Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
987/20.7T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURADORA
DEVER DE DILIGÊNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
LESADO
PARTICIPAÇÃO DO SINISTRO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 04/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
Nos termos dos art.º 36.º, 38.º e 40.º do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, numa situação em que se provou que:

- a R. assumiu a responsabilidade pelo acidente, tendo comunicado este facto à A., por carta de 15/03/2018, recebida pela A. entre o dia 16 e 22/03/2018 (cf. pontos 15, 16 e 17 dos factos provados).

- esta comunicação foi feita com atraso em relação ao prazo de 30 dias prescrito no artigo 36º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, posto que o acidente lhe foi participado por carta datada de 25/01/2018, aceitando a R. que tomou conhecimento do mesmo em 29/01/2018.

- a comunicação da assunção da responsabilidade não foi acompanhada de “proposta razoável de indemnização”, sendo o dano quantificável, como se exige no artigo 38º, n.º 1, do mesmo diploma.

- a R. invocou (e provou) que havia feito diligências para proceder à marcação da peritagem e à avaliação dos danos, mas que não tinha conseguido, tendo solicitado que a A. a contactasse com vista a dar seguimento à regularização do sinistro (cf. pontos 15 e 16 dos factos provados).

- A A. não deu resposta a esta comunicação da R;

- em 02/02/2018, já a A. tinha feito uma 1ª vistoria ao veículo e, em 05/02/2018 iniciou a reparação do mesmo, que ficou concluída no dia seguinte (cf. pontos 11 a 13 dos factos provados).

- só em 16/05/2018, através da sua representante “R..., Lda”, veio solicitar resposta à sua reclamação de 25/01/2018, que foi a comunicação do acidente, e informar que “dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitámos a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado e procedemos à sua reparação. Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”(cf. facto aditadosobon.º5-A).

- só com esta comunicação é que a R. ficou a saber que já tinha sido feita a peritagem ao veículo, que até já estava reparado desde 06/02/2018 – o que impedia que a R. fizesse a peritagem –, e que a A. lhe enviará a quantificação dos prejuízos sofridos, daí que se compreenda que a R. tenha ficado a aguardar essa informação para apresentar uma proposta de indemnização, informação esta que só veio a ser prestada pela A. em 17 de Janeiro de 2020, quando pediu a indemnização total de € 3.715,05.

- a A. já sabia quais os danos sofridos pelo veículo acidentado desde, pelo menos, 06/02/2018, data em que foi apresentado o relatório de peritagem, como pela sua comunicação de 16/05/2018, fazendo tábua rasa da comunicação anterior da R. a comunicar a assunção da responsabilidade pelo sinistro, dá a entender à R. que deve aguardar que lhe comunique a quantificação dos prejuízos sofridos, o que só veio a fazer em 17/01/2020;

Não é possível atribuir à R. a responsabilidade por não ter apresentado uma proposta razoável (ou nenhuma), podendo até entender-se deve entender-se que estava justificada a omissão, não havendo lugar à aplicação das “penalidades” previstas para o incumprimento do dever de apresentar “proposta razoável”.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO

1. RODO CARGO, TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, S.A., instaurou acção, com processo comum, contra Seguradoras Unidas, S.A. actualmente Generali Seguros, S.A., pedindo que a R. seja condenada a:

A) Pagar à autora a quantia de 105.575,01 € (cento e cinco mil quinhentos e setenta e cinco euros e um cêntimo);

B) Pagar juros de mora, de 14% ao ano, em dobro da taxa legal, como decorre do n.º 1 e 3 do artº 43º do Decreto-Lei n.º 291/2007, sobre o montante da condenação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, juros de mora à taxa comercial, desde a mesma data até efectivo e integral pagamento, a que acresce a obrigação de pagamento de juros à taxa de 5% ao ano desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescem aos juros de mora referenciados nos articulados 51º e 52º da presente PI;

C) Pagar à autora as penalizações impostas pelo incumprimento do Decreto-Lei 291/2007.

D) A notificação da autora, para ainda no âmbito do processo, se assim o entender, comunicar a assunção ou não assunção da sua responsabilidade como fixado na alínea e) do artigo 36º do decreto-lei 241/2007, a fim de parar com a penalização imposta por força do decorrente deste incumprimento €100,00 o qual se requer continue a contar e seja a Ré condenada a pagar até à data da sua assunção de responsabilidade;

E) A ampliação do pedido por força das infracções ao disposto no estatuído no Decreto-Lei 291/2007, designadamente, na alínea a) do nº 6 do Artigo 36º; do nº1 do artigo 38º e do nº 2 do Artigo 40º quando revistam os factos dados como provados no âmbito da PI..

2. Para sustentar o conjunto de pretensões deduzidas, alegou, em resumo, o seguinte:

- A autora é uma sociedade comercial cujo objecto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias, sendo proprietária do conjunto circulante constituído pelo veículo tractor com a matrícula ..-..-PC e pelo reboque com a matrícula L-......;

- No dia 22 de Janeiro de 2018, ao KM 78,20 do IC2, localidade de ..., freguesia e concelho de ..., ocorreu um acidente de viação envolvendo o referido conjunto circulante e o conjunto circulante de matrículas ..-..-ZI/C-....., segurado na ora ré, sinistro que se deveu a culpa do condutor deste último, em resultado de imprudente e desatenta condução;

- Em 25 de Janeiro de 2018, a autora enviou à ré, através de uma empresa sua representante, a reclamação inicial sobre o acidente, solicitando a peritagem do reboque de que é proprietária e a quantificação dos respectivos danos, a fim de que pudessem ser prontamente reparados, com vista a que o conjunto circulante pudesse rapidamente continuar a laborar;

- Apesar da referida reclamação, a ré não contactou a autora no prazo legal previsto, o que levou a ora demandante a contactar uma empresa para proceder à realização da peritagem dos danos verificados no seu veículo de mercadorias;

- Realizada a peritagem, cujo relatório foi emitido em 6/2/2018, a empresa representante da autora voltou a contactar a ré, recordando-a da reclamação enviada a 25/1/2018;

- Não obstante tais comunicações, a ré não comunicou à autora a assunção ou não assunção da responsabilidade, em claro desrespeito do quadro legal estabelecido nesta matéria (pertinentes normas do DL n.º 291/2007);

- Nessa sequência, em 17 de Janeiro de 2020, a representante da autora enviou à ré uma reclamação de prejuízos de forma quantificada, que englobam o custo de reparação do veículo sinistrado – reparação que se iniciou em 5/2/2018 e ficou concluída a 6/2/2018 –, os respectivos custos de paralisação, os custos de reparação de uma viatura que era transportada no citado reboque e os custos decorrentes da necessidade de contratar uma empresa de peritagem;

- Dada a postura da ré, em nada contribuindo para impulsionar o processo no sentido da sua resolução, a autora reclama nos presentes autos, para além dos custos (prejuízos) supra mencionados, juros de mora ao dobro da taxa legal aplicável a empresas comerciais (14/%), em conformidade com o estatuído no art. 38º, nº 2, do DL n.º 291/2007, uma penalização de 200,00 € por cada dia de atraso, a reverter em partes iguais para a autora e para o Instituto de Seguros de Portugal, de acordo com o art. 40º, n.º 2, do DL n.º 291/2007, bem como juros de mora à taxa de 5%, nos termos previstos no art. 829ºA do Código Civil.

