Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
338/09.1TTVRL.P3.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - ACIDENTES DE TRABALHO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL ( POR FACTOS ILÍCITOS ).
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed, p.601.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 494.º, 496.º, N.ºS1 E 4, 1.ª PARTE.
DECRETO-LEI N.º 143/99, DE 30 DE ABRIL (REGULAMENTO DA LEI DE ACIDENTES DE TRABALHO), NA REDAÇÃO QUE LHE FOI DADA PELO DECRETO-LEI N.º 382-A/99, DE 22 DE SETEMBRO: - ARTIGO 71.º, N.º1.
LEI N.º 100/97, DE 13 DE SETEMBRO (LAT): - ARTIGOS 18.º, N.ºS 1 E 2, 41.º, N.º1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 26.01.2016, PROC. N.º 2185/04.8TBOER; DE 21.01.2016, PROC. N.º 1021/11.3TBABT; DE 20.03.2014, PROC. N.º 7782/10.0TDPRT; DE 01.07.2014, PROC. N.º 6607/09.3TVLSB; DE 19.06.2014, PROC. N.º 1679/10.0TBVCT; DE 29.02.2012, PROC. N.º 165/07.0YYBGC; E DE 29.01.2008, PROC. N.º07A4492, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.

II. Provando-se que, em consequência do acidente de trabalho de que foi vítima, a sinistrada, de 36 anos de idade, sofreu e ainda sofre de prejuízo funcional e estético (deformação grave do pé direito, decorrente de amputação dos cinco dedos, parte direita e do ante pé, provocando-lhe grandes dificuldades em se deslocar, em manter uma postura correta e o equilíbrio, assim como em efetuar os trabalhos domésticos e a sua atividade profissional; alterações de memória, irritabilidade fácil, intolerância ao ruído; cicatrizes em mais de 18% da superfície corporal e uso de uma prótese no pé direito para toda a vida), assim como prejuízo de afirmação pessoal (perda da alegria de viver), desgosto e abalo psicológico (profunda tristeza, angústia, infelicidade e inconformismo pelo sucedido), para além de dores insuportáveis (no pé direito, nas pernas, no ombro direito e nas costas), afigura-se adequada, justa e equitativa uma compensação por danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça



I.

1. AA intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra COMPANHIA BB, S.A., CC - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., DD, S.A., entretanto incorporada na EE, COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., e contra FF – …, S.A., pedindo a condenação destas a pagar-lhe, na medida das suas responsabilidades, uma pensão anual vitalícia no valor de € 3.809,34 com início em 30/7/2009, bem como a quantia de € 20,00, relativa a deslocações obrigatórias ao Tribunal, tudo acrescido de juros de mora.

Alegou, essencialmente, que, no exercício da sua atividade de empregada de limpeza, foi vítima de um acidente de trabalho, tendo, em consequência, sofrido lesões determinantes de uma incapacidade permanente parcial para o trabalho habitual.

2. As RR. contestaram, dizendo, em síntese:

- As RR. GG e CC alegaram que o acidente apenas se deu em virtude de não terem sido observadas as regras de segurança impostas pelas características do local onde o mesmo ocorreu, pelo que a sua responsabilidade deverá ser fixada a título meramente subsidiário.

- A R. FF (entidade patronal) alegou ter observado todas as regras de segurança exigíveis à sua atividade, que a sinistrada apenas estava obrigada a proceder à limpeza das áreas que por si lhe fossem indicadas nas instalações do cliente HH e que o local onde ocorreu o acidente não constava das áreas contratadas.

- A R. EE impugnou a matéria de facto invocada pela A., alegando ainda que a medida da sua responsabilidade é de apenas 5%, nos termos do contrato de seguro celebrado com a Ré entidade patronal.

3. Posteriormente, veio a A. ampliar o seu pedido na quantia de € 50.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes do sinistro de que foi vítima.

4. Realizado o julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos:

«(…) [J]ulgam-se parcialmente procedentes (…) os pedidos formulados pela aqui A., condenando-se a R. FF, S.A. e as demandadas seguradoras GG, S.A., CC, S.A. e EE, S.A (…), a título subsidiário (…), no pagamento das seguintes quantias:
a) Pagamento da pensão anual e vitalícia de € 3.809,34 (três mil oitocentos e nove euros e trinta e quatro cêntimos) devida desde 30/07/2009.
b) Pagamento da quantia de € 20,00 (vinte euros) a título de indemnização ao A. pelas despesas com deslocações obrigatórias ao Tribunal.
c) Condena-se ainda a mesma demandada no pagamento da quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos morais decorrente do presente sinistro.»

