, para além do aumento das alçadas, consignado na alínea c), preconizava na alínea g) a “Consagração da inadmissibilidade do recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Na sequência de tal Lei surgiu o Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (publicado no Diário da República - 1.ª Série, n.º 163, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 99/2007, in Diário da República – 1.ª Série, n.º 204, de 23 de Outubro) em vigor - artigo 12.º, n.º 1 - a partir de 1 de Janeiro de 2008, o qual procedeu, para além do mais, à revisão da arquitectura do sistema de recursos no processo civil. A reforma, como dava conta o preâmbulo, foi norteada por três objectivos fundamentais: simplificação, celeridade processual e racionalização do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, acentuando-se as suas funções de orientação e uniformização da jurisprudência. Subsumiam-se dentro desse desígnio de racionalização do acesso ao STJ, para além da revisão do valor da alçada da Relação para € 30.000,00, a introdução da regra da «dupla conforme», pela qual se consagra a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. O diploma alterou vários preceitos, revogou alguns e aditou outros, procedendo, a final – artigo 10.º –, à republicação, em anexo, do capítulo VI do subtítulo I do título II do livro III do Código de Processo Civil, ou seja, todo o capítulo dos recursos.
Os artigos 678.º e 721.º passaram a estabelecer:
Artigo 678.º (Decisões que admitem recurso) 1 – O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa. 2 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso: a) Das decisões que violem as regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia, ou que ofendam o caso julgado; b) Das decisões respeitantes ao valor da causa ou dos incidentes, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre; c) Das cdecisões proferidas, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso para a Relação: a) Nas acções em que se aprecie a validade, a subsistência ou a cessação de contratos de arrendamento, com excepção dos arrendamentos para habitação não permanete ou paar fisn especiais transitórios; b) Das decisões respeitantes ao valor da causa nos procedimentos cautelares, com o fundamento de que o seu valor excede a alçada do tribunal de que se recorre. 4 – (Revogado.) 5 – (Revogado.) 6 – (Revogado.)
Artigo 721.º (Decisões que comportam revista) 1 – Cabe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação proferido ao abrigo do n.º 1 e da alínea h) do n.º 2 do artigo 691.º. 2 – Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do número anterior, com excepção: a) Dos acórdãos proferidos sobre incompetência relativa da Relação; b) Dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil; c) Dos demais casos expressamente previstos na lei. 3 – Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. 4 – Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito. 5 – As decisões interlocutórias impugnadas com a sentença final, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 691.º, não podem ser objerecto do recurso de revista. O artigo seguinte referido no anterior n.º 3 é o aditado pelo artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto
Artigo 721.º-A Revista excepcional 1 – Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 2 – O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição: a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social; c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição. 3 – A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis. 4 – A decisão referida no número anterior é definitiva.
Seguiu-se a Reforma de 2013. Aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (Diário da República, 1.ª série, n.º 121, de 26 de Junho de 2013), entrada em vigor - artigo 8.º - em 1 de Setembro de 2013. Ao artigo 721.º corresponde o artigo 671.º do NCPC e a revista excepcional passou a estar prevista no artigo 672.º. 1 – Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termso ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos. 2 – Os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual só podem ser objecto de revista: a) Nos casos em que o recurso é sempre admissível; b) Quando estejam em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 3 – Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. 4 – Se não houver ou não for admissível recurso de revista das decisões previstas no n.º 1, os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação podem ser impugnados, caso tenham interesse para o recorrente independentemente daquela decisão, num recurso único, a interpor após o trânsito daquela decisão, no prazo de 15 dias após o referido trânsito. Artigo 672.º Revista excecional 1 – Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) Estejam em causa interesses de particular relevância social; c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 2 – O requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição: a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social; c) Os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição. 3 – A decisão quanto à verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis. 4 – A decisão referida no número anterior, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso. 5 – Se entender que, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excecional, nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, a formação prevista no n.º 3 determina que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respetivo exame preliminar.
Prosseguindo.
Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto (Diário da República, I Série, n.º 166, de 29 de Agosto, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 100-A/2007, Diário da República, Suplemento n.º 207, de 26 de Outubro, por seu turno, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 105/2007, Diário da República n.º 216, de 09 de Novembro), que operou a 15.ª alteração do Código de Processo Penal, e em particular, em consequência da referida introdução do n.º 3 do artigo 400.º de tal Código, procedeu-se a uma profunda alteração do regime de admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal. Por força desta alteração legislativa, a recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria cível deixou de estar dependente da admissibilidade de recurso da parte criminal do acórdão recorrido, como até essa data sucedia, até por força do entendimento fixado pelo referido Acórdão uniformizador, dito “Assento” n.º 1/2002, de 14 de Março. Com as alterações introduzidas pela citada Lei, a recorribilidade da decisão sobre matéria cível desprendeu-se do recurso em matéria penal ou, dito por outras palavras, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, restrito à matéria cível, passou a ser avaliada de acordo com os critérios próprios de recorribilidade adoptados pelo Código de Processo Civil. Na realidade, ao estabelecer no n.º 3 do artigo 400.º do Código de Processo Penal que “mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil”, o legislador fez apelo, até por força do estatuído pelo artigo 4.º do CPP, para o regime de admissibilidade dos recursos, interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais das relações, que se mostrava previsto para os processos de natureza exclusivamente civil, maxime, pelo então vigente artigo 721.º do Código de Processo Civil e ora artigo 671.º do NCPC. O n.º 3 apenas reporta a possibilidade de recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil na situação descrita, silenciando sobre o regime da admissibilidade. Como a recorribilidade da matéria cível deixou de estar dependente da própria recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia, o acesso em sede de recurso a este Supremo Tribunal passou a dever obediência ao regime jurídico do recurso de revista previsto no Código de Processo Civil, na medida em que o legislador processual penal, ao introduzir o mencionado n.º 3 no artigo 400.º do Código de Processo Penal, não definiu normas próprias de admissibilidade do recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, o que deve conduzir o julgador, perante esta lacuna a colmatar, a socorrer-se dos pertinentes normativos do processo civil. Por outras palavras. Como a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça da parte da sentença relativa à matéria criminal está essencialmente dependente da medida concreta da pena aplicada ao arguido (cfr., a este propósito, maxime, artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 432.º, n.º 1, ambos do CPP) e como este critério de recorribilidade não demonstra virtualidade de aplicação, por razões óbvias, quanto ao segmento decisório relativo ao pedido de indemnização civil, a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que incida sobre a matéria cível passou a ser regulada, subsidiariamente, pelo regime jurídico vertido no Código de Processo Civil, em face desta apontada lacuna (artigo 4.º do CPP), na medida em que se abandonou, nesta sede, a indexação aos critérios de recorribilidade da matéria criminal. No que diz respeito à admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça das sentenças/acórdãos (ou dos seus segmentos decisórios) que versem matéria cível, procurou-se estabelecer um paralelismo entre a acção cível enxertada em processo penal e aquela que se mostra deduzida, de modo autónomo, em acção exclusivamente civil, de modo a que a diferente forma de dedução da pretensão indemnizatória/compensatória com a formulação do pedido cível (enxertada/hospedada, por adesão, ou autónoma) não venha a ter qualquer influência nas legítimas expectativas dos sujeitos processuais, no que diz respeito às possibilidades de acesso, em sede de recurso, aos tribunais superiores. Neste aspecto a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal. Com a inovação do n.º 3 operou-se uma verdadeira mudança de paradigma, pois o legislador penal quis, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal, que a admissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça das decisões proferidas sobre os pedidos de indemnização cível enxertados em processo penal, deixasse de estar dependente da recorribilidade do segmento decisório relativo à matéria criminal, como até aí sucedia. E se é certo não ter o legislador definido normas próprias de admissibilidade de recurso para a parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, dúvidas não restam impor-se ao julgador, por força do estatuído pelo artigo 4.º do CPP, socorrer-se do regime previsto para os processos de natureza exclusivamente civil.
A título exemplificativo do que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir, de forma quase unânime, sobre esta matéria, pode ver-se o acórdão de 25-01-2012, processo n.º 360/06.0PTSTB.E1.S1-3.ª Secção, donde se extrai: “O recurso, interposto pela demandada cível, e restrito à questão cível, foi deduzido em 24-09-2008. São assim aplicáveis as normas processuais penais relativas ao regime dos recursos na redacção actual, após a revisão de 2007 (Lei 48/2007, de 29-08), e o regime de processo civil com as alterações introduzidas pelo DL 303/2007, de 24-08, na parte em que for chamado a intervir. As normas do processo penal relativas ao regime dos recursos quanto à questão cível deduzida no processo penal constam, com relativa autonomia do recurso da questão penal, nos n.ºs 2 e 3 do art. 400.° do CPP: o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil «só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada», e «mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil». O regime do recurso quanto à questão cível deduzida no processo penal resultante desta dupla proposição visou, directamente, criar novas soluções, fazendo caducar a interpretação constante do AUJ 1/2002, que determinava o alinhamento e a consequente irrecorribilidade da questão cível se fosse irrecorrível a correspondente acção penal. A separação dos regimes de recurso, tornando autónomo o recurso da questão cível, e chamando os pressupostos – valor; alçada; sucumbência – do processo civil, revela que o legislador quis claramente alinhar o regime de recurso da questão cível com o regime do processo civil, estabelecendo que as possibilidades de recurso do pedido de indemnização civil são as mesmas, independentemente da acção civil aderir ao processo penal ou de ser proposta e seguir autonomamente como processo civil. A intervenção dos pressupostos dos recursos em processo civil transporta o regime para área diferente dos pressupostos e do regime dos recursos em processo penal: a alçada, o valor e a sucumbência são noções estranhas ao processo penal e aos pressupostos do respectivo regime de recursos. A referência a tais elementos que conformam verdadeiramente o regime do recurso relativo à questão civil, que não têm qualquer correspondência no processo penal, determina que o recurso sobre a questão civil em processo penal, tendo autonomia, não tenha, em medida relevante, regulação no processo penal, ficando incompleto; a completude tem de ser encontrada, como determina o art. 4.° do CPP, no regime dos recursos em processo civil. Em processo civil, o recurso só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal – art. 678.°, n.° 1, do CPC. Mas, segundo determina o art. 721.º, n.º 3, do CPC, não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1.ª instância. Por esse motivo não é admissível o recurso da demandada cível”. Retira-se do sumário do acórdão de 26-11-2014, proferido no processo n.º 957/96.4JAFAR.E3.S1, desta Secção (versando caso em que não tem lugar a aplicação da dupla conforme, por a acção ter sido instaurada em 2002 – os factos datam de 1996): (…) VI - O caso sub judice é o de um pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime o qual, por força do princípio da adesão imposto pelo art. 71.º do CPP, foi deduzido no processo penal aberto em consequência da prática desse mesmo crime. VII - O pedido da demandante foi deduzido em 04-06-2002 e tem o valor de € 6.000.490,35. O recorrente/demandado, vem condenado a pagar à demandante mais de um milhão e novecentos mil euros, para além de juros e do que vier a ser liquidado quanto às “Situações” A e B. VIII - O n.º 3 do art. 400.º, introduzido pela Lei 48/2007, de 29-08, cortando com o princípio da adesão e com a doutrina do AFJ 1/2002 dele derivada, veio estabelecer que, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença/acórdão relativa à indemnização civil – preceito aqui aplicável, de acordo com a doutrina que emana do AUJ 4/2009, de 18-02-2009, publicado no DR, I Série, de 19-03-2009, por o acórdão recorrido ter sido proferido na vigência daquela reforma. IX - Por força do art. 4.º do CPP, terá de se ter também em linha de conta as normas do CPC que regem sobre a admissibilidade do recurso de revista. Nessa matéria, a legislação processual civil tem sofrido significativas alterações ao longo da vida do processo aqui em apreciação. Actualmente, e desde 01-09-2013, vigora o novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26-06. O Código actual como, de resto, o de 1961, não contém norma de direito transitório geral sobre a aplicação da lei no tempo. X - Todavia, a Lei 41/2013 contém uma norma de direito transitório especial, a do n.º 1 do seu art. 7.º, nos termos da qual «aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente Lei». XI - É essa precisamente a situação sub judice: (a) a Lei 41/2013 entrou em vigor no dia 01-09-2013; (b) o acórdão do Tribunal da Relação de que o demandado/arguido interpôs recurso foi proferido depois dessa data, em 08-04-2014; (c) o pedido civil sobre que recaiu este acórdão foi deduzido antes de 01-01-2008, concretamente, em 04-06-2002, o mesmo é dizer que a presente acção foi instaurada nesta data. XII - A generalidade da doutrina e da jurisprudência do STJ parece interpretar aquela regra de direito transitório no sentido de que, em casos como o dos autos, não tem aplicação o regime da dupla conforme, com o que se concorda, pelo que no caso concreto estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, na parte cível, estabelecidos pelos n.ºs 2 e 3 do art. 400.º do CPP. (…)
Também o Tribunal Constitucional já se pronunciou, julgando não inconstitucional a aplicação subsidiária do Código Processo Civil (artigo 721.º, n.º 3, do CPC) ao pedido de indemnização civil enxertado no processo penal (artigo 400.º, n.º 3, do CPP). Neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 442/2012, de 26 de Setembro, proferido no processo n.º 618/11, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 222, de 16 de Novembro de 2012, que decidiu que a consequência da aplicação subsidiária do n.º 3 do artigo 721.º do CPC resulta na vedação do acesso do recorrente ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto segunda instância de recurso. Como aí se pode ler: “O Tribunal Constitucional tem vindo a apreciar, de modo reiterado e constante, a questão da delimitação da esfera de proteção normativa do direito fundamental de acesso aos tribunais. Precisamente em sede de processo penal, a jurisprudência constitucional tem considerado, de modo unânime, que não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) um direito subjetivo a que determinada questão jurisdicionalmente controvertida goze de um duplo grau de recurso (nesse sentido, entre muitos outros, ver os Acórdãos n.º 338/2005, n.º 2/2006, n.º 575/2006 e n.º 551/2009)”. “Estando em causa, nos presentes autos, um recurso circunscrito a matéria de natureza cível – ainda que enxertado em processo penal –, existem razões acrescidas que justificam que a privação de um duplo grau de recurso não afeta, de modo desproporcionado, o direito de acesso do recorrente aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1, da CRP). O que este último preceito constitucional garante é a possibilidade de ver sindicadas decisões jurisdicionais proferidas por um tribunal de primeira instância. Tal não significa, porém, que essa possibilidade de confronto de uma decisão jurisdicional perante um tribunal superior exija um grau ótimo (ou pleno) de recurso, que apenas cabe ao legislador ordinário decidir se e em que medida é justificado”. Convocando o já decidido nos anteriores acórdãos n.ºs 263/2009, 551/2009, 645/2009, 125/2010, 174/2010, 276/2010, 277/2010, 308/2010, 314/2010, 359/2010, 471/2010 e 215/2011, defende o aludido acórdão não ser de julgar inconstitucional a interpretação normativa extraída da conjugação entre os artigos 400.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e 721.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, no sentido de que o momento determinante para a aferição do direito fundamental ao recurso corresponde à data da prolação de decisão condenatória a quem pretende exercer o referido direito. Daqui se retira que a data da prolação da decisão desfavorável, proferida pelo tribunal de primeira instância, é o momento decisivo de ponderação acerca dos meios de recurso ao dispor do recorrente. O momento relevante para a fixação do direito subjectivo ao recurso corresponde à decisão desfavorável proferida pela primeira instância.
Deste modo, consignado o entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça sobre a aplicação subsidiária das normas do processo civil aos recursos sobre os pedidos cíveis interpostos em processo criminal, importa tomar posição sobre que normativos devem regular o presente caso concreto. No caso presente deve considerar-se que a acção cível de indemnização foi interposta no dia 21 de Abril de 2016, por ser essa a data em que os demandantes enxertaram no presente processo comum singular o pedido de indemnização cível que dirigiram contra a seguradora ora recorrente, como consta do carimbo de entrada do respectivo requerimento a fls. 233. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 22-06-2011, processo n.º 444/06.4TASEI.C1.S1-5.ª Secção, CJSTJ 2011, tomo 2, pág. 193 (deve considerar-se como data do seu início a da apresentação do pedido de indemnização civil); de 15-12-2011, proferido no processo n.º 53/04.2IDAVR.P1.S1-5.ª Secção, no qual se pode ler: “Em regra, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, como estabelece o art. 71.º do CPP, que consagra o denominado processo de adesão. Nestes casos, no mesmo processo em sentido material, coexistem duas acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si. O processo penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura do inquérito. Já o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. O equivalente à petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização. A consideração da data da apresentação do pedido de indemnização civil enxertado no processo penal como o início do processo em matéria cível, em si, não coloca qualquer questão de desigualdade. Está no mesmo plano que a consideração da petição inicial como o início do comum processo civil”; de 15-03-2012, processo n.º 870/07.1GTABF.E1.S1-3.ª Secção; de 27-06-2012, processo n.º 1466/07.3TABRG.G1.S1-3.ª (por nós relatado); de 5-07-2012, processo n.º 696/03.1PAVCD.P1.S1; de 19-09-2012, processo n.º 13/09.7GTPNF.P2.S1-3.ª Secção; de 08-11-2012, processo n.º 6952/07.2TDLSB.P1.S1-5.ª Secção; de 29-11-2012, processo n.º 700/05.9TABRR.L1-A.S1-5.ª Secção; de 14-03-2013, processo n.º 610/04.7TAPVZ.P1.S1-5.ª Secção, (com voto de vencido), in CJSTJ 2013, tomo 1, pág. 212 (O regime de dupla conforme, que entrou em vigor em 1-01-2008, apenas se aplica aos processos iniciados após essa data, considerando-se como tal a data em que foi apresentado o respectivo pedido de indemnização cível); de 06-03-2014, processo n.º 89/01.5IDLSB.L1.S1-5.ª Secção, onde se refere que “Quando o pedido de indemnização civil, que deu origem ao enxerto cível, foi apresentado em data anterior à da entrada em vigor da reforma introduzida pelo DL 303/07, de 24-08, fica afastada a possibilidade de rejeição do recurso cível, com fundamento na existência de dupla conforme”; de 30-10-2014, processo n.º 165/07.0IDBRG.G1.S1-5.ª Secção, onde consta: “Quando o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, há só um processo material, mas existem dois processos em sentido jurídico, isto é, no mesmo processo em sentido material coexistem duas acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si. O processo ou procedimento penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura de inquérito; o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. Toda a actividade processual anterior a esse momento nada tem a ver com a acção cível. O artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, no segmento «acções instauradas antes de 01-01-2008», só pode ter em vista a acção cível, visto a matéria que regula ser privativa desse tipo de acções, nada tendo a ver com a acção penal. O entendimento de que a acção cível enxertada no processo penal se considera instaurada com a dedução do pedido de indemnização civil, não viola o princípio da igualdade”; de 26-11-2014, processo n.º 957/96.4JAFAR.E3.S1-3.ª Secção; de 25-02-2015, processo n.º 1643/09.2TALRS.L1.S1-3.ª Secção; de 12-03-2015, processo n.º 41/08.0TACCH.E1.S1-3.ª Secção (em que interviemos como adjunto); de 28-05-2015, processo n.º 2647/06.2TAGMR.G1.S1-5.ª Secção (é na data da formulação do pedido de indemnização civil que se deve considerar instaurada a acção civil enxertada no processo penal); de 11-06-2015, processo n.º 127/06.5IDBRG.P1.S1-5.ª Secção (a acção civil só se inicia com a formulação do pedido nos termos do artigo 77.º, do CPP, sendo este o momento relevante); de 15-07-2015, processo n.º 1/05.2JFLSB.L1.S1-3.ª Secção (por nós relatado); de 10-12-2015, processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1 (acórdão intercalar por nós relatado); de 16-12-2015, processo n.º 641/11.0JACBR.C1.S1, em caso de dupla conforme in mellius, por nós relatado; de 7-09-2016, processo n.º 256/10.0GARMR.E1S1, em que interviemos como adjunto; de 9-03-2017, processo n.º 582/05.0TASTR.E2.S1, aplicando-se neste o NCPC (por nós relatado); no projecto de acórdão no processo n.º 111/02.8TAALQ.L1.S1, apresentado em 11 de Outubro de 2017, volvido em voto de vencido apresentado na sessão de 11 de Janeiro de 2018 e no referido acórdão de 24-01-2018, por nós relatado no processo n.º 5007/14.8TDLSB.L1.S1. Extrai-se do acórdão de 3 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 17112/01.6TDLSB.L2.S1, da 5.ª Secção: Como se disse no acórdão de 08-03-2012, por nós relatado no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1, “A confirmação pela Relação do primeiro julgado terá de ser unânime e irrestrita - o conhecimento e decisão do(s) pedido(s) tem de ser perfeitamente coincidente (sobreponível), não havendo dupla conforme se ocorreram diferentes decisões quanto a alguns pedidos, já que o aresto recorrido tem de ser apreciado no seu todo decisório final e não visto parcelarmente. Só se a sobreposição integral do julgado – independentemente da diversa motivação – se verificar, é que não pode lançar-se mão da revista-regra, antes tendo de fazer-se apelo à revista excepcional. Mas se a confirmação não for integral e irrestrita, haverá revista normal, uma vez que perfilados os respectivos pressupostos, importando, então, entre outros, a sucumbência, como condição subjectiva de recorribilidade. No nosso caso, a Relação de Évora alterou, ainda que apenas parcialmente, o julgado na 1.ª instância, e não a confirmando em termos irrestritos, inexiste dupla conformidade. Assim sendo, conhecer-se-á do recurso da demandada em toda a sua amplitude e consequentemente ao subordinado apresentado pela demandante”. [Como referimos no acórdão de 24 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1 “A causa de pedir nas acções de indemnização por responsabilidade emergente de acidente de viação é o complexo constituído pelo dano e pelos factos constitutivos da responsabilidade, sejam a culpa do responsável ou a criação do risco.
Questão I – Valor da indemnização por danos patrimoniais futuros – Dano de perda de alimentos devidos a cônjuge sobrevivente de casamento dissolvido por morte de um dos seus membros e ao filho menor de ambos – Cálculo da indemnização – Montante indemnizatório – Redução?
Ultrapassada que está, em definitivo, a questão da culpa na produção do acidente que vitimou o marido da primeira demandante civil e pai do filho de ambos, atribuída que foi pelas instâncias, sem divergência das partes, a culpa exclusiva (negligente) do arguido condutor do veículo automóvel seguro na demandada civil, importa, em face das conclusões das alegações de recurso – delimitadoras do objecto do recurso, salvo questão de conhecimento oficioso –, decidir qual a quantificação do dano patrimonial futuro dos demandantes civis ora recorridos, na vertente da privação de alimentos. No caso presente não há qualquer dúvida acerca da verificação e da ressarcibilidade do dano em apreço, aspectos não questionados pela demandada seguradora, vindo apenas impugnados os montantes atribuídos; a questão objecto de recurso está apenas na determinação dos montantes devidos aos demandantes decorrentes do decesso de seu marido e pai, a título de indemnização por danos patrimoniais, na vertente referida. Com efeito, como resulta da leitura das conclusões apresentadas, a recorrente nas instâncias, e de novo no presente recurso, insurge-se basicamente contra os critérios que presidiram à fixação da indemnização do dano de perda de alimentos atribuída a ambos os demandantes civis, entendendo excessivas as verbas arbitradas, pugnando pela sua redução. Aqui chegados cumpre, numa primeira abordagem, qualificar o tipo de dano patrimonial que vem invocado pelos demandantes civis, cuja quantificação é agora questionada pela Companhia de Seguros, ora recorrente. Da perda de alimentos v.s. lucros cessantes
Desde logo, importa distinguir se está em causa a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, unicamente na perspectiva de perda de alimentos, ou diversamente, na perspectiva de lucros cessantes, pois em ambos os casos estamos perante a dedução de pedido de indemnização por danos patrimoniais, futuros, previsíveis, com fundamento em dois direitos de indemnização emergentes de danos patrimoniais, autónomos, que embora com zonas de sobreposição, se não confundem, com extensão ressarcitória diversa e não cumuláveis. No caso concreto, na sentença de 1.ª instância, foi a demandada/recorrente condenada a pagar aos demandantes, pelo dano patrimonial futuro, pela privação de alimentos que podiam receber da vítima, indemnização no valor total de €75.300,00, sendo €45.000,00 ao demandante CC e €30.300,00 à demandante BB. O Tribunal da Relação de Guimarães, na procedência parcial do recurso dos demandantes, decidiu, no que ora releva, elevar para € 57.000,00 (cinquenta e sete mil euros) e para € 176,000,00 (cento e setenta e seis mil euros), a indemnização a arbitrar, respetivamente, ao demandante CC e à demandante BB, por danos patrimoniais futuros. Apreciando a pretensão deduzida em concreto pelos demandantes, verifica-se que, no contexto do pedido de indemnização formulado por adesão no processo, em 21 de Abril de 2016, e constante de fls. 233 a 238, sob o item “Dos danos patrimoniais futuros”, os demandantes alegaram, no que ora releva, nos artigos 34.º a 41.º, factos tendentes a fundamentar o pedido que formulam nesse segmento, enunciando nos artigos 42.º a 44.º fatores a considerar no cálculo da indemnização e concluíram no artigo 45.º nos seguintes termos: “Desta forma, os Demandantes, a título de Danos Patrimoniais Futuros, reclamam a quantia de 368.982,00 Euros”. Sendo que, sob o item “Do direito”, nos artigos 66.º a 69.º, os demandantes referiram-se expressamente no primeiro “ao direito a alimentos”, citaram jurisprudência e as normas fundamentadoras da atribuição de indemnização pela privação do direito a alimentos prestados pela vítima (artigos 495.º, n.º 3 e 2009.º do Código Civil) e terminaram, na formulação do pedido, pugnando para que a demandada seja condenada a pagar-lhes “A quantia de 368.982,00 Euros, referentes a danos patrimoniais futuros, pelo direito a alimentos”. – (fls. 237 e verso). Face ao objecto do pedido de indemnização civil formulado e causa de pedir invocada pelos demandantes, aos limites da condenação previstos no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, bem como, aos termos em que o presente recurso se encontra formulado [a recorrente refere-se a prestação alimentar, direito a alimentos, frustração de alimentos e perda de alimentos nas conclusões I, III, IV, V, VIII, XVI, XXI, XXII, XXVI e XXIX], forçoso é considerar que em causa no presente recurso está assim apenas e tão só a fixação dos montantes indemnizatórios pelo dano patrimonial futuro, previsto no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes próprios da vítima que se tenham transmitido por via hereditária para os respectivos herdeiros.
Do dano patrimonial futuro de perda de alimentos Como resulta da leitura das conclusões de recurso, diverge a demandada Companhia de Seguros dos critérios seguidos no acórdão recorrido para a determinação do quantum indemnizatório devido a título de alimentos.
Em causa está o dispositivo do artigo 495.º do Código Civil, que sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, estabelece no seu n.º 3 que: “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
Comentando este preceito, Manuel de Oliveira Matos, Código de Estrada Anotado, Almedina, 3.ª edição actualizada e ampliada, Coimbra, 1979, a págs. 354, dizia: “Prevê-se neste artigo, especialmente, a indemnização devida a terceiros. O terceiro deve ser pessoa diferente do responsável pelo acidente, sofrendo, reflexamente, um dano real ou virtual (alimentar) ou cooperando na salvação ou tratamento do lesado”. Nesta abordagem, seguir-se-á de perto o que foi exposto no acórdão de 8 de Março de 2012, por nós relatado no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1, em caso de pedidos de indemnização por danos patrimoniais futuros, na vertente de perda de alimentos e danos não patrimoniais, por dissolução de união de facto por morte de um dos membros: «A necessidade de prestação de alimentos – encarada esta como dano patrimonial futuro, previsível – surge, porque cessa a prestação realizada/efectivada por quem a cumpria/efectuava, e que em princípio, continuaria a ser exigível, ou simplesmente prestada, caso o lesado falecido pelo facto ilícito fosse vivo. Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, delitual, ou aquiliana, como é o caso presente, a regra geral é a de que a indemnização pelos danos causados cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal destinada a protegê-lo, não o terceiro, que só reflexamente ou indirectamente, seja prejudicado - artigo 483.º do Código Civil. Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso. O terceiro, que só reflexa, ou indirectamente, seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização. Excepcionalmente, o direito a indemnização, jure proprio, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também, no caso de lesão corporal, ou no caso de morte da vítima, apenas, a terceiros, sendo o artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, regulando a “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, e o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, justamente, esses casos excepcionais. Como refere Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª edição (revista e actualizada até 31-03-2008), a págs. 607/8, “A titularidade do direito à reparação cabe, em princípio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito ou interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou”, admitindo-se nalgumas situações excepcionais que outras pessoas, além do ofendido, tenham direito a exigir indemnização, ou que esta se alargue a terceiros só mediata ou reflexamente prejudicados. O art. 495.º disciplina a reparação a terceiros em caso de morte da vítima ou de simples lesão corporal, indicando o n.º 3 como terceiros com direito a indemnização os que legalmente lhe podiam exigir alimentos ou aqueles a quem a vítima os prestava em cumprimento de obrigação natural”. Em causa o dispositivo do artigo 495.º do Código Civil (são deste Código os preceitos infra indicados, sem qualquer outra menção), que sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, estabelece: 1 – No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral. 2 – Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima. 3 – Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”.