3. A ré contestou, impugnando, de forma motivada, parte da factualidade alegada pela autora e sustentando que a mesma litiga com abuso do direito, em virtude de ter protelado a propositura da acção com vista a receber um montante indemnizatório o mais alto possível.

A final, peticionou que a demandante fosse condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização no valor de 5.000,00 €, sem prejuízo da aplicação de uma taxa sancionatória excepcional, nos termos do art. 531º do C.P.C., atento o facto de a autora ter deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar, uma vez que a ré, por carta de 15/3/2018, comunicou que assumia a responsabilidade pelo sinistro.

4. Em resposta, a autora pronunciou-se no sentido da improcedência da matéria de excepção e da requerida condenação por litigância de má fé e aplicação de taxa sancionatória excepcional.

5. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

6. Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, na qual, como questão prévia, decidiu-se indeferir os pedidos indicados sob as alíneas D) e E) da petição inicial, por falta de fundamento legal, e conhecendo do demais peticionado, julgou-se parcialmente procedente a acção e, em consequência, decidiu-se:

“a) Condenar a a pagar à autora a quantia de 2.018,74 (dois mil e dezoito euros e setenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a citação até integral pagamento, e dos juros previstos no art. 829º-A, nº4, do Código Civil;

b) Absolver a da restante parte do pedido;

c) Condenar a autora e a no pagamento das custas a que deram causa, na proporção do decaimento;

d) Condenar a autora, por ter litigado de fé, no pagamento de uma multa correspondente a 25 (vinte e cinco) UCs e no pagamento de uma indemnização à parte contrária, após ser cumprido o disposto no art. 543º, n.º 3, do C.P.C..”

7. Houve recurso de apelação, em que as questões a decidir foram assim delimitadas:

(i) Da impugnação da matéria de facto;

(ii) Do erro na aplicação do direito;

(iii)Da condenação por litigância de má fé.

8. Veio a ser proferido acórdão pelo Tribunal da Relação, que culminou com o seguinte segmento dispositivo:

“Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 2.605,74, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, até integral pagamento, mantendo-se a sentença recorrida quanto ao demais decidido, com excepção do valor da multa imposto à A., por litigar de má fé, que se reduz para o valor de 10. Ucs.

Custas a cargo da Apelante e apelada, na proporção do respectivo decaimento.”

9. Desse acórdão é apresentado recurso de revista pela A, no qual formula as seguintes conclusões relativas à revista normal(transcrição):

1. A ora Recorrente apresenta o seu Recurso de Revista relativamente às questões

cuja dupla conforme não se verifica e, subsidiariamente, o seu Recurso de Revista Excecional relativamente aquelas cujas dupla conforme se poderá verificar.

2. Deste modo, verifica-se inexistir dupla conforme no que diz respeito à alteração da matéria factual e, no que à aplicação do Direito diz respeito, que inexiste dupla conforme no que diz respeito à questão da contabilização do valor de paralisação e quanto à aplicação da figura do abuso de Direito.

3. Em sentido oposto, verifica-se a existência de dupla conforme no que concerne à aplicação da figura das penalizações previstas no nº2 do artigo 40º do Decreto-lei 291/2007.

4. a operação de apreciação da prova impugnada pela ora Recorrente incorre no vício presente na alínea b) do número 2 e no nº3 do artigo 674º do Código de Processo Civil, por existir erro crasso e notório na aplicação da lei de processo

5. No que tange ao facto que se pretende aditar, sob o articulado 23, o Tribunal Recorrido viola o disposto no artigo 3º, nºs 3 e 4, 4º, 5º nº2, alíneas a) e b), 6º nº1, 411º e 526º nº1 do Código de Processo Civil.

6. Em especial, sobre o articulado 8º das Alegações de Recurso de Revista, correspondente à conclusão nº6 e 7 desse mesmo Recurso, decidiu o Tribunal Recorrido da seguinte forma:

Conclusão:

Decisão:

Conclusão:


Decisão:

7. O raciocínio do Venerando Tribunal Recorrido é assim contraditado e colocado em causa, uma vez que:

1 – A partir do momento em que o Tribunal de 1ª Instância funda a valoração da conduta da Autora tendo por base factos alegados pela Ré e meios de prova carreados por esta, os quais se revelam instrumentais, complementares ou acessórios, sem dar o devido contraditório à Autora, viola o princípio do contraditório e da igualdade das partes;

2 – A Autora sobre estes só pode fazer prova em sede de audiência de julgamento, uma vez que apenas pode responder a exceções;

3 – O Tribunal de 1ª Instância valoriza esta factualidade para a condenação da Autora como litigante de má-fé e, especialmente; 4 – A Autora faz expressa menção à relevância desta factualidade nas suas Alegações de Recurso de Apelação.

8. Assim, é pois notório que o Venerando Tribunal Recorrido andou mal ao nem sequer apreciar esta impugnação da matéria de facto efetuada pela ora Recorrente e por nem sequer equacionar renovar a prova e determinar que a 1ª Instância ouvisse a testemunha AA, para melhor decisão da causa e descoberta da verdade, para saber se, afinal, a A.. representa ou não a Autora no que diz respeito à marcação de peritagens, se rececionou a comunicação da Ré e a não retransmitiu à aqui Autora.

9. Deste modo, o Tribunal Recorrido não efetuou uma diligência necessária para a

descoberta da verdade e considerou uma facto não essencial, que só emergiu após a junção de documentação por parte da Ré, sem dar o devido contraditório à Autora, condenando-o como litigante de má-fé, mesmo apesar da violação por parte da Ré das normas presentes no Decreto-Lei 291/2007.

10. Concluindo, o Tribunal Recorrido viola o disposto no artigo 3º, nºs 3 e 4, 4º, 5º nº2, alíneas a) e b), 6º nº1, 411º e 526º nº1 do Código de Processo Civil, pois porquanto assim o impõe a justa composição do litígio.

11. No que tange ao facto que se pretende aditar, sob o articulado 25, o Tribunal Recorrido viola o disposto no artigo 411º e 607º nº4 do Código de Processo Civil.


12. No caso em apreço, «diligência devida» não é somente um mero conceito jurídico:

13. É um juízo de valor sobre a matéria de facto enquanto ocorrência da vida real e, mais importante, um juízo empírico de uma realidade de uso corrente – diligência devida.

14. Deste modo, nunca poderia o Tribunal Recorrido ter decidido não julgar o aditamento pretendido por entender que se trata de matéria conclusiva/de direito e não factual, violando, assim, o teor dos artigos 411º e 607º nº4 do Código de Processo Civil.

15. Devendo, por isso, ser determinado que o Venerando Tribunal Recorrido aprecie tal pedido de aditamento ao acervo factual.

16. Inexiste dupla conforme no que diz respeito à privação de uso, uma vez que o Venerando Tribunal da Relação Recorrido não só atribui um valor superior no que diz respeito à paralisação, como introduz o a questão de o conjunto circulante constituir uma única unidade económica, conceito que a Autora discorda.