5. Inconformadas, interpuseram recurso de apelação quer a A., quer a R. FF (entidade patronal).

6. O Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente a apelação interposta pela sinistrada, e improcedente o recurso da entidade empregadora, condenou esta a pagar àquela, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de
€ 50 000,00, já atualizada até à data da decisão.

7. Irresignada, veio a R. FF interpor recurso de revista.

8. A A./sinistrada e a R. GG contra-alegaram, pugnando a primeira pela improcedência do recurso e sustentando a segunda e sua inadmissibilidade legal.

9. Já neste Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na ocorrência da dupla conformidade de julgados no que tange à questão referente à determinação da entidade responsável, a título principal, pelas consequências do sinistro, foi decidido pelo relator o não conhecimento, nesta parte, do objeto da revista[1].

10. A Ex.m.ª Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que apenas a recorrente respondeu, mantendo a posição antes sustentada no recurso.

11. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[2]), em face das conclusões da alegação de recurso e do despacho mencionado em supra n.º 9, a única questão a decidir[3] consiste em determinar se é excessiva a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada pela Relação à A.

E decidindo.



II.

12. A matéria de facto fixada pelas instâncias é a seguinte:[4]

1. A R. FF …, S.A. prestava serviços de limpeza com o II.
2. No exercício dessa atividade, admitiu ao seu serviço a A., para trabalhar sob a sua autoridade, direção e fiscalização.
3. Enquanto ao serviço da R. tinha a categoria de empregada de limpeza.
(…)
6. No dia 23/06/2008, pelas 13h30 horas em Vila Real, foi a A. vítima de um acidente.
7. Em consequência desta descarga sofreu a A. queimaduras dispersas por todo o corpo, descritas e examinadas no auto de exame médico de fls. 76 a 81 (…)
8. Estas lesões resultantes do acidente, determinaram direta e necessariamente doença com incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 24/06/2008 a 29/07/2009, sendo os primeiros 60 dias com internamento.
9. A A. teve alta clínica no dia 29/07/2009.
10. Submetida a exame médico neste Tribunal concluiu o perito que a A. ficou afetada com sequelas permanentes e irreversíveis, consequência daquele acidente, descritas e examinadas no exame de fls. 76 a 81, acima indicado.
11. Com base nessas lesões e à luz da TNI, atribuiu-lhe a IPP de 32,80% com IPATH.
12. A entidade empregadora tinha a sua responsabilidade infortunística transferida para as companhias de seguros ora RR., em regime de cosseguro, sendo líder a GG-…, por contrato titulado pela apólice nº 5.816.102.
13. Pelo período de incapacidade temporária absoluta, entre a data do acidente e a alta, acima referida, encontra-se a A. indemnizada pelas RR. seguradoras.
14. A A. despendeu € 20,00 em despesas de transporte, com deslocações obrigatórias a este Tribunal.
15. Nos termos contratados e referidos na apólice, 69% da responsabilidade incide sobre a R. GG-…, 25% sobre a CC e 5% sobre a EE ….
16. Cumprindo ordens da entidade patronal, FF, S.A., representada no local de trabalho pela encarregada JJ, superior hierárquica da demandante, quando limpava o corredor do KK (Posto de Transformação) das instalações do hipermercado HH, em Vila Real, tocou com uma mopa de limpeza num componente eletrificado e foi atingida por uma descarga elétrica.
(…)
21. O Posto de Transformação existente no local e em que se veio a dar o acidente é uma instalação de alta tensão destinada à transformação da corrente elétrica por um ou mais transformadores estáticos.
22. No KK onde se veio a dar o acidente existe média/alta tensão elétrica – 30.000 volts a qual é transformada em 220 volts que consumimos.
23. O risco de morte ou de contrair graves lesões por eletrocussão causadas por uma tensão elétrica de 30.000 volts é, em tal equipamento e suas proximidades, muito elevado.
24. A A. é uma empregada de limpeza a quem jamais foi dada qualquer formação ou instrução relativa à segurança em trabalhos nas proximidades de equipamentos sob alta tensão elétrica.
25. Não estava devidamente sensibilizada nem alertada para o enorme risco de eletrocussão que corria ao entrar no posto de alta tensão.
26. Os próprios equipamentos que eram facultados à A. e suas colegas potenciavam a ocorrência do acidente como o dos autos.
27. Os cabos dos utensílios de limpeza eram metálicos, potenciando o estabelecimento de arcos elétricos e os riscos de eletrocussão.
28. À A. e suas colegas apenas foi dito que o carrinho de limpeza que utilizam no dia-a-dia e onde transportam um balde de água, produtos de limpeza panos, vassouras e esfregonas não podia entrar no KK e ainda que não deviam limpar dentro das células que estavam fechadas à chave no interior do KK, devendo limpar o chão com uma esfregona húmida.
29. O que a A. sempre respeitou, quer no dia do acidente quer noutros.
30. No dia do acidente a A. deixou o carrinho à porta do KK.
31. A demandada FF, S.A., teve conhecimento entre a data do pedido do cliente e a data do acidente da realização do serviço de limpeza no KK.
32. Esta porta, como de costume, estava aberta, sendo o KK perfeitamente acessível a todos.
33. A A. entrou no KK e, quando estava a proceder à limpeza do mesmo, ao tentar limpar sobre a porta de entrada, o cabo metálico do equipamento de limpeza que utilizava aproximou-se o suficiente dos elementos sob tensão para que se estabelecesse contato elétrico.
34. Dando-se de imediato a sua eletrocussão.
35. A A. estava agarrada ao dito cabo e não usava luvas nem sapatos isolantes.
36. A A. não usava sapatos nem luvas isolantes porque não lhe eram distribuídos pela R. Patronal.
37. Nem no momento do acidente nem em qualquer outra ocasião estava presente, a acompanhar e orientar os trabalhos de limpeza do KK da A. ou das suas colegas qualquer pessoa com competência especializada para efetuar ou orientar trabalhos de limpeza em postos de transformação.