O n.º 3 do preceito define em caso de morte da vítima (ou de lesão corporal) o direito a indemnização de danos patrimoniais futuros, jure proprio, por perda de alimentos, estando em causa o ressarcimento pelos danos patrimoniais futuros e previsíveis, decorrentes da privação de alimentos, cuja prestação incumbia à vítima, ao lesado directo da lesão corporal. O lesante fica constituído na obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta de contribuição por parte da pessoa lesada. O artigo 402.º que estabelece que “A obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça”, consagra a obrigação natural como uma figura de carácter geral, estendendo o seu domínio a todos os deveres de ordem moral e social, cujo cumprimento não seja judicialmente exigível, mas corresponda a um dever de justiça. Segundo Antunes Varela, Das obrigações em geral, 3.ª edição, 1980, págs. 597/8 (e 10.ª edição, 2000, págs. 724 a 727), para que haja uma obrigação natural, é necessário que exista, como fundamento da prestação, um dever moral ou social específico entre pessoas determinadas, cujo cumprimento seja imposto pelos ditames da justiça. Um dos casos típicos a que o conceito legal se aplica é o da prestação de alimentos (art. 495.º, n.º 3) – efectuada a favor de certas pessoas que não tenham o direito de exigi-los, sendo abrangidos pela previsão legal os parentes próximos (não compreendidos no art. 2009.º) que tenham vivido com o lesado ou que este tenha auxiliado, a mulher com quem ele tenha vivido maritalmente, o criado que envelheceu ou se inutilizou ao serviço do patrão, etc. Finaliza considerando que “haverá obrigação natural na prestação de alimentos quando os laços de sangue, as relações de convívio ou os serviços prestados ao lesado imponham como um dever de justiça o encargo de sustentação, habitação e vestuário da pessoa a quem são facultados”. Ainda segundo Antunes Varela, Direito da Família, volume I, 5.ª edição, Fevereiro de 1999, Livraria Petrony, págs. 27 (nota 3), 29 (nota 2) e 32, o n.º 3 do artigo 495.º compreende entre as pessoas a quem alguém prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural, a pessoa que com outrem vive em união de facto, esclarecendo que esse direito não nasce da herança do lesado, mas sim do dever imposto por lei ao lesante, à margem dos direitos sucessórios. (sublinhados nossos). Versando as obrigações naturais, diz Almeida Costa, ibidem, pág. 179, que “É no art. 495.º, n.º 3, que se pressupõe uma obrigação natural de alimentos, a propósito da lesão ilícita de que resulte a morte ou a incapacidade do respectivo devedor. Constituem exemplos: as prestações com esse carácter feitas a familiares próximos que não tenham direito de exigi-las, ou pelo patrão ao empregado que se inutiliza ou envelhece ao seu serviço. O dever moral ou social e de justiça alicerça-se, então, em relações de sangue, de convivência ou de serviços, evidentemente, fora do âmbito do art. 2009.º, onde se referem verdadeiras obrigações civis de alimentos”. A págs. 187, nota 1, refere que no caso se verifica, por força da lei, a conversão de uma obrigação natural em obrigação civil periódica ou não (art. 567.º).
A “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-04-1974, proferido no processo n.º 65.078 e publicado no BMJ n.º 236, pág. 138, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108.º (1975/1976), n.º 3.549, págs. 183 e seguintes, visa a reparação de um dano patrimonial directo, futuro, provocado a terceiro, mas com carácter restritivo. Como acentuava Vaz Serra na citada Revista, pág. 185, “o n.º 3 do artigo 495.º não significa que tenham direito a indemnização de quaisquer danos patrimoniais aqueles que tinham direito a alimentos contra o lesado, mas só que estes têm direito de indemnização do dano da perda de alimentos”. Adverte o Autor que não pode entender-se que a disposição legal concede às pessoas que podiam exigir alimentos ao lesado o direito de indemnização de todos e quaisquer danos patrimoniais que lhes hajam sido causados; concede-lhes apenas o direito de indemnização do dano da perda dos alimentos (que o lesado, se fosse vivo, teria de prestar-lhes). Esclarece quanto à extensão da reparação que “o montante da indemnização não pode exceder a medida dos alimentos que o lesado teria sido obrigado a prestar, se fosse vivo, pelo que também no seu cálculo deve atender-se à duração provável que a vida deste teria tido”. (No sentido desta restrição podem ver-se os acórdãos do STJ de 13-02-1991, in AJ 15.º/16.º-6, de 09-05-1991, BMJ n.º 407, pág. 141 e de 03-04-2008, Revista n.º 262/08). Antunes Varela, Das obrigações em geral, edição de 1980, a págs. 517 (e na 10.ª edição (2000), a págs. 622), versando sobre a titularidade do direito à indemnização, diz: “Quanto aos danos patrimoniais, a lei manda indemnizar, tanto no caso de morte como no de lesão, o prejuízo sofrido por aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado (o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmãos e sobrinhos: cfr. art. 2009.º) ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”. Segue-se nota de rodapé - n.º 2 (versão de 1980) e n.º 3 (versão de 2000) -, em que se clarifica que “os sucessores do lesado terão direito ainda à indemnização correspondente aos danos patrimoniais que o próprio lesado tenha sofrido, a qual se transmite com a herança”. Prossegue o Professor, a págs. 517, do I volume, da 3.ª edição, e na 10.ª edição (2000), a págs. 623: “Há na concessão deste direito de indemnização uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante. Com efeito, a obrigação alimentar, quer fundada na lei, quer baseada em qualquer dos deveres de justiça em que assenta a naturalis obligatio, constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática do facto ilícito”. À pergunta sobre se têm direito a indemnização por danos patrimoniais apenas as pessoas que, no momento da lesão, podiam exigir já alimentos ao lesado, ou também aquelas que só mais tarde viriam a ter esse direito, se o lesado fosse vivo, responde Antunes Varela, na citada obra, na versão de 1980, a págs. 518/9, e na de 2000, a págs. 623/4, no sentido afirmativo, afirmando que “o espírito da lei abrange manifestamente também estas últimas pessoas”. (Neste ponto, citado por Almeida Costa, obra citada, pág. 608, nota 4). Acrescenta que “Se a necessidade de alimentos, embora futura, for previsível, (porque cessa, por ex., a pensão a que a pessoa tinha direito), nenhuma razão há para que o tribunal não aplique a doutrina geral do n.º 2 do artigo 564.º. Mas ainda que a necessidade futura não seja previsível, nenhuma razão há para isentar o lesante da obrigação de indemnizar a pessoa carecida de alimentos do prejuízo que para ela advém da falta da pessoa lesada, contanto que não haja prescrição nos termos gerais da parte final do n.º 1 do artigo 498.º”. E conclui, a págs. 519, quanto à extensão da reparação: “Como é por este prejuízo que a indemnização se mede, o lesante não poderá ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração) àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo”. (No mesmo sentido Vaz Serra, em anotação ao acórdão do STJ de 12-02-1971, in RLJ, ano 105.º, pág. 47, citado de seguida). E na versão de 2000, a pág. 647, diz Antunes Varela: “Medindo-se a indemnização pelo prejuízo que para a pessoa carecida de alimentos advém da falta da pessoa lesada, o lesante não poderá ser condenado em prestação superior (seja no montante, seja na própria duração), àquela que provavelmente o lesado suportaria, se fosse vivo”. Para o Professor Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-02-1971 (BMJ n.º 204, pág. 149), publicada na RLJ, ano 105.º (1972/3), n.º 3.468, págs. 37 e seguintes, “a indemnização tem por objecto o que o lesado imediato teria sido obrigado a prestar durante a presumível duração da sua vida”. Sobre necessidades futuras ou danos potenciais, a págs. 45, esclarece: “o artigo 495.º, n.º 3, dizendo «os que podiam exigir alimentos ao lesado», não parece dever ser entendido como referindo-se só aos que, na situação actual, podiam exigir alimentos, mas também aos que, em virtude de uma relação existente, poderiam legalmente vir a exigir alimentos”. E a págs. 47, defende ser razoável que não deva ser atendido, para o efeito do artigo 495.º, n.º 3, somente o caso de o alimentando ter já direito a alimentos, mas ainda o do poder vir a tê-lo, porque, a não ser assim, ficaria sem indemnização aquele que, não carecendo de alimentos na data do facto, fosse privado do direito de posteriormente os exigir (por então vir a carecer deles) em consequência de não existir já a pessoa obrigada a prestá-los”. O Autor volta ao tema na anotação inserta na citada Revista de Legislação de Jurisprudência, ano 108.º (1975/1976), mais concretamente, no ponto 4, pág. 185. Como refere Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Livraria Almedina, Coimbra 1980, 2.ª edição, pág. 260, fundamentalmente, na previsão deste artigo está o propósito de fazer a cobertura de alguns dos reflexos do facto danoso, para os quais não bastariam as regras gerais, atribuindo-se legitimidade a terceiros para reclamar, por direito próprio, contra o responsável, indemnização pelo prejuízo a que o dano da vítima tenha dado causa, conferindo-se direito a indemnização àqueles que forem afectados no seu direito a alimentos e àqueles a quem a vítima os prestava na sequência de uma obrigação natural (pág. 262).».
Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora, Limitada, 1967, pág. 340, em anotação ao artigo 495.º referem: “A doutrina deste artigo resulta já, virtualmente, da regra geral do n.º 1 do artigo 483.º, assim como da do n.º 1 do artigo 564.º. Poderiam, porém, sem ele, suscitar-se algumas dúvidas quanto, especialmente, aos danos causados não à vítima, mas a terceiro, ou seja, quanto aos danos referidos nos seus n.ºs 2 e 3. Neste último número está prevista a obrigação alimentar. Em princípio, a obrigação alimentar em relação a terceiro só será afectada em caso de morte. Mas bem pode acontecer que, em consequência da lesão, fique a vítima impossibilitada de angariar os meios indispensáveis ao cumprimento do encargo legal ou natural dos alimentos. Ora, esta hipótese está igualmente prevista. A indemnização refere-se, nestes casos, ao dano da privação de alimentos, na medida em que ela resulte da lesão sofrida, e poderá ser pedida, não só pelo alimentado, como pelo onerado com o dever de alimentos após a morte da vítima”.
Continuando a seguir o acórdão de 8 de Março de 2012 e tendo em conta a causa petendi então invocada.
«Trata-se de danos patrimoniais, porque têm a ver com a subsistência económica-financeira dos familiares sobrevivos do falecido, dele dependentes, como o cônjuge, ou companheiro/a, e aqui, indiferentemente da existência de filhos, de uns ou outros, e necessariamente futuros, porque projectados para além da morte de quem os prestava, no âmbito de uma relação familiar, ou de união de facto, seja ao cônjuge, ou ao (à) companheiro/a, ou aos filhos. São contemplados por esta indemnização os terceiros beneficiários de prestações alimentícias efectuadas pela vítima, lesado directo do facto ilícito, no cumprimento de uma obrigação legal ou natural. São indemnizáveis, nos termos deste preceito, tanto no caso de morte, como no de mera lesão corporal, os prejuízos sofridos por aqueles que poderiam exigir alimentos ao lesado imediato - o cônjuge, os seus descendentes, ascendentes, irmão e sobrinhos (artigo 2009.º) - ou por aqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural, impondo-se aqui mais uma excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação atribuída ao lesante. Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente estradal está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais futuros resultantes da perda de salários, emergentes da perda de capacidade aquisitiva do lesado directo, imediato, e o autónomo, embora com a mesma génese no plano de insuficiência de satisfação de necessidades alimentares, dano da perda de alimentos. Em causa no caso sujeito está apenas a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos, e não de lucros cessantes, para cuja configuração, aliás, importa, à partida, tanto num caso como no outro, a consideração do salário percebido pelo falecido, cuja fixação foi impugnada pela recorrente ainda neste recurso. (…) Face à alegação/convocação do direito aplicável assim engendrada, teríamos supostamente à partida, a invocação de dois créditos de indemnização, estando-se perante a dedução de pedido de indemnização por danos patrimoniais, futuros, previsíveis, com fundamento em dois direitos de indemnização de danos patrimoniais, que embora com zonas de sobreposição, se não confundem, sendo autónomos, com fontes de obrigação, titularidade e extensão ressarcitória diversa. No caso de indemnização por perda de alimentos, estamos em presença de indemnização pelo dano resultante da frustração do percebimento de alimentos, pelos prejuízos advenientes da privação de alimentos, da cessação da prestação alimentar a que o falecido, por força de obrigação legal, ou no cumprimento de uma obrigação natural, estava vinculado, tratando-se de um direito de que são titulares por direito próprio as pessoas destacadas no artigo 495.º, n.º 3. No outro caso, está-se perante um direito a indemnização por danos patrimoniais futuros, a título de lucros cessantes, próprio da vítima, a que podem aceder os respectivos herdeiros, traduzido na compensação da perda absoluta/definitiva da capacidade aquisitiva de ganho da vítima, da privação total de rendimentos de trabalho, resultantes da morte do lesado imediato. A indemnização em causa assenta no próprio facto da perda absoluta e definitiva de rendimentos de trabalho, que seriam realizados pelo prestador falecido, não fosse o seu decesso. Esta diferença é assinalada por Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 3.ª edição, Almedina, 1980, pág. 517, nota 2 (e na nota 3 na edição de 2000), ao referir - e repete-se - que, para além do direito próprio a alimentos, “Os sucessores do lesado terão direito ainda à indemnização correspondente aos danos patrimoniais que o próprio lesado teria sofrido a qual se transmite com a herança”. (Sublinhados nossos). Ainda segundo Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, a págs. 167: “Há um direito próprio conferido a certas pessoas, o qual se rege pelos princípios gerais da responsabilidade civil extracontratual; mas no caso de morte de lesado, funcionam as regras da sucessão: a indemnização pelo dano patrimonial de que o de cujus era titular transmite-se com a herança. [Nota 1 - A palavra transmissão dir-se-á utilizada em sentido impróprio. Ao Prof. Pires de Lima afigura-se mais correcto falar numa substituição do de cujus na titularidade dos seus direitos e obrigações (cfr. Bol. n.º 133, p. 66)]. No sentido de que no caso de indemnização por lucros cessantes estamos perante um direito de indemnização adquirido por via sucessória, podem ver-se os acórdãos de 18-12-2003, Revista n.º 4120/03 - 7.ª Secção (Os sucessores da vítima de lesão mortal têm direito, por via sucessória, nos termos do artigo 2024.º do CC, à indemnização por danos patrimoniais futuros por ela sofridos relativos à perda de rendimento de trabalho); de 02-03-2004, Revista n.º 24/04-6.ª Secção; de 05-05-2005, Revista n.º 521/05-7.ª Secção (a própria vítima, falecida posteriormente à lesão que a vitimou, integrou na sua esfera jurídica o direito a indemnização por danos futuros derivados da perda de rendimentos de trabalho que, por direito sucessório, se transmitiu aos respectivos sucessores, designadamente os pais - artigo 2024.º do Código Civil); de 06-05-2008, revista n.º 851/08-6.ª Secção. Tendo por pano de fundo a justificação das diferenças de montantes indemnizatórios resultantes de indemnização por lucros cessantes e o problema da pensão alimentícia dos filhos da vítima ou da viúva, aludindo a manifesta confusão de realidades, Dario Martins de Almeida, no citado Manual, a pág. 118, afirmava: “Simplesmente, a pensão alimentícia a que a vítima estaria adstrita por lei, tendo embora os seus limites no rendimento frustrado pela morte e a sua medida orientada segundo o artigo 2004.º do Código Civil, não pode acorrentar-se nem confundir-se com a problemática do lucro cessante. Este tem o seu destino dentro das regras gerais da sucessão; faz parte do património que constitui a herança deixada pela vítima. Quanto aos alimentos e à indemnização correspondente à sua perda, rege o artigo 495.º, n.º 3 do Código Civil”. E adianta: “Temos, porém, de convir que esta indemnização por alimentos frustrados está condicionada pelos limites da capacidade de rendimento da vítima. De outro modo, cairíamos numa indemnização global que ultrapassaria o próprio montante dos danos”. E acrescenta, a págs. 119/120, que sendo as pessoas com direito a alimentos, em regra, os próprios herdeiros da vítima e o próprio cônjuge desta, não pode a indemnização por alimentos ir ao ponto de se cumular com a herança, na qual se integra já o quantitativo indemnizatório correspondente aos lucros cessantes, e por outro lado, tratando-se de uma indemnização por privação de alimentos, não perde a natureza de prestação alimentícia, sendo impenhorável (artigo 1008.º, n.º 2 do CC). No primeiro caso – indemnização por perda de alimentos – titular do direito é um terceiro, lesado indirecto, mas com direito próprio; no segundo – lucros cessantes – correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho, e para terceiro, na funesta hipótese de o lesado falecer, sendo a aquisição por via sucessória. A destrinça de indemnização por perda de alimentos e por lucros cessantes está presente em alguns acórdãos deste Supremo Tribunal. Assim, para além do citado acórdão de 05-05-2005, revista n.º 521/05-7.ª Secção, pode ver-se o acórdão de 22-06-2005, proferido na revista n.º 1625/05, da 1.ª Secção, onde se afirma: “O direito a indemnização fundado no disposto no artigo 495.º, n.º 3, do CC, de que são titulares as pessoas que podiam exigir alimentos ao falecido, não corresponde a qualquer direito próprio da vítima que se transmita por via sucessória aos seus herdeiros, pelo que na determinação do quantum indemnizatório não podem ser seguidos os mesmos critérios que se utilizam para o cálculo da indemnização do lesado pela perda da sua capacidade de ganho”. No mesmo sentido de não se confundir direito a indemnização por perda de alimentos com lucros cessantes, pronunciou-se o acórdão de 27-05-2008, revista n.º 1264/08 - 7.ª Secção, onde se consigna que “Terceiros, para efeitos do disposto no art. 495.º, n.º 3, do CC, são o cônjuge e os filhos da vítima, decorrendo o seu direito a indemnização apenas da titularidade do direito a exigir alimentos daquela. Este direito não se confunde com aqueloutro dos mesmos sujeitos baseado na perda de rendimentos de trabalho da vítima, que os beneficiaria não fosse o decesso desta”. Como se colhe do acórdão de 17-10-2000, revista n.º 2152/00-6.ª Secção, in Sumários de Acórdãos Cíveis STJ, Edição Anual - 2000, pág. 283, “A contribuição alimentícia da vítima para com as exequentes, suas filhas, enquanto menores, não pode confundir-se com a problemática do lucro cessante».
Continuando a citar o mencionado acórdão de 8 de Março de 2012, por nós relatado no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1. «No caso presente, a demandante não teria qualquer legitimidade para peticionar indemnização por lucros cessantes, por não ser herdeira do falecido companheiro, que não é assim um “de cujus sucessionis agitur”. O membro sobrevivo de união de facto não é herdeiro do(a) companheiro(a) falecido(a), pois na ordem jurídica portuguesa são inexistentes os direitos sucessórios no âmbito das uniões de facto. A união de facto não tem efeitos sucessórios (Pereira Coelho, in RLJ ano 120, pág. 82). A própria extensão da medida indemnizatória no caso de alimentos está condicionada à natureza da prestação alimentar, como vimos supra. (Antunes Varela, Das obrigações, pág. 647 e Vaz Serra, RLJ 108.º, pág. 185 e 105.º, pág. 47). Como se refere no acórdão de 26-10-2004, Revista n.º 2619/04-6.ª Secção, citado noutro lugar, seguindo os ensinamentos de Varela e Vaz Serra supra expostos, o prejuízo a indemnizar no âmbito da norma é somente o da perda de alimentos decorrentes da falta da vítima, não podendo o lesante ser condenado em prestação superior (quer no valor, quer na duração) à que o lesado suportaria se fosse vivo. “Como resulta do próprio texto da lei, se por um lado a titularidade do direito de indemnização em causa é atribuída a quem seja simultaneamente sujeito activo do direito legal de alimentos, por outro lado a particular configuração deste último direito na situação sub judicio há-de influenciar directamente, determinando-a, a medida, a extensão concreta da pretensão indemnizatória. Com efeito, o art. 562.º diz que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação; e o art. 564.º, n.º 2, por seu turno, manda o tribunal atenda aos danos futuros, desde que previsíveis”. Resulta daqui que aqueles que tinham direito de alimentos contra o lesado ou que dele o recebiam, não têm direito a indemnização por quaisquer danos patrimoniais, mas apenas e tão só direito de indemnização do dano da perda de alimentos. A indemnização mede-se em função do concreto prejuízo que para a pessoa carecida de alimentos advém da falta da pessoa lesada, prestador dos alimentos, não devendo ultrapassar a medida que o prestador suportaria se fosse vivo, o que releva nas hipóteses de alimentos a filhos menores, tendo em conta a cláusula de exigibilidade prevista no artigo 1880.º, restringindo-se a indemnização apenas até aos 26-27 anos. A determinação da capacidade de ganho do lesado directo – na hipótese que ora nos interessa, lesado falecido – é de ter em conta, quer no terreno do dano patrimonial futuro, na perspectiva de perda de alimentos por parte do respectivo titular, terceiro, para efeitos do artigo 495.º, n.º 3, quer para a determinação da indemnização do dano patrimonial futuro por lucro cessante, agora, já não em sede de exercício de direito jure proprio, mas na perspectiva do sucessor do falecido. Tratando-se de indemnização de dano por perda de alimentos, necessariamente futuros, há que atender à existência de duas correntes da jurisprudência deste Supremo Tribunal, acerca da exigibilidade ou não da alegação e demonstração da efectiva carência de alimentos, para efeitos de atribuição do direito de indemnização às pessoas referidas no artigo 495.º, n.º 3, situação que não pode ser desligada da problemática, que, a propósito de ónus de alegação, se suscita no plano da perda de ganho, em sede de danos futuros resultantes de incapacidade permanente parcial. (No sentido de que neste específico plano basta a alegação dessa incapacidade, para poder ser atribuída uma indemnização, podem ver-se entre muitíssimos outros, os acórdãos do STJ, de 05-02-1987, BMJ n.º 364, pág. 819; de 07-10-1997, revista n.º 513/97, BMJ n.º 470, pág. 569; de 11-02-1999, revista n.º 1099/98-2.ª e de 24-02-1999, revista n.º 5/99-2.ª, BMJ n.º 484, págs. 352 e 359; de 22-09-2001, revista n.º 1979/01-7.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08-2.ª).».
No caso então em apreciação no acórdão relatado em 8 de Março de 2012, a questão não era, de todo, despicienda, pois que no caso – como de resto, também agora –, a recorrente seguradora invocara na motivação do recurso e nas conclusões 15.ª, 16.ª e 21.ª, a não observância do ónus sobre a verificação do facto constitutivo de tal direito que, em seu entendimento, caberia à demandante, invocando mesmo a violação do artigo 342.º, n.º 1, na parte final da dedução da pretensão recursiva.
Prosseguindo com a citação do acórdão de 8-03-2012, por nós relatado no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1. «No que ora nos interessa, no plano do direito a indemnização por perda de alimentos, o acórdão do STJ de 15-06-99, revista n.º 474/99, da 1.ª secção (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição anual, 1999, pág. 217), considerou que o preceituado no art. 495.º, n.º 3, do CC, não pode interpretar-se no sentido de que aí se concede às pessoas que podiam exigir alimentos da vítima mortal do sinistro o direito de indemnização por hipotéticos, eventuais e ainda não previsíveis danos patrimoniais que lhes poderiam vir a ser causados em momento futuro e incerto, sendo necessário fazer-se a prova, além do mais, da previsibilidade da necessidade futura de alimentos. O acórdão do STJ, de 03 de Maio de 2000, revista n.º 334/00, da 6.ª Secção, in CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 48 (e SASTJ 2000, pág. 161), considerou que a mera demonstração de que a autora vivia maritalmente, não se sabendo desde quando, com a vítima mortal de um acidente de viação, na companhia da filha de ambos e na total dependência económica do falecido, não permite concluir que este lhe prestava alimentos no cumprimento de uma obrigação natural. De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-06-2001, proferido na revista n.º 634/01-2.ª Secção (Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição anual, 2001, pág. 217), partindo do carácter excepcional da norma do n.º 3 do artigo 495.º, por isso, em princípio, insusceptível de aplicação analógica, defende-se que não basta a simples invocação da qualidade ou status de cônjuge sobrevivo para, de pronto e de modo automático, ser atribuída ao invocante uma indemnização a esse título: esta só pode ser exigida por danos efectivos - que não pelos meramente potenciais - da cessação da prestação de alimentos. No mesmo sentido se pronunciara anteriormente o mesmo Relator, no acórdão de 16-03-1999, proferido na revista n.º 22/99-2.ª Secção, publicado in BMJ n.º 485, pág. 386 e Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição Anual, 1999, pág. 118, onde se afirma que “o n.º 3 do art. 495.º, do CC, pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão, in abstracto exigir indemnização pelos danos efectivos – que não pelos meramente potenciais – da cessação da prestação de alimentos”; e ainda os acórdãos de 24-01-2002, revista n.º 3951/01-6.ª (SACSTJ - Edição Anual 2002, pág. 18); de 28-05-2002, revista n.º 741/02-2.ª (SACSTJ 2002, pág. 193 - o direito previsto no n.º 3 do art. 495.º CC depende da necessidade concreta de alimentos de quem os podia exigir da vítima); de 04-04-2006, proferido na revista n.º 523/06-6.ª; o de 14-12-2006, proferido na revista n.º 3737/06-6.ª; de 21-05-2009, revista n.º 213/09.0YFLSB, da 7.ª Secção, de 15-06-2009, revista n.º 474/99-1.ª Secção, e o de 14-07-2009, proferido na revista n.º 1541/06.1TBSTS.S1, da 1.ª Secção, onde se consigna: «Tratando-se de alimentos, há que alegar e provar a necessidade dos alimentados e a indispensabilidade do “quantum” prestado», precisando ainda o aresto que “o disposto no n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil pressupõe a demonstração da natureza alimentícia do que era prestado». Em sentido contrário, isto é, no sentido de que para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos, ou por outras palavras, ser dispensável a prova da necessidade de alimentos, pronunciaram-se os acórdãos de 20-10-1971, BMJ n.º 210, pág. 68 (nos termos do n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, para ter direito à indemnização basta ter a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos); seguindo e citando este, o acórdão de 16-04-1974, processo n.º 65078, publicado no BMJ n.º 236, pág. 138, sobre que incidiu a anotação de Vaz Serra na RLJ, ano 108.º, págs. 183 e seguintes; de 14-10-1997, revista n.º 225/97-2.ª, in CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 61; de 24-09-1998, processo n.º 663/98-3.ª Secção, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 177 (O n.º 3 do art. 495.º do CC confere o direito de indemnização às pessoas a quem o lesado directo prestava ou podia ser obrigado a prestar alimentos. Assim, para que alguém tenha direito a uma indemnização pela morte de um descendente não é necessário que já esteja a receber da vítima uma prestação alimentícia, por carência efectiva de alimentos; basta que tenha a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos. As formas de auxílio que a vítima prestava à mãe, no exercício do seu negócio ambulante, nomeadamente de a transportar às feiras, traduzem-se numa efectiva prestação de alimentos em espécie, no cumprimento de uma obrigação natural (art. 495.º. n.º 3 CC), e têm o seu valor material, uma vez que a sua falta vai obrigar a demandante a fazer despesas necessárias a compensá-los.); de 03-05-2000, revista n.º 308/00-6.ª Secção – SACSTJ, Edição Anual 2000, pág. 153 (o cônjuge da vítima mortal de acidente de viação tem direito a indemnização, por perda dos alimentos previstos no artigo 1675.º, n.º 1, do CC, não tendo para tanto que demonstrar que estava dependente economicamente do falecido); de 22-05-2001, revista n.º 25/01-6.ª Secção (SACSTJ, 2001, pág. 166); de 27-09-2001, revista n.º 2427/01-6.ª Secção; de 08-07-2003, revista n.º 1360/03-1.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 141 (para exercitar o direito de indemnização a alimentos do art. 495.º, n.º 3, do CC, não é necessário provar que se recebia alimentos, bastando apenas demonstrar que se estava em situação de, legalmente os poder vir a exigir e a previsibilidade dos mesmos, nos termos do art. 564.º, n.º 3, do CC); de 18-12-2003, revista n.º 4120/03-7.ª Secção; de 02-03-2004, revista n.º 24/04-6.ª Secção; de 26-10-2004, revista n.º 2619/04-6.ª Secção (o exercício do direito de indemnização excepcionalmente reconhecido pelo artº 495.º, n.º 3, não depende da prova em concreto de que ao tempo da verificação do facto danoso se estava a receber alimentos; basta demonstrar que nesse momento se estava em situação de legalmente os exigir); de 05-05-2005, revista n.º 521/05-7.ª Secção (basta que tenham a qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, mesmo que não estivessem a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva deles); de 11-07-2006, revista n.º 1835/06-7.ª Secção (citado infra); de 08-05-2008, revista n.º 726/08-2.ª Secção (reconhecido direito de indemnização por privação de alimentos a nascitura); de 27-05-2008, revista n.º 1264/08-7.ª Secção; de 17-06-2008, revista n.º 1599/08-1.ª Secção; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª Secção; de 20-10-2009, revista n.º 85/07.9TCGMR.G1.S1-6.ª Secção; de 10-12-2009, revista n.º 220/03.6TBSTB.E1.S1-7.ª Secção; de 17-12-2009, revista n.º 77/06.5TBAND.C1.S1-1.ª Secção; de 04-05-2010, revista n.º 111/04.3TBMUR.P1.S1-6.ª Secção (Salazar Casanova); de 14-10-2010, processo n.º 845/06.8TBVCD.P1.S1; de 13-04-2011, revista n.º 418/06.5TBMNC.G1.S1-1.ª Secção (Garcia Calejo); de 31-05-2011, revista n.º 257/2001.G1.S1-1.ª Secção; de 12-07-2011, revista n.º 322/07.0TBARC.P1.S1-2.ª Secção; de 10-01-2012, revista n.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1 (Azevedo Ramos); de 31-01-2012, processo n.º 875/05.7TBILH.C1.S1.».