17. Verificado a ilicitude do condutor do veículo seguro pela Ré, discorda a Autora do entendimento versado pelo Tribunal Recorrido sendo consequentemente devido o montante global correspondente a 3 dias de paralisação».

18. Isto porquanto o Acordo desenvolvido entre ANTRAM e APS não constitui um elemento cujos contornos se desconhecem, como se se tratasse de uma justiça discricionária, em que tanto faz que seja “mais” ou “menos”, muito menos se trata de um mero “anúncio, que redundaria no mesmo que fixar o valor de um imóvel apenas a partir da sua anunciada venda numa publicação”.

19. Para fundamentar o custo de paralisação do conjunto circulante especial para transporte de automóveis com as matrículas ..-..-PC/ L-......, a Autora socorre-se do Acordo celebrado entre a APS e a ANTRAM como critério para a fixação da indemnização no caso sub judice, consubstanciando o juízo de equidade previsto no artigo 566º, nº 3, do Código Civil, consistindo num critério através do qual se pode guiar o Julgador, sendo esta a orientação vertida no âmbito dos processos 779/03.8TBOBR.C1, 1661-07.5TBMTJ.L1-8, 1458/12.0TVLSB.L2-2, 189/16.7T8CDN.C1, 11421/16.7T8LSB.L1-6 e 80/14.1T8ALQ.L1-6.

20. Ora, tendo em consideração que o acordo em causa foi celebrado entre a APS e a ANTRAM, sendo que esta entidade representa grande parte do setor dos Transportes Rodoviários Pesados de Mercadorias, afigura-se razoável que os valores indemnizatórios aí previstos para situações de paralisação de veículos pesados de mercadorias surjam como equitativos, atendendo à similitude de situações e à qualidade e representatividade dos Outorgantes no setor dos transportes em questão, sendo indiferente ao caso que a Autora tenha outorgado ou não o referido acordo ou seja associada ou não da ANTRAM, devendo, por conseguinte, ser fixado pelo Tribunal ad quem a verba requerida pela paralisação no valor de € 257,03/dia para o ano de 2017, conforme melhor se alcança pela atualização do acordo entre a ANTRAM e APS, como decorrer da aplicação da taxa de imobilização diária para veículos de peso bruto entre 26 e 40 toneladas afetos ao serviço internacional.

21. É igualmente devida indemnização à Autora, no que à paralisação diz respeito, considerandos ambos os veículos que compõe o conjunto circulante propriedade desta, conforme orientação vertida no âmbito dos processos 14227/19.8T8PRT.P1, 2278/07.TVLSB.L1-1, 11421/16.7T8LSB.L1-6, 2278/07.TVLSB.L1-1, 11421/16.7T8LSB.L1-6 e 04B312, constituindo trator e semirreboque realidades distintas para efeitos de fixação de indemnização pela paralisação.

22. Os veículos que integram um «conjunto de veículos», in casu, o conjunto circulante propriedade da Autora, composto pelo veículo trator com a matrícula ..-..-PC e pelo semirreboque com a matrícula L-...... são, assim, material e juridicamente autónomos, e, por conseguinte, funcionalmente intermutáveis na utilização económico-comercial de cada um dos tipos em combinação com diferentes veículos do outro tipo, possuindo cada um dos elementos do conjunto de veículos uma utilidade económica de exploração comercial própria e autónoma, bem se compreende, à luz do exposto, que a paralisação de qualquer deles deva relevar também autonomamente como fonte de danos, devendo a Ré pagar a indemnização por paralisação referente ao veículo trator e referente ao semirreboque.

23. Logo, a Autora deve ser ressarcida na verba de €257,03 diários pela paralisação do seu equipamento de tração matrícula ..-..-PC e ainda outra de igual valor pela paralisação do seu reboque matrícula L-......, reclamando assim pela paralisação do seu conjunto circulante a verba total de €257,03 multiplicada por 2 e este valor multiplicado por 5 num total de €2.570,30, pelo facto de os veículos que integram um conjunto de veículos serem material e juridicamente autónomos e no caso presente atento o facto de o reboque de matrícula L-...... não poder circular sem o trator de matrícula ..-..-PC e vice-versa.

24. No que tange à aplicação da figura do Abuso de Direito, dado a fundamentação manifestamente diferente quanto a esta figura, inexiste qualquer entrava à interposição de Recurso de Revista.

25. Desde já se avançando que a figura do abuso de direito não tem aplicação ao caso concreto, mormente na definição e aplicação da sanção cível prevista no artigo 40º nº2 do Decreto-lei 291/2007, entendendo a aqui Recorrente que a mesma linha de interpretação deverá ser vertida no âmbito do presente processo, logo, devendo a Ré ser efetivamente condenada na sanção cível prevista no artigo 40º nº2 do Decreto-lei 291/2007, pela violação dos prazos previstos no seu artigo 36º nº1 alínea f).”

10. Foram apresentadas contra-alegações onde se conclui, na parte relativa à revista normal (transcrição):

1. Vem o presente Recurso Excepcional de Revista interposto pela Recorrente Rodo Cargo - Transportes Rodoviários de Mercadorias, SA, do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que julgou apenas parcialmente procedente o recurso de apelação então interposto pela ora Recorrente, da douta sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância - Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Central Cível de ... – Juiz 2 .

2. A Recorrente Rodocargo, na mesma peça processual, interpõe simultaneamente recurso de revista ordinário e extraordinário (ainda que este, a título subsidiário), integrando, num e noutro recurso, de modo simultâneo, as mesmas alegações e conclusões.

3. Entende a Recorrida que a Recorrente utilizou de forma processualmente inadequada as figuras da Revista Normal e Excepcional, em simultâneo.

4. Isto porque, o Recurso de Revista Normal e o Recurso de Revista Excepcional têm estruturas, fundamentos e tramitação distintas entre si, não podendo ser cumuláveis processualmente

5. Deveria a Recorrente, se assim o entendesse, apresentar dois articulados de Alegações de Recurso, um nos termos do disposto no art.º 671.º n.º 1 e n.º3 , e 675.º n.º 1 do CPC; e outro, de Revista Excepcional, nos termos do disposto no art.º 672.º e 675.,º n.º 2 do CPC.

6. Só assim se permite ao Tribunal “a quo”, em primeiro lugar, e depois ao Tribunal “a quem”, apreciar da admissibilidade ou não de cada um dos recursos, aceitando ou rejeitando um ou outro ou ambos

7. A apreciados os fundamentos de cada um dos Recursos Interpostos, as questões suscitadas na revista excecional são manifestamente diversas daquelas que foram suscitadas no recurso de revista geral, como a Recorrente indica expressamente nas conclusões 1.º , 2.º e 3.º das suas Alegações de Recurso

8. Na Revista Normal, a Recorrente pretende a alteração da matéria de facto e aplicação de direito (valor de paralisação e abuso de direito); na Revista Excepcional, na aplicação da figura das penalizações previstas no n.º 2 do artigo 40º do DL 291/2007.

