Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AGUIAR PEREIRA | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA PRESSUPOSTOS FALECIMENTO DE ADVOGADO NEGLIGÊNCIA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO PRINCÍPIO DA AUTORRESPONSABILIDADE DAS PARTES DECISÃO SURPRESA PATROCÍNIO JUDICIÁRIO SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Data do Acordão: | 10/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - A instância considera-se deserta quando o processo não registe objectivamente a prática pela(s) parte(s) de acto de que dependa o prosseguimento da sua normal tramitação. II - Tendo a suspensão da instância sido decretada por causa do falecimento do advogado constituído pelas autoras numa acção em que o patrocínio judiciário é obrigatório, competia às autoras constituir novo mandatário e comunicar tal facto aos autos nos seis meses seguintes à notificação da suspensão da instância ou informar, no mesmo prazo, eventuais dificuldades em assumir tal procedimento. III - Sendo obrigatório o patrocínio judiciário e resultando directamente da lei a consequência do não cumprimento do ónus de constituição de novo advogado por negligência das partes (arts. 269.º, n.º 1, al. b), 276.º, n.º 1, al. b), e 281.º do CPC), mesmo quando o despacho a declarar suspensa a instância não contenha qualquer cominação, não existe qualquer norma ou princípio que imponha a audição prévia da parte que se encontra em falta para esclarecer no processo a razão de ser da omissão em ordem a concluir pela negligência a que alude o art. 281.º, n.º 1, do CPC, a qual deve ser avaliada em função dos elementos que os autos objectivamente contenham. IV - A decisão de deserção da instância não tem de ser precedida de contraditório prévio sobre os respectivos pressupostos. | ||
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Decisão Texto Integral: |
EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: ֎ RELATÓRIO Parte I – Introdução 1) D…, Ld.ª e Asormar, Ld.ª, sociedades com sede em ..., intentaram acção declarativa com processo comum contra AA, agente de execução e Ocidental, Companhia Portuguesa de Seguros, SA, com sede em ... (actualmente Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S A), visando a sua condenação solidária a pagar, a título de indemnização: - à primeira quantia não inferior a quarenta mil euros, acrescida dos juros legais vincendos; - à segunda quantia não inferior a cento e sessenta mil euros, acrescida dos juros legais vincendos. Alegam as autoras que no âmbito de uma execução instaurada contra a primeira autora o primeiro réu realizou ilegalmente a penhora de um imóvel sua propriedade, sendo certo que ela era titular de uma quota no valor de sessenta e cinco mil euros do capital social da segunda autora e que um dos motivos da aquisição da quota foi o de permitir a obtenção de empréstimos bancários por parte desta mediante a prestação de garantia hipotecária sobre o referido imóvel. Tendo os réus apresentado contestação o processo foi regularmente tramitado, tendo sido oportunamente designada data para realização da audiência final. 2) Em 8 de setembro de 2021, protestando juntar procuração, a Ilustre Advogada Sr.ª BB (titular da cédula profissional...99L) veio comunicar o falecimento de CC, Ilustre advogado gerente e mandatário constituído das autoras, requerendo a suspensão da instância ao abrigo do disposto no artigo 269.º do Código de Processo Civil. E, por despacho de 10 de setembro de 2021, tendo em conta o teor da certidão de óbito junta, comprovativo do falecimento do mandatário das autoras, foi suspensa a instância (artigo 269.º n.º 1 b) e artigo 271.º do Código de Processo Civil). 3) Não tendo sido, entretanto, praticado qualquer acto processual por parte das autoras relevante para a cessação da suspensão da instância, em 22 de março de 2022, foi proferido o seguinte despacho: “No âmbito da presente acção declarativa comum, em que é obrigatória a constituição de advogado, por despacho proferido em 10 de setembro de 2021, notificado nessa data, foi determinada a suspensão da instância, por falecimento do Ilustre Mandatário das Autoras. Tendo decorrido mais de seis meses, as Autoras não constituíram novo mandatário. Assim sendo e à luz do disposto nos n.