Mais recentemente, pronunciaram-se no mesmo sentido, os acórdãos de 19-02-2014, processo n.º 1229/10.9TAPDL.L1.S1-3.ª Secção, de 11-02-2015, proferido na Revista n.º 6301/13.0TBMTS.S1, da 1.ª Secção, de 08-09-2015, proferido na Revista n.º 565/05.0TBTVR.E1.S1 - 1.ª Secção, de 26-11-2015, proferido na Revista 598/04.4TBCBT.G1.S1, da 2.ª Secção e de 19-10-2016, processo n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1. Extrai-se do acórdão de 11-02-2015, proferido na Revista n.º 6301/13.0TBMTS.S1, da 1.ª Secção (Helder Roque): Não sendo, judicialmente, exigível o cumprimento das obrigações naturais, salvas as disposições especiais da lei, e sendo um dos casos típicos de obrigações naturais o da prestação de alimentos efectuada, espontaneamente, a favor “de quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural”, estabelece-se uma exceção a esse regime de incoercibilidade, na hipótese de lesão ilícita de que provenha a morte ou incapacidade do ofendido, conferindo o direito de indemnização àqueles a quem este os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. Nesta hipótese, a obrigação natural é convertida, «ope legis», para efeito de indemnização, de natural em civil, isto é, em obrigação coercível. Sendo a vítima mortal filho dos autores, encontrava-se vinculada à prestação de alimentos, nos termos do preceituado pelo art. 2009.º, n.º 1, al. b), do CC, que os não satisfaria em consequência de um dever, apenas, respeitante à consciência moral, mas antes, em especial, à consciência jurídica. Tendo a vítima falecido, em consequência, necessária e imediata da colisão, não gozam os autores, seus progenitores, do direito a perceberem qualquer indemnização, a título de danos patrimoniais pela perda futura da sua capacidade de ganho, mas, apenas, com fundamento na obrigação legal de alimentos, a que se reporta a 1.ª parte do n.º 3 do art. 495.º do CC, desde que se verificassem os respectivos pressupostos legais, o que, de todo, os autores recusam. Fora das hipóteses previstas no art. 495.º, n.º 3, do CC, não podem os herdeiros, pais da vítima mortal, com fundamento na transmissão «mortis causa», nos termos do disposto no art. 2142.º, do CC, peticionar outros danos patrimoniais, não lhe sendo reconhecido o direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da sua morte. Segundo o acórdão de 08-09-2015, proferido na Revista n.º 565/05.0TBTVR.E1.S1 - 1.ª Secção (Martins de Sousa): Resulta do n.º 3 do art. 495.º do CC que apenas os parentes que sejam titulares do direito a receber alimentos por parte do lesado e que os podiam exigir a este (bastando, para tanto, que se demonstre que estava em condições de o fazer e a previsibilidade dos mesmos) têm direito próprio – sem dependência das regras sucessórias – à reparação do dano patrimonial decorrente da morte daquele (o qual se circunscreve à prestação alimentícia), não conferindo aquele preceito um direito à ressarcibilidade de todos os danos dessa índole. Daí que os autores não tenham direito a pedir o ressarcimento dos danos patrimoniais futuros correspondentes à indemnização pela perda da capacidade de ganho. O acórdão de 9-09-2015, proferido no processo n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1.- 3.ª Secção (Sousa Fonte), versando caso de acidente de viação de que resultou para o demandante, com 56 anos à data do acidente, para além do mais, paraplegia completa e compromisso dos esfíncteres, com nula hipótese de recuperação total, perda de toda e qualquer sensibilidade da linha mamilar para baixo (90% IPP), impotência sexual, dependência de 3.ª pessoa para cuidar de si e da sua higiene, dependência de cadeira de rodas para se movimentar e impossibilidade de exercer qualquer actividade, entendeu ser justo e equitativo conceder uma indemnização autónoma a título de dano biológico, no valor de €60.000,00, ponderando: “Ainda que o demandante não peça expressamente não peça expressamente indemnização a título de dano biológico, basta-se o princípio do dispositivo com a alegação e prova dos factos que integram aquela incapacidade para que a correspondente indemnização possa/deva ser arbitrada, sem que exista violação do princípio do n.º 1 do art. 609.º do CPC que, quantitativamente, apenas se refere ao pedido considerado como um todo, impondo apenas que o tribunal se mantenha dentro desse valor global”. “A idade a considerar para os efeitos do cálculo da indemnização por perda da capacidade de ganho é a do tempo médio de vida e não a do termo da vida activa, corresponda ou ultrapasse a idade da reforma”. Como se extrai do já citado acórdão de 26-11-2015, proferido na Revista 598/04.4TBCBT.G1.S1, da 2.ª Secção, versando acidente de viação provocado por veículo em poder do locatário, no âmbito de um contrato de aluguer de longa duração (ADL): “A indemnização a que se refere o n.º 3 do art. 495.º C.C. tem como critério não tanto a necessidade e medida estritas da prestação de alimentos a que se referem os artigos 2003.º, n.º 1 e 2004.º, do mesmo diploma, mas a perda patrimonial, em termos previsíveis de danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou poderia eventualmente prestar, não fora a lesão sofrida, em termos de permitir aos beneficiários manter o nível de vida que aquele rendimento lhe proporcionaria”.
O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 427/03, de 24-09-2003, proferido no processo n.º 195/2002, da 3.ª Secção, decidiu não julgar “inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 495.º do CC, interpretada no sentido de que basta a mera qualidade referida nessa norma para que lesados terceiros de familiares adquiram o direito de indemnização por lucros cessantes derivados da perda dos normais rendimentos que lhes era proporcionado pelo lesado directo falecido com a eclosão do evento ilícito danoso”. Pode ler-se no acórdão: “Assim sendo, e admitindo que é a interpretação subjacente a esta última definição que a recorrente questiona, passa-se à apreciação do n.º 3 do artigo 495º do Código Civil quando interpretado no sentido de que basta a qualidade nele prevista para poder adquirir, a título sucessório, o direito à indemnização agora em causa. Ora a verdade é que é manifestamente infundada a inconstitucionalidade apontada pela recorrente, que sustenta que a norma assim interpretada viola os artigos “2º e 13º da CRP, bem como (...) os princípios da confiança e da legítima expectativa jurídicas ali tuteladas”.
Gabriela Páris Fernandes em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2018, anotação ao artigo 495.º, a págs. 345/6, afirma que “o direito de indemnização a que alude o artigo 495.º, n.º 3, deve ser reconhecido tanto no caso de morte, como no caso de lesão corporal que afecte a capacidade de ganho da vítima e a impossibilite de cumprir a obrigação alimentar. Titulares do direito a indemnização pelo dano de perda de alimentos são, se a obrigação de alimentos era civil ou perfeita, os sujeitos a quem a lei reconhece a qualidade de que depende a constituição do crédito civil ou perfeito a alimentos (cfr. artigo 2009.º), e, se a obrigação de alimentos era uma obrigação natural, os sujeitos a quem estes alimentos eram prestados, no cumprimento espontâneo dessa obrigação”. A págs. 346/7, refere que a jurisprudência segue, maioritariamente, o entendimento de que a indemnização estabelecida no n.º 3 do artigo 495.º é devida ao cônjuge sobrevivo, independentemente da sua efectiva necessidade de alimentos, pois os cônjuges, no seio da vida familiar, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar na proporção das respectivas possibilidades (neste sentido citando Acs. STJ de 12.10.2006, 4.05.2010 e 19.10.2016, na doutrina, no mesmo sentido, cfr. Vaz Serra, 1972-197:47-48). Adianta: “Pelas mesmas razões, a indemnização a título de perda de alimentos devida ao cônjuge sobrevivo e aos filhos menores não se determina exclusivamente segundo os critérios de quantificação que presidem à definição do montante da obrigação de alimentos, mas ainda de acordo com a teoria da diferença (566.º, n.º 2), visando a manutenção do nível de vida dos beneficiários existente à data da lesão – e até ao momento em que os alimentos seriam devidos –, apurada com recurso a um juízo de equidade (566.º, n.º 3). Mais à frente, no ponto VII, págs. 347/8, quanto à natureza do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º, afirma que “o entendimento amplamente seguido pela doutrina e jurisprudência é o de que se trata de um direito próprio, de indemnização pelo dano da perda de alimentos e não por quaisquer danos patrimoniais (VAZ SERRA, 1975-1976: 43 e 45-47). Não se confunde com um eventual direito a indemnização adquirido pelos familiares da vítima por via sucessória, quanto aos rendimentos futuros que a vítima de lesão mortal previsivelmente auferiria e que, por causa da morte, deixou de receber. Este último direito a indemnização é, aliás, negado, pela maioria das decisões judiciais, não só porque a morte, extinguindo a personalidade jurídica, impediria que s erradicasse na esfera do finado um direito a indemnização pela perda de rendimentos futuros, mas também porque o legislador teria pretendido tratar global e especificamente o direito a indemnização por danos patrimoniais em caso de morte do lesado segundo o regime do artigo 495.º, abstraindo das regras sucessórias (neste sentido, cfr., a título ilustrativo, os Acs. STJ 29.01.2008, 27.11.2008, 18.09.2012, 28.11.2013, 11.02.2015 e22.02.2018). Pontualmente, contudo, já se tem admitido direito a indemnização dos herdeiros da vítima (adquirido mortis causa), se exercido em alternativa ao exercício do direito de indemnização por perda de alimentos (AC.STJ 02.12.2010).”.
Mais recentemente, vem sendo maioritária a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que fora das hipóteses previstas no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, não podem os herdeiros da vítima mortal, com fundamento na transmissão «mortis causa», peticionar outros danos patrimoniais do falecido, não lhe sendo reconhecido o direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da sua morte. Nesse sentido, veja-se o decidido, entre outros, nos seguintes acórdãos: - 18-09-2012, Revista n.º 973/09.8TBVIS.C1.S1 - 6.ª Secção, de que se extrai: “O problema da reparação, em caso de morte, é tratado como um caso especial de indemnização, nos arts. 495.º e 496.º, n.º 2, do CC, respectivamente, para os danos patrimoniais e não patrimoniais, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio de serem indemnizadas e abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias”. - 28-11-2013, Revista n.º 177/11.0TBPCR.S1 - 2.ª Secção, onde consta: “IX - O direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da morte de alguém, cuja personalidade cessou com esta, não é reconhecido por lei, nem à vítima, e, consequentemente, aos seus herdeiros, nem directamente a estes. X - Constituindo o n.º 3 do art. 495.º do CC uma excepção ao princípio segundo o qual só o titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado, tem direito a indemnização, e não os terceiros que só reflexa e imediatamente sejam prejudicados, não podem, por princípio, fora das hipóteses em tal preceito contempladas, ser peticionados outros danos patrimoniais por morte da vítima.”. - 11-02-2015, Revista n.º 6301/13.0TBMTS.S1 - 1.ª Secção, constando do sumário: “IV - Tendo a vítima falecido, em consequência, necessária e imediata da colisão, não gozam os autores, seus progenitores, do direito a perceberem qualquer indemnização, a título de danos patrimoniais pela perda futura da sua capacidade de ganho, mas, apenas, com fundamento na obrigação legal de alimentos, a que se reporta a 1.ª parte do n.º 3 do art. 495.º do CC, desde que se verificassem os respectivos pressupostos legais, o que, de todo, os autores recusam. V - Fora das hipóteses previstas no art. 495.º, n.º 3, do CC, não podem os herdeiros, pais da vítima mortal, com fundamento na transmissão «mortis causa», nos termos do disposto no art. 2142.º, do CC, peticionar outros danos patrimoniais, não lhe sendo reconhecido o direito a indemnização pela perda futura de rendimentos decorrentes da sua morte.”. - 08-09-2015, Revista n.º 565/05.0TBTVR.E1.S1 - 1.ª Secção, onde de pode ler: “III - A ressarcibilidade dos danos futuros – compreendendo benefícios que não se virão a obter mas que se deveriam obter, i.e. a lucros cessantes – obedece a critérios de verosimilhança ou de probabilidade (tratam-se de vantagens que o lesado obteria segundo o curso normal das coisas ou segundo as circunstâncias do caso) e não em expectativas fluídas ou meras conjecturas sem apoio na matéria de facto. IV - A morte do lesado impede a aquisição de direitos a ponto de não se poderem radicar no seu património aqueles que nasceriam com a própria morte ou que decorrem de relações que com elas se extinguem. V - A partir da morte do lesado, não se pode ficcionar um quadro de cálculo que, à semelhança dos danos futuros emergentes da incapacidade funcional, tenha em conta os réditos obtidos e a vida activa daquele, sendo absurdo persistir em determinar uma vida activa que já não existe e improváveis rendimentos nesse percurso. VI - Resulta do n.º 3 do art. 495.º do CC que apenas os parentes que sejam titulares do direito a receber alimentos por parte do lesado e que os podiam exigir a este (bastando, para tanto, que se demonstre que estava em condições de o fazer e a previsibilidade dos mesmos) têm direito próprio – sem dependência das regras sucessórias – à reparação do dano patrimonial decorrente da morte daquele (o qual se circunscreve à prestação alimentícia), não conferindo aquele preceito um direito à ressarcibilidade de todos os danos dessa índole. Daí que os autores não tenham direito a pedir o ressarcimento dos danos patrimoniais futuros correspondentes à indemnização pela perda da capacidade de ganho.”); - 22-02-2018, processo n.º 33/12.4GTSTB.E1.S1 - 5.ª Secção, de que se extrai: “V - Não obstante a regra ser a de que o direito à indemnização pertence ao titular do direito ofendido, excepcionalmente, nos casos previstos na lei, esse direito pode caber a terceiros. Relativamente a danos patrimoniais futuros é o que acontece nos casos referidos no art. 495.º, do CPP, encontrando-se a demandante na situação prevista no n.º 3. É esta a única via que lhe confere o direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais decorrentes da morte da vítima, seu filho. Não pela via sucessória, com referência a um suposto direito à indemnização pela perda da capacidade de ganho que se terá constituído na esfera jurídica do falecido.”). Em sentido dissonante com os citados acórdãos, pronunciou-se o acórdão de 11-10-2017, proferido no processo n.º 1090/12.9GBAMT.P1.S1 - 3.ª Secção, onde, com um voto de vencido, se entendeu que a indemnização patrimonial pela perda do rendimento futuro cabe à filha menor como herdeira do falecido em sede de lucros cessantes (“Com a morte os herdeiros do falecido perdem um bem comum que tinha expressão patrimonial pura e que, como tal, pode e deve ser quantificado monetariamente porque aquela perda acarreta um dano patrimonial.”). Revertendo ao caso concreto.
Sendo a demandante BB casada com a vítima há 14 anos aquando do seu falecimento, conforme FP n.º 34, há que ter presente que os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelo dever de assistência (artigo 1672.º do Código Civil), o qual, nos termos do artigo 1675.º, n.º 1, do Código Civil, compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, vincando o artigo 2015.º do Código Civil, que na vigência da sociedade conjugal, os cônjuges são reciprocamente obrigados à prestação de alimentos, nos termos do artigo 1675.º do Código Civil, figurando o cônjuge em primeiro lugar na ordem fixada no artigo 2009.º, do Código Civil, para as pessoas vinculadas à prestação de alimentos - n.º 1, alínea a). Falecido o marido não mais poderá contar o cônjuge sobrevivo, viúva, com a possibilidade de o seu sustento ser alcançado com a contribuição daquele (coisa diversa é a possibilidade aventada pela recorrente de, atendendo à sua juventude – 40 anos de idade à data do falecimento -, vir a ingressar no mercado do trabalho e ganhar autonomia económica). E quanto ao filho, o demandante II, à data da morte do Pai, contava 11 anos de idade, pois nasceu em 6-01-2004, como assente nos FP n.º 31 e 36.
Estabelece o artigo 1874.º, n.º 1, do Código Civil, que pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência, compreendendo o dever de assistência, de acordo com o n.º 2, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar. E de acordo com o disposto no artigo 1877.º do Código Civil, os filhos estão sujeitos ao poder paternal até à maioridade ou emancipação. No conteúdo do poder paternal compete aos pais, no interesse dos filhos, entre o mais, prover ao seu sustento – artigo 1878.º, n.º 1, do Código Civil. De acordo com o artigo 2009.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, estão vinculados à prestação de alimentos os ascendentes; o Pai do demandante II estava, pois, obrigado a prestar-lhe alimentos. O dever de sustento não é ilimitado, pois os pais ficam desobrigados de prover ao sustento dos filhos e de assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos – artigo 1879.º, do Código Civil. Explicitando, em consonância, o artigo 2013.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, que a obrigação de prestar alimentos cessa quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles. Ressalvada fica, no entanto, a possibilidade de extensão temporal do dever em causa, de ser alargado o terminus ad quem da obrigação de pagar a pensão, através da chamada cláusula de exigibilidade, prevista no artigo 1880.º do Código Civil, relativa a despesas com os filhos maiores ou emancipados, pois se no momento em que o filho atingir a maioridade ou for emancipado, não tiver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação de prover ao sustento, e de assumir as despesas relativas à segurança, saúde e educação, na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete. O já citado acórdão deste Supremo Tribunal de 16-03-1999, proferido na revista n.º 22/99, da 2.ª Secção, publicado in BMJ n.º 485, pág. 386/396 e Sumários de Acórdãos Cíveis do STJ, Edição Anual, 1999, pág. 118, aborda o artigo 1880.º do Código Civil, começando por dizer que este dispositivo legal foi introduzido pela Reforma de 1977, justificando-se pela descida da maioridade dos 21 para os 18 anos de idade, continuando os filhos a carecer do auxílio económico dos pais para prosseguirem os estudos, designadamente os universitários, cada vez mais procurados e privando muitas vezes os alunos de se empregarem para concentrarem esforços na conclusão da licenciatura. A questão colocava-se no sentido de saber se a imposição do artigo 1880.º poderia ser aplicada por analogia a outros familiares, designadamente aos avós, sabendo-se à partida estar-se na presença de uma norma excepcional, como decorria da sua génese e do termo normal da obrigação de prestar alimentos com a maioridade do alimentado, não podendo a resposta deixar de ser negativa a partir do momento em que a lei não permite aqui o recurso à analogia (artigo 11.º do Código Civil). À questão de saber se o neto do sinistrado falecido tem legitimidade para peticionar indemnização por danos patrimoniais, tendo em conta o disposto no artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, responde que “a circunstância de viver com o avô (vítima) depois da maioridade e prosseguir os estudos no ensino superior, à data do acidente, a expensas daquele, é uma coisa, poder exigir-lhe alimentos com base no disposto no artigo 1880.º do Código Civil é algo completamente diferente”. E adiantava: “Conforme decorre da letra e do espírito da lei, a obrigação de continuar a prestar alimentos aos adolescentes que atingiam a maioridade e pretendiam continuar a estudar passou a incidir prima facie e muito logicamente sobre os progenitores”.
Por princípio, os pais só ficam desvinculados das despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos quando estes atingem a maioridade ou são emancipados pelo casamento, e mesmo assim com as limitações decorrentes dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil.
Com a epígrafe “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, estabelece o artigo 1880.º: Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.
O Código não fixava uma idade limite para cessar a obrigação alimentar relativamente a filhos maiores, gerando-se dúvidas e divergências na doutrina e na jurisprudência quanto à idade até à qual se mantinha essa obrigação, sendo considerado que poderia e deveria manter-se na medida em que fosse razoável para a conclusão de formação profissional, mesmo a nível superior. Esta questão ficou definitivamente esclarecida com o aditamento do n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, entrada em vigor em 1 de Outubro de 2015 (Diário da República, 1.ª série, n.º 170, de 1-09, altera o Código Civil e o Código de Processo Civil, no que respeita ao regime de alimentos em caso de filhos maiores ou emancipados), que colmatando uma lacuna, surge como norma interpretativa do artigo 1880.º, ao considerar que esta obrigação de alimentos a filho maior pode manter-se até aos vinte e cinco anos de idade. Estabelece o artigo 1905.º: 2 – Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respectivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência. Afastando a aparente duplicação de normas e sobre a inovação, veja-se José António França Pitão e Gustavo França Pitão, Responsabilidades parentais e alimentos, de acordo com as Leis n.ºs 48/2018 e 49/2018, de 14 de Agosto, Quid Juris Sociedade Editora, Outubro de 2018, págs. 29 e 93 a 97.
Não restam, pois, dúvidas de que, quer a demandante BB, na qualidade de cônjuge sobrevivo do falecido CC, quer o filho de ambos II, atenta a sua tenra idade, estão em posição de exigir indemnização pelos rendimentos frustrados do falecido marido e pai, respectivamente, em função dessa obrigação alimentar. Assente que assiste nos termos do disposto nos citados preceitos legais o direito à referida indemnização, ponto é saber como determinar o prejuízo e o montante indemnizatório.
Vejamos pois como foi abordada a questão nas instâncias.
A sentença da primeira instância abordou a questão no segmento “Quanto aos peticionados danos patrimoniais, na modalidade de dano futuro”, dizendo, a fls. 624 e 625 (3.º volume), após citar acórdão de 1-10-2009, o seguinte (em transcrição integral, incluindo realces): «No que concerne ao demandante CC (filho menor), o mesmo tinha 11 anos de idade à data dos factos; e tinha legitimamente a expectativa, de ser alimentado e receber alimentos, durante a sua menoridade (até aos 18 anos) e a partir daí, durante a sua formação escolar (previsivelmente até aos 26 anos de idade). Contudo, não é previsível que, depois disso (depois dos 26 anos de idade), o demandante CC continuasse a beneficiar de alimentos do progenitor, até ao fim da vida deste, ou, como peticionado, até ao fim da sua vida activa (estimada aos 70 anos de idade), sendo, pelo contrário, normal, de acordo com as regras da experiência comum, que, a partir do 26 anos de idade, o demandante CC, adquirisse autonomia pessoal e financeira em relação ao progenitor. Daqui decorre que, até perfazer 26 anos, o menor CC tinha uma expectativa de continuar a ser alimentado pelo progenitor, durante os 15 anos seguintes ao falecimento deste, estimando-se, tendo em conta os rendimentos do falecido, que o menor poderia beneficiar, nesse período, de alimentos, no valor de, pelo menos, €250,00 mensais. Assim, o menor CC sofreu um dano patrimonial futuro, de valor equivalente aos alimentos que poderia receber do pai, se ele fosse vivo, previsivelmente até perfazer 26 anos, em montante não inferior a €250,00 mensais. Nesta conformidade, procedemos ao cálculo desta parte da indemnização, da seguinte forma: €250,00x12 = 3.000,00/ano x 15 anos = €45.000,00. No que concerne à demandante BB, esposa. É verdade que a demandante BB se encontrava numa situação de desemprego prolongada, tendo 44 anos à data dos factos, sendo difícil, com o decorrer do tempo e com o seu afastamento da vida activa, obter colocação profissional, mormente na sua área de formação académica. Porém, essa situação, em condições normais, poderia cessar a todo o momento, caso a demandante obtivesse colocação, na área da sua formação profissional ou fora dela. Acresce que, muito embora a demandante formasse, com o falecido, um casal feliz e harmonioso, não é seguro que o casal se mantivesse unido até aos 70 anos da vida activa do falecido, conforme peticionado - sendo como são conhecidas, na actualidade, as taxas de divórcio e ruptura conjugal. Certo é porém, a demandante tinha, à data dos factos, uma legítima expectativa de continuar a beneficiar dos rendimentos auferidos pelo marido, tal como acontecia à data do evento danoso, afigurando-se adequado que, pelo menos, no período de 5 anos após o óbito, a demandante BB seja compensada por essa perda de rendimentos, mediante a atribuição de uma indemnização que, majorada pelo recebimento de um determinado capital, lhe permita reorganizar a sua vida pessoal e profissional. Assim, entendemos que a demandante deverá ser compensada, a título de dano patrimonial futuro, em montante equivalente ao salário mínimo nacional, desde a data do óbito e por um período estimado de 5 anos. Nesta conformidade, procedemos ao cálculo desta parte da indemnização, da seguinte forma: SMN de 505 euros/mês= 6.060,00/ano x 5 anos= €30.300,00.»
Sobre este ponto, após ter perspectivado o “direito a indemnização, por danos patrimoniais dos demandantes, decorrentes da privação de alimentos a obter da vítima /falecido”, de fls. 942 a 945, perfilhando o entendimento de que o cônjuge e filho da vítima não carecem de alegar a efectiva necessidade de alimentos na data em que ocorreu o acidente de que resultou a morte do seu familiar ou de que os mesmos lhe eram pelo mesmo prestados, bastando a alegação e prova da qualidade de se encontrar em situação de legalmente poder exigir a prestação de alimentos ao falecido, caso fosse vivo, e depois de enunciar todos os pontos a ter em conta, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Guimarães de fls. 955 a 958, tomando como referência os seguintes elementos: “Assim, aplicando os enunciados parâmetros, ao caso vertente, considerando que: - Á data do acidente, a vítima CC, tinha 43 anos de idade, sendo a previsão da sua vida ativa de 27 anos (pressupondo o limite aos 70 anos); - No exercício da sua atividade profissional – agente principal da PSP –, a vítima auferia o rendimento líquido anual de €17.017,36 (dezassete mil e dezassete euros e trinta e seis cêntimos); - A vítima despendia consigo cerca de 1/3 do valor recebido; - O rendimento auferido pela vítima viria, previsivelmente, a sofrer, ao longo do tempo previsível da sua vida ativa, aumentos, considerando, designadamente, a progressão na carreira e a atualização dos salários; O rendimento que a vítima auferiria e que disporia para afetar aos encargos com a vida familiar, provendo ao sustento do filho, até que completasse a sua formação, e ao dever de assistência à mulher ora demandantes, seria de €306.312,24 (€17.017,36€ x 27 anos = €459.468,72 – €153.156,24 (1/3) = €306.312,48). Esse valor de €306.312,24, corresponderia a um rendimento anual de €11.344,89 e mensal de €945.40. Relativamente ao demandante CC , tal como resulta do que deixamos exposto supra, a obrigação da vítima lhe prestar alimentos manter-se-ia até que completasse a respetiva formação profissional, o que seria razoável admitir que viesse a acontecer até aos 25 anos. Por conseguinte, o período da expectativa de alimentos, seria, quanto ao demandante de 14 anos. No que concerne à demandante BB, é indiscutível que a mesma tinha uma expectativa de contar com o contributo das remunerações auferidas pela vítima, seu marido, ao longo de toda a vida ativa deste, estimada, como referimos, em 27 anos. Não poderemos, também deixar de considerar que, a partir da altura em que o filho se autonomizasse, deixando a vitima de prover ao seu sustento, o rendimento disponível para a vitima e para a mulher BB, seria superior ao até aí existente. Assim, ponderando todos os elementos que se deixam enunciados e levando, ainda, em linha de conta que: - Relativamente ao demandante II considerando que as necessidades e despesas inerentes ao sustento, com tudo o que abrange, incluindo a educação iriam aumentar com o passar dos anos até que completasse a sua formação profissional e se autonomizasse do agregado familiar, entendemos que, pese embora à data do falecimento do progenitor e nos anos mais próximos pudesse ser inferior o montante necessário para prove ao seu sustento, se deverá considerar, para efeitos de cálculo da indemnização a atribuir-lhe, que o contributo do progenitor, seria não inferior a €400,000 mensais; - Em relação à demandante BB, estando desempregada, sofrendo da doença de Chron, sendo a subsistência do agregado familiar assegurada pelos rendimentos que o seu falecido marido auferia, proveniente do seu trabalho, tendo a expetativa de poder continuar a contar com esse rendimento, ao longo da vida ativa deste, estimada em 27 anos, equivalendo a, pelo menos, €545,00 mensais, durante os 14 anos em que com o rendimento disponível teria de prover também ao sustento do filho (correspondendo, durante esse período de 14 anos, a um rendimento global de €91.560,00) e admitindo-se que fosse superior a partir daí, em, pelo menos, €200,00, ao longo dos 13 anos que decorreriam até ao termo da vida ativa do cônjuge (representando o rendimento total, referente a esse período de 13 anos, a €116.220,00), podendo este último, então, também gastar mais consigo próprio. Havendo que deduzir, em qualquer dos casos, ao valor encontrado, em virtude do recebimento antecipado da totalidade do capital, a quantia de 15%. Nesta conformidade, considera-se equitativo fixar a indemnização, a título de compensação pelos danos patrimoniais futuros sofridos, por morte da vítima, nos seguintes montantes: - €57.000,00 (cinquenta e sete mil euros) ao demandante CC; e - € 176.000,00 (cento e setenta e seis mil euros) à demandante BB, totalizando o montante global de € 233.000,00 (duzentos e trinta e três mil euros).”