9. Evidencia-se assim uma divergência evidente nas questões que estão na base dos recursos de Revista Normal e Excepcional: num recurso, pretende ver reapreciada a matéria de facto, e discutir os conceitos de dano de paralisação e abuso de direito; no outro, pretende, em sentido oposto, analisar a figura das penalizações do art.º 40 n.º 2 do DL 291/2007.

10. A Recorrente não podia, porque tal, misturar num único Articulado o Recurso Normal e Excepcional, que seguem tramitações diversas, fundamentos diferentes, e com consequências diferentes

11. Tal desconformidade determina, no caso dos autos, que nem um nem o outro Recurso se possam aproveitar, porquanto, como se referiu supra, as Alegações de Recurso são incindíveis.

12. Mesmo que, por hipótese académica, ambos os recursos se pudessem admitir na mesma peça processual – com o que não se concorda, pelas razões práticas acima expostas – sempre obrigaria a que o Recorrente individualizasse, de forma clara, nas Alegações e nas conclusões, os fundamentos de cada um dos recursos, não podendo misturar, na mesma peça, as conclusões de um ou outro recurso, ou de ambos, porquanto, conforme se evidenciou supra, e a própria recorrente assim o entende, as questões tratadas numa e noutra sede são “em sentidos opostos” – cfr. Conclusão 1 a 3 do recurso.

13. E, assim, sendo, ambos os recursos – de Revista Normal e de Revista Excepcional – não devem ser admitidos, o que se invoca para os devidos efeitos legais

14. Entende a Recorrente que o Recurso de Revista Normal é inadmissível, uma vez que i) quanto à matéria de facto impugnada, não se verifica violação de lei que imponha reapreciação nos termos do art.º 674.º n.º 3 do CPC e ii) - quanto à matéria de direito, verifica-se dupla conforme.

15. A competência residual para alterar a decisão quanto à matéria de facto ( art.º 674.º, n.º 3, segunda parte, 682.º, n.ºs 2 e 3 (a contrario): ) é limitada aos casos em que haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, ou seja, por violação de direito probatório material.

16. É necessário ainda que o Tribunal da Relação, atuando com essa violação do direito probatório material, tenha produzido uma “fundamentação essencialmente diferente” de facto, eventualmente (mas não necessariamente) com alteração da própria decisão. Portanto, há que cumprir o requisito da essencialidade da alteração da fundamentação, do artigo 673.º, n.º 3.

17. De notar que, neste poder, não cabe sequer um “mero” mau uso do artigo 662.º, conjugado com o artigo 674.º, n.º 1, al. b), uma vez que se impõe, mais uma vez que desse mau uso decorra uma alteração essencial da fundamentação de facto. Se assim não suceder, cabe, na melhor das hipóteses, reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º4, desde que aquele mau uso configure(também)uma das nulidades do artigo 615.º, n.º 1 (por ex., a de falta de fundamentação).

18. Ora, entende a Recorrida que nem existiu uma violação do direito probatório, nem que o Tribunal da Relação, actuando com essa violação do direito probatório material, tenha produzido fundamentação essencialmente diferente de facto.

19. Não existiu violação do direito probatório: tanto o Tribunal de primeira instância como o Tribunal da Relação apreciaram devidamente os factos, os meios probatórios, documentais e testemunhais, fazendo uma análise crítica quanto aos mesmos.

20. Quanto à utilização de meios de prova, nomeadamente quanto à inquirição de testemunhas, não indicadas pela Autora e que a Autora pretende, agora, vir ouvir, o Tribunal da Relação foi cristalinamente elucidativo: devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.

E foi essa análise crítica que se fez da prova produzida que fundamentou as decisões tomadas quanto aos concretos pontos da matéria de facto impugnados. E não ocorre fundamento para renovação da prova ou produção de prova suplementar, nem ampliação da matéria de facto, desde logo por não constam nem são invocados factos alegados, que fundamentem a pretensão da A., que não tenham sido tidos em contam, nem se suscitam dúvidas quanto aos meios de prova apresentados em juízo, a justificar a repetição de prova ou prova suplementar, nos termos previstos no artigo 662º, n.º 2, alínea a) e b) do Código de Processo Civil. Acresce que, se a apelante pretendia que fosse inquirida a testemunha que indica, devia ter requerido a sua audição nos momentos processualmente previstos, ou, caso a necessidade da sua inquirição tivesse surgido no decorrer da audiência, devia aí ter suscitado a questão, e se lhe fosse negada tal pretensão, devia ter interposto o respectivo recurso, nos termos do artigo 644º, n.º2,alínead)do Código de Processo Civil, o que não vemos que tenha sucedido.

21. Por outro lado, do confronto da decisão do Tribunal da Primeira instância com o Tribunal da Relação, resulta que não há quanto à matéria invocada, qualquer alteração da decisão de matéria de facto, que tenha produzido fundamentação essencialmente diferente de facto.

22. E, assim, não se verifica qualquer violação de lei, que determine a utilização, no caso dos autos, do poder excepcional previsto no art.º 674.º n.º 3 do CPC

23. Ainda que assim não se entendesse, sempre se consideraria que não há no caso, lugar a alteração da matéria de facto, concluindo-se neste particular como a Relação

24. Não deve ser admitida a renovação da prova, com a inquirição de testemunha não indicada pela Autora nem nos articulados, nem durante o processo, nem sequer na audiência de julgamento, não tendo havido qualquer reacção da Autora quanto à admissibilidade ou não admissibilidade desse meio de prova

25. Não deve ser admitida a renovação de prova, ou a produção de prova testemunha não indicada pela Autora, quando existe prova documental e testemunhal em sentido contrário pretendido ao da Autora (cfr testemunha BB (com depoimento gravado no ficheiro 202111111614978_2895727_2871697), as marcações de peritagens são feitas com o corrector de seguros, e não com o cliente; E, a testemunha CC, conforme depoimento prestado – ficheiro n.º20211111161423_2895727_2871697,; ) , sendo parte da prova documental não impugnada pela própria Autora /Recorrente.

26. Não deve ser admitido como facto provado ou não provado a matéria “A Ré não procedeu com a devida diligência na resolução do presente sinistro”, por ser manifestamente conclusiva, e por da restante factualidade resultar precisamente o contrário.-

27. Quanto à matéria de direito objecto do Recurso Normal de Revista, entende a Recorrida que se verifica a existência de dupla conforme , quer quanto à contabilização do valor de paralisação, quer quanto à aplicação da figura do abuso de direito.

28. Quanto à contabilização do valor de paralisação, os valores considerados pelo Tribunal da Relação e pelo Tribunal de primeira instância se contêm , existindo e conformidade decisória entre a decisão de 1ª instância e o acórdão da Relação, uma vez que ocorre uma confirmação integral e irrestrita da primeira decisão, estando ausente um efeito revogatório da primeira decisão e, por isso, uma contradição com a mesma.

29. Também quanto decisão de direito sobre o instituto do abuso do direito, embora quanto a esta matéria possa, de modo aparente, não existir dupla conforme, o certo é que, em ambas as decisões se considerou a situação de abuso de direito.

30. Por mera cautela de patrocínio, e apenas para o caso de o Recurso apresentado pela Recorrente ser admitido – o que não se concede sempre se dirá que deve manter-se nos exactos termos, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, aderindo nesta sede à fundamentação daquele Tribunal.