37. Nem no momento do acidente nem em qualquer outra ocasião estava presente, a acompanhar e orientar os trabalhos de limpeza do KK da A. ou das suas colegas qualquer pessoa com competência especializada para efetuar ou orientar trabalhos de limpeza em postos de transformação.
38. A única alternativa a todos estes cuidados seria cortar a tensão sempre que fosse limpar-se o KK, o que a Patronal também jamais implementou.
(…).
40. No exercício dessas funções competia-lhe proceder à limpeza dos locais que lhe fossem indicados pela R., no cliente em questão.
41. Cabia à A., entre outras coisas, varrer e/ou lavar os pavimentos das áreas cuja limpeza lhe estava adstrita e recolher o lixo.
42. A limpeza desse espaço não se encontra contemplada no contrato de prestação de serviço celebrado entre a R. FF e o seu cliente.
43. O Sr. LL (funcionário do cliente da R., responsável pela manutenção e limpeza), solicitou à encarregada da R. FF, JJ, que o espaço em questão fosse limpo, a qual transmitiu este pedido à A. determinando-lhe que executasse a mesma tarefa.
44. Este pedido ficou a dever-se ao facto do cliente estar a implementar uma nova metodologia de ação, a qual nem sequer era do conhecimento da R., que determinou a necessidade de limpeza do posto de transformação em questão.
45. Aquele local tem de estar devidamente fechado.
46. A Autora foi internada no Serviço de Queimados do Hospital da Universidade de Coimbra, no dia do acidente, 23 de Junho de 2008, onde se manteve até 28 de Julho de 2008.
47. Nessa instituição foi submetida a várias operações de cirurgia plástica, sendo utilizados enxertos autólogos de pele retirada dos membros inferiores.
48. Em 01 de Julho de 2008 foi submetida a uma escarectomia do pé e ombros direitos, a amputação dos 3.º e 5.º dedos do pé direito e amputação parcial do hálux.
49. Em 8 de Julho de 2008 foi submetida a uma escarectomia do flanco, região dorsal e região cervical posterior.
50. Em 22 de Julho de 2008 foi submetida a uma escarectomia e enxertos na região dorsal, ombro direito e região cervical posterior e amputação dos restantes dedos do pé direito.
51. Em 28 de Julho de 2008, a autora foi transferida do Hospital Universitário de Coimbra para continuar tratamento no Hospital de Vila Real.
52. Ficou aí internada até ao dia 23 de Agosto de 2008.
53. Nesse período, foi sujeita a tratamentos, aplicação de cremes nos enxertos e pele, curativos nas zonas onde sofreu amputações, e cinco sessões de fisioterapia, nos dias 25, 26, 27, 28 de Agosto de 2008, e 01 de Setembro de 2008.
54. A autora passou a ser tratada por cirurgia plástica, psiquiatria e ortopedia no Hospital …, no Porto, e foi observada por fisioterapia no Hospital dos Clérigos, também no Porto.
55. A Autora deslocou--se de Vila Real a essas instituições hospitalares pelo menos 31 vezes, todas em táxi.
56. Ainda no Hospital …, a Autora foi sujeita a duas cirurgias corretivas, com dois dias de internamento na primeira e um dia na segunda.
57. A Autora fez fisioterapia 5 dias por semana na ... de Vila Real durante um ano, o que terminou no mês de Setembro de 2009.
58. A Autora sofreu dores mensais e insuportáveis após o acidente, nas intervenções e tratamentos a que foi submetida, e durante o período de recuperação.
59. Sofreu também de profundo abalo psicológico, angústia, tristeza, infelicidade e inconformismo, não só porque sentiu que não perdeu a vida no acidente por mero acaso e sorte, mas também, naturalmente, por recear a eventualidade de ficar com sequelas físicas e psíquicas muito graves.
60. Após o acidente, autora ficou ainda sem conseguir andar durante 7 semanas.
61. Em consequência das lesões sofridas com o acidente dos autos, a autora ficou portadora de uma deformação grave do pé direito (amputação dos cinco dedos, parte direita e do ante pé) e cicatrizes em mais de 18% da superfície corporal. A Autora vai usar uma prótese no pé direito para toda a vida, necessitando de a substituir periodicamente, e vai ter de fazer frequentemente tratamento à úlcera de pressão na região palmar do pé direito, com os esclarecimentos constantes do auto de exame por junta médica de fls. 22 a 24 dos autos apensos de fixação de incapacidade e do relatório médico-legal de fls. 76 a 81 destes autos, para o qual aquele remete.
62. Antes do incidente, a autora tinha boa saúde e não possuía qualquer defeito físico aparente, tendo à data do incidente 36 anos de idade.
63. Devido às amputações realizadas no pé direito, a autora tem grandes dificuldades em se deslocar e em manter uma postura correta e o equilíbrio.
64. A autora padece regularmente de dores fortíssimas no pé direito, nas pernas, no ombro direito e nas costas.
65. A autora tem necessidade de efetuar os trabalhos domésticos, assim como a sua atividade profissional, que tem de exercer para se sustentar, a autora não consegue desempenhar tarefas que antes eram simples, como aspirar, subir escadotes, passar a ferro, baixar-se, etc.; a autora já teve necessidade de alterar a sua rotina diária, nomeadamente de tempo para atingir os mesmos resultados.
66. A Autora tinha por hábito passar as suas férias na praia, na companhia de amigos, o que nunca mais vai conseguir fazer.
67. As lesões estéticas e as limitações que impõem causam à autora profunda tristeza, angústia, infelicidade e inconformismo.
68. Em consequência do acidente, a autora passou a ter alterações de memória, irritabilidade fácil, intolerância ao ruído, para além de ter pelo corpo enormes cicatrizes, pelo que a vida daquela nunca mais foi nem será a mesma, em capacidade para trabalhar, com os esclarecimentos constantes do auto de exame por junta médica de fls. 22 a 24 dos autos apensos de fixação de incapacidade e do relatório médico-legal de fls. 76 a 81 destes autos, para o qual aquele remete.