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Analisando.
Insurge-se a recorrente seguradora contra os valores fixados pela Relação de Guimarães a título de “indemnização do dano da perda de alimentos”, entendendo excessivas as verbas arbitradas. Para tanto sustenta que o Tribunal da Relação no cálculo da indemnização a atribuir à demandante devia ter considerado a previsibilidade de a demandante vir a conseguir emprego e a refazer a sua vida, num lapso de tempo não superior ao de 5 ou, no limite 15 anos, além de que, no cálculo da indemnização a atribuir aos demandantes deveria considerar-se apenas 12 meses de retribuição (com exclusão dos subsídios de férias e de Natal), tendo em conta o rendimento líquido do rendimento auferido pela vítima, a quota-parte que gastava consigo e que afetaria ao agregado familiar. Alega ainda que, não só o HH, mas também a demandante BB estavam obrigados a prestar alimentos ao menor II, pelo que, no pressuposto de que o pai, pelo menos nos anos mais próximos e face à situação de desemprego em que, transitoriamente, se encontrava a mãe, contribuísse em maior medida para o sustento do filho, mas passasse a existir um equilíbrio num futuro próximo e atendendo, também, às necessidades normais de um jovem, adolescente e adulto em fase de formação, deveria entender-se que é ajustado considerar-se que o pai contribuiria mensalmente com a verba de 250,000 para o sustento do seu filho até que este se tornasse independente. Alega ainda que dos factos dados como provados não resulta que as despesas inerentes ao sustento da BB ascendessem a 545,00€ por mês e, muito menos, a 745,00€ por mês, verbas que considera manifestamente excessivas. Em reforço de tal argumento, refere que tendo-se considerado que o falecido CC conseguia prover ao seu próprio sustento com 1/3 do que ganhava (ou seja, 405,18€: 17.017,36€ / 14 = 1.215,5€ / 3 = 405,18€), não existe razão para, na falta de outros elementos, se utilizar critério distinto para a avaliação das necessidades alimentares da BB e que nada no processo permite supor que as necessidades alimentares da BB aumentariam depois de o filho menor do casal obter a sua independência.
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Critérios do artigo 494.º do Código Civil
Emergindo os danos indemnizáveis de ofensa ilícita provocada em resultado de um acidente de viação mortal, da comissão de um crime de homicídio negligente, há que ter em conta o preceituado no artigo 494.º do Código Civil.
Revisitando os acórdãos por nós relatados, de 24 de Fevereiro de 2010, no processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1, de 20 de Fevereiro de 2013, no processo n.º 269/09.5GBPNF.P1.S1, versando ambos acidente de viação mortal, e de 25 de Novembro de 2015, no processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1, aqui versando homicídio qualificado de companheira, cometido na Ilha do Pico, Região Autónoma dos Açores, envolvendo Micaelense e Jorgense, passa-se a transcrever o seguinte:
«O artigo 494.º do Código Civil, sob a epígrafe “Limitação da indemnização no caso de mera culpa”, estabelece: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”. No sentido de aplicabilidade exclusiva deste preceito à responsabilidade civil resultante da mera culpa, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-1975, proferido no processo n.º 65.474, BMJ n.º 244, pág. 258 e Vaz Serra em Obrigação de indemnizar, BMJ n.º 84, pág. 229, em Fundamentos da responsabilidade civil, versando caso de acidentes de viação, no BMJ n.º 90, págs. 197/8, nota 398, e ainda em anotação ao acórdão do STJ de 12-02-1969, in RLJ, Ano 103.º, n.º 3416, pág. 172. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1982, Volume I, pág. 470, em comentário ao artigo 494.º, dizem: “A faculdade conferida aos tribunais neste artigo limita-se aos casos de mera culpa. Se houver, portanto, dolo, a indemnização não pode deixar de corresponder aos danos, devendo ser fixada nos termos dos artigos 562.º e seguintes”. Segundo Mário de Brito, Código Civil Anotado, edição do Autor, 1972, Volume II, pág. 186, o preceito não é aplicável quando o responsável tenha procedido com dolo. Abílio Neto e Herlander A. Martins, Código Civil Anotado, Livraria Petrony, 1978, pág. 225, afirmam: Esta faculdade é restrita ao caso de haver mera culpa. Em caso de haver dolo a indemnização nunca pode ser inferior ao montante do dano por mais elevado que seja. Tal preceito é, pois, inaplicável à indemnização por perda do direito à vida quando na sua base está a prática de homicídio voluntário.
No domínio do Código de Processo Penal de 1929, a propósito da reparação por perdas e danos que o juiz arbitrava no caso de condenação, mesmo que não tivesse sido requerida, estabelecia o artigo 34.º, § 2.º, que “o quantitativo da indemnização será determinado segundo o prudente arbítrio do julgador, que atenderá à gravidade da infracção, ao dano material e moral por ela causado, à situação económica e à condição social do ofendido e do infractor”. No que toca a culpabilidade, na génese da eclosão do acidente que vitimou o marido e pai dos demandantes esteve única e exclusivamente a conduta negligente do arguido, ora interveniente chamado pela seguradora. Segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-02-1975, in BMJ n.º 244, pág. 258, o artigo 494.º é exclusivamente aplicável à responsabilidade civil resultante de mera culpa, designadamente nos acidentes de viação. O preceito manda atender à situação económica do agente – do infractor, como referia a parte final do § 2.º do artigo 34.º do CPP de 1929, do autor da lesão, da violação ilícita do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios – artigos 483.º e 487.º, n.º 1, do Código Civil. No cômputo do montante da indemnização não há que atender à situação económica das companhias de seguros para quem tenha sido transferida a responsabilidade civil - acórdão do STJ, de 12-02-1969, processo n.º 32873, BMJ, n.º 184, pág. 151 (É inaplicável à responsabilidade contratual e, portanto, é irrelevante a situação económica da seguradora); Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 103.º, págs. 172/6 e Antunes Varela, Obrigações, 2.º, pág. 95. Em abordagem diversa, mas com o mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão do STJ de 29-02-2000, processo n.º 24/00-1.ª Secção, in Sumários de Acórdãos Cíveis, Edição Anual - 2000, pág. 70, aí se afirmando que «É desprovida de sentido a ponderação do parâmetro da situação económica do lesante, apontado pelo artigo 494º do CC, nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro – seguradora – a suportar o pagamento da indemnização». No acórdão de 11-01-2007, revista n.º 4433/06-2.ª, pode ler-se que no cálculo do quantum pela perda do direito à vida deve excluir-se, por inconstitucionalidade, o critério do artigo 494.º do Código Civil, reportado à situação económica do lesante ou da vítima Segundo o acórdão de 27-10-2011, revista n.º 3301/07.3TBBCL.G1.S1-7.ª, das circunstâncias aludidas no artigo 494.º é desprovida de sentido a ponderação da situação económica do lesante nos casos em que não é o património deste, mas de terceiro, designadamente a seguradora, a suportar o pagamento da indemnização. E de acordo com o acórdão de 31-01-2012, revista n.º 875/05.7TBILH.C1.S1-6.ª, não há que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização. Em sentido diverso, pode ver-se o acórdão de 07-07-1999, revista n.º 477/99, in CJSTJ 1999, tomo 3, pág. 16, onde se pode ler: “Se é certo que com o condutor do veículo responde solidariamente a companhia de seguros que garante a sua responsabilidade civil por danos causados com o veículo o certo é, também, que o que os liga é a responsabilidade civil contratual. Mas, nem por isso, há que atender só à situação económica do primeiro, pois, como nota o Prof. Vaz Serra, Rev. Leg. Jur. 103.º, p. 180, o facto de o responsável ter um seguro de responsabilidade civil é de ter em conta, porque o direito à indemnização do seguro, adquirido pelo pagamento dos prémios, é um valor patrimonial do responsável”. E o acórdão de 01-06-2000, proferido no processo n.º 355/00 – 7.ª Secção, ibidem, p. 215, onde se pode ler: “Um dos elementos do património do lesante a ter em conta é o seu seguro de responsabilidade civil, contrapartida dos prémios pagos. Porém, o capital do seguro não pode fundamentar o empolamento da indemnização, dando lugar à sua fixação em montante superior ao que se mostre equitativo”. Como se referiu no acórdão de 24-02-2010, no processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1, por nós relatado, “Como se sabe, nos pedidos de indemnização emergentes de acidente de viação, em regra, o causador do acidente, o lesante, mesmo que único e exclusivo culpado pela sua eclosão, não é quem suporta a incidência final do dano, mas por força do contrato de seguro, a seguradora, para quem essa responsabilidade foi transferida pelo proprietário do veículo. Nestes casos de responsabilidade civil tendente a reparar danos emergentes de acidente de viação não faz sentido o reporte à situação do lesante, que até na maioria dos casos está ausente da acção declarativa, sendo a única referência possível a seguradora presente, única demandada. Resulta da implementação do seguro obrigatório a não efectiva punição do responsável que estaria imanente na indemnização, mas por outro lado, não se pode olvidar que a corrente jurisprudencial que assume a necessidade de fixação de valores actualizados da indemnização, reporta-os ao sucessivo aumento dos prémios e correlativo aumento de lucros das seguradoras, sendo paradigmático o acórdão do STJ de 16-12-1993, que nesta específica área recortou novos horizontes e estabeleceu novas metas”. Há ainda que ter em conta que é manifestamente irrelevante a situação económica da demandada, já que não foi ela quem praticou o acto danoso, sendo apenas a entidade que suporta a responsabilidade que for de atribuir ao agente daquele acto (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4.ª edição, Vol. I, p. 497).
Como se disse nos acórdãos de 25-02-2009, processo n.º 3459/08 e de 15-04-2009, processo n.º 3704/08, por nós relatados, referir a indemnização por danos não patrimoniais como assumindo um carácter sancionatório/punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, área que constitui um caso típico de responsabilidade civil, em que por vezes se interpenetram os domínios da responsabilidade criminal e civil, da acção de efectivação de responsabilidade civil conexa com a responsabilidade criminal, desde os tempos do “enxerto cível”, adjectivável nos termos do artigo 67.º do Código da Estrada de 1954, ou, em jeito autónomo, em separado, nos termos da acção especial de efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, nos termos do artigo 68.º do mesmo Código, até ao sistema de adesão acolhido pelo Código de Processo Penal de 1987, em que a partir de certa altura, o direito da pessoa lesada é exercido em acção directamente interposta apenas contra a empresa de seguros [desde que o pedido se contenha dentro do capital mínimo obrigatório do seguro obrigatório - então artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 408/79, de 25-09, artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31-12, e actualmente, artigo 64.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 291/07, de 21-08, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 96/07 – Diário da República, 1.ª série, n.º 202, de 19-10, e alterado pelo Decreto-Lei n.º 153/08, de 06-08, assim a estabelecer legitimidade passiva exclusiva da seguradora dentro dos limites do seguro], em que o responsável civil, único demandado, por força das normas adjectivas, não é o próprio lesante, o agente do facto criminoso, de homicídio culposo ou de ofensas à integridade física culposas, o autor do acto lesivo, da violação ilícita do direito de outrem (artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil), numa perspectiva meramente civilista, mas antes “um substituto”, “um seu representante”, um sucedâneo se se quiser, uma entidade de matriz colectiva, que prossegue o objectivo do lucro, através de uma actividade definida legalmente como de indústria (seguradora), para quem foi “transferida” esta espécie de responsabilidade, estando-se perante situações em que, na composição do litígio, o condenado no pagamento da indemnização emergente da conduta delitual é apenas o responsável civil, a seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade por força do contrato de seguro, e não o autor material da lesão. Como expressava Jorge F. Sinde Monteiro em Estudos sobre a responsabilidade civil, Coimbra, 1983, págs. 29 a 31 (no domínio do Decreto-Lei n.º 408/79, de 25 de Setembro), “estando a responsabilidade coberta pelo seguro, o peso da responsabilidade deixa de incidir sobre um património individual - o do responsável - para se diluir no seio de um património colectivo constituído pelos contributos de todos os potenciais responsáveis - segurados, sendo a responsabilidade colectivizada, socializada”, daí decorrendo que “uma responsabilidade segurada deixa a todos os títulos de ser individual”, referindo depois: “Da responsabilidade civil já dificilmente se poderá dizer que é a «grandeza do homem» no momento em que (ou nos domínios em que) de técnica destinada a fazer suportar a uma pessoa as consequências do mal causado a outrem tende a transformar-se em mera obrigação de pagar um prémio de seguro”. J. Sinde Monteiro, em Dano corporal (Um roteiro do direito português), RDE, 1989, n.º 15, pág. 372, escreve: “Desde que o dano esteja coberto pelo seguro, desaparece um dos fundamentos em que aquela redução [do art. 494.º] se pode fundamentar: a consideração pela situação económica do lesante”. (Citado por Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, volume III, Direito das Obrigações, da obra Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Coimbra Editora, 2007, pág. 541, nota 139).
Nestes casos a referência à situação económica do lesante como elemento aferidor da medida da reparação revela-se desprovida de sentido. No cômputo do montante da indemnização não há que atender à situação económica da companhia de seguros - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-02-1969, BMJ 184, 151, e Vaz Serra, in RLJ, Ano 103.º, 172. Em abordagem diversa, mas com o mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão do STJ de 29-02-2000, processo n.º 24/00-1ª, Sumários de Acórdãos Cíveis, Edição Anual-2000, pág. 70, aí se afirmando que «É desprovida de sentido a ponderação do parâmetro da situação económica do lesante, apontado pelo artigo 494º do CC, nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro – seguradora - a suportar o pagamento da indemnização». Em sentido oposto pode ver-se o acórdão de 01-06-2000, processo n.º 355/00-7ª, ibidem, pág. 215, onde se pode ler: “Um dos elementos do património do lesante a ter em conta é o seu seguro de responsabilidade civil, contrapartida dos prémios pagos. Porém, o capital do seguro não pode fundamentar o empolamento da indemnização, dando lugar à sua fixação em montante superior ao que se mostre equitativo”. O preceito citado manda atender à situação económica do agente – autor da lesão, da violação ilícita do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios - artigos 483º e 487º, n.º 1, do Código Civil. Como se referiu supra, nos pedidos de indemnização emergentes de acidente de viação, em regra, o causador do acidente, o lesante, mesmo que único e exclusivo culpado pela sua eclosão, não é quem suporta a incidência final do dano, mas por força do contrato de seguro, a seguradora, para quem essa responsabilidade foi transferida. Como referimos no acórdão de 24 de Fevereiro de 2010, por nós relatado no processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1: “Nestes casos de responsabilidade civil tendente a reparar danos emergentes de acidente de viação não faz sentido o reporte à situação do lesante, que até na maioria dos casos está ausente da acção declarativa, sendo a única referência possível a seguradora presente, única demandada. Resulta da implementação do seguro obrigatório a não efectiva punição do responsável que estaria imanente na indemnização. Como se sabe, nos pedidos de indemnização emergentes de acidente de viação, em regra, o causador do acidente, o lesante, mesmo que único e exclusivo culpado pela sua eclosão, não é quem suporta a incidência final do dano, mas por força do contrato de seguro, a seguradora, para quem essa responsabilidade foi transferida pelo proprietário do veículo. Há ainda que ter em conta que é manifestamente irrelevante a situação económica da demandada, já que não foi ela quem praticou o acto danoso, sendo apenas a entidade que suporta a responsabilidade que for de atribuir ao agente daquele acto (cfr., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, 4.ª ed., Vol. I, pág. 497).”. No acórdão de 08-06-1999, proferido no processo n.º 391/99, publicado no BMJ n.º 488, pág. 323, consta: “Reportando-nos aos factores a considerar na formulação do juízo de equidade para a fixação do montante indemnizatório, apontados pelo artigo 494.º, interessa considerar que, embora se faça referência à situação económica do lesante, a ponderação de tal parâmetro se revela desprovida de sentido nos casos em que, como acontece no presente, não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro – v.g., uma seguradora para quem o lesante transferiu a responsabilidade civil – a suportar o pagamento da indemnização”. No acórdão do STJ de 29-02-2000, processo n.º 24/00-1.ª Secção, in Sumários de Acórdãos Cíveis, Edição Anual - 2000, pág. 70, afirma-se que “É desprovida de sentido a ponderação do parâmetro da situação económica do lesante, apontado pelo artigo 494.º do CC, nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro – seguradora – a suportar o pagamento da indemnização”. No acórdão de 11-01-2007, proferido na revista n.º 4433/06, da 2.ª Secção, pode ler-se que no cálculo do quantum pela perda do direito à vida deve excluir-se, por inconstitucionalidade, o critério do artigo 494.º do Código Civil, reportado à situação económica do lesante ou da vítima. Segundo o acórdão de 27-10-2011, Revista n.º 3301/07.3TBBCL.G1.S1-7.ª Secção, das circunstâncias aludidas no artigo 494.º é desprovida de sentido a ponderação da situação económica do lesante nos casos em que não é o património deste, mas de terceiro, designadamente a seguradora, a suportar o pagamento da indemnização. E de acordo com o acórdão de 31-01-2012, proferido na revista n.º 875/05.7TBILH.C1.S1, da 6.ª Secção, não há que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização. No que respeita à vertente punitiva em sede de acidentes de viação, segundo o acórdão de 26-09-2013 (Secção Cível - sumário), CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 266 “Os casos de dolo em matéria de sinistralidade rodoviária convocam a vertente sancionatória ou punitiva da indemnização civil (punitive dammages), sendo certo que os juízos de equidade em que assenta a indemnização por danos futuros e por danos não patrimoniais deverão abranger todos os aspectos concretos do caso”. Não se poderá com propriedade falar então em punição, não podendo erigir-se a intencionalidade punitiva em critério de determinação do montante indemnizatório. Resulta da implementação do seguro obrigatório a não efectiva punição do responsável que estaria imanente na imposição da indemnização, mas por outro lado, não se pode olvidar que a corrente jurisprudencial que assume a necessidade de fixação de valores actualizados da indemnização, reporta-os ao sucessivo aumento dos prémios e correlativo aumento de lucros das seguradoras, sendo paradigmático o acórdão do STJ de 16-12-1993, proferido no recurso cível n.º 84.508, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 181, que nesta específica área recortou novos horizontes e estabeleceu novas metas.
O contrato de seguro obrigatório visa cobrir a responsabilidade civil pessoal pela reparação de danos decorrentes de lesões causadas a terceiros por veículo terrestre, sendo que essa responsabilidade tanto pode decorrer de comportamento culposo na condução do veículo, como os dos riscos próprios do veículo mesmo que não se encontre em circulação. De diferente modo será se estivermos face a ofensas à honra, à autodeterminação sexual, à liberdade de decisão e de acção, à propriedade, à integridade física, ou à vida, mas agora nestes dois casos em sede de crime de ofensas à integridade física dolosas, ou de homicídio voluntário, simples, ou qualificado, típico, ou atípico, ou privilegiado, ou de prática desses crimes na forma tentada, em que não há, obviamente, lugar a uma prévia “contratualização”, a um concerto de transferência de responsabilidade do autor da lesão para terceiro, coincidindo o demandado responsável criminal com o demandado responsável civil pela violação de um direito humano fundamental e absoluto. Nesses casos, ao proceder-se à quantificação da indemnização, há que ponderar que o lesante será o efectivo pagador, estando-se fora de um quadro de responsabilidade segurada, em que a responsabilidade total é mesmo individual, coincidindo fisicamente o autor do facto lesivo e o responsável pelo pagamento da prestação ressarcitória/compensatória, o demandado criminal e o demandado civil, havendo que considerar que o montante a encontrar não deverá atingir valor que redunde numa extrema dificuldade em cumprir ou num convite ao incumprimento, devendo assumir patamar mínimo de exigibilidade, maxime, em casos em que o condenado, devedor da prestação indemnizatória/compensatória, se encontra em situação de reclusão, em que as possibilidades de pagamento da indemnização obviamente minguam ou inexistem.
Por último, no que toca à situação económica do lesado tem sido entendido ser de afastar a referência à mesma, por violação do princípio da igualdade, consignado no artigo 13.º da CRP, na senda dos acórdãos de 11-01-2007, de 7-02-2008, de 22-10-2009, processo n.º 3138/06.7TBMTS.P1.S1, de 24-04-2013 e de 12-07-2018, revista n.º 1842/15.8T8STR.E1.S1, in CJSTJ 2018, tomo II, págs. 183 a 189.
Maria Manuel Veloso, Danos não patrimoniais, inserto na obra Comemorações dos 35 anos do Código civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, Volume III, Direito das Obrigações, Coimbra Editora 2007, pág. 542, ao abordar “A condição económica do lesante e do lesado” escreve: “Precisamente sob o prisma da igualdade tem sido criticada a ponderação das situações económicas. De uma forma arrojada, o Supremo Tribunal de Justiça, na sua decisão de 11 de Janeiro de 2007, considerou ser inconstitucional o critério do art. 494.º por violação do princípio da igualdade. O bem em causa – a vida – não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no art. 494.º. A solução vem ao encontro do que se diz na Resolução 7/75 (mas que desatende a parcela dano da perda da vida em si), que determina que o cálculo da indemnização por dores físicas e sofrimento (nomeadamente dos familiares ou pessoas próximas, em caso de morte da vítima imediata) deve ser independente da situação económica da vítima. Parece-nos, de facto, como a aplicação jurisprudencial demonstrou, que o critério carece de fundamentação suficiente. Só o caso de verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa) pode justificar atender às situações económicas. Mas o recurso à equidade já por si permite frenar a pretensão do lesado. De todo o modo, ainda nestes casos veja-se a solução como excepcional. Admitir que a indemnização pode corresponder a um montante inferior àquele que lhe corresponderia se não houvesse “manifesta desigualdade” em termos económicos significa não uma verdadeira brecha num sistema da reparação integral, mas sim uma concessão à ideia de que a protecção do lesado não depende apenas do tipo de bem violado”.
Mencionando crítica feita pela doutrina quanto ao entendimento jurisprudencial que afirma a inconstitucionalidade da ponderação das situações económicas do lesante e do lesado, veja-se anotação ao artigo 494.º do Código Civil, por Gabriela Páris Fernandes em Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Dezembro de 2018, págs. 332 a 340, (indicando, a este propósito, os supra citados acórdãos de 11-01-2007, 7-02-2008, 22-10-2009 e 24-04-2013). Refere a Autora, a págs. 339: “justificar-se-á a redução, apurados os demais pressupostos do artigo 494.º, se se verificar no caso concreto uma desproporção entre a situação económica do lesado (boa) e do lesante (má) que a reclame”.
José Carlos Brandão Proença, em Código Civil Edição Comemorativa do Cinquentenário, Universidade Católica Editora, Outubro 2017, pág. 348, questiona se devem ou não ser valoradas as situações económicas de segurado e de seguradora e qual a sua relação com o seguro obrigatório.
Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, 2.ª edição, a págs. 102, aborda o preceituado no artigo 494.º do Código Civil ao focar o problema da equidade, juízo ou critério que funciona quase exclusivamente nos artigos 489.º, 494.º, 496.º, 503.º, n.º 2, 566.º, n.º 3 e 339.º, n.º 2, do mesmo Código, afirmando: “A equidade é ditada, no sistema de responsabilidade civil, quando se pretende fazer corresponder ou ajustar os limites da responsabilidade às diferentes posições de culpa que lhe estão na base, segundo o sentimento do mérito e do demérito, emprestando um tratamento mais atenuado aos casos que, em geral, merecem alguma desculpa; ou quando estão em causa situações de imprecisão para as quais a prova não encontrou a chave necessária”. Defende que se a razão de ser da norma reside numa atenuação da responsabilidade, aconselhada pelo reduzido grau de culpa, a sua doutrina é inaplicável à responsabilidade pelo risco. “Assim, no sistema da responsabilidade civil subjectiva, a indemnização pode ser reduzida em atenção a factores de justiça social e sobretudo a uma culpa atenuada; no sistema da responsabilidade civil pelo risco, a indeminização não pode ultrapassar nunca certos limites máximos. Todavia, em ambos os sistemas, sempre que se torne impossível determinar o cálculo exacto dos danos, essa questão é resolvida também por critérios de equidade (artigo 566.º n.º 3). Essa impossibilidade pode manter-se, quer em face dos elementos de prova oferecidos, quer no derradeiro esforço que o juiz faça, lançando mão de presunções ou juízos de experiência (artigos 349.º e 351.º do Código Civil)”. A este respeito, o Autor cita a advertência de De Cupis, citado no BMJ n.º 90, pág. 202: «Posto que a avaliação equitativa se distingue da prova, deve esclarecer-se bem que ela não deve sequer confundir-se com a prova indiciária ou por presunções. Esta tem carácter indirecto, mas é sempre uma prova: na verdade, argumentando com indícios, o juiz pode convencer-se do preciso montante do dano; quando tal processos lógico não pode ser usado, faltem, entende-se, outros meios de prova, e o juiz não queira deferir o juramento estimatório, há lugar a alguma coisa de diferente, e precisamente à avaliação equitativa. O avisado critério do juiz pode aplicar-se, assim na prova por presunções, como na avaliação equitativa, mas, ao passo que, na prova por presunções, ele consente que se aproveitem aqueles indícios através dos quais pode exactamente determinar-se a entidade do dano, na avaliação equitativa, unicamente permite que se estabeleça aproximadamente tal entidade».
Prosseguindo.
Cálculo da indemnização
Neste domínio há que ter presente o facto de estarmos perante quantificação de indemnização devida por danos futuros previsíveis. Como se aludia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-1996, processo n.º 406/96, BMJ n.º 462, pág. 396 (retomado no acórdão do mesmo Relator, de 18-03-1997, recurso n.º 793/96, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 24), «No concernente a danos patrimoniais futuros está-se, obviamente, em presença de humana futurologia, tornando-se evidente que qualquer resultado é sempre discutível». No dizer do acórdão de 06-07-2004, proferido na Revista n.º 2318/04 – 6.ª Secção, a avaliação pelo juiz do dano futuro causado pela incapacidade permanente é tanto mais difícil quanto o trabalho futuro se distancia do sinistro, entrando-se no campo da profecia, e em registo similar, no acórdão de 04-10-2005, na Revista n.º 2167/05-6.ª Secção, dizia-se que a determinação dos danos patrimoniais futuros causados por incapacidade permanente envolve sempre uma profecia e tanto maior quanto menor é a idade do lesado. No acórdão de 06-07-2006, proferido na Revista n.º 1909/06-6.ª Secção, reconhecendo-se a mesma dificuldade, dizia-se: «a determinação dos danos patrimoniais futuros causados por incapacidade permanente envolve sempre uma profecia, tanto maior quanto menor é a idade do lesado». No acórdão de 21-09-2006, proferido na Revista n.º 2016/06-2.ª Secção, dando conta das mesmas dificuldades, refere-se a humana incapacidade de adivinhar o futuro.