31. Na verdade, a Recorrente não demonstrou nos autos que o Protocolo entre a ANTRAM e a APS, a que a Recorrente alude nos autos, se trate de um elemento discricionário – tal Protocolo, como muitas vezes é evidenciado pela Jurisprudência dos Tribunais superiores, deve ser entendido como um elemento a considerar para o cálculo das indemnizações por paralisação, mas deve ser isso mesmo, meramente orientador, não podendo nem devendo ultrapassar ou substituir aquilo que são os critérios da lei civil, nomeadamente o recurso à equidade e ao princípio da diferença

32. Sucede que, como bem salientado pelas instâncias, a Recorrente não logrou demonstrar igualmente que o conjunto circulante, o tractor ou o reboque individualmente considerados tivessem deixado de efectuar serviços, e quais os serviços para os quais estava destacada, sendo esses elementos essenciais para a determinação de um dano concreto, que permita ultrapassar ou concretizar o valor do dano para além da regra da equidade.

33. E, assim, na falta desses elementos, por absoluta inércia probatória da Autora, aplicaram as instâncias a regra da equidade, com base no elemento orientador da Tabela da ANTRAM/APS resultante do Protocolo celebrado.

34. De notar, a talho de foice, que a Autora pretende a alteração do valor do dano para 2.570,30 Euros, o que é um valor que singularmente considerado, é muito inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação.

35. Entendemos que o comportamento da Autora deve ser juridicamente valorado, não só no plano da litigância de má fé, mas também no plano do abuso de direito.

36. E, assim sendo, justifica-se plenamente a consideração plasmada no douto Acórdão recorrido, de que o montante indemnizatório devido pelo atraso na assunção de responsabilidade deve ser diminuído, face à posição manifestamente censurável da Autora no processo, conforme bem vincaram a 1.ª instância (embora sob a égide do conceito de litigância de má fé) e da Relação (aqui, por via do abuso de direito).”

11. O recurso foi admitido com a prolação do seguinte despacho:

“1. Notificada do acórdão de 12 de Julho de 2023, que decidiu “julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 2.605,74, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação, até integral pagamento, mantendo-se a sentença recorrida quanto ao demais decidido, com excepção do valor da multa imposto à A., por litigar de má fé, que se reduz para o valor de 10. Ucs.”, veio a A./Recorrente interpor recurso de REVISTA (normal), nos termos do artigo 671º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na parte não abrangida pela dupla conforme, referindo-se à alteração da matéria factual, em que invoca violação da lei processual e, no que à aplicação do direito diz respeito, quanto à questão da contabilização do valor de paralisação e quanto à aplicação da figura do abuso de direito, e recurso de REVISTA EXCEPCIONAL, na parte em que existe dupla conforme, referente à questão da “aplicação da figura das penalizações previstas no nº 2 do artigo 40º do Decreto-lei 291/2007”, nos termos do artigo 672º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do mesmo código.

Não obstante ter sido apresentada uma única peça processual para as duas espécies de recurso em causa, ao contrário do invocado pela recorrida, não se nos afigura que tal obste à admissibilidade dos mesmos, posto que estão individualizados os fundamentos específicos de cada um dos recursos e competir a apreciação de ambos ao Supremo Tribunal de Justiça.

2. Assim, por a recorrente ter legitimidade, estar em tempo e a decisão ser recorrível, estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso e se entender não ocorrer o pressuposto de inadmissibilidade previsto no n.º 3 do artigo 671º do Código de Processo Civil, por ser invocada a violação da lei processual quanto à apreciação da matéria de facto [cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/01/2021, proferido no processo n.º 844/18.7T8BNV.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se concluiu que:

«I- Não obstante a convergência decisória das instâncias, quanto ao mérito da causa, é admissível recurso de revista, nos termos gerais, do acórdão proferido pela Relação em que seja apontada a existência de erro decisório relativamente à aplicação da lei processual no âmbito da decisão sobre a matéria de facto;(…)»], e diversa fundamentação, admite-se o recurso interposto pela A. RODO CARGO, TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE MERCADORIAS, S.A., o qual é de REVISTA, sobe nos próprios autos e tem efeito meramente devolutivo (cf. artigos 631º, n.º 1, 638º, n.º 1, 629º, n.º 1, 671º, n.º 1, 675º, n.º 1, e 676º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

3. Quanto ao recurso de REVISTA EXCEPCIONAL, consideram-se igualmente verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso, sendo que, em face do disposto no n.º 3 do artigo 672º do Código de Processo Civil, é ao Supremo Tribunal de Justiça que compete a verificação dos pressupostos específicos de admissibilidade invocados.”


II. FUNDAMENTAÇÃO

De facto

12. Nas instâncias foram dados como provados os seguintes factos (a negrito os alterados pelo TR):

1. A autora é uma sociedade comercial cujo objecto se prende com o transporte rodoviário de mercadorias por estrada, sendo proprietária do conjunto circulante especial para transporte de automóveis constituído pelo veículo tractor com a matrícula ..-..-PC e pelo reboque com a matrícula L-...... (art. 1º da petição inicial).

2. No dia 22 de Janeiro de 2018, pelas 10:00 horas, ao Km 78,20 do IC2, sentido Norte/Sul, localidade de ..., freguesia e concelho de ..., no distrito de ..., ocorreu um acidente envolvendo o conjunto circulante porta-automóveis constituído pelo veículo tractor com a matrícula ..-..-PC e pelo reboque com a matrícula L-......, conduzido por DD, motorista da autora, e ainda o conjunto circulante matrículas ..-..-ZI/C-....., conduzido por EE e com registo a favor do Grupo ..., segurado pela ora ré através da apólice nº ........71 (art. 4º da petição inicial).

3. O condutor do conjunto com as matrículas ..-..-ZI/ C-..... circulava na mesma via que o conjunto circulante porta-automóveis propriedade da autora, atrás deste, não tendo salvaguardado a distância de segurança, indo embater na traseira do reboque do conjunto circulante porta-automóveis propriedade da autora (art. 7º da petição inicial).

4. Em 25 de Janeiro de 2018, a autora enviou à ora ré, por correio normal, para a Direcção do Ramo Automóvel, na Avenida ..., ..., através da empresa sua representante, a sociedade R..., Lda, a sua “Reclamação Inicial” sobre o acidente na qual transmite o seguinte:

- A sua referência para o acidente como sendo 2018-01-22 .....18 ..-..-PC L-...... ...;

- A identificação do acidente;

- A identificação dos intervenientes;

- A descrição da sua versão relativamente à forma como o mesmo ocorreu;

- A indicação da localização dos danos;

- A solicitação para a quantificação dos danos a fim de que pudessem ser prontamente reparados para que o conjunto circulante pudesse rapidamente continuar a laborar;

- A solicitação da ora ré para realização da peritagem ao reboque porta-automóveis matrícula L-......;

- A indicação do local onde a ora ré deveria fazer deslocar o seu perito com o intuito de avaliação dos prejuízos materiais;

- A indicação de que decorridos 5 dias úteis sem notícias da ora ré, devidamente comprovadas, a empresa R..., Lda, tomaria a iniciativa de dar indicações à sua representada para requisitar imediatamente uma peritagem ao veículo sinistrado;

- A indicação de uma 1ª lista de 10 prejuízos a reclamar em consequência directa do acidente (arts. 13º a 23º da petição inicial).