III.
13. O acidente dos autos ocorreu no dia 23/06/2008, pelo que se encontra abrangido pelo regime de reparação de acidentes de trabalho aprovado pela Lei n.º 100/97, de 13 de setembro (doravante designada por LAT), cuja entrada em vigor ocorreu em 01/01/2000, conforme resulta da alínea a), do n.º 1, do seu art. 41.º, conjugada com o disposto no art. 71º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A/99, de 22 de setembro.

14. As Instâncias concluíram unanimemente que o acidente de trabalho ocorrido com a A. se subsume à previsão do n.º 1 do art.º 18.º da LAT, em virtude de o mesmo ter resultado da falta de observação das regras de segurança no caso exigíveis, por parte da R. entidade empregadora, pelo que tal segmento da decisão recorrida está fora do âmbito do presente recurso.

De igual modo concluíram, atento o preceituado no art.º 18.º nº 2 da LAT, que era devida à A. uma compensação pelos danos não patrimoniais por ela sofridos.

15. Divergiram apenas no montante fixado a esse título: a 1.ª Instância fixou em €25.000,00 a indemnização por danos morais devida à A.; já a Relação arbitrou-lhe €50.000,00.

16. Na presente revista, a recorrente sustenta que a compensação arbitrada pelo Tribunal da Relação é “claramente excessiva”.

Desde já se adianta que não sufragamos este entendimento.