Como referimos no acórdão de 25 de Novembro de 2009, por nós relatado no processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, em que era vítima de acidente de viação uma criança, um rapaz, que à data do acidente tinha oito anos de idade, que para além de ter ficado encarcerado cerca de 40 minutos na carrinha em que seguia com o avô, com este morto a seu lado, ficou paraplégico, sem sensibilidade abaixo da linha intermamilar, com incapacidade permanente geral de 80%, confinado a uma cadeira de rodas, com aplicação de algálias, bébé gel e uso de fraldas dia e noite, e mais tarde no acórdão de 27 de Outubro de 2010, processo n.º 2519/06.0TAVCT.S1, versando acidente de viação mortal e indemnização por perda de alimentos: «Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o “id quod plerumque accidit”; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade – cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, do mesmo Relator, de 26-05-1993, recurso n.º 83.505, in CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130 e de 10-02-1998, recurso n.º 847/97, in CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 65, (ambos citando Dario Martins de Almeida, Manual de acidentes de viação, pág. 114, Vaz Serra, RLJ, ano 112.º, 329 e ano 114.º, 287; Pires de Lima-Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume 1, 4.ª edição, pág. 584), sendo o segundo acórdão citado por Sousa Dinis, em Dano corporal em acidentes de viação, CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 8; e ainda o acórdão de 15-12-1998, revista n.º 972/98 -2.ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155, e do mesmo Relator, o de 06-07-2000, revista n.º 1861/00-2.ª, in CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144 e BMJ n.º 499, pág. 309 e o de 25-06-2002, revista n.º 1321/02-1.ª, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128.». O texto de introdução no tema, dispensadas as subsequentes concretizações, encontra-se transcrito, de pleno, no acórdão do STJ de 19-02-2014, processo n.º 1229/10.9TAPDL.L1.S1, sem qualquer menção de citação. Extrai-se do acórdão de 16 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 290/07.8PATNV.C1.S1, desta Secção (Armindo Monteiro): “A fixação do montante de indemnização pelos danos sofridos pela demandante e filhos, privados da contribuição do marido e do pai, que lhes deve alimentos (artigos 1675.º, 2003.º, 2001.º e 2009, n.º 1, alínea c), do CC) assume contornos delicados exactamente porque há que lidar com a incerteza no que respeita à sua capacidade de ganho futuro”. «As consabidas dificuldades na determinação da extensão do dano, resultantes da consideração de factores aleatórios e de verificação de factos previsíveis, por vezes muito distantes do tempo da produção do evento danoso e da decisão, demandando projecção relativa a longos prazos de previsão – podendo atingir algumas décadas! – com realce desde logo para o imponderável da provável duração da vida do lesado (mesmo quando, como no caso, se equaciona situação onde o facto morte já não se traduz num “certus an, incertus quando”, porque já se mostra verificado o marco da finitude), não viabilizam que à luz da lei constituída fiquemos por um cómodo non liquet. Como se acentua no acórdão de 11-10-1994, recurso n.º 85.848, in CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 89 (92) e BMJ n.º 440, pág. 448 “Assumindo a falibilidade da capacidade humana para prever, mas tendo em conta o que já aconteceu, as regras da experiência comum, e o que é natural e normal que venha a acontecer, há que decidir com a segurança possível e a temperança própria da equidade (cfr. n.º 3 do art. 566.º do Cód. Civil); isto é, há que optar por um modo de aplicação e cumprimento da lei constituída”. Reconhecida a falibilidade das projecções feitas para o futuro, face a danos futuros previsíveis e determináveis, ponderando uma situação hipotética, que é por definição, uma situação imaginária, irreal, virtual, e temporalmente bem distante no seu conjecturado termo final, há que proceder a uma quantificação do dano patrimonial futuro, que se assuma como compreensível, credível, plausível e aceitável, e fundamentada a partir de parâmetros actuais – considerado o tempo da decisão – e tendo em conta a dinâmica própria da vida, nas suas multifacetadas aparências e interacções, e uma natural evolução dos dados em equação». Por outro lado, há que ter em consideração que a fixação da indemnização constitui matéria de direito, porque é uma conclusão jurídica a tirar dos factos dados como demonstrados. Na vigência do Código de Seabra foi fixada jurisprudência, com três votos de vencido num Colégio de treze, no sentido de que “É matéria de direito a fixação do quantitativo da indemnização devida por acidente produzido por veículos em circulação da via pública, sendo da competência do Supremo Tribunal de Justiça manter ou alterar a que foi fixada pela Relação”, conforme Assento do S.T.J. de 14 de Julho de 1936, publicado no Diário do Governo, I Série, de 5 de Agosto de 1936 e na Revista dos Tribunais, 54.º, pág. 233. Segundo o acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 12-02-1969, proferido no processo n.º 32.873, publicado no BMJ n.º 184, pág. 151, é matéria de facto, da exclusiva competência dos tribunais de instância, a determinação da extensão dos danos patrimoniais, mas é questão de direito o apuramento face aos factos, dos danos não patrimoniais sofridos por acidente de viação, e a fixação do montante a atribuir como compensação. A extensão da determinação do dano não patrimonial pode ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme o acórdão de 17-11-1977, processo n.º 66.780, BMJ n.º 271, pág. 207. E como se extrai do acórdão de 23-10-1979, BMJ n.º 290, pág. 390 e RLJ, Ano 113.º, pág. 91, “A avaliação dos danos patrimoniais depende de uma apreciação sobre matéria de direito”. De acordo com o acórdão de 03-12-1992, proferido no processo n.º 81.775, publicado no BMJ n.º 422, pág. 365, “determinar se certo dano não patrimonial é ou não compensável e se é exagerado ou não envolve questões de direito, quer por envolver a interpretação do artigo 496.º, do Código Civil (na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito), quer pelo ressarcimento dos mesmos depender, na sua medida, de uma série de circunstâncias que devem conduzir à fixação do que o julgador considerar justo (artigo 494.º Código Civil)”. Como ensinava Adriano Vaz Serra, Boletim do Ministério da Justiça (BMJ) n.º 90, pág. 201, sempre que na sentença se faça uso da equidade, isso constitui matéria de direito, susceptível, portanto, de apreciação no STJ, constituindo jurisprudência pacífica – v.g., acórdãos de 05-12-1975, BMJ n.º 253, pág. 129; de 28-04-1977, processo n.º 66.606, BMJ n.º 266, pág. 165 (a fixação do quantitativo da indemnização constitui matéria de direito), de 26-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 424, e de 20-01-2001 e de 19-11-2002, revistas n.ºs 2014/01 e 3289/02, ambas da 6.ª Secção. Como é comummente entendido, o juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios.
Revisitando o exposto nos acórdãos por nós relatados de 15 de Abril de 2009, processo n.º 3704/08, de 25 de Novembro de 2009, no processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, de 20 de Fevereiro de 2013, processo n.º 269/09.5GBPNF.P1.S1, de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1 e de 18 de Fevereiro de 2016, processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S1, abordar-se-á o tema da equidade, olhado como critério corrector dos demais utilizados para cálculo da indemnização, nestes termos:
«Equidade Com a cláusula de equidade, prevista, no artigo 4.º do Código Civil, sob a epígrafe “Valor da equidade”, como fonte de direito, e com utilização permitida, no que ora interessa, nos artigos 496.º, n.º 3 e 566.º, n.º 3, do mesmo Código, o tribunal resolverá o litígio ex aequo et bono e não ex jure stricto. O juízo ou critério equitativo corresponde ao “prudente arbítrio do julgador” presente no artigo 56.º, n.º 2, do Código da Estrada de 1954 e no artigo 34.º, § 2.º, do Código de Processo Penal de 1929. José Tavares, Princípios Fundamentais do Direito Civil, vol. I, pág. 50, ensinava que a função característica da equidade era “tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez”. “A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Observa Castanheira Neves, Questão de Facto - Questão de Direito, 1967, pág. 351, que a “equidade”, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial da juridicidade”. Aí se cita, a pág. 317, juízo de Aristóteles: “O equitativo, sendo embora justo, não o é em conformidade com a lei, mas antes como aperfeiçoamento do justo legal”. Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, volume I, pág. 54, ao decidir segundo a equidade, o julgador não está subordinado aos critérios normativos fixados na lei. E a fls. 501, referem: “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”. Como se pode ler em Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, 2.ª edição, págs. 103 a 105, “quando se faz apelo a critérios de equidade, pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa: a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias) em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. A equidade é a resposta àquelas perguntas em que está em causa o que é justo ou o que é mais justo. E funciona em casos muito restritos, algumas vezes para colmatar as incertezas do material probatório; noutras, para corrigir as arestas de uma pura subsunção legal, quando encarada em abstracto. (…) A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”. Conclui: “Em síntese, a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e compreensão e solução do caso concreto”. Antunes Varela, em anotação na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 129.º, pág. 210, refere-se à equidade, a par da intuição e do sentimento de justiça, como situando-se no leito de um rio (em que o julgador pretende atingir a foz), que corre entre as margens da matéria de facto e da matéria de direito. Segundo Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, 2006, págs. 604/5, a determinação do montante compensatório que corresponde aos danos não patrimoniais calcula-se segundo critérios de equidade, devendo atender-se, não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, assim como a todas as outras circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa. Ana Prata, no Dicionário Jurídico, 4.ª edição, 2005, pág. 499, refere “Julgar segundo a equidade significa dar a um conflito a solução que parecer mais justa, atendendo apenas às características de situação e sem recurso à lei eventualmente aplicável. A equidade tem, consequentemente, conteúdo indeterminado, variável de acordo com as concepções de justiça dominantes em cada sociedade e em cada momento histórico”. Em causa está conceito relacionado com justiça natural, igualdade, imparcialidade, justiça. Na definição da Lexicoteca, Moderna Enciclopédia Universal, Círculo de Leitores, tomo VII, pág. 170, equidade é critério de aplicação do direito a um caso concreto fundamentado em razões de justiça e não em norma legal preestabelecida. Na Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, edição da Universidade Católica Portuguesa, 1984, volume 2 - D. F, de págs. 988 a 997, Mário Bigotte Chorão na aproximação ao conceito, salienta a concepção de equidade como justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de la legalité pour rentrer dans le droit. No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, edição da Academia de Ciências de Lisboa, Verbo, 2001, Volume I, pág. 1470, de que foi coordenador João Malaca Casteleiro, após citar-se um excerto de Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, fornece-se uma noção popular de equidade, como sendo “abatimento voluntário no preço de venda de bens; baixa de preço”. Noutro âmbito, do Direito e Filosofia, é definida como “Justiça natural, não sujeita aos critérios normativos da lei, mas adaptada às circunstâncias concretas e particulares do caso a julgar, moderando a lei no que ela apresenta de impessoal e abstracto”. Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência. A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso. No acórdão do STJ de 28-10-1980, BMJ n.º 300, pág. 386, referia-se que ao exercício da aequitas associa-se sempre a prática dum “prudente arbítrio” atentas as circunstâncias do caso. Tratando-se de um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto, tem-se aceite a equidade como a consideração prudente e acomodatícia do caso, e, em particular, a ponderação das prestações, vantagens e inconvenientes que concorram naquele – assim, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-04-1991, AJ 18.º, pág. 6 e de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3.ª Secção. Outras abordagens em acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: Segundo o acórdão de 28-04-1993, recurso criminal n.º 43.918, BMJ n.º 426, pág. 267, «a fórmula “equitativamente” deve ser interpretada segundo o critério de um “bom pai de família”». Nos acórdãos de 04-12-1996, revista n.º 406/96 e de 18-03-1997, revista n.º 793/96, do mesmo Relator, ambos versando danos futuros emergentes de acidente de viação, aquele publicado no BMJ n.º 462, pág. 396 e este na CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 24, diz-se: o apelo a critérios de equidade tem em vista o encontrar no caso concreto uma solução mais justa – aquela é sempre uma forma de justiça. Ainda do mesmo Relator o acórdão de 26-11-2002, revista n.º 3567/02-6.ª Secção. Segundo o acórdão de 10-07-1997, processo n.º 406/97, BMJ n.º 469, pág. 524, a utilização da equidade, ainda que situada na fronteira entre a matéria de facto e a matéria de direito, está já do lado do direito, pelo menos naqueles casos em que a lei expressamente mande atender à equidade, como fonte de direito [atento o disposto no artigo 4.º, alínea a), do Código Civil] Segundo o acórdão de 10-02-1998, revista n.º 847/97, in CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 65, “A equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na lei”. De acordo com os acórdãos de 29-04-1998, processo n.º 55/98 e de 10-09-2009, processo n.º 341/04.8GTTVD.S1-3.ª Secção, a noção de equidade tem essencialmente que ver com a “vertente individualizadora da justiça”; a equidade traduz um juízo de valor que significa, na determinação «equitativamente» quantificada, que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado. No acórdão de 15-12-1998, revista n.º 972/98, na CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155, pode ler-se: “O cálculo da indemnização do dano patrimonial, lucros cessantes, presentes e futuros, derivados da incapacidade de que o autor ficou a sofrer, tem que ser feito, no que aos futuros diz respeito, com recurso à equidade, nos termos do n.º 3 do art. 566.º, CC. O julgamento de equidade, como processo de acomodação dos valores legais às características do caso concreto, não pode prescindir, aqui, do que é normal acontecer (do id quod plerumque accidit), no que se refere à duração da vida (a expectativa de vida do cidadão masculino médio), à progressão profissional do trabalhador jovem, e, finalmente, à flutuação do valor do dinheiro quando perspectivado um período correspondente ao da vida provável de um jovem adulto, como é o caso do autor”, tendo em conta os componentes do dano, como as suas consequências, o grau de lesão, a culpa na produção do acidente, a situação económica do lesado, o valor do dinheiro e os critérios jurisprudenciais pregressos – cfr. do mesmo Relator o acórdão de 06-07-2000, revista n.º 1861/00, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144 e BMJ n.º 499, pág.309. No acórdão de 14-04-1999, recurso criminal n.º 1409/08, CJSTJ 1999, tomo 2, pág. 174, a equidade é vista como cláusula geral, critério valorativo de apreciação e definida como um dos institutos previstos no Código Civil, a par da boa fé, abuso de direito, bons costumes, que permitem ao julgador evitar decisões menos rectas mas formalmente rigorosas, ficando a cargo da jurisprudência a adaptação da lei à realidade das situações concretas, procurando-se obter a conciliação da certeza e da segurança do direito com a justiça para todos os casos concretos Para os acórdãos de 23-04-2008, processo n.º 303/08-3.ª, de 21-05-2008, processo n.º 1616/08-3.ª e de 29-10-2008, processo n.º 3373/08-3.ª Secção, todos do mesmo Relator - Equidade é a justiça do caso concreto, humano, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, tendo presentes os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência. Segundo o acórdão de 03-09-2008, processo n.º 2389/08-3.ª Secção - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim dum critério para correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. Como se extrai do acórdão de 05-11-2008, processo n.º 3266/08-3.ª Secção “Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência. A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso”. Segundo o acórdão de 12-03-2009, revista n.º 2972/08-2.ª Secção, CJSTJ 2009, tomo 1, pág. 140, não se devendo confundir a equidade com arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, deve traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” - Pires de Lima - Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume 1.º, p. 501. Outras aplicações do conceito podem ver-se nos acórdãos de 04-03-2008, revista n.º 183/08-6.ª secção, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 142; de 24-04-2008, processo n.º 907/08-5.ª Secção; de 06-05-2008, revista n.º 1042/08-6.ª e n.º 1279/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, págs. 44 e 50. Referenciando as duas acepções fundamentais de equidade, a noção “fraca” e a noção “forte”, veja-se o supra citado acórdão de 10-09-2009, processo n.º 341/04.8GTTVD-3.ª Secção. E podem ver-se ainda os acórdãos de 11-03-2010, revista n.º 288/06.3TBAVV.S1, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 123 (funciona como elemento de correcção do resultado alcançado a partir de outros critérios), de 15-04-2009, por nós relatado no processo n.º 3704/08-3.ª, de 25-11-2009, por nós relatado no processo n.º 397/03.0GEBNV.S1-3.ª, de 20-02-2013, por nós relatado no processo n.º 269/09.5GBPNF.P1.S1-3.ª, de 08-05-2013, processo n.º 670/09.4JACBR.C1.S1 - 3.ª Secção. Como se extrai do acórdão de 12-07-2012, processo n.º 471/05.9JELSB.L1.S1 - 3.ª Secção “A decisão segundo a equidade significa intervenção do justo critério do juiz na ponderação ex aequo et bono das circunstâncias particulares do caso, partindo das conjunções referenciais da ordem jurídica, e em função das finalidades a realizar; o julgamento de equidade não depende, por isso, da simples vontade, de inteira subjectividade ou de um modelo de discricionariedade. Os critérios de equidade remetem, assim, para uma operação complexa, que se não atém inteiramente a considerações de direito estrito, mas a referenciais que se acolhem a uma concreta ponderação de razoabilidade, ao prudente arbítrio, ao senso comum dos homens e à justa medida das coisas. Porém, na determinação equitativamente quantificada, os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objectivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado, ou possam significar objectivamente um enriquecimento injustificado”. Um caso com interesse para avaliar as situações de subsunção no juízo de equidade, pela sua singularidade, é dado pelo acórdão de 25-03-2010, proferido no processo n.º 344/07-3.ª Secção, CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 227, em que não foi impugnada pela recorrente seguradora a medida de compensação do dano morte, no caso, fixada em € 50.000,00, atribuído como compensação do dano perda da vida de mulher de 68 anos, na sequência de acidente de viação. A seguradora impugna a decisão relativamente ao diferenciado montante de valor atribuído aos danos não patrimoniais próprios sofridos pelos oito irmãos da falecida, três deles sacerdotes católicos (estes instituídos pela falecida como seus herdeiros universais, a quem foi atribuído um valor de 20.000,00 € cada) e os outros, com a quantia de 10.000,00 €. Devendo o montante ser fixado equitativamente, afirma: “Para a formulação desse juízo de equidade não pode deixar de se atender ao grau de relacionamento, convivência ou até dependência entre a vítima e os titulares do direito à indemnização. Fundamental será também averiguar os factos de onde se possa deduzir a intensidade do afecto e da convivialidade dessa relação, os quais relevarão mais do que propriamente o grau do parentesco, em abstracto considerado”.(…) “Os montantes fixados, privilegiando justamente aqueles herdeiros que mais estreitamente se relacionaram com a vítima, não se podem considerar excessivos, tendo em conta não tanto o grau de parentesco como o grau de dedicação, de relacionamento e de afectividade entre a vítimas e os seus herdeiros”. Como ensinava Adriano Vaz Serra, BMJ n.º 90, pág. 201, sempre que na sentença se faça uso da equidade, isso constitui matéria de direito, susceptível, portanto, de apreciação no STJ, constituindo jurisprudência pacífica – v.g., acórdãos de 05-12-1975, BMJ n.º 253, pág. 129, de 28-04-1977, processo n.º 66.606, BMJ n.º 266, pág. 165 (a fixação do quantitativo da indemnização constitui matéria de direito), de 26-02-1991, BMJ n.º 404, pág. 424, de 20-01-2001 e de 19-11-2002, revistas n.ºs 2014/01 e 3289/02, ambas da 6.ª Secção. Em suma: O juízo equitativo é critério primordial e sempre corrector de outros critérios».
Indemnização do dano futuro A indemnização do dano futuro deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinga no final do período provável da vida activa da vítima, mas que garanta as correspondentes prestações periódicas, sendo que o resultado desses cálculos não se pode cingir ao valor aritmeticamente alcançado devendo igualmente reflectir o juízo de equidade estabelecido entre outros nos artigos 494.º, 495.º, n.º 3, 566.º, n.º 3, todos do Código Civil. Por outras palavras, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça defende maioritariamente que para a determinação do valor deste dano é essencial o recurso à equidade, constituindo as tabelas financeiras ou outras tabelas de cálculo instrumentos de mero valor auxiliar, porquanto os resultados obtidos por via desses instrumentos auxiliares são francamente insuficientes e devem ser corrigidos com o recurso à equidade. Ou seja, por o valor deste dano futuro mas previsível, não poder ser averiguado com exactidão será essencial o recurso à equidade para a sua quantificação, tal como o determina o artigo 566.º, n.º 3, do C.C. Nesse sentido, vejam-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-10-2009, Revista n.º 220/03.6TBSTB.E1 – 7.ª Secção (Porque o valor deste dano futuro mas previsível não pode ser averiguado com exactidão, será essencial o recurso à equidade para a sua quantificação, tal como o determina o nº 3 do art. 566º C. Civil); de 14-10-2010, Revista n.º 845/06.8TBVCD.P1.S1 – 7.ª Secção (nestas situações a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras”); de 02-12-2010, no processo n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1, 3.ª Secção (por nós relatado); de 10-01-2012, na Revista n.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1 – 6.ª Secção; de 08-03-2012, no processo n.º 26/09.9PTEVR.E1.S1 (por nós relatado); de 31-01-2012, Revista n.º 875/05.7TBILH.C1.S1 – 6.ª Secção (Assim, terá que atender-se, como manda o artigo 564º, nº 2, aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, e, não podendo ser averiguado o seu valor exacto, julgar-se-á mediante o recurso à equidade, nos termos do artº 566º, nº 3); de 10-05-2012, no processo n.º 451/06.7GTBRG.G1.S2 - 5.ª Secção ( Devendo os cálculos para a indemnização assentar, como se disse, em juízos de equidade, determina o bom senso e a lei que se proceda ao cálculo indemnizatório no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e o circunstancialismo de facto envolvente); de 19-02-2014, proc. 1229/10.9TAPDL.L1.S1 – 3.ª Secção (Uma vez que incide sobre um dano futuro, abrangendo um longo período de previsão, tem-se por adquirido que a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento de avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade); de 17-12-2015, Revista n.º 1294/11.1TJVNF.G1.S1 – 7.ª Secção (a fim de tornar menos discrepantes e mais justas e actuais as indemnizações devidas, têm sido aventados vários critérios e fórmulas de índole matemática, cujos resultados, todavia, devem ser tidos como meramente indicativos, intervindo a equidade e a ponderação de pertinentes elementos objectivos e subjectivos como elementos correctores dos resultados obtidos sempre que estes se revelem desajustados ao caso concreto); de 19-10-2016, Revista n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1 – 7.ª Secção e de 11-10-2017, processo n.º 1090/12.9GBAMT.P1.S1 – 3.ª Secção (Uma vez que incide sobre um dano futuro, abrangendo um longo período de previsão, tem-se por adquirido que a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento de avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade).
Neste conspecto, este Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que “sempre que a indemnização seja fixada com fundamento num juízo de equidade, em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos», “os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que a decisão recorrida afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida” (neste sentido o acórdão de 21-03-2013, proferido no processo n.º 760/01.1GAABF.E2.S1, da 5.ª Secção). Quer dizer: quando a equidade funciona, nas instâncias, como critério de quantificação indemnizatória, não compete ao STJ, em recurso de revista, determinar o valor exacto do quantitativo pecuniário a arbitrar, mas tão somente a verificação dos pressupostos e limites dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo. Logo, sempre que estejam em causa montantes fixados com base em julgamentos equitativos, a questão de direito – que ao STJ compete resolver – não reside na exactidão do quantum da indemnização, mas nos pressupostos normativos do recurso a este critério e na razoabilidade da decisão com ele obtida (a equidade aponta-nos um valor aproximado, não um valor matematicamente exacto); o julgamento baseado na equidade só é, em bom rigor, a solução de uma questão de direito enquanto se confinar à verificação dos pressupostos do recurso à equidade e dos limites da discricionariedade judicial dentro dos quais a decisão nela fundada não é questionada na sua razoabilidade. Por isso, desde que o valor arbitrado, não obstante alguma inevitável discricionariedade na fixação do montante, se situe dentro dos limites permitidos pelos factos provados, não é susceptível de ser sindicado pelo STJ (neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 07-10-2010, Revista n.º 839/07.6TBPFR.P1.S1 - 7.ª Secção, de 04-03-2014, proc. 856/07.6TVPRT.P1.S1 – 2.ª Secção e de 15-09-2016, Revista n.º 492/10.0TBBAO.P1.S1 – 7.ª Secção). Sobre este aspecto da intervenção limitada do tribunal de recurso, versando compensação por danos não patrimoniais, podem ver-se os acórdãos por nós relatados, de 25-11-2009, processo n.º 397/03.0GEBNV.S1, versando acidente de viação, de 25-11-2015, no processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1 e de 18-02-2016, no processo n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, ambos em caso de homicídio qualificado.
Revertendo ao caso concreto.