5. A autora, conforme indicação da sua representante, a empresa R..., Lda, contactou a empresa R...Consultores, Lda para proceder à realização da peritagem aos danos verificados no seu veículo e esta veio a emitir esse relatório de peritagem em 06.02.2018 (art. 28º da petição inicial).

5-A. A representante da autora, a empresa “R..., Lda”, enviou, em 16.05.2018, um fax para o nº de fax ... da Ré, a solicitar resposta à reclamação enviada por carta de 25-01-2018, e informando que “dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitámos a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado e procedemos à sua reparação. Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”. [facto aditado no recurso]

6. Em 17 de Janeiro de 2020, a representante da autora, a empresa R..., Lda, decide enviar uma carta à ré, como “Reclamação de prejuízos de forma quantificada”, no sentido de a interpelar para o pagamento dos prejuízos decorrentes deste sinistro (art. 37º da petição inicial).

7. Esta missiva, enviada por correio registado para a sede da ré a 17 de Janeiro de 2020, transmitia o seguinte:

- Reclamação de indemnização correspondente ao custo de reparação do veículo matrícula L-...... no valor de 1.634,74 €;

- Reclamação correspondente aos custos de paralisação do veículo matrícula L-...... no valor de 1.285,15 €;

- Indemnização correspondente aos custos decorrentes da reparação do veículo transportado, Toyota CH-R chassis 0R....99, no valor de 595,16 €;

- Reclamação de Indemnização correspondente aos custos decorrentes da necessidade de contratar a empresa R...Consultores, Lda, para proceder à peritagem do veículo acidentado no valor de 200,00 € (arts. 39º a 42º da petição inicial).

8. Em consequência directa do acidente, sofreu o reboque do conjunto circulante com a matrícula L-......, propriedade da autora, o empeno do macaco hidráulico da extensiva da plataforma inferior (art. 58º da petição inicial).

9. Peça que ascende ao valor de 560,24 € (art. 60º da petição inicial).

10. Tendo a reparação desse dano, que incluiu “mão de obra”, “material de pintura” e “diversos” avaliados em 1.074,50 €, importado no valor total geral de 1.634,74 € (mil seiscentos e trinta e quatro euros e setenta e quatro cêntimos) arts. 61º e 62º da petição inicial).

11. O veículo de matrícula L-...... deu entrada nas instalações oficinais da autora em 02-02-2018 (art. 66º da petição inicial).

12. Após a 1ª vistoria em 02-02-2018, a reparação iniciou-se em 05-02-2018 e para realização da mesma, foi determinado pelo perito um período de 2 dias úteis (art. 67º da petição inicial).

13. A reparação foi concluída em 06-02-2018 (art. 68º da petição inicial).

14. O reboque propriedade da autora ficou impossibilitado de prestar quaisquer serviços à mesma no período que decorreu entre a entrada na oficina 02-02-2018 e a data de conclusão da reparação, 06-02-2018 (art. 69º da petição inicial).

15. Por carta de 15/3/2018, a ré comunicou à autora que havia feito diligências para proceder à marcação da peritagem e à avaliação dos danos resultantes do acidente, mas que não tinha conseguido (documento nº2 junto com a contestação cujo teor se considera integralmente reproduzido) (art. 26º da contestação).

16. Na mesma carta, a ré comunicou à autora que assumia a responsabilidade pelo sinistro e solicitou que esta o contactasse com vista a dar seguimento à regularização do sinistro (art. 27º da contestação).

17. Esta carta foi recebida pela ré entre 16 e 22/3/20218 (art. 28º da contestação).

18. O tractor propriedade da autora não sofreu quaisquer danos, podendo circular com outro semi-reboque, inexistindo outro disponível para o efeito. [em destaque a alteração efectuada no recurso]

19. A autora suportou o valor de 200,00 em consequência da peritagem mandada efectuar ao seu veículo de matrícula L-....... [aditado em sede de recurso]

13. Foram considerados como não provados os seguintes factos:

- A ré não comunicou a assunção ou não assunção de responsabilidade pelo sinistro até à presente data (art. 33º da petição inicial).

- A reparação do pára-choques traseiro e chassis da viatura Toyota CH-R chassis NMTKZ3BX40R....99 importou para a autora um custo de 595,16 € (art. 84º da petição inicial).

- A autora suportou o valor de 200,00 € em consequência da peritagem mandada efectuar ao seu veículo de matrícula L-...... (art. 85º da petição inicial). [eliminado]

- Considerando que a ré não facultou um veículo de substituição, a autora viu-se forçada a cancelar todos os serviços para os quais tinha o veículo destinado (art. 73º da petição inicial).

- A autora tinha outros semi-reboques que podia utilizar em substituição do semi-reboque danificado (art. 49º da contestação).

De Direito

14. Admissibilidade do recurso

No presente processo foi proferido acórdão a não admitir revista interposta pela via normal e a remeter os autos à formação, para decisão sobre a admissão da revista pela via excepcional.

Na revista pela via excepcional estava em causa a seguinte questão:

A referida revista pela via excepcional foi admitida pela formação, pelo que cumpre conhecer dessa única questão.

15. Sabendo que a revista pela via excepcional foi admitida para análise da questão sobre a qual as instâncias estiveram de acordo - concerne à aplicação da figura das penalizações previstas no nº2 do artigo 40º do Decreto-lei 291/2007 – cumpre analisar se essa decisão merece censura, como entende a recorrente.

A recorrente entende que na situação dos presentes autos tem direito a receber uma indemnização e respectivos juros, sendo estes contabilizados em dobro e ainda um valor diário de 200 euros, porquanto:

(citação da alegação do recurso)

46. A Ré, pese embora poder entender-se que deu cumprimento ao disposto na alínea e) do número 1 do artigo 36º, não deu cumprimento ao preceituado no número 1 do artigo 38º do Decreto-lei 291/2007, isto porque não formulou uma proposta razoável nem procedeu ao pagamento de qualquer valor.

47. Pois, se o dano é quantificável, não pode a Ré, em momento algum, vir afirmar que assume o sinistro, que não pode marcar peritagem nem avaliar os danos, sob pena de se encontrar a subverter o funcionamento do procedimento de regularização de sinistros automóveis, como fixado pelo Decreto-lei 291/2007, nos seus artigos 36º e 38º e se a Ré não tinha elementos para fixar o montante da proposta razoável a efetuar à Autora não deveria ter assumido a responsabilidade pelo acidente.

48. Doutro modo não estaria a incumprir o preceituado no número 1 do artigo 38º do Decreto-Lei 291/2007, ou seja, a não consubstanciar uma proposta razoável por, afinal, o dano não ser quantificável - trata-se de um «procedimento pré judicial de regularização do sinistro automóvel, que se consubstancia na apresentação ao lesado de “proposta razoável de indemnização” pela empresa de seguros» e visa «garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel» (citado artigo 31.º).