Com efeito:

17. O n.º 2 do art. 18.º da L.A.T. ressalva a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral, sempre que o acidente de trabalho tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos previstos no seu n.º 1.

Como se sabe, o princípio geral da responsabilidade civil encontra-se enunciado no art. 483.º do Código Civil, o qual dispõe: "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

Por seu turno, o art. 496.º, n.º 1, do mesmo código, estabelece que apenas são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, estipulando o n.º 4, 1ª parte, do mesmo artigo, que o montante pecuniário da compensação por este tipo de danos deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494.º, do mesmo diploma, ou seja, tendo em atenção, nomeadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a extensão e gravidade dos danos, a sensibilidade da vítima e o seu sofrimento.

18. Como ensina Antunes Varela os danos não patrimoniais são os « (…) prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome), não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (…) do que uma indemnização[5]

E, conforme vem sendo sucessivamente afirmado pela nossa jurisprudência, a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.

19. In casu, ponderando os elementos de facto provados, é incontornável que as consequências danosas do acidente que vitimou a A. assumem particular relevo e gravidade.

Os factos provados são, na verdade, bem demonstrativos do relevante dano estético e do acentuado grau de sofrimento que a A. padeceu, padece e vai continuar a padecer, tudo sequelas físicas e psicológicas que implicam a perda de auto estima e levam à alteração definitiva e permanente do seu padrão de vida pessoal e social.

Para além do prejuízo funcional (deformação grave do pé direito, decorrente de amputação dos cinco dedos, parte direita e do ante pé, provocando à A. grandes dificuldades em se deslocar, em manter uma postura correta e o equilíbrio, assim como em efetuar os trabalhos domésticos e a sua atividade profissional; alterações de memória, irritabilidade fácil, intolerância ao ruído) e estético (cicatrizes em mais de 18% da superfície corporal e uso de uma prótese no pé direito para toda a vida), verifica-se também no caso em apreço o prejuízo de afirmação pessoal (perda da alegria de viver), para além do próprio desgosto e abalo psicológico da A. em ver-se na situação em que se encontra (profunda tristeza, angústia, infelicidade e inconformismo pelo sucedido), das dores insuportáveis que sofreu e ainda sofre (no pé direito, nas pernas, no ombro direito e nas costas), da clausura hospitalar a que foi votada e das múltiplas cirurgias e inúmeros tratamentos a que teve de se sujeitar (ao nível da cirurgia plástica, psiquiatria, ortopedia, fisioterapia).

Vale por dizer que a A., aos 36 anos de idade, sofreu danos gravemente atentatórios da sua saúde física e psicológica e fortemente lesivos da sua personalidade e do seu bem-estar físico e emocional.

Tratam-se, indubitavelmente, de danos que merecem a tutela do direito e, como tal, nos termos supra expostos, são indemnizáveis, sendo que, repete-se, os montantes indemnizatórios por danos desta gravidade não podem deixar de assumir adequada expressão.

É inequívoco que os danos em causa são imputáveis à R. FF, entidade patronal da A., na medida em que as instâncias apuraram que a violação das regras de segurança que àquela incumbiam e que no caso eram exigíveis foi causa adequada da produção do acidente, a título de culpa.

Deste modo, atendendo a todas as circunstâncias do caso, nomeadamente às consequências do acidente e à gravidade da conduta da R. entidade patronal, temos por equitativo o valor de € 50.000,00 arbitrado à A. na decisão recorrida, montante que, aliás, se encontra em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal nesta matéria.[6]

IV.
20. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso de revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.
Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 17 de março de 2016


Mário Belo Morgado (Relator)



Ana Luísa Geraldes



António Ribeiro Cardoso


_______________
[1] Despacho transitado em julgado.
[2] Todas as referências ao CPC são reportadas ao regime processual introduzido pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, que é o aplicável à revista.
[3] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.
[4] Transcrição expurgada dos factos destituídos de relevância para a decisão do recurso de revista.
[5] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed, p.601.
[6] Nomeadamente, citamos os seguintes exemplos comparativos: Acórdãos de 26.01.2016, Proc. 2185/04.8TBOER; de 21.01.2016, Proc. 1021/11.3TBABT; de 20.03.2014, Proc. 7782/10.0TDPRT; de 01.07.2014, Proc. 6607/09.3TVLSB; de 19.06.2014, Proc. 1679/10.0TBVCT; de 29.02.2012, Proc. 165/07.0YYBGC; e de 29.01.2008, Proc. 07A4492;