Cumpre, pois, analisar se na fixação dos montantes indemnizatórios o acórdão recorrido se situou dentro dos limites permitidos pelos factos provados, ou se, pelo contrário, a decisão recorrida afronta, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”. No caso concreto, a recorrente seguradora sustenta que o tribunal recorrido errou no cálculo da indemnização a atribuir à demandante pois devia ter considerado a previsibilidade de a demandante vir a conseguir emprego e a refazer a sua vida, num lapso de tempo não superior ao de 5 ou, no limite 15 anos, defendendo mesmo que, estatisticamente, não é previsível que a BB se mantivesse casada com o HH durante mais 27 anos. Baseia-se para o efeito no entendimento vertido no acórdão do STJ de 31-01-2012, Revista n.º 875/05.7TBILH.C1.S1, da 6.ª Secção, em que se decidiu que “Considerando a situação do recorrente que, à data do acidente, era casado com a primeira vítima e se encontrava desempregado, deve partir-se do princípio que esse desemprego não iria perdurar até à idade da reforma de sua falecida mulher, pois isso significaria, em termos práticos, que viveria mais de quarenta anos exclusivamente a expensas dela, hipótese que, por ser irrazoável, não é de conjecturar; deve considerar-se que pelo menos 2/3, senão mais, do vencimento anual da vítima (€ 24 373,10) se destinavam aos encargos normais da sua vida familiar; e deve ainda reputar-se como um facto normal, natural, e nesse sentido previsível, que o recorrente, dada a sua juventude, refaça e reconstrua a sua vida num futuro mais ou menos próximo, voltando a casar e assim constituindo uma nova família. Tudo ponderado, e sem perder de vista que a contribuição da vítima para os encargos familiares tenderia a aumentar se o casal, como era seu desejo, viesse a ter filhos a breve trecho, além de que a indemnização arbitrada será paga de uma só vez (o que representa uma vantagem patrimonial muito relevante), considera-se que o montante de € 80 000 fixado pela Relação é justo e equitativo, não merecendo qualquer censura.” Ora, não podemos concordar com o entendimento vertido no citado acórdão, nem com o argumento avançado pela seguradora recorrente quando entende que se impõe ainda proceder ao desconto decorrente do facto de o cônjuge mulher poder vir a ter uma vida profissional activa e também estar obrigada por lei a contribuir com alimentos para o agregado familiar ou para o filho menor. Desde logo, porque não resulta dos factos provados qualquer evidência de que o casal pudesse, sequer equacionar um eventual divórcio, resultando pelo contrário, dos factos provados nos números 32.º a 35.º que o falecido e os demandantes formavam uma família muito feliz, sendo o casal, muito cúmplice e fazendo muitos planos para as suas vidas em comum, estavam casados há 14 anos, depois de mais de 10 anos de namoro e que ambos enfrentavam com amor as dificuldades da vida. Cai assim, pela base, qualquer raciocínio especulativo quanto a um eventual divórcio ou separação do casal, baseado unicamente em estudos estatísticos cuja consistência prática carece no caso concreto de qualquer suporte factual. Na verdade, como se enfatizou no acórdão recorrido a demandante ... embora seja portadora de formação superior, durante a constância do matrimónio, exceptuando alguns períodos de curta duração, não desempenhou qualquer profissão remunerada, sofrendo de problemas de saúde, tendo à data do falecimento do marido, 41 anos de idade e estando desempregada, pelo que, a demandante tinha a legitima expectativa de continuar a contar com o rendimento do trabalho auferido pelo seu marido, para prover às suas despesas e aos encargos da vida familiar. Acresce que, uma eventual, futura e “hipotética” situação de vida laboral activa da esposa (que presentemente não se verifica) não exclui nem diminui o dever de alimentos por parte do marido ora falecido, já que ambos estão por lei e na medida das suas possibilidades, obrigados a contribuir para as despesas do agregado familiar e para sustentar o bem estar e os estudos do filho, até este ser capaz de por si próprio providenciar a esse sustento. Uma tal indemnização é, pois, sempre devida, independentemente da efectiva necessidade do outro cônjuge, pois os cônjuges, no seio da comunhão conjugal não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar, na proporção das respectivas possibilidades e mutatis mutantis o mesmo se aplica em relação à indemnização a processar ao filho do sinistrado no caso sub judice – isto é, tal indemnização será sempre devida e não haverá que efectuar qualquer redução pelo facto de a mulher da vítima, também poder vir a contribuir para o sustento do filho do casal. Daí que, como supra se referiu, também se defenda maioritariamente neste Supremo Tribunal que para o exercício deste direito à indemnização, não será necessário provar-se que a demandante esteja a receber da vítima, no momento do evento, qualquer prestação alimentar, por carência deles. Bastando demonstrar-se a aptidão dela para proceder à exigência de alimentos. Ora, se não se deve permitir que por via desta indemnização se proporcione um enriquecimento sem causa dos beneficiários, também se deve impedir por outro lado, um efectivo empobrecimento do seu património e defender essa redução e desconto, seria desconsiderar para o futuro um efectivo apoio económico que o agregado familiar tinha como certo vir a receber em consequência do trabalho do pai/marido (independentemente e para além do contributo dado pela mãe na sequência do seu próprio trabalho), o que em última instância redundaria no seu efectivo empobrecimento (neste sentido, vejam-se os acórdãos do STJ de 12-10-2006, Revista n.º 2520/06 – 7.ª Secção e de 04-05-2010, Revista n.º 111/04.3TBMUR.P1.S1 – 6.ª Secção). Esta análise deve ser feita à luz do quadro factual emergente do decesso da vítima e não com apoio em situações especulativas. Note-se, aliás, que, como supra se enfatizou a obrigação de prestar alimentos integra, a par do dever de contribuir para os encargos da vida familiar, o dever de assistência a que os cônjuges estão reciprocamente vinculados durante a vigência do matrimónio, em conformidade com o estabelecido nos artigos 1672.º e 1675.º, n.º 1, do mesmo Código Civil. A esse respeito, como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira (Curso de Direito da Família, vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 359), “a obrigação de alimentos, praticamente, só se autonomiza do dever de contribuição para os encargos da vida familiar quando os cônjuges vivem separados, de facto ou de direito”. Ou seja, apenas com a cessação da vida familiar, ou seja, a própria comunhão de vida que caracteriza o casamento, é que surge com toda a sua plenitude o dever de prestar alimentos com fundamento no artigo 2009.º, n.º 1, alínea a), do Código Civil. Como se refere no acórdão do STJ de 19-10-2016, proferido na Revista n.º 1893/14.0TBVNG.P1.S1 - 7.ª Secção, quando “a relação matrimonial cessa devido à morte de um dos cônjuges em consequência de acidente de viação, exclusiva ou parcialmente, imputável a outrem, pondo-se dessa forma termo à vivência conjugal, verifica-se uma involuntária quebra do dever de assistência por facto culposo de terceiro, adquirindo, então, autonomia a componente do dever de prestação de alimentos. A ruptura da relação familiar em circunstâncias completamente alheias à vontade de qualquer dos cônjuges, devida à actuação culposa de um terceiro causador do acidente de viação que vitimou um dos membros do casal e fez cessar, por essa razão, o cumprimento do dever de assistência, faz sobressair a obrigação de prestar alimentos, passando para o lesante o dever de, através da componente indemnizatória prevista no n.º 3 do citado artigo 495.º, ressarcir esse dano face à impossibilidade da desejável reconstituição natural (artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil).” Esta indemnização não tem por objecto a prestação de alimentos assente num vínculo de natureza familiar entre o credor da indemnização e a vítima tal como está perspectivado para o direito a alimentos consagrado nos artigos 2003.º e seguintes do Código Civil, na medida em que, radica no casamento, daí que, os critérios da sua atribuição sejam forçosamente divergentes dos contidos nas normas que regulam a matéria dos alimentos. Nesse sentido, vejam-se, entre outros, os seguintes acórdãos: - 10-01-2012, na Revista n.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1 - 6.ª Secção: “I - Quando o cônjuge (sobrevivo) reclama indemnização por danos futuros reportados à perda para sempre da contribuição material do outro cônjuge, falecido em acidente de viação, tal significa que está a reclamar junto de terceiro, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC, os alimentos, expressão da contribuição para os encargos da vida familiar que podia exigir ao falecido marido e a que este estava vinculado (cf. arts. 1672.º, 1675.º e 2003.º, todos do CC). II - Uma tal indemnização é sempre devida, independentemente da efectiva necessidade do outro cônjuge, pois os cônjuges, no seio da comunhão conjugal, não podem deixar de contribuir para os encargos da vida familiar, na proporção das respectivas possibilidades.”); - 08-02-2012, no processo n.º 746/08.5TAVFR.P1.S1 - 5.ª Secção: “Provada a prestação de alimentos à demandante, sua companheira, por parte da vítima, no âmbito de uma obrigação natural resultante das relações de convívio conjugal entre ambos existente, tem aquela direito a ser ressarcida independentemente da necessidade efectiva de alimentos, de harmonia com as regras gerais da responsabilidade pelos danos causados, segundo a previsão do disposto no n.º 3 do art. 495.º do CC.”; - 12-06-2012, na Revista n.º 1483/07.3TBBNV.L1.S1 - 1.ª Secção: “Decorre do art. 495.º, n.º 3, do CC, que quem puder exigir alimentos ao lesado tem direito a indemnização a prestar pelo lesante, que para ele radica no prejuízo que advém da falta do lesado e mesmo que sobre este não estivesse a recair qualquer prestação alimentar. Essa indemnização, da conjugação do citado normativo com o art. 2009.º do CC, consiste nos rendimentos de que o autor se viu privado e que a vítima lhe assegurava e que se manteriam se fosse viva (cf. arts. 2003.º e 2004.º do CC). - 10-05-2012, no processo n.º 451/06.7GTBRG.G1.S2 - 5.ª Secção: “O conceito de alimentos abrange tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário das pessoas, devendo ser proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, mas em cuja fixação se deve atender também à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência (art. 2004.º do CC); o referido direito de indemnização é apurado com base no prejuízo derivado da perda do direito a exigir alimentos que teria sobre o obrigado, se fosse vivo, nos termos dos arts. 562.º, 564.º e 566.º do CC.”. - 26-01-2016, Revista n.º 2581/14.2T8GMR.S1 - 1.ª Secção: “III - A indemnização a fixar, nos termos do art. 495.º, n.º 3, do CC, não tem que corresponder a todos os danos patrimoniais futuros decorrentes da morte do lesado, traduzindo-se, habitualmente, em quantia bastante inferior aquela que seria arbitrada, no caso de o obrigado a alimentos ter sobrevivido, ainda que com incapacidade permanente absoluta. Com efeito, na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça tem-se generalizado a ideia de que o comum das pessoas gasta 1/3 do salário com a satisfação das suas necessidades pessoais, pelo que, a contribuição para as despesas domésticas se cinge ao remanescente e não à totalidade do salário auferido (nesse sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 21-04-2005, Revista n.º 562/05, da 2.ª Secção, (neste caso, concede-se indemnização de Esc 15.000.000,00, a título de danos futuros à A. com quem a vítima, pai de dois filhos para quem contribuía com alimentos, vivia em união de facto, com base na quantia que entregava para as despesas comuns do casal, deduzidos os montantes de alimentos aos dois filhos e considerando que gastaria consigo cerca de 1/3), de 10-01-2012, Revista n.º 4524/06.8TBBCL.L1.S1 - 6.ª Secção; de 16-05-2012, processo n.º 290/07.8PATNV.C1.S1 - 3.ª Secção (Armindo Monteiro); de 10-07-2012, Revista n.º 7/09.2TJVNF.P1.S1 - 2.ª Secção; de 29-05-2014, Revista n.º 40/08.1TBSVV.C1.S1 - 7.ª Secção; de 14-12-2016, Revista n.º 12381/11.6TBBCL.G1.S1 - 2.ª Secção). “Desconto da importância que o lesado gastaria com ele próprio não havendo acidente (dispêndio consigo próprio) Estando em causa danos futuros de frustração de ganhos associados a IPP, em alguns acórdãos tem-se em conta dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastará consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, as despesas que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns deles, em média, para 1/3 dos proventos auferidos – neste sentido, acórdãos de 01-07-2003, revista n.º 1739/03-6.ª; de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª; de 03-02-2005, revista n.º 4478/04-7.ª; de 11-10-2005, revista n.º 2587/05-7.ª; de 03-11-2005, revista n.º 2503/05-7.ª; de 07-12-2005, revista n.º 3297/05-7.ª e n.º 3437/05-7.ª; de 12-01-2006, revista n.º 4269/04-7.ª; de 04-12-2007, revista n.º 3836/07-1.ª; de 07-02-2008, revista n.º 4521/07-6.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 91; de 29-10-2008, processo n.º 3379/08-3.ª; de 07-07-2009, revista n.º 362/09.4YFLSB -1ª. Com a restrição de que esta consideração somente vale no caso de morte, o acórdão de 17-06-2008, revista n.º 1266/08 – 6.ª. Já o acórdão de 25-11-1999, revista n.º 827/99-7.ª, clarificara que aqui, diversamente do que ocorre para o caso de morte, era de por de lado o desconto de 1/3 que a vítima gastaria com ela. Será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente não se efectivará, ao passo que o sobrevivente, com lesão gravemente incapacitante, grande traumatizado, continua a alimentar-se e eventualmente a ter outro tipo de necessidades e de dispêndio, por carecer, por exemplo, de dieta especial, não nos parecendo ser de fazer a dedução”.
Voltando ao tema, agora versando acidente de viação mortal, expendeu-se no acórdão de 27 de Outubro de 2010, por nós relatado no processo n.º 2519/06.0TAVCT, sob o subtítulo: «Desconto da importância que o lesado, no caso, falecido, gastaria com ele próprio não havendo acidente (dispêndio consigo próprio) Estando em causa indemnização por danos patrimoniais futuros previsíveis, de frustração de ganhos, próprios ou de terceiros, a jurisprudência tem tido em conta a dedução no cômputo da indemnização da importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo durante a sua vida, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a satisfação das despesas pessoais, que o lesado necessariamente teria com ele próprio mesmo que o acidente se não produzisse, apontando-se, em alguns acórdãos, em média, para o desconto de 1/3 dos proventos auferidos, ou noutra perspectiva, que vem dar ao mesmo, tendo-se em conta uma contribuição do lesado para o agregado familiar, na ordem de 2/3 do rendimento global. Este desconto está presente, quer na hipótese de incapacidade permanente para o trabalho, apenas parcial, ou geral, ou completa/absoluta, em que o lesado apenas sobrevive (algumas vezes em casos de incapacidade absoluta, geral e permanente, como nos casos de paraplegia ou tetraplegia, prolongando-se o conceito de vida, por vezes, tão só, no plano de vida vegetativa), como no caso de morte – neste sentido, e citando-se aqui apenas situações de dano morte, podem ver-se os acórdãos de 04-02-1993, recurso cível n.º 82206, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128; de 08-10-2002, revista n.º 15/02-1.ª; de 17-06-2004, revista n.º 1967/04-7.ª; de 21-04-2005, revista n.º 562/05-2.ª; de 07-06-2005, revista n.º 1527/05-1.ª; de 12-10-2006, revista n.º 2520/06-7.ª; de 17-04-2007, revista n.º 225/07-7.ª; de 10-07-2007, revista n.º 2242/07-7.ª; de 13-09-2007, revista n.º 2382/07-7.ª; de 22-11-2007, revista n.º 3688/07-1.ª; de 29-01-2008, revista n.º 3014/07-6.ª; de 04-03-2008, revista n.º 61/08-6.ª; de 24-06-2008, revista n.º 1577/08-6.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2860/08-3.ª; de 14-05-2009, revista n.º 2695/05.0TBPNF-1.ª; de 14-10-2009, processo n.º 3452/08-5.ª; de 13-01-2010, processo n.º 277/01.4PAPTS.S1-3.ª e de 28-05-2015, proferido na Revista n.º 436/12.4TBPRG.P1.S1-2.ª Secção. No acórdão de 04-12-2007, revista n.º 3840/07-1.ª, foi ponderado o desconto de 1/2 em caso de vítima mortal emigrante com a família a viver na Ucrânia. Considerando excessivo o desconto de 1/3 em agregado familiar de quatro pessoas pronunciou-se o acórdão de 13-05-2004, revista n.º 1845/03-2.ª. Com a restrição de que a consideração desta dedução somente vale no caso de morte, o acórdão de 05-07-2007, revista n.º 1734/07 e de 17-06-2008, revista n.º 1266/08, ambas da 6.ª Secção e do mesmo colectivo. No acórdão de 03-12-2009, processo n.º 760/04.0TAEVR.E1.S1-5.ª Secção, ponderou-se que a vítima, que viveu durante anos, até ao seu decesso, com uma companheira, consumiria, em despesas pessoais, uma quantia nunca inferior a 2/3 do auferido, aplicando 1/3 no contributo prestado para o sustento da sua companheira. Entende-se que será efectivamente de operar o desconto em causa no caso de morte, porque é dispêndio que obviamente o falecido deixará de ter de suportar, que não se efectivará, devendo ter-se em conta a dedução de um terço do rendimento global, cabendo às demandantes apenas o remanescente de 2/3 do montante auferido pela vítima, por corresponder à efectiva privação de que padecerão, sendo dessa ordem de grandeza o montante dos lucros cessantes».
Período de vida a considerar. O recurso a determinados factores de cálculo tem vindo a sofrer inflexões, o que se verifica igualmente em torno da consideração do termo do período de vida activa do lesado. Neste aspecto tem sido discutida a prevalência da “idade de reforma”, a estrita observância do limite de vida activa, ou diversamente, a esperança média de vida dos cidadãos deste País. Tudo se reconduz a distinguir expectativa de vida activa e expectativa de vida, que acresce (valor acrescido) para além daquela. A consideração dos 65 anos de idade, como limite etário da vida activa, rigidamente considerado durante muito tempo, passou a ser questionada pela jurisprudência. Considerando redução da capacidade laboral até aos 70 anos, num caso em que o lesado tinha 11 anos de idade, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1977, BMJ n.º 267, pág. 144; opondo alguma reserva à consideração dos 65 anos como limite da vida activa, veja-se o acórdão de 08-06-1999, BMJ n.º 488, pág. 323; no acórdão de 14-03-2000, revista n.º 53/00-6.ª, STJSAC, Edição anual 2000, pág. 103, afirma-se que o limite da vida activa profissional não tem de reportar-se à idade de 65 anos; afastando tal limite, de forma clara, o acórdão de 27-06-2000, processo n.º 1937/00, BMJ n.º 498, pág. 222. Como se extrai do acórdão de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª, “Deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal a esperança média de vida dos homens já é de, sensivelmente, 73 anos e tem tendência para aumentar e a das mulheres acaba de ultrapassar a barreira dos 80 anos)”. E no de 16-12-2004, revista n.º 3839/04 – 2.ª, diz-se: “Na aferição dos danos patrimoniais resultantes de diminuição da capacidade de trabalho do titular da indemnização, o Supremo Tribunal de Justiça tem encarado com especial reserva a consideração de determinada idade como limite da vida activa”, ponderando topicamente que «atingida a mesma, isso não significa que a pessoa não possa continuar a trabalhar» e que a «reforma não é sinónimo de inutilidade»; atende ao crescimento da taxa de longevidade e da capacidade de permanecer activo (a média de vida activa do homem em Portugal ultrapassa os 70 anos). Na determinação da indemnização não deve ficcionar-se que a vida física do lesado corresponde à sua vida activa. Neste sentido se pronunciara já nove anos antes o acórdão de 28-09-1995, recurso n.º 87.092, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 36 e BMJ n.º 449, pág. 344, considerando que “finda a vida activa do lesado, por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da assistência social”. Entende que os cálculos financeiros para efeitos de cálculo da indemnização a arbitrar pelos danos futuros não podem considerar os imponderáveis factores que surjam no futuro, inclinando-se para por de parte as tabelas e confiar preferentemente no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade (artigos 564.º, n.º 2, 566.º, n.º 3 e 496.º, n.º 3). Como se extrai dos acórdãos de 16-03-1999, revista n.º 22/99-2.ª, BMJ n.º 485, pág. 386 (394) e de 8-06-1999, revista n.º 391/99, BMJ n.º 488, pág. 323 (331) “No cálculo da indemnização por danos futuros (perda de rendimentos), é prática corrente ficcionar-se um limite de idade para a vida activa (supondo que no curso normal de vida o lesado atingirá o patamar de reformado) e quando este limite é ultrapassado, urge ficcionar um outro por forma a permitir a obtenção de um valor que se não reconduza a uma equidade completamente abstracta; isto porque não se pode ficcionar que finda a vida activa do lesado também a vida física desaparece nesse momento e com ela todas as necessidades daquele”. No acórdão de 04-02-1993, recurso n.º 82.206, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128, quanto à duração da vida activa do lesado, afirmava-se estar tranquilamente aceite que a vida activa das pessoas se mantinha até aos 65 anos; no acórdão de 08-06-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 138, em que era lesada uma menor de 10 anos, teve-se em conta “o prazo de vida activa previsível” e no de 05-05-1994, recurso n.º 84.952, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 86, do mesmo Relator do primeiro, considerava-se os 65 anos como o limite da vida activa (idem no acórdão de 7-10-1997, BMJ n.º 470, pág. 569). Os 65 anos como limite do período da vida activa são ainda tidos em consideração em alguns acórdãos mais recentes, como os de 27-09-2001, revista n.º 1979/01 - 7ª; de 09-04-2002, revista n.º 519/02-1ª, STJSAC2002, pág. 117 (não serão muitos os empregados de café que continuem a exercer a sua profissão para além dos 65 anos de idade); de 27-05-2003, revista n.º 1127/03-1.ª; de 07-10-2003, revista n.º 2556/03 – 1.ª; de 27-05-2004, revista n.º 19/04-7.ª; de 09-12-2004, revista n.º2990/04-7.ª; de 29-06-2005, revista n.º 1336/05-1.ª; de 01-06-2006, revista n.º 1266/06 – 7.ª; de 03-10-2006, revista n.º 2625/06 – 6.ª; de 31-10-2006, revista n.º 2988/06 – 6.ª; de 14-12-2006, revista n.º 3998/06 – 6.ª; de 05-06-2007, revista n.º 1280/07 - 1ª; de 28-06-2007, revista n.º 1330/07 – 2.ª; de 25-09-2007, revista n.º 2159/07 - 1ª; de 25-10-2007, revista n.º 3579/07 – 2.ª; de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 - 7ª; de 17-01-2008, revista n.º 4527/07 - 7ª; de 09-10-2008, revista n.º 2607/08 - 7ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 – 2.ª (sinistro em consequência de queda do elevador); de 22-01-2209, revista n.º 3360/08 – 7.ª (a esperança média de vida activa laboral prolonga-se até aos 65 anos); de 02-07-2009, revista n.º 2759/08 – 7.ª. No acórdão de 30-06-2009, revista n.º 11325/03.3TBVNG.S1-1.ª, considera-se o limite de vida activa entre os 65 e os 70 anos. A esperança de vida a considerar é a esperança média de vida e não o tempo provável de vida activa – a vida activa é mais longa que a laboral, prolongando-se em alguns casos para além dos 70 anos. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-1991, processo n.º 42.294, Secção Criminal, BMJ n.º 411, pág. 471, versou caso de lesado com 60 anos à data do acidente (e 65 à data do recurso) com incapacidade permanente parcial para o trabalho de 48,4%, considerando-se aí que a vitalidade do ofendido – antes do acidente – faria supor que trabalharia até aos 70 anos. Exemplos de aplicação do critério que privilegia a consideração da esperança média de vida útil de trabalho na sua profissão, do lesado, ou um limite de 70 anos, podem ver-se nos acórdãos de 02-11-1995, recurso n.º 46.783, Secção Criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, págs. 220 a 226 (nota 2, pág. 226) e BMJ n.º 451, pág. 49; de 25-11-1998, BMJ n.º 481, pág. 470; de 15-12-1998, recurso n.º 972/98, em acção de responsabilidade civil por acidente de viação, publicado na CJSTJ 1998, tomo 3, págs. 155 a 159; de 16-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 169; de 13-01-2000, Revista n.º 1028/99-7.ª, STJSAC2000, pág. 34; de 03-02-2000, Processo n.º 1111/99 – 5.ª; de 28-03-2000, Revista n.º 222/00-1.ª, STJSAC2000, pág. 111; de 03-05-2000, revistas n.ºs 311/00-1.ª e 25/00-6.ª, STJSAC, págs. 157 e 158; de 06-07-2000, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144; de 28-11-2000, revista n.º 2622/00-1.ª, STJSAC 2000, pág. 331; de 01-03-2001, Revista n.º 3851/00-6.ª; de 15-03-2001, revista n.º 303/01-2.ª; de 20-11-2001, Revista n.º 3384/01; de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 05-12-2002, revista n.º 3564/02-7.ª; de 13-11-2003, Revista n.º 2961/03 - 7.ª Secção; de 18-03-2004, Revista n.º 32/04-2.ª; de 31-03-2004, Revista n.º 497/04-2.ª; de 13-05-2004, Revista n.º 1845/03-2.ª; de 27-05-2004, Revista n.º 1694/04-2.ª Secção; de 17-06-2004, Revista n.º 1844/04-7.ª; de 02-11-2004, Revista n.º 2628/04-1.ª; de 16-12-2004, Revista n.º 3839/04-2.ª; de 15-02-2005, Revista 4509/04-1.ª; de 3-11-2005, Revista n.º 2568/07-7.ª; de 08-11-2005, Revista n.º 3053/05-6.ª (já que os efeitos patrimoniais da IPP e as necessidades do lesado não desaparecem com o fim da sua vida activa e antes o acompanham até ao termo da sua vida física); de 17-11-2005, Revista n.º 3167/05 – 2.ª; de 26-01-2006, Revista n.º 4051/05-7.ª; de 09-03-2006, Revista n.º 312/06 – 7.ª; de 12-10-2006, Revista n.º 2581/06 – 2.ª; de 02-11-2006 Revista n.º 3559/06 – 7.ª; de 19-12-2006, Revista n.º 4204/06-2.ª; de 23-01-2007, Revista n.º 3741/05-6.ª, in CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 30; de 31-01-2007, Revista n.º 4301/06-6.ª (o aumento da esperança de vida e a consequente e previsível falência do sistema de segurança social actual são circunstâncias que vão levar a subir a idade geral da reforma, estando já em execução medidas a fomentar a manutenção voluntária do trabalhador ao serviço após atingir a idade mínima da reforma; por isso e numa previsibilidade a médio ou a longo prazo é de considerar que a idade de reforma de 65 anos é pouco consentânea com a realidade); de 13-02-2007, Revista n.º 4761/06-6.ª; de 22-02-2007, Revista n.º 100/07-7.ª; de 01-03-2007, Revista n.º 126/07-1.ª; de 08-03-2007, Revista n.º 4320/06-2.ª (não deve ficcionar-se que a vida física do lesado corresponde à sua vida activa, antes deve ter-se presente a esperança média de vida em Portugal); de 02-10-2007, Revista n.º 2657/07-1.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 68; de 13-11-2007, Revista n.º 3583/07-6.ª; de 22-11-2007, Revista n.º 3620/07-1.ª e Revista n.º 3688/07-1.ª; de 10-01-2008, Revista n.º 4606/07-7.ª; de 22-01-2008, Revista n.º 4499/07-1.ª; de 07-02-2008, Revista n.º 4598/07-1.ª; de 14-02-2008, Revista n.º 4508/07-2.ª; de 17-06-2008, Revista n.º 1266/08-6.ª; de 03-07-2008, Revista n.º 1811/08-7.ª (deve atender-se ao limite de 70 anos como a idade previsível da reforma, sendo em face dela que se deve capitalizar a indemnização devida a título de danos futuros); de 03-09-2008, Processo n.º 2386/08 – 3.ª Secção; de 14-10-2008, Revista n.º 2945/08-6.ª; de 16-10-2008, Revista n.º 3114/08-7.ª; de 29-10-2008, Processos n.º 3373/08 e n.º 3379/08, ambos da 3.ª Secção; de 02-12-2008, Revista n.º 2096/08, in CJSTJ 2008, tomo 3, pág. 172; de 18-12-2008, Revista n.º 2661/08-7.ª; de 22-01-2009, Processo n.º 2499/08 – 5.ª Secção; de 11-02-2009, Processo n.º 3980/08 – 3.ª Secção; de 17-02-2009, Revista n.º 4099/08 – 1.ª; de 19-02-2009, Revista n.º 3652/08-2.ª (deve ser considerada a esperança média de vida); de 09-06-2009, Revista n.º 285/09.7YFLSB-6.ª; de 18-06-2009, Revista n.º 268/09-2.ª; de 25-06-2009, Revista n.º 2409/09.1TBCBR.C1.S1-6.ª; de 30-06-2009, Revista n.º 1995/05.3TBVCD.S1-1.ª; de 17-09-2009, Revista n.º 292/1999-09.S1-6.ª; de 24-09-2009, Revista n.º 37/09 – 7.ª (a relevância da lesão não pode ser avaliada apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há-de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida). Com outras concretizações quanto ao limite de idade, ultrapassando a barreira dos 70 anos, pronunciaram-se os seguintes: Acórdãos de 30-04-2002, Revista n.º 403/02-1.ª e de 15-10-2002, Revista n.º 1640/02-1.ª (72 anos para os homens); de 01-07-2003, Revista n.º 1739/03-6.ª (73 anos para homens e ultrapassando os 80 anos para as mulheres); de 27-02-2003, Revista n.º 80/03 e de 23-09-2003, Revista n.º 2259/03, ambos da 2.ª Secção e do mesmo Relator (distinguindo entre a expectativa de vida útil e a duração cronológica, ambas com tendência crescente, apontando aquela para idade a rondar os 70 anos, tendendo a esperança média de vida a atingir os 78 e os 82 anos para os homens e mulheres, respectivamente); de 22-09-2005, Revista n.º 2277/05-2.ª, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 38 (assenta em esperança de vida para autora de 79 anos); de 17-11-2005, Revista n.º 3050/05-2.ª e de 30-05-2006, Revista n.º 1333/06-1.ª (considerando expectativa de vida activa até aos 71 anos); de 27-04-2005, Revista n.º 2086/03-2.ª (72/73 anos); de 19-10-2004, Revista n.º 2897/04-6.ª; de 22-01-2008, Revista n.º 4338/07-1.ª e de 27-05-2009, Revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª (73 anos); de 08-11-2005, Revista n.º 3053/05-6.ª e de 27-11-2007, Revista n.º 3926/07-6.ª (74 anos); de 05-12-2006, Revista n.º 3728/06-6.ª; de 4-12-2007, Revista 3836/07; de 13-12-2007, Revista n.º 4312/07-2.ª; de 18-12-2007, Revista n.º 4244/07-6.ª e de 14-07-2009, Revista n.º 310/1998.C1.S1-6.ª (75 anos); de 06-07-2004, Revista n.º 1674/04-1.ª (75 anos para homens e mulheres); de 28-10-2008, Revista n.º 2663/08-6.ª (75,2 anos para os homens e 81,8 anos para as mulheres); de 30-10-2008, Revista n.º 3237/08-2.ª (70/75 anos); de 05-07-2007, Revista n.º 1724/07-6.ª; de 29-04-2008, Revista n.º 651/08-6.ª; de 16-09-2008, Revista n.º 2117/08-1.ª e de 12-03-2009, Revista n.º 277/09-1.ª (80 anos - mulheres); de 28-10-2008, Revista n.º 2663/08-6.ª (81,8 anos – mulheres); de 02-07-2009, Revista n.º 179/04.2TBMTR.S1-7.ª (esperança média de vida de 78 anos para homens); de 07-07-2009, Revista n.º 3306/08 – 7.ª (73 anos); de 22-09-2009, revista n.º 156/05.6TBVPA.S1-6.ª (previsível o desempenho como agricultor até aos 73 anos). Uma outra indicação neste plano é dada por via legislativa, como decorre do artigo 7.º, n.º 1, alínea b), da Portaria n.º 377/2008, de 26-05: ao estabelecer as regras e critérios a que deve obedecer a proposta razoável para indemnização dos danos patrimoniais futuros nas situações de incapacidade permanente absoluta, prescreve que para cálculo do tempo durante o qual a prestação se considera devida, presume-se que o lesado se reformaria aos 70 anos de idade. Segundo as “Estatísticas Demográficas” de 1997, do Instituto Nacional de Estatística, a esperança de vida era para os homens de 71,40 anos e para as mulheres de 78, 65 anos. De acordo com estatísticas produzidas pela ONU - informação apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-11-2006, na revista 3349/06-1ª - a expectativa de vida para os nascidos em Portugal entre 2000 e 2005 era de 73 anos para os homens e 80 para as mulheres. A esperança de vida da população portuguesa residente, segundo os resultados do censo de 2001, “Estatísticas Demográficas” de 2001 do Instituto Nacional de Estatística, era de 73,47 anos para os homens e de 80,30 anos para as mulheres».
Soluções jurisprudenciais relativas a montante indenmnizatório
Para além dos factores assinalados, há que ter em consideração os sinais e sentido das decisões sobre a matéria, os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito. Os padrões fornecidos pela jurisprudência, nomeadamente os mais recentes, constituem também circunstância a ter em conta no quadro das decisões que façam apelo à equidade. Na verdade, devendo o quantitativo da indemnização ser apurado segundo critérios de equidade, deverá atender-se, conforme Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 629, para além do grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, e ainda aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência. O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada – acórdão do STJ, de 17-04-97, SASTJ, n.º 10, Abril, pág. 52. O acórdão de 23-10-1979, BMJ n.º 290, pág. 390, citando acórdão de 25-07-1978, que defendera o critério de comparar o montante indemnizatório a situações análogas, já apreciadas noutras decisões judiciais, afirmou “não se entrevê nenhum outro critério susceptível de garantir maior objectividade na fixação da compensação devida por danos não patrimoniais”, lançando mão de seguida da solução paralela do acórdão de 09-01-1979, BMJ n.º 283, pág. 260. Adriano Vaz Serra, em comentário àquele acórdão na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 113.º, págs. 91 a 96 e 104/5, opina que o recurso aos “padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência” não é o único elemento a ter em atenção, não sendo senão um dos que podem contribuir para uma equitativa avaliação da indemnização, sendo razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção além da gravidade da lesão, da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselhe sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante. Antunes Varela, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 123.º, págs. 189, 251 e 278 a 281, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-05-1985, (BMJ n.º 347, pág. 398), n.º 3798, pág. 280, considera que o Tribunal deve também “atender aos valores anteriormente fixados pelos outros tribunais para a indemnização de danos de igual natureza”.