49. Objetivamente, a Ré não cumpriu o normativo ínsito no número 1 do artigo 38º do Decreto-lei 291/2007, O que, de outro modo, resulta numa visão simplista da aplicação do Decreto-lei 291/2007, em que bastaria somente a assunção da responsabilidade para se encontrar cumprido a célere resolução de um sinistro, sem necessidade sequer de se efetuar uma proposta razoável de indemnização e de pagamento dessa mesma proposta.

50. Pois resulta taxativamente da aplicação do número 1 do artigo 38º do Decreto-lei 291/2007, que a posição prevista na alínea e) do nº1 ou no caso do nº5 do artigo 36º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, encontra-se no domínio de atuação da Ré a não contestação da responsabilidade, como ocorreu, como a quantificação do dano, que lhe compete efetuar, e não a aqui Autora, que ainda teve a necessidade de o efetuar por força do incumprimento do disposto no aludido nº1 do artigo 38º do Decreto-Lei 291/2007 por parte da Ré.

51. Face o exposto, deverá ser considerado que a Ré ainda não cumpriu o dever imposto pelo artigo 36º nº1 alínea e) do Decreto-Lei, isto é, não formalizou, de forma positiva, o teor da obrigação que sobre si impende, devendo ser condenada no pagamento da penalização imposta pelo artigo 40º nº2 do referido normativo até que tal comunicação seja expedida e do conhecimento da aqui Autora.

52. Assim, verifica-se que o Tribunal Recorrido violou o teor dos artigos 33º nºs 2 e 7, 34º nºs 1 e 3, 36º nº1 alíneas a) a e), 38º nºs 1 e 2, 40º nºs 1 e 2 e 46ºdo Decreto-Lei 291/2007, 9º nº3, 218ºe232º do Código Civil e 4º nº6 daDiretiva2000/26/CE.”

A recorrida, por sua vez, defende o seguinte: assumiu a responsabilidade pelo acidente e só não apresentou a proposta de indemnização porque a A. se comprometeu a indicar-lhe os danos sofridos e não o fez antes da propositura de acção, tendo até mandado reparar o veículo acidentado.

O Tribunal da Relação decidiu:

“Existe abuso de direito por parte da Autora ao pretender beneficiar de um crédito calculado sobre um período de tempo que estava na sua esfera de disponibilidade aumentar ou reduzir.»

No caso em apreço, a A. fundava a sua pretensão indemnizatória de juros à taxa agravada (o dobro da taxa legal) e no pagamento da indemnização diária de € 200, pelo facto de a R. não ter assumido a responsabilidade pelo acidente nem a ter negado até à data da propositura da acção.

Porém, como resulta inequívoco da matéria de facto provada a R. assumiu essa responsabilidade, tendo comunicado este facto à A., por carta de 15/03/2018, recebida pela A. entre o dia 16 e 22/03/2018 (cf. pontos 15, 16 e 17 dos factos provados).

Ou seja, contrariamente ao alegado pela A., a assunção da responsabilidade foi comunicada.

É certo que esta comunicação foi feita com atraso em relação ao prazo de 30 dias prescrito no artigo 36º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, posto que o acidente lhe foi participado por carta datada de 25/01/2018, aceitando a R. que tomou conhecimento do mesmo em 29/01/2018. Assim como se verifica que a comunicação da assunção da responsabilidade não foi acompanhada de “proposta razoável de indemnização”, sendo o dano quantificável, como se exige no artigo 38º, n.º 1, do mesmo diploma.

Porém, no caso, tal atraso e falta de apresentação da proposta de indemnização, afigura-se-nos justificável, pelo facto de a R. ter invocado que havia feito diligências para proceder à marcação da peritagem e à avaliação dos danos, mas que não tinha conseguido, tendo solicitado que a A. a contactasse com vista a dar seguimento à regularização do sinistro (cf. pontos 15 e 16 dos factos provados).

A A. não deu resposta a esta comunicação da R., sendo certo que resulta provado que, em 02/02/2018, já tinha feito uma 1ª vistoria ao veículo e, em 05/02/2018 iniciou a reparação do mesmo, que ficou concluída no dia seguinte (cf. pontos 11 a 13 dos factos provados).

E, como se veio a apurar, só em 16/05/2018, através da sua representante “R...Lda”, veio solicitar resposta à sua reclamação de 25/01/2018, que foi a comunicação do acidente, e informar que “dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitámos a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado e procedemos à sua reparação. Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”(cf. facto aditado sob o n.º5-A).Com esta comunicação é que a R. ficou a saber que já tinha sido feita a peritagem ao veículo, que até já estava reparado desde 06/02/2018 – o que impedia que a R. fizesse a peritagem –, e que a A. lhe enviará a quantificação dos prejuízos sofridos, daí que se compreenda que a R. tenha ficado a aguardar essa informação para apresentar uma proposta de indemnização, informação esta que só veio a ser prestada pela A. em 17 de Janeiro de 2020, quando pediu a indemnização total de € 3.715,05.

Ora, não só a A. já sabia quais os danos sofridos pelo veículo acidentado desde, pelo menos, 06/02/2018, data em que foi apresentado o relatório de peritagem, como pela sua comunicação de 16/05/2018, fazendo tábua rasa da comunicação anterior da R. a comunicar a assunção da responsabilidade pelo sinistro, dá a entender à R. que deve aguardar que lhe comunique a quantificação dos prejuízos sofridos, o que só veio a fazer em 17/01/2020.

Em suma, não só se considera, pelas razões supra referidas, que está justificado o atraso na assunção da responsabilidade pelo acidente, comunicada em 15/03/2018, como também está justificada a não apresentação da proposta de indemnização, não havendo por conseguinte lugar à aplicação das sanções previstas no n.º 2 do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 291/2007.

Conclusão esta que se alcançaria também por via do abuso de direito, como invocou a R. na contestação.

20. Nos termos do artigo 334º do Código Civil “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Para que haja abuso de direito é, pois, necessário que exista uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito (cf. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina,6ª ed., pág. 516). Daí que o exercício de um direito só poderá haver-se por abusivo quando exceda manifesta, clamorosa ou intoleravelmente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, 4ª ed. pág. 299). Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa, de 24/04/2008 (proc. n.º 2889/2008-6): “existirá abuso de direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apodicticamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado”. No caso concreto, ainda que se entendesse que houve atraso na comunicação da assunção da responsabilidade pelo sinistro, certo é que a R. se propôs regularizar o sinistro, solicitando a colaboração da A., sendo que esta só em 16/05/2018 lhe comunicou já ter feito a peritagem e reparado o veículo, comunicando-lhe ainda, através da sua representante, que “oportunamente” enviaria a quantificação dos prejuízos.

Deste modo, tendo a R. já assumido a responsabilidade pelo sinistro, a apresentação de proposta de indemnização por parte da R. ficou dependente da informação a prestar pela A., relativamente aos prejuízos sofridos, pelo que, nestas circunstâncias, o pedido indemnizatório com base nas sanções previstas no Decreto- Lei n.º 291/2007, de molde a transformar a indemnização por danos comunicados em 17/01/2020, numa indemnização peticionada de € 105.575,01, constitui manifesto a abuso de direito.”