Defendendo o recurso a tais padrões, podem ver-se os acórdãos de 26-05-1993, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130; de 2-11-1995, recurso 46.783, Secção Criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220 e BMJ n.º 451, pág. 49 (o recurso a critérios de equidade é o único possível dentro do adoptado enquadramento, por corresponder a uma determinação jurídica do valor dos danos); de 30-10-1996, BMJ n.º 460, pág. 444; de 18-03-1997, CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 163; de 17-04-1997, SASTJ, n.º 10, Abril, pág. 52 (importa atender, por razões de justiça relativa, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada); de 11-11-1997, processo n.º 177/97-1ª, BMJ nº 471, pág. 369 e CJSTJ 1997, tomo 3, pág.132; de 15-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155 (159); de 08-06-1999, processo n.º 391/99, BMJ n.º 488, pág. 323; de 14-03-2000, revista n.º 53/00-6.ª, SASTJ 2000, pág. 103; de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 21-03-2006, revista n.º 324/06-1.ª; de 02-11-2006, revista n.º 3326/06-2.ª; de 04-03-2008, revista n.º 183/08-6.ª,CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 142; de 25-02-2009, processo n.º 3459/08-3.ª; de 15-04-2009, processo n.º 3704/08-3.ª; de 23-09-2008, revista n.º 2469/07-7.ª; de 09-06-2009, revista n.º 497/03.7TBALB.C1.S1-6.ª; de 24-09-2009 revista n.º 37/09-7.ª; de 24-02-2010, processo n.º 151/99.2PBCLD.L1.S1-3.ª. No acórdão de 17-04-2012, processo n.º 4797/07.9TVLSB.L2.S1, da 1.ª Secção Cível, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 53, pondera-se que apesar de na compensação por danos não patrimoniais intervir sempre um juízo prudencial casuístico, como é próprio do julgamento por equidade, não podem ser postergados, no critério da respectiva fixação, os valores de igualdade de tratamento (princípios da igualdade e proporcionalidade) e de segurança jurídica, transpondo, na medida do possível, os indicadores fornecidos pelas situações mais próximas tratadas pela jurisprudência. Para o acórdão de 8-05-2013, processo n.º 3509/09.7TACBR.C1.S1-5.ª, o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida a tenção às demais circunstâncias. E, por isso, há que atentar nos critérios equitativos que vêm sendo seguidos pela jurisprudência. Segundo o acórdão de 12-09-2013 (6.ª Secção Cível - sumário), CJSTJ 2013, tomo 3, pág. 266, são de considerar os valores que, em casos semelhantes, são atribuídos pelos Tribunais Superiores, na demanda da igualdade possível. A impugnação do quantum, quando a há, tem lugar nos recursos interpostos pelos demandantes, de forma plena, ou meramente sectorial, como de resto, é claro exemplo o caso presente, em que a recorrente questiona apenas o montante atribuído pelo dano perda de alimentos, aceitando a medida de compensação do dano morte. A não reacção do condenado quanto ao nível de quantificação verifica-se igualmente em casos de homicídio negligente. (Nos casos de acidente de viação responde a seguradora). Entende-se relevante mencionar outras decisões deste Supremo Tribunal, que nos permitem ter uma visão mais ampla dos valores normalmente fixados na jurisprudência em sede de dano patrimonial futuro (a título de alimentos): Passamos a transcrever o que no segmento “Desconto/Dedução/Acerto por antecipação da totalidade do capital”, escrevemos no acórdão de 25 de Novembro de 2009, no processo n.º 397/03.0GEBNV, em que era vítima de acidente de viação criança, um rapaz, que à data do acidente tinha oito anos de idade, que para além de ter ficado encarcerado cerca de 40 minutos na carrinha em que seguia com o avô, com este morto a seu lado, ficou paraplégico, sem sensibilidade abaixo da linha intermamilar, com incapacidade permanente geral de 80%, confinado a uma cadeira de rodas, com aplicação de algálias, bébé gel e uso de fraldas dia e noite. «Tratando-se de operação a efectuar após determinação do capital, a razão para operar este “desconto” está em que o lesado perceberá a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado. Trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. Como se refere nos acórdãos de 13-10-1992 e de 28-10-1992, BMJ, n.º 420, págs. 507 e 544, e de 02-11-1995, recurso n.º 46.783, secção criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220, ao montante encontrado deve abater-se uma importância que traduza o benefício que representa o recebimento imediato e integral do capital, devendo proceder-se, para evitar um enriquecimento injusto, a uma redução equitativa pela entrega imediata. O acórdão de 16-03-99, revista n.º 30/99-1.ª, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 167, pondera que “o recebimento imediato da totalidade do capital indemnizatório poderá, se não for corrigido, propiciar um enriquecimento injustificado à custa do lesante”. No mesmo sentido, o acórdão da mesma data, na revista n.º 22/99-2ª, in BMJ, n.º 485, pág. 386, afirmando que ao valor apurado é necessário retirar algo, para evitar enriquecimento indevido, por a lesada receber de uma vez o que lhe levaria uma vida inteira a ganhar. Como se refere no acórdão de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6ª, na matéria dos danos futuros associados à IPP deve ponderar-se a circunstância de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia. De acordo com o acórdão de 20-11-2003, revista 3441/03-6.ª, justifica-se nada descontar ao valor encontrado porquanto, não obstante a vantagem para o A. em receber de uma só vez o que auferiria ao longo da vida, não se levou em conta os normais e futuros aumentos dos salários. E conforme o acórdão de 13-05-2004, revista n.º 1845/03-2.ª, não se justifica qualquer dedução para obviar a um “enriquecimento sem causa” devido ao recebimento imediato e de uma só vez do capital global. Afirmando a necessidade de efectuar o desconto, mas sem apontar em quanto, os acórdãos de 29-04-1999, revista n.º 218/99-2.ª, de 06-05-1999, revista n.º 22/99-2.ª e de 18-05-1999, revista n.º 156/99-2.ª, in STJSAC1999, págs., 163, 186 e 191; de 02-05-2002, revista n.º 4186/01-2.ª, STJSAC 2002, pág. 172 (sendo baixa a taxa de juros, mais pequena é a contribuição dos juros para o rendimento mensal dos beneficiários e mais pequena deve ser a dedução no montante global da indemnização por lucros cessantes); de 01-07-2003, revista n.º 1739/03-6.ª; de 19-10-2004, revista n.º 2897/04-6.ª; de 24-01-2006, revista n.º 4038/05-6.ª; de 09-11-2006, revista n.º 2849/06- 2.ª; de 14-07-2009, revista n.º 310/1998.C1.S1-6.ª; de 22-09-2009, revista n.º 156/05.6TBVPA.S1-6.ª (no cálculo da indemnização há que ponderar o facto do lesado ir receber de uma só vez e imediatamente, todo o capital da indemnização, beneficiando também dos respectivos juros); de 08-10-2009, revista n.º 28/02.6TJPRT.S1-7.ª. Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%. Assim: 1/3 ou ¼ - acórdão de 06-07-2000, BMJ n.º 499, pág. 309 e CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 144. ¼ - acórdãos de 25-05-1993, recurso n.º 83.505, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130, em que se defendeu, citando Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada, 4.ª ed., pág. 94, que feita a capitalização, preciso é ainda diminui-la de ¼, à semelhança de certa jurisprudência francesa, dado o lesado receber o capital de uma só vez; de 25-11-1999, revista n.º 827/99-7.ª, in STJSAC1999, pág. 385, invocando igualmente a jurisprudência francesa; de 27-09-2001, revista n.º 1979/01 – 7.ª; de 28-05-2002, revista n.º 1038/02 – 2.ª; de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág.128; de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 – 7.ª; de 14-02-2008, revista n.º 4508/07-2.ª; de 23-09-2008, revista n.º 1857/08 – 2.ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 – 3.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 – 2.ª (sinistro em consequência de queda do elevador); de 22-01-2009, revista n.º 3360/08 – 7.ª; de 11-02-2009, processo n.º 3980/08 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3.ª. 1/5 - acórdãos de 15-03-2001, revista n.º 303/01-2.ª; de 17-11-2005, revista n.º 3050/05-2.ª e de 30-10-2008, revista n.º 3237/08-2.ª. 30% - acórdãos de 06-02-2007, revista n.º 4436/06-1.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1-3.ª. 10% - acórdão de 27-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª – (valor reputado mais adequado dada a actual rigidez das aplicações de capital em valores muito baixos). No acórdão de 17-11-1992, BMJ n.º 421, pág. 414, o capital encontrado de 13.500.000$00 é reduzido a 7.500.000$00. No sentido de dever operar-se este acerto resultante da entrega do capital de uma só vez, o acórdão de 24-09-2009, revista n.º 37/09-7.ª.».
Continuando, e tendo em conta o caso especialíssimo de incapacidade geral permanente de 80% de que foi vítima criança com 8 anos de idade, foi considerado no mencionado acórdão de 25 de Novembro de 2009, o seguinte:
«O desconto em causa, estando presente situação em que o lesado é uma criança ou menor numa faixa etária mais baixa, tem de ter em consideração especificidade própria destes casos. Justificando-se esta dedução nos casos mais comuns, em que o lesado já trabalhava e em que há uma perda efectiva de ganho, a antecipação operada em benefício de menores será de mais longo alcance, tanto maior quanto mais baixa for a idade do ofendido. Justificando-se o acerto relativamente a lesados, para quem o dano corporal, a afectação da sua força de trabalho, da capacidade de produção de rendimentos, significa uma perda ou diminuição concreta, efectiva, imediata e actual de réditos e se efectivamente há uma antecipação de capital que urge corrigir, nos casos em que os lesados são crianças ou menores, em que a IPG/IPP não é causal de perda imediata, actual, de rendimentos, em que o dano tem repercussão diferida, verificando-se o não percebimento de salário apenas a partir do momento em que aos 18, 19, 20, 21, 22 ou mais anos entrassem no mercado de trabalho, a antecipação do capital tem um sentido mais amplo, sendo então percebido o valor da indemnização total, antes ainda de se verificar o termo inicial do que seria o período normal de vida activa, o que conduzirá a que a dedução tenha maior amplitude (por exemplo, o menor de 10 anos de idade recebe logo o correspondente (majorado), por referência ao que passaria a auferir, mês a mês, anualmente, ano após ano, com a força do seu trabalho, a partir, por exemplo, dos seus 20 anos). É que a incapacidade só relevará, para estes efeitos, a partir da entrada do lesado na vida activa, ocorrendo uma antecipação em duplo sentido. Acresce por outra via, que existe um período temporal em que não haveria ganho, mas diversamente despesas feitas pelos pais do lesado, pois estaria a viver na dependência dos mesmos. O lesado vai desfrutar assim de uma quantia global de que apenas começaria a alcançar uma ínfima parte a partir dos 20 anos; irá perceber, de uma única vez, sendo ainda menor, quando ainda não tem direito a um salário, a título de perda de capacidade de angariação de rendimentos, aquilo que em princípio receberia em mensalidades, uma a uma, ao vencer-se cada mês, ao longo de toda a sua vida activa, cujo início se aponta para 2015; no caso receberá, sendo ainda menor, sem profissão, sem capacidade aquisitiva actuante, de uma só vez, o equivalente a 45 prestações anuais, ou 630 mensais, se considerarmos apenas o limite de reforma aos 65 anos. Por estas razões justificar-se-á, nestes casos, a consideração de uma maior margem de compressão ao efectuar-se o desconto/acerto em causa». «Contra a efectivação deste desconto pronunciou-se o acórdão de 29-03-2007, revista n.º 3261/06-2.ª, que refere que o facto do montante ser entregue todo de uma vez não se traduz, no caso concreto (falecido com 31 anos de idade) numa indevida mais valia, a descontar no montante da indemnização por danos futuros.». De modo diverso, com declaração de voto, entende o acórdão de 9-09-2015, proferido no processo n.º 146/08.7PTCSC.L1.S1 da 3.ª Secção (Sousa Fonte): “Não é equitativo proceder a qualquer redução pelo recebimento da indemnização de uma só vez, não se traduzindo tal recebimento em qualquer enriquecimento ilegítimo porque o capital indemnizatório tal como foi calculado, não entrou em linha de conta com as naturais expectativas de majoração dos rendimentos do demandante, além de que os investimentos tradicionais vêm oferecendo taxas de juros relativamente baixas para aplicações com capital garantido, o que diminui com significado, e nalguns casos anula, o rendimento líquido eventualmente proporcionado por qualquer daqueles produtos financeiros. “Ainda que o demandante, no pedido que formulou, tenha deduzido ao produto que calculou 10% por recebimento da totalidade do capital de uma só vez, tal não impede o tribunal de concluir que, não se justifica esse desconto, não implicando qualquer ultrapassagem ao princípio consagrado no art. 609.º, do CPC. Por um lado, porque é ao tribunal que compete definir quais os factores legais do cálculo da indemnização; por outro, porque, ainda que a indemnização que venha a ser fixada por perda de capacidade de ganho ultrapasse a verba concretamente pedida, isso não importa violação da proibição contida no n.º 1 do referido preceito que se reporta ao valor global do pedido e não a cada uma das suas parcelas”.
Taxa de juro
Extrai-se do acórdão de 27 de Outubro de 2010, por nós relatado no processo n.º 2519/06.0TAVCT.S1, no segmento sobre taxa de juro. «Um dos critérios de referência a ponderar na fixação dos valores de indemnização é a taxa de juro, a taxa de rentabilidade do capital a fixar como indemnização, uma taxa de rendimento previsível para as aplicações a médio e longo prazo. Inicialmente foi utilizada a taxa de juro máxima das operações bancárias passivas e depois considerada uma taxa de 9% - acórdãos de 10-05-1977, BMJ, n.º 267, pág. 144; de 18-01-1979, BMJ, n.º 283, pág. 275; de 19-05-1981, BMJ, n.º 307, pág. 242 e de 08-05-1986, BMJ, n.º 357, pág. 396 - e no acórdão de 04-02-1993, recurso n.º 82.206, CJSTJ 1993, tomo 1, pág. 128, referia-se ainda ser “usual e normal a aceitação de uma taxa de juro (líquida) de 9%”. No acórdão de 05-05-1994, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 86, do mesmo Relator do anterior, de 4-02-1993, face a uma tendência de descida das taxas de juro, é utilizada uma taxa de referência de 7%. De igual modo, no acórdão de 08-06-1999, BMJ, n.º 488, pág. 323 e no de 28-03-2000, revista n.º 222/00-1.ª, in STJSAC 2000, pág. 111. No acórdão de 02-11-1995, recurso n.º 46.783, Secção Criminal, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 220 (223), referia-se o juro tendencial de 8% preconizado pela Comunidade Europeia. No acórdão de 15-02-2005, revista n.º 4363/04-1.ª, pondera-se uma taxa de juro entre 4% a 5 %. Sousa Dinis, in Dano corporal em acidentes de viação, CJSTJ 2001, tomo 1, pág. 9, defendia então uma taxa de 4,5% ou 5%. E em acórdão por si relatado em 25-11-1999, revista n.º 827/99-7.ª, “trabalha” com uma taxa de 4,6%, a mais alta praticada dos certificados de aforro. Encontra-se a aceitação de uma taxa de 5% nos acórdãos de 28-05-2002, revista n.º 1038/02-2.ª; de 22-11-2007, revistas n.ºs 3620/07 e 3688/07, ambas da 1.ª secção; de 22-01-2008, revista n.º 4499/07-1.ª; de 25-09-2008, no processo n.º 2860/08-3.ª; de 15-12-1998, revista n.º 827/98-2.ª; de 16-03-1999, BMJ, n.º 485, pág. 386. No acórdão de 15-12-1998, revista n.º 972/98, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 155, assinala-se a tendência bem definida de as taxas seguirem uma trajectória descendente, que então, já as colocavam abaixo dos 4% ao ano. O acórdão de 16-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 167, afirma a tendência para a descida, considerando como mais justa e adequada uma taxa referencial de 4%. “Trabalha-se” com uma taxa de 4% nos acórdãos de 11-07-2000, revista n.º 427/00-1.ª, STJSAC2000, pág. 237; de 27-09-2001, revista n.º 1979/01-7.ª; de 27-05-2004, revista n.º 19/04-7.ª; de 06-07-2004, revista n.º 1674/04 -1.ª; de 14-10-2008, revista n.º 2945/08 – 6.ª; de 04-12-2008, revista n.º 3234/08 – 2.ª; de 12-03-2009, revista n.º 277/09 – 1.ª; de 3,5%, no acórdão de 29-11-2005, revista n.º 3299/05 – 1.ª, e nos acórdãos de 05-06-2007, revista n.º 1280/07-1.ª e de 07-02-2008, revista n.º 4598/07-1.ª, pondera-se uma taxa entre 3% a 4 %. Tem-se em vista uma taxa de 3% nos seguintes acórdãos: de 19-03-2002, revista n.º 4183/01 - 1.ª (é adequada a taxa de juro de 3% para efeitos de determinação da indemnização, ainda que o acidente tenha ocorrido em 1997); de 25-06-2002, revista n.º 1321/02-1.ª, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 128; de 27-02-2003, revista n.º 80/03 – 2.ª (mas assinalando a tendência decrescente); de 20-11-2003, revista n.º 3441/03 – 6.ª; de 01-07-2004, revista n.º 296/04 – 7.ª; de 09-12-2004, revista n.º 3743/04 - 6.ª; de 14-12-2004, revista n.º 4039/04 – 6.ª; de 27-01-2005, revista n.º 4135/04; de 29-06-2005, revista n.º 1336/05 – 1.ª; de 22-09-2005, revista n.º 2277/05 – 2.ª, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 38; de 28-03-2006, revista n.º 447/06 – 6.ª; de 18-05-2006, revista n.º 1144/06-; de 23-01-2007, revista n.º 3741/05 – 6.ª; de 06-02-2007, revista n.º 4436/06 – 1.ª; de 22-02-2007, revista n.º 100/07 – 7.ª; de 22-11-2007, revista n.º 3620/07 – 1.ª e n.º 3829/07-7.ª; de 04-12-2007, revista n.º 3836/07 – 1.ª; de 15-01-2008, revista n.º 4057/07 – 1.ª; de 03-07-2008, revista n.º 1339/08 – 7.ª; de 27-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª; de 30-06-2009, revista n.º 11325/03.3TBVNG.S1-1.ª; de 02-07-2009, revista n.º 179/04.2TBMRT.S1-7.ª; de 12-11-2009, processo n.º 2430/05.2TAFAR.E1.S1-5.ª; de 29-04-2010, processo n.º 200/05.7GTEVR.E1.S1-5.ª. Aplicando uma taxa de 2%, que era a taxa de juro líquida dos depósitos a prazo de ano e dia, o acórdão de 01-03-2001, revista n.º 3851/00 – 6.ª. Pela consideração de uma taxa entre 2% e 3% pronunciou-se o acórdão de 31-03-2009, revista n.º 287/09 – 6.ª. E uma taxa de 2,5%, o acórdão de 12-10-2006, revista n.º 2581/06 – 2.ª secção. Na aplicação deste critério há que atentar em que quanto mais baixa for a remuneração do capital, o que hoje é patente em face da continuada descida das taxas de juros para poupança, maior quantidade daquele será necessária para alcançar um montante que resista ao paulatino desgaste. Essa dificuldade de rentabilização de uma indemnização, de modo a que a mesma se tenha por esgotada ao fim do período de tempo que for de considerar, é factor que joga desfavoravelmente para o devedor daquela, a ter em conta no recurso à equidade, como se acentuava já em 1997, no acórdão de 07-10-97, BMJ, n.º 470, pág. 574, sendo renovado o alerta, nos mesmos termos, no acórdão de 07-06-2001, revista n.º 1225/01-2.ª, STJSAC 2001, pág. 219». A recorrente seguradora nas conclusões XVIII, XIX, XX, XXI, XXIX, ponto 2 e XXX, ponto 3, insurge-se também contra o facto de o Tribunal da Relação não ter descontado no montante indemnizatório os valores que os demandantes civis vêm recebendo da Caixa Geral de Aposentações (adiante designado de CGA) a título de pensões de sobrevivência. Alega para o efeito, em síntese que, o facto de a CGA ter manifestado no processo a sua posição de não reclamar o reembolso do que pagou, “não altera a realidade relevante, de que os demandantes já receberam, vêm recebendo e irão receber no futuro a pensão de sobrevivência, não estando prevista no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de reembolso pelos beneficiários das pensões de sobrevivência recebidas da CGA por força da obtenção de Indemnização de terceiros, nem o pagamento dessa indemnização é fundamento da cessão dessas pensões”. Defende por outro lado que “Uma vez que essa pensão é uma prestação substitutiva da indemnização por perda de alimentos, atenta a sub-rogação da CGA nos direitos dos AA até ao limite do que já pagou e vem pagando e recorrendo ainda ao principio da compensação do lucro no dano, impõe-se que, no cálculo da eventual indemnização devida a título de frustração de alimentos, se tenha e conta, e, bem assim, se abata a vantagem patrimonial obtida”.
Apreciando.
Para análise da questão colocada no presente recurso no sentido de saber se devem ou não considerar-se para efeitos de fixação das indemnizações por perda de alimentos ou lucros cessantes as pensões de sobrevivência que os demandantes passaram a receber por causa do acidente que causou a morte da vítima e que, por seu turno, importa em primeiro lugar atender a que as pensões de sobrevivência são sujeitas a um regime jurídico diferenciado, consoante o beneficiário falecido estivesse inscrito na CGA, ou no regime geral da segurança social.
Na verdade, a questão colocada no presente recurso tem sido abordada na nossa jurisprudência, tendo normalmente por referência apenas as pensões de sobrevivência pagas pela Segurança Social. Cumpre referir que, num primeiro momento, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores mostrou-se dividida. Segundo uma orientação jurisprudencial, tais pensões de sobrevivência pagas pela Segurança Social não deveriam ser consideradas nos montantes indemnizatórios referentes a responsabilidade civil extracontratual por se entender que as mesmas se baseiam nos descontos feitos pela vítima para a Segurança Social (cfr., neste sentido, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-01-2001, proferido na Revista n.º 3549/00 - 6.ª Secção e o acórdão do mesmo STJ de 11-07-2006, proferido na Revista n.º 1969/06 - 1.ª Secção). Segundo outros acórdãos, porém, as pensões de sobrevivência pagas são dedutíveis nas verbas indemnizatórias a arbitrar aos familiares da vítima, sob pena de duplicação, no cálculo da indemnização fundada na contribuição prestada pela vítima, com o seu salário a favor do agregado familiar. Esta segunda orientação, cedo se generalizou, passando a ser maioritária. Neste sentido, defendendo a dedução das quantias pagas a título de pensão de sobrevivência nas indemnizações devidas por factos ilícitos, podem mencionar-se, entre outros, os seguintes arestos do Supremo Tribunal de Justiça: - Acórdão de 01-06-1995, CJSTJ, 1995, tomo 2, pág. 222; - Acórdão de 17-06-1999, Revista n.º 225/99 - 2.ª Secção, de que se extrai: “V - Não é lógico nem legal que, na fixação de uma verba indemnizatória por acidente de viação, não se tenha em conta o devido abatimento dos montantes recebidos pelos lesados das instituições de segurança social, designadamente os subsídios de funeral ou de morte e as pensões de sobrevivência.”. - Acórdão de 21-10-1999, Revista n.º 61/99 - 2.ª Secção, onde se pode ler: “Não é permitida a cumulação das prestações devidas pela Segurança Social com indemnizações devidas por factos ilícitos, o que tem subjacente a ideia de proibir o enriquecimento sem justa causa e, ainda que indirectamente, o não permitir transformar o dano causado por facto lesivo em fonte de negócio.” - Acórdão de 4 de Abril de 2000, proferido em Secção Cível, no processo n.º 44/2000, publicado in BMJ, n.º 496, págs. 206 a 208, versando então o disposto no artigo 16.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto (então Lei de Bases da Segurança Social - LBSS), que prescrevia: “no caso de concorrência, pelo mesmo facto de direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”.- De acordo com o preâmbulo deste diploma, a segurança social assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe em conformidade exigir o valor dos subsídios ou pensões pagas. Para esse efeito, face ao disposto no artigo 2.º, n.º 2, as instituições de segurança social são tidas por lesadas. O acórdão convocava igualmente o artigo 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 522/85 (seguro automóvel), que então prescrevia: “Se existirem vários lesados com direito a indemnizações que na sua globalidade excedam o montante do capital seguro, os direitos dos lesados contra a seguradora ou contra o Fundo de Garantia Automóvel reduzir-se-ão proporcionalmente até à concorrência daquele montante” O acórdão refere ter-se gerado consenso no sentido de que há lugar a reembolso do Centro Nacional de Pensões relativamente ao que este pagou a título de pensões de sobrevivência, mas não relativamente às prestações vencidas posteriormente ao pedido formulado, citando neste sentido o acórdão de 5-01-1995, in CJSTJ 1995, tomo I, pág. 163, podendo ler-se no sumário: O Centro Nacional de Pensões deve ser tido como «lesado» em relação aos subsídios e pensões pagas aos seus beneficiários, em consequência de acidente de viação. O Centro Nacional de Pensões tem direito a ser reembolsado das pensões de sobrevivência que efectivamente pagou, aos seus beneficiários, lesados pelo acidente de viação, até ao momento da apresentação do pedido em tribunal. Nos casos em que as indemnizações excedem o montante a pagar pela companhia seguradora, a título de danos patrimoniais, porque só a estes reportam as pensões de sobrevivência, há que proceder a rateio, na devida proporção por todos os lesados, incluindo o centro Nacional de Pensões. - Acórdão de 27-06-2002, Revista n.º 1834/02 - 2.ª Secção, de que se respiga: “V - Não constitui encargo normal do Centro Nacional de Pensões a satisfação de pensões de sobrevivência quando haja responsável pela prática do acto gerador da responsabilidade civil e que seja causa das mesmas prestações. VI - Tais prestações pecuniárias compensatórias serão da responsabilidade de quem tenha praticado o acto em causa (art.ºs 495, n.º 1, 562 e 564 do CC). VII - Não são cumuláveis as prestações da segurança social com as indemnizações a pagar por terceiro responsável civil.” - Acórdão de 03-07-2002, processo n.º 3351/01-3.ª Secção, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 237, onde se afirma: A Caixa Nacional de Pensões tem direito a ser reembolsada pela seguradora das quantias já pagas à viúva da vítima mortal de um acidente de viação, a título de prestações de pensão de sobrevivência, mas não ao daquelas que, entretanto, se vencerem. A mesma Caixa tem também direito a ser reembolsada das quantias que pagou a título de subsídio por morte. - Acórdão de 23-10-2003, Revista n.º 3071/03 - 7.ª Secção (“Não são cumuláveis, na esfera jurídica dos familiares dos beneficiários da segurança social, a indemnização pela perda do rendimento de trabalho pelos falecidos e as despesas com o funeral em razão de acidente de viação e as prestações de segurança social relativas a pensões de sobrevivência e subsídio por morte”); - Acórdão de 30-11-2004, Revista n.º 3833/04 - 6.ª Secção, onde se afirma: “As indemnizações por prestações da segurança social e por acidente de viação não são cumuláveis.”. - Acórdão de 19-05-2005, Revista n.º 843/05 - 1.ª Secção, de que se extrai: “A obrigação de pagamento (pelo CNP/ISSS) de prestações pecuniárias do regimes de segurança social aos familiares do falecido e a obrigação de pagamento de indemnização (no caso a suportar pelo GPCV) não são cumuláveis, sob pena de injusto enriquecimento”. - Acórdão de 08-6-2006, Revista n.º 1464/06 - 1.ª Secção, onde se pode ler: “As pensões de sobrevivência e o subsídio de funeral pagos pelo CNP devem ser deduzidas no quantum indemnizatório dos danos patrimoniais, sob pena de cumulação indevida de indemnizações”. - Acórdão de 02-10-2007, Revista n.º 2763/07 - 6.ª Secção -“Não são cumuláveis, na esfera patrimonial dos credores da indemnização, a indemnização por perda do rendimento do trabalho e do dispêndio com o funeral da vítima e a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte devidos aos beneficiários da segurança social”. - Acórdão de 10-01-2008, Revista n.º 4486/07 - 2.ª Secção (“Às importâncias atribuídas a título de indemnização pelos danos patrimoniais a pagar pela seguradora aos lesados - viúva e filhos menores - serão subtraídas as quantias pagas pelo Centro Nacional de Pensões, a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência já pagas.”. - Acórdão de 16-09-2008, Revista n.º 2117/08- 1.ª Secção, de que se extrai: “VI - Mesmo nos casos em que o pagamento de subsídios pelas instituições da Segurança Social tem como pressuposto as contribuições recebidas, a intervenção dessas instituições assume natureza supletiva, na medida em que procedem a um adiantamento do pagamento ao beneficiário lesado, podendo depois, através de um fenómeno sub-rogatório, e na medida da sua responsabilidade, recuperá-lo de terceiro. VII - Se o subsídio concedido ao lesado tiver como finalidade, em via directa, compensar despesas já efectuadas ou perda de rendimentos (ex. baixa médica, subsídio de desemprego), parece que, sob pena de duplo enriquecimento, se deverão descontar as quantias assim recebidas ao montante da indemnização a conceder”.; - Acórdão de 17-02-2009, Revista n.º 2124/08 - 1.ª Secção: “ IV - Considerando que, em consequência de acidente de viação, totalmente imputável a culpa do condutor segurado, faleceu o marido da Autora, que tinha então 35 anos de idade e trabalhava como gerente de três sociedades comerciais, auferindo o quantitativo mensal líquido de €2.599.75 (catorze vezes no ano), mostra-se equitativamente equilibrado fixar o montante da indemnização devida àquela, a título de danos patrimoniais futuros, em €300.000,00, a que se deve abater a quantia de €7.819,98 de pensão de sobrevivência paga à Autora pela Segurança Social, mas que a Ré Seguradora terá de pagar a esta entidade.”); - Acórdão de 27-01-2010, Revista n.º 1472/08.0TBBRG.S1 - 6.ª Secção, onde consta: “I - Não são cumuláveis, na esfera jurídica dos familiares dos beneficiários da segurança social, a indemnização pela perda de rendimentos de trabalho pelos falecidos e as despesas com o funeral em razão de acidente de viação e as prestações de segurança social relativas a pensões de sobrevivência e subsídio por morte. II - No quadro do instituto da sub-rogação legal, as instituições da segurança social têm direito a exigir dos responsáveis civis, pela morte dos seus beneficiários, o valor pago aos familiares destes a título de pensão de sobrevivência e de subsídio por morte.”. - Acórdão de 03-02-2011, Revista n.º 605/05.3TBVVD.G1.S1 - 7.ª Secção: “A pensão de sobrevivência e o subsídio por morte pagos pela Segurança Social devem ser deduzidos das quantias atribuídas a título de indemnização.”. - No acórdão de 31-05-2011, Revista n.º 1803/06.8TBVNG.G1.S1 - 6.ª Secção, pode ler-se: “III - No caso de concorrência, pelo mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes da segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe concederem – arts. 16.º da Lei n.º 28/84, de 14-08, e 71.º da Lei n.º 32/02, de 30-12. IV - Assim, ao valor da indemnização referido em III, para evitar sobreposição de benefícios, há que deduzir o montante já pago aos autores pelo ISS, IP – Centro Nacional de Pensões e que a ré devedora (seguradora) deverá agora pagar ao mesmo Centro, a título de reembolso”. - Acórdão de 12-07-2011, Revista n.º 1026/07.9TBVCD.P1.S1 - 7.ª Secção, onde foi ponderado: “ I - A responsabilidade traduz-se na obrigação de indemnizar, de reparar os danos sofridos pelo lesado, a qual compreende não só os prejuízos causados, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão – art. 564.º do CC. II - As prestações de sobrevivência «destinam-se a compensar a perda pelos familiares dos beneficiários do sistema de segurança social do rendimento de trabalho, enquanto que o subsídio por morte destina-se a compensar o acréscimo dos encargos decorrentes da morte do beneficiário com vista à facilitação da reorganização da vida familiar» (art. 4.º, n.º 2, do DL n.º 322/90 de 30-12). III - Estabelecendo a lei vigente à data da morte do marido e pai das autoras que no caso de concorrência no mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com indemnização a suportar por terceiros as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe conceder (art. 71.º do referido Decreto-Lei), e tendo a Segurança Social pago às autoras prestações a título de subsídio por morte e prestações de sobrevivência, tem a mesma direito a ver-se ressarcida de tais importâncias.”.
No mesmo sentido decidiu-se, mais recentemente, no acórdão do STJ de 23-06-2016, Revista n.º 1581/12.1TBMCN.P1.S1, da 2.ª Secção, que aos montantes indemnizatórios “devem ser deduzidas as quantias pagas pela Segurança Social a título de subsídio por morte e pensões de sobrevivência, sob pena de existir uma duplicação de valores que não encontra apoio nas regras sobre a determinação da indemnização decorrente da responsabilidade civil extracontratual “. Nesse acórdão do STJ decidiu-se que “A Segurança Social, apesar de ter sido notificada para deduzir nos autos a sua pretensão não o fez. Mas tal não significa que não devam ser descontados nos valores a pagar pela Seguradora os montantes que a Segurança Social pagou aos AA, sob pena de existir uma duplicação de valores que não encontra apoio nas regras sobre a determinação da indemnização decorrente da responsabilidade civil extracontratual. Ao proceder-se a tal dedução, não se está a condenar a Seguradora num pedido que não foi formulado, antes a ponderar, no cálculo da indemnização devida aos lesados, os valores que outra entidade pagou a título de pensões de sobrevivência na sequência do óbito do sinistrado e beneficiário da Segurança Social.”
Basicamente nos mencionados acórdãos o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo sistematicamente a salientar que a pensão de sobrevivência é uma prestação social pecuniária que visa compensar determinados familiares do falecido, beneficiário da segurança social, da perda do rendimento do trabalho determinada pela morte (artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro), que nada tem que ver (como o subsídio por morte) com a contrapartida dos descontos ou das contribuições dos beneficiários, sua medida directa, mas que é consequência da inscrição no regime da Segurança Social. Por isso, a sua finalidade coincide, verificados os respectivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização pelo dano de lucro cessante. Na sua estrutura, a pensão de sobrevivência traduz-se numa prestação pecuniária social, ou seja, sem o carácter indemnizatório das prestações relativas à perda de rendimento do trabalho do beneficiário da segurança social. Confrontando a pensão de sobrevivência com a prestação devida por terceiro em razão da perda de rendimento do trabalho, pode concluir-se que a primeira assume a natureza da medida de carácter social e a última natureza indemnizatória, no quadro da responsabilidade civil. Como se refere no acórdão do STJ de 23-10-2003, proferido na Revista n.º 3071/03 - 7.ª Secção, “Como a pensão de sobrevivência visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, a sua finalidade coincide, verificados os respectivos pressupostos, com a da obrigação de indemnização do dano de lucro cessante.”
Não são, pois, cumuláveis o valor da pensão de sobrevivência, por um lado, e o valor indemnizatório devido pela recorrente Seguradora, no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito, por ela assumida, em razão da perda do rendimento do trabalho, por outro.
Em consonância, estabeleceu-se no Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro, que sendo função da Segurança Social “substituir-se à entidade pagadora de rendimentos do trabalho recebidos pelos seus beneficiários quando os mesmos se vejam deles privados por ocorrência de alguma das eventualidades que integram o respectivo esquema de prestações do regime geral”, certo é que “existem eventos que provocam a mesma consequência, traduzida na perda de remunerações, pelas quais há terceiros responsáveis, embora tal situação não signifique que a Segurança Social a ela seja alheia, pois, ao invés, assegura provisoriamente a protecção do beneficiário, cabendo-lhe, em conformidade, exigir o valor dos subsídios ou pensões pagos”.
Por isso, dispõe o artigo 1.º desse Decreto-Lei, que: “1 - Em todas as acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização de perdas e danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício da actividade profissional, ou morte, o autor deve identificar na petição a sua qualidade de beneficiário da Segurança Social ou a do ofendido e a instituição ou instituições pelas quais se encontra abrangido. 2 - As instituições de segurança social competentes para a concessão das prestações são citadas para, no prazo da contestação, deduzirem pedido de reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos no número anterior.”
Estatuindo-se no artigo 2.º do mesmo diploma legal, que: “1 - Em todas as acções penais por actos que tenham determinado incapacidade para o exercício da actividade profissional, ou morte, o Ministério Público, quando deduza acusação ou se pronuncie sobre a acusação particular, deve indicar a qualidade de beneficiário da Segurança Social do ofendido e identificar a instituição ou instituições que o abranjam, elementos que são apurados no inquérito preliminar ou na instrução. 2 - As instituições de segurança social, nos casos abrangidos por este diploma, são tidas como lesadas nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Código do Processo Penal.”
Quer dizer, havendo responsabilidade de terceiro, a protecção do lesado pela Segurança Social é meramente provisória e subsidiária, assistindo a esta o direito de exigir do terceiro responsável o reembolso do que houver pago, apenas se justificando tal protecção (com as respectivas prestações) enquanto não for tornada efectiva, no plano indemnizatório, a responsabilidade do terceiro causador do evento lesivo. Assim, pela sua natureza e função, esta garantia da Segurança Social só operará, em termos justificados, enquanto tal se mostrar necessário para suprir a demora na definição e atribuição da indemnização por terceiro. Pelo que, no caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos vários regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder. Daí que, as próprias instituições de segurança social são havidas como lesadas para fins desse mecanismo de reembolso, para efeitos de legitimação de intervenção no processo civil e penal – artigos 1.º e 2.º, n.º 2, do citado Decreto-Lei n.º 58/89. Com efeito, no caso de concorrência no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe conceder [artigo 70.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro (que aprovou as bases gerais do sistema de Segurança Social]. A sub-rogação legal abrange assim a pensão de sobrevivência paga no quadro do Sistema de Segurança Social. No desenvolvimento do referido regime de sub-rogação legal, o legislador estabeleceu os mencionados mecanismos tendentes a facilitar às instituições de segurança social o reembolso do valor por elas despendido a título de prestações sociais, na medida do efectivamente pago, sem distinção de natureza, à custa dos responsáveis pelo pagamento de indemnizações derivadas de factos que originaram o evento delas determinante – artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de Fevereiro. E porque de sub-rogação se quis tratar, não se conferiu qualquer direito ao lesante para do lesado vir a receber essas importâncias, fora do condicionalismo legal. Pelo que, caso as pensões de sobrevivência auferidas pelos demandantes fossem pagas pela Segurança Social no caso concreto, não restariam dúvidas que teria que haver lugar ao desconto de tais pensões de sobrevivência, sob pena de existir uma duplicação de pagamento de valores pela Seguradora.
Acontece que no caso concreto, a pensão auferida pelos demandantes é uma pensão de sobrevivência da Caixa Geral de Aposentações decorrente da inscrição do falecido como beneficiário enquanto agente da Polícia de Segurança Pública. Com efeito, o que resulta como assente no Facto Provado n.º 44, é que “Com o falecimento do único sustento do agregado familiar, a demandante tem tido dificuldade em pagar as suas despesas e proporcionar uma vida condigna ao seu filho, com a parca pensão de sobrevivência atribuída, desde o dia 01/10/2015, pela Caixa Geral de Aposentações, no valor de €270,50 mensais, para a demandante ... e no valor de €90,17 mensais para o demandante ...”. Ora, a Caixa Geral de Aposentações, I. P. (abreviadamente designada por CGA, I. P.), é um instituto público de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio. Tem por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial – artigos 1.º e 3.º do Decreto-Lei n.º 131/2012, de 25 de Junho. A pensão de sobrevivência que é outorgada (inicialmente pelo Montepio dos Servidores do Estado, e actualmente pela Caixa Geral de Aposentações [ver artigo 1.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 277/93, de 10 de Agosto]) no âmbito do funcionalismo público está regulada no Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, Decreto-Lei n.º 192/83, de 17 de Maio, o Decreto-Lei n.º 214/83, de 25 de Maio; o Decreto-Lei n.º 61/84, de 24 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 283/84, de 22 de Agosto; o Decreto-Lei n.º 40-A/85, de 11 de Fevereiro; o Decreto-Lei n.º 198/85, de 25 de Junho; o Decreto-Lei n.º 20-A/86, de 13 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 343/91, de 17 de Setembro, o Decreto-Lei n.º 78/94, de 9 de Março, o Decreto-Lei n.º 71/97, de 3 de Abril, o Decreto-Lei n.º 8/2003, de 18 de Janeiro, o Decreto-Lei n.º 309/2007, de 7 de Setembro, a Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto (que alterou e republicou a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que estabelece medidas de protecção das uniões de facto), o Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro e o Decreto-Lei n.º 133/2012, de 27 de Junho) e regulamentada na Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro (alterada pelas Leis n.º 52/2007, de 31 de Agosto, n.º 11/2008, de 20 de Fevereiro, n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro e n.º 11/2014, de 6 de Março). De acordo com o artigo 27.º, n.º 1, do citado Estatuto das Pensões de Sobrevivência “A pensão de sobrevivência consiste numa prestação pecuniária mensal, cujo montante, salvo nos casos do n.º 3 do artigo 28.º, é função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição no Montepio sujeito ao pagamento de quota.” De acordo com o artigo 2.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a CGA (que assume actualmente a posição inicialmente assumida pelo Montepio dos Servidores do Estado) “tem como finalidade assegurar o pagamento de pensões de sobrevivência aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes”. Estabelecendo-se no artigo 26.º do citado diploma legal que: “1. O Montepio obriga-se a pagar uma pensão de sobrevivência aos herdeiros hábeis do contribuinte quando este à data da sua morte tiver o mínimo de cinco anos completos de inscrição, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 25.º e no n.º 3 do artigo 28.º”. São havidos como herdeiros hábeis nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alíneas a) e b) do citado diploma legal: “Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código Civil”; e os filhos, incluindo os nascituros e os adoptados plenamente;” Quanto aos filhos prevê-se no artigo 42.º, n.º 1, do citado diploma legal que “Têm direito à pensão os filhos solteiros de qualquer dos sexos menores de 18 anos ou que, tendo completado 18 anos, frequentem com aproveitamento, até aos 21 anos, o ensino médio ou equiparado e, até aos 24 anos, o ensino superior ou equiparado.” Prevê-se no artigo 30.º, n.º 2, do mencionado Estatuto que “A pensão de sobrevivência é sempre devida até ao último dia do mês em que se extinguir a qualidade de pensionista.” No artigo 47.º do mencionado diploma legal, prevêem-se as seguintes causas de extinção da qualidade de pensionista: “1. A qualidade de pensionista, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 30.º, extingue-se: a) Pelo casamento, salvo quanto aos pensionistas abrangidos pelo n.º 2 do artigo 42.º e pelo artigo 44.º; b) Pelo facto de os pensionistas perfazerem as idades previstas no n.º 1 do artigo 42.º; c) Pelo facto de os pensionistas deixarem de ter o aproveitamento escolar a que se refere o mesmo preceito; d) Pela cessação do estado de incapacidade a que alude o n.º 2 do artigo 42.º, bem como da situação exigida para aplicação do n.º 2 do artigo 41.º, do referido n.º 2 do artigo 42.º e dos artigos 43.º e 44.º; e) Pela indignidade do pensionista, resultante do seu comportamento moral, declarada por sentença judicial em acção intentada por qualquer dos herdeiros hábeis; f) Pela renúncia do direito à pensão; g) Pela prescrição do direito unitário à pensão; h) Pela condenação do pensionista como autor, cúmplice ou encobridor do crime de homicídio voluntário praticado na pessoa do contribuinte ou de outra pessoa que concorra à pensão; i) Pela morte do pensionista. (…)”
Como emerge da leitura articulada do regime legal aplicável, a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no citado artigo 47.º do mencionado diploma legal. Ou seja, o pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência não assume uma posição de provisoriedade e subsidiariedade face à obrigação de indemnização de que é titular passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil, ao contrário do que sucede com a pensão de sobrevivência paga pela Segurança Social. Daí que, contrariamente ao que sucede com a Segurança Social, não exista um diploma legal que preveja a possibilidade da Caixa Geral de Aposentações exercer o direito de regresso quanto a terceiro responsável civil quanto aos montantes pagos a título de pensão de sobrevivência. Com efeito, a Caixa Geral de Aposentações apenas tem direito de regresso quanto a terceiro responsável pelo reembolso dos valores pagos nos casos em que ocorra um acidente de trabalho ou doença profissional. A esse respeito, prevê-se no artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro (que aprovou o novo regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública) que em caso de acidente de trabalho: “1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas. 2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho. 3 - Uma vez proferida decisão definitiva sobre o direito às prestações da sua responsabilidade, a Caixa Geral de Aposentações tem direito de regresso contra terceiro responsável, incluindo seguradoras, por forma a dele obter o valor do respectivo capital, sendo o correspondente às pensões determinado por cálculo actuarial. 4 - Nos casos em que os beneficiários das prestações tenham já sido indemnizados pelo terceiro responsável, não há lugar ao seu pagamento até que nelas se esgote o valor da indemnização correspondente aos danos patrimoniais futuros, sem prejuízo do direito de regresso referido no número anterior, relativamente à eventual responsabilidade não abrangida no acordo celebrado com terceiro responsável. 5 - Quando na indemnização referida no número anterior não seja discriminado o valor referente aos danos patrimoniais futuros, presume-se que o mesmo corresponde a dois terços do valor da indemnização atribuída. 6 - Nos casos em que tenha havido lugar à atribuição de prestações de caráter indemnizatório simultaneamente pela Caixa Geral de Aposentações, I. P., e pelo regime geral de segurança social, o valor a deduzir pela Caixa nos termos do n.º 4 corresponde à parcela da indemnização por danos patrimoniais futuros paga pelos terceiros responsáveis na proporção que o montante das suas prestações represente no valor global atribuído por ambos os regimes.” Estabelece o artigo 47.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro: “1 - Nas acções cíveis em que seja formulado pedido de indemnização por danos decorrentes de acidente em serviço ou de doença profissional, o autor, se se tratar de trabalhador da Administração Pública ou de subscritor da Caixa Geral de Aposentações, deve indicar na petição inicial a respectiva qualidade, sendo notificado o organismo ou serviço no qual ocorreu o acidente, ou a Caixa Geral de Aposentações, conforme os casos, para, no prazo da contestação, deduzir pedido de reembolso das quantias a que se refere o artigo anterior. 2 - Quando o acto de terceiro dê origem a processo crime e o Ministério Público deduza acusação ou se pronuncie sobre acusação particular, deve ser indicado o vínculo do trabalhador à Administração Pública e a sua eventual qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações. 3 - O serviço ou organismo ao serviço do qual ocorreu o acidente ou foi contraída a doença profissional e a Caixa Geral de Aposentações são tidos como lesados nos termos e para os efeitos do artigo 74.º do Código de Processo Penal, observando-se, nesta matéria, o disposto nos artigos 71.º a 84.º do mesmo diploma.”. Quer dizer, fora dos mencionados condicionalismos legais, ou seja, caso não se trate de um acidente em serviço não existe diploma legal que preveja a possibilidade da Caixa Geral de Aposentações exercer o direito de regresso quanto a terceiro responsável civil por conta dos quantitativos pagos a título de pensão de sobrevivência.
No caso concreto, nada nos factos dados como provados nos permite afirmar que o acidente de viação que vitimou HH tenha ocorrido em serviço. Daí que, no caso concreto, a Caixa Geral de Aposentações, face ao pedido de intervenção principal provocada formulado pela seguradora, para deduzir pedido de reembolso dos montantes pagos à viúva, invocando o artigo 46.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, tenha manifestado nos autos que se abstinha de deduzir qualquer pedido de reembolso, na medida em que a situação descrita nos autos “parece não corresponder a um acidente de serviço”. Desta forma, tudo ponderado, não faz qualquer sentido, no caso concreto, proceder ao desconto no montante indemnizatório dos quantitativos pagos aos demandados pela CGA a título de pensão de sobrevivência, na medida em que não haverá qualquer duplicação de valores a pagar pela recorrente Seguradora, pois não existe direito de regresso (ou de sub-rogação) da CGA face à Seguradora quanto aos montantes pagos aos demandantes. Acresce que, sendo a seguradora, ora recorrente, a responsável pelo pagamento da totalidade da indemnização devida aos lesados, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, não pode a mesma tentar desvincular-se unilateralmente da obrigação de pagar parte da indemnização a seu cargo, com o argumento de que os demandantes civis se encontram a receber uma pensão de sobrevivência da CGA, pois esta pensão não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários, mas antes é atribuída aos “herdeiros hábeis” do contribuinte falecido, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição. Caso se concedesse tal redução estar-se-ia tacitamente a exonerar a seguradora do pagamento de tais quantias enquanto responsável civil, pois repete-se, não se encontra previsto um direito de regresso (ou de sub-rogação) da CGA quanto aos montantes pagos aos demandantes. Tal é quanto basta, para afastar a pretensão da demandada seguradora de aplicação de um factor de mitigação definitiva da indemnização (no plano do cálculo/determinação do respectivo montante pecuniário), traduzido na ilimitada/irrestrita subtração dos montantes pagos a título de pensão de sobrevivência aos demandantes.
Improcede, pois, a pretensão recursiva sintetizada nas conclusões XVIII, XIX, XX, XXI, XXIX, ponto 2 e XXX, ponto 3.
Concluindo.
I – Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior. II – Não tendo os demandantes recorridos manifestado em requerimento autónomo vontade de recorrer do acórdão da Relação, não tendo interposto recurso autónomo ou subordinado, não podem nas contra-alegações apresentadas manifestar pretensão de elevação dos montantes indemnizatórios relativos a danos patrimoniais futuros. IV – O momento relevante para a fixação do direito subjectivo ao recurso corresponde à decisão desfavorável proferida pela primeira instância. V – A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de forma largamente maioritária, tem entendido que o regime de admissibilidade dos recursos previsto no Código de Processo Civil tem aplicação subsidiária aos pedidos de indemnização cível formulados em processo penal. VIII – Na génese da responsabilidade civil conexa com a criminal está no caso em apreciação, uma conduta ilícita, negligente, do condutor do veículo, integradora de um crime de homicídio negligente, violadora do direito à vida da vítima, geradora de danos patrimoniais e não patrimoniais. Nestes casos de responsabilidade civil conexa com a criminal aquela tem a sua génese no crime, sendo um crime o seu facto constitutivo. XIII – A causa de pedir nas acções de indemnização por responsabilidade emergente de acidente de viação é o complexo constituído pelo dano e pelos factos constitutivos da responsabilidade, sejam a culpa do responsável ou a criação do risco. XVI – A necessidade de prestação de alimentos – encarada esta como dano patrimonial futuro, previsível – surge, porque cessa a prestação realizada/efectivada por quem a cumpria/efectuava, e que em princípio, continuaria a ser exigível, ou simplesmente prestada, caso o lesado falecido pelo facto ilícito fosse vivo. XVII – A “indemnização do dano da perda de alimentos” para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-04-1974, publicado no BMJ n.º 236, pág. 138, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 108.º, n.º 3549, págs. 183 e seguintes, visa a reparação de um dano patrimonial directo provocado a terceiro. XVIII – Em matéria de responsabilidade civil extra-contratual, delitual, ou aquiliana, como é o caso presente, a regra geral é a de que a indemnização pelos danos causados cabe apenas ao titular do direito violado ou do interesse imediatamente lesado com a violação de disposição legal destinada a protegê-lo, não o terceiro, que só reflexamente ou indirectamente, seja prejudicado - artigo 483.º do Código Civil. XIX – Em princípio, titular do direito a indemnização é apenas o sujeito directa ou imediatamente lesado pelos danos resultantes da violação, o titular dos bens imediatamente afectados pelo facto danoso. XX – O terceiro, que só reflexa, ou indirectamente, seja prejudicado com a violação do direito do lesado directo, está, em princípio, fora do círculo dos titulares do direito à indemnização. XXI – Excepcionalmente, o direito a indemnização, jure proprio, no que se reporta aos danos patrimoniais, pode caber também, no caso de lesão corporal, ou no caso de morte da vítima, apenas, a terceiros, sendo o artigo 495.º, n.º 3, do Código Civil, sob a epígrafe “Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal”, regulando a “indemnização do dano da perda de alimentos”, para utilizar expressão do Professor Vaz Serra, e o artigo 496.º, n.º 2, do Código Civil, justamente, esses casos excepcionais. XXII – Entre os danos patrimoniais que o responsável pela produção de um acidente estradal está obrigado a indemnizar, contam-se os chamados danos patrimoniais futuros resultantes da perda de salários, emergentes da perda de capacidade aquisitiva do lesado directo, imediato, e o autónomo, embora com a mesma génese no plano de insuficiência de satisfação de necessidades alimentares, dano da perda de alimentos. XXIII – No primeiro caso – indemnização por perda de alimentos – titular do direito é um terceiro, lesado indirecto, mas com direito próprio; no segundo – lucros cessantes – correspondendo à perda da capacidade aquisitiva de ganho, é um dano do lesado directo, que reverterá para o próprio, em caso de sobrevivência por mera incapacidade para o trabalho, e para terceiro, na funesta hipótese de o lesado falecer, sendo a aquisição por via sucessória. XXIV – Para que nasça o direito à indemnização pelo denominado dano da perda de alimentos, basta a verificação da qualidade de que depende a possibilidade legal do exercício do direito a alimentos, não relevando a efectiva necessidade dos mesmos, ou por outras palavras, é dispensável a prova da necessidade de alimentos. XXV – O Código Civil não fixava uma idade limite para cessar a obrigação alimentar relativamente a filhos maiores, gerando-se dúvidas e divergências na doutrina e na jurisprudência quanto à idade até à qual se mantinha essa obrigação, sendo considerado que poderia e deveria manter-se na medida em que fosse razoável para a conclusão de formação profissional, mesmo a nível superior. XXVI – Esta questão ficou definitivamente esclarecida com o aditamento do n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil pela Lei n.º 122/2015 de 1 de Setembro (entrada em vigor em 1 de Outubro de 2015), que colmatando uma lacuna, surge como norma interpretativa do artigo 1880.º, ao considerar que esta obrigação de alimentos a filho maior pode manter-se até aos vinte e cinco anos de idade. XXVII – Como acentuam a doutrina e a jurisprudência, o cálculo dos danos futuros é sempre uma operação delicada, de solução difícil, porque obriga a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que implica uma previsão, pouco segura, sobre dados verificáveis no futuro. E por isso é que tais danos devem calcular-se segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que é normal e natural acontecer, com o que em cada caso concreto, poderá vir a acontecer, pressupondo que as coisas seguem o seu curso normal, estando-se perante cálculo feito de acordo com o “id quod plerumque accidit”; e se, mesmo assim, não puder apurar-se o seu valor exacto, o tribunal deve julgar, segundo a equidade. XXVIII – A função característica da equidade é “tomar na devida consideração as circunstâncias especiais do caso concreto, e não aplicar a norma geral na sua rigidez”. “A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. XXIX – A equidade é a justiça do caso concreto, i. é, uma forma de justiça que, superando a mera justiça legal, se adequa às circunstâncias da situação singular, podendo dizer-se que é a justiça enquanto concretizada na solução de cada caso; é uma realidade essencialmente jurídica, embora translegal, que serve para a mais plena realização da justiça (e do direito). Por meio dela se consegue sortir de la legalité pour rentrer dans le droit. XXX – Equidade é a expressão da justiça no caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada caso concreto, com vista a alcançar a solução equilibrada e justa, havendo que ter presentes as regras da boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, bem como os padrões de indemnização adoptados pela jurisprudência. XXXI – A equidade deve levar em conta as regras da prudência, ponderando as circunstâncias particulares do caso. XXXII – O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjectivismo, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada. XXXIII – A Caixa Geral de Aposentações, I. P. é um instituto público de regime especial, integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, tendo por missão gerir o regime de segurança social público em matéria de pensões de aposentação, de reforma, de sobrevivência e de outras de natureza especial. XXXIV – A pensão de sobrevivência que é outorgada pela Caixa Geral de Aposentações no âmbito do funcionalismo público está regulada no Estatuto das Pensões de Sobrevivência. XXXV – De acordo com o artigo 27.º, n.º 1, do citado Estatuto das Pensões de Sobrevivência “A pensão de sobrevivência consiste numa prestação pecuniária mensal, cujo montante, salvo nos casos do n.º 3 do artigo 28.º, é função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição no Montepio sujeito ao pagamento de quota.” XXXVI – De acordo com o artigo 2.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a CGA (que assume actualmente a posição inicialmente assumida pelo Montepio dos Servidores do Estado) “tem como finalidade assegurar o pagamento de pensões de sobrevivência aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes”. XXXVII – Estabelecendo-se no artigo 26.º do citado diploma legal que: “1. O Montepio obriga-se a pagar uma pensão de sobrevivência aos herdeiros hábeis do contribuinte quando este à data da sua morte tiver o mínimo de cinco anos completos de inscrição, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 25.º e no n.º 3 do artigo 28.º”. XXXVIII – São havidos como herdeiros hábeis nos termos do artigo 40.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência: “Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código Civil”; e os filhos, incluindo os nascituros e os adoptados plenamente;” XXXIX – A pensão de sobrevivência atribuída pela Caixa Geral de Aposentações (contrariamente à pensão equivalente da Segurança Social) não visa compensar a perda do rendimento do trabalho pelos familiares dos beneficiários da segurança social, mas antes é atribuída aos herdeiros hábeis dos seus contribuintes, como uma mera contrapartida dos descontos em vida realizados pelo beneficiário em função da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição, pensão essa que só cessa nas situações previstas no artigo 47.º do mencionado diploma legal. XL – O pagamento pela CGA da pensão de sobrevivência não assume uma posição de provisoriedade e subsidiariedade face à obrigação de indemnização de que é titular passivo o autor do acto determinante da responsabilidade civil, ao contrário do que sucede com a pensão de sobrevivência paga pela Segurança Social.
Decisão Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente EE, S.A., mantendo-se o acórdão recorrido. Custas pela recorrente, nos termos dos artigos 456.º, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, fixando-se a taxa de justiça, de acordo com os artigos 8.º, n.º 5 e 13.º, n.º 1 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro (rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril (artigos 1.º e 2.º), pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 16/2012, de 26/03, Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, DL n.º 126/2013, de 30/08, Lei n.º 72/2014, de 02/09, Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, Lei n.º 42/2016, de 28/12, Lei n.º 49/2018, de 14/08, DL n.º 86/2018, de 29/10), em 5 UC (unidades de conta). Mantém-se em vigor o valor da UC (Unidade de conta) vigente em 2018, conforme estabelece o artigo 182.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2019). Tal valor é de 102,00 €, que se tem mantido inalterado desde 20 de Abril de 2009. Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 10 de Abril de 2019 Raul Borges (Relator) --------------- |