Conhecendo.

O acórdão da formação que admitiu a presente revista considerou que seria importante definir o que “seja uma verdadeira assunção de responsabilidade por parte da seguradora pelos danos emergentes de sinistro automóvel para efeitos do disposto no artigo 40.º do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de agosto, e de quais as circunstâncias – imputáveis quer à seguradora, quer ao lesado – que podem obstaculizar a aplicação das sanções legais previstas pelo atraso na regularização do sinistro.”

Comecemos por ver as disposições legais relevantes – art.º 36.º, 38.º e 40.º do Decreto-lei n.º 291/2007, de 21 de agosto

Artigo 36.º
Diligência e prontidão da empresa de seguros
1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:
a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;
b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;
c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a);
d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;
e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico;
f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.
2 - Se a empresa de seguros não detiver a direcção efectiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.
3 - Existe direcção efectiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.
4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.
5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento electrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.
6 - Os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1:
a) São reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel;
b) Duplicam aquando da ocorrência de factores climatéricos excepcionais ou da ocorrência de um número de acidentes excepcionalmente elevado em simultâneo.
7 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a empresa de seguros deve proporcionar ao tomador do seguro ou ao segurado e ao terceiro lesado informação regular sobre o andamento do processo de regularização do sinistro.
8 - Os prazos previstos no presente artigo suspendem-se nas situações em que a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude.



Artigo 38.º
Proposta razoável



1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.
2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.
3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.




Artigo 40.º
Resposta fundamentada

1 - A comunicação da não assunção da responsabilidade, nos termos previstos nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, consubstancia-se numa resposta fundamentada em todos os pontos invocados no pedido nos seguintes casos:
a) A responsabilidade tenha sido rejeitada;
b) A responsabilidade não tenha sido claramente determinada;
c) Os danos sofridos não sejam totalmente quantificáveis.
2 - Em caso de atraso no cumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas nos n.os 1 dos artigos 38.º e 39.º, quando revistam a forma constante do número anterior, para além dos juros devidos a partir do 1.º dia de atraso sobre o montante previsto no n.º 2 do artigo anterior, esta constitui-se devedora para com o lesado e para com o Instituto de Seguros de Portugal, em partes iguais, de uma quantia de (euro) 200 por cada dia de atraso.


No art.º 36.º diz-se quais os deveres que a empresa seguradora deve cumprir em caso de ocorrência de um sinistro, em termos de agilizar a sua regularização, desde os contactos que estabelece com o lesado/tomador, peritagens, assunção da responsabilidade.

No art.º 38.º estabelece-se o que se entende por proposta razoável e quando a mesma se tem por apresentada em tempo, bem assim como as consequências de não serem cumpridos os prazos ou os valores que devem integrar a referida proposta razoável, que vem igualmente complementadas pelo art.º 40.º.

Quer isto dizer que nestas normas se contém regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.

Entre tais procedimentos conta-se o de levar a cabo diligências com vista ao apuramento dos danos emergentes do acidente e da responsabilidade pela respectiva ocorrência e o de, no caso de a seguradora assumir a responsabilidade, apresentar uma proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte (artigo 36.º, especialmente n.ºs 1, alínea e) e n.º 5), n.º 1 do artigo 38.º).

Mas esses procedimentos e diligências e as consequências de alguma falha no seu cumprimento não podem deixar de ser vistos à luz dos factos provados em cada processo.

E esses factos, no caso em apreciação são os seguintes (tal como salientados no acórdão recorrido):

- a R. assumiu a responsabilidade pelo acidente, tendo comunicado este facto à A., por carta de 15/03/2018, recebida pela A. entre o dia 16 e 22/03/2018 (cf. pontos 15, 16 e 17 dos factos provados).

- esta comunicação foi feita com atraso em relação ao prazo de 30 dias prescrito no artigo 36º, n.º 1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, posto que o acidente lhe foi participado por carta datada de 25/01/2018, aceitando a R. que tomou conhecimento do mesmo em 29/01/2018.

- a comunicação da assunção da responsabilidade não foi acompanhada de “proposta razoável de indemnização”, sendo o dano quantificável, como se exige no artigo 38º, n.º 1, do mesmo diploma.

- a R. invocou (e provou) que havia feito diligências para proceder à marcação da peritagem e à avaliação dos danos, mas que não tinha conseguido, tendo solicitado que a A. a contactasse com vista a dar seguimento à regularização do sinistro (cf. pontos 15 e 16 dos factos provados).

- A A. não deu resposta a esta comunicação da R;

- em 02/02/2018, já a A. tinha feito uma 1ª vistoria ao veículo e, em 05/02/2018 iniciou a reparação do mesmo, que ficou concluída no dia seguinte (cf. pontos 11 a 13 dos factos provados).

- só em 16/05/2018, através da sua representante “RSR”, veio solicitar resposta à sua reclamação de 25/01/2018, que foi a comunicação do acidente, e informar que “dado o tempo decorrido, não obtendo qualquer resposta, solicitámos a uma empresa da especialidade uma peritagem ao veículo acidentado e procedemos à sua reparação. Oportunamente, enviaremos a quantificação dos prejuízos sofridos pela nossa representada.”(cf. facto aditadosobon.º5-A).

- só com esta comunicação é que a R. ficou a saber que já tinha sido feita a peritagem ao veículo, que até já estava reparado desde 06/02/2018 – o que impedia que a R. fizesse a peritagem –, e que a A. lhe enviará a quantificação dos prejuízos sofridos, daí que se compreenda que a R. tenha ficado a aguardar essa informação para apresentar uma proposta de indemnização, informação esta que só veio a ser prestada pela A. em 17 de Janeiro de 2020, quando pediu a indemnização total de € 3.715,05.

- a A. já sabia quais os danos sofridos pelo veículo acidentado desde, pelo menos, 06/02/2018, data em que foi apresentado o relatório de peritagem, como pela sua comunicação de 16/05/2018, fazendo tábua rasa da comunicação anterior da R. a comunicar a assunção da responsabilidade pelo sinistro, dá a entender à R. que deve aguardar que lhe comunique a quantificação dos prejuízos sofridos, o que só veio a fazer em 17/01/2020.

Perante tais factos é possível atribuir à R. a responsabilidade por não ter apresentado uma proposta razoável (ou nenhuma)? Ou deve entender-se que estava justificada a omissão?

Para responder a estas questões fazemos nossas as palavras do acórdão recorrido:

que está justificado o atraso na assunção da responsabilidade pelo acidente, comunicada em 15/03/2018, como também está justificada a não apresentação da proposta de indemnização, não havendo por conseguinte lugar à aplicação das sanções previstas no n.º 2 do artigo 40º do Decreto-Lei n.º 291/2007.”

Isto é, nada há a apontar à decisão recorrida quando justifica o comportamento da Ré, e na definição do direito aplicável – não há lugar a qualquer sanção pelo atraso na assunção da responsabilidade ou na (não) apresentação de proposta razoável.

Por isso a revista deve improceder.

III. Decisão

Pelos fundamentos indicados é negada a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 17 de Abril de 2024

Fátima Gomes

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Nuno Ataíde das Neves