ºs 1 e 4 do art.º 281.º do Código de Processo Civil, julga-se deserta a instância. Em consequência, julga-se extinta a acção (art.º 277.º, al. c), do CPC). Custas a cargo das Autoras. Notifique.” 4) Em requerimento apresentado em 11 de abril de 2022 a autora Asormar, Ld.ª, representada pelo seu ... DD, juntou procuração outorgada em ..., em 5 de fevereiro de 2022, conforme deliberação social da mesma data, constituindo sua mandatária a identificada BB, advogada com a cédula profissional ...99L, a quem concedeu os poderes legalmente permitidos para a representar em juízo, incluindo os de confessar, transigir e desistir da instância ou pedido. 5) Em 26 de abril de 2022 a autora Asormar, Ld.ª interpôs recurso de apelação da decisão referida no anterior ponto 3), que julgou extinta a instância por deserção, tendo formulado as seguintes conclusões: “a) O Exm.º Tribunal recorrido não conheceu da negligência omissiva do impulso processual da recorrente, que os autos não indiciam; b) pelo contrário, o referido email de fls. pelo cabeça de casal da herança do gerente e advogado da autora, denotava seguramente que a recorrente continuava sem gerente e, portanto, sem advogado; c) perante estes sinais anómalos, nenhuma diligência prévia foi efectuada para os esclarecer; d) apenas foi proferida a decisão de deserção, tão gravosa da garantia fundamental de acesso aos tribunais, sem a audição da autora; e) assim ficou reduzida a nada a litigância de cinco anos em busca de justiça; f) e foi de todo ignorado o cumprimento do dever de clarificação e de prevenção da inércia processual da autora; f) do mesmo modo, também não foi formulado o devido juízo legal de apuramento da respectiva negligência; g) e, assim, a prévia nulidade processual por omissão foi absorvida pela nulidade da própria decisão por excesso de pronúncia; h) configura, portanto, uma decisão-surpresa, consequentemente nula por oposição ao princípio do contraditório; i) deste modo, a recorrida absolvição da instância por deserção viola sucessivamente os artigos 20º da Constituição da República Portuguesa, 281º, 7º, 3º nº 3 e 615º nº 1 d) do Código de Processo Civil.” 6) Em 27 de abril de 2022 pela autora D..., Lda., foi junta aos autos procuração outorgada em 7 de abril de 2022 através da qual DD, na qualidade de seu gerente com os poderes conferidos pela deliberação da assembleia geral de 3 de fevereiro de 2022, constituiu procuradora da sociedade a identificada advogada BB, cédula ...99L, a quem conferiu todos os poderes forenses legalmente permitidos para a representar em juízo, incluindo os de confessar, desistir e transigir. 7) Em 10 de junho de 2022 a autora D..., Lda. arguiu a nulidade da notificação da sentença que decretou a deserção da instância, requerimento que foi indeferido por despacho de 22 de junho de 2022, data em que foi admitido o recurso de apelação interposto pela autora Asormar, Ld.ª. Em 28 de junho de 2022 a autora D..., Lda., que anteriormente havia requerido a nulidade da sentença, renunciando a tal arguição, requereu a interposição de recurso de apelação por adesão ao recurso interposto pela co-autora Asormar, Ld.ª (artigo 634.º n.º 2 do Código de Processo Civil), com os seguintes fundamentos: “1. Ambas as co-autoras têm um interesse comum na revogação da decisão objecto da apelação, pela qual são directa e efectivamente prejudicadas. 2. Com efeito, através dela foi julgada deserta a instância, na sequência da suspensão da mesma por óbito do seu gerente e mandatário forense, que conjuntamente requereram através da ora signatária. 3. Antes desta decisão final, nenhuma diligência foi feita com o intuito de conhecer a causa da ausência nos autos de representante e de mandatário das co-autoras, que permitisse concluir pelo seu impulso processual negligente – nem essa questão foi nela conhecida. 4. Foi neste mesmo contexto de indefesa que ambas foram notificadas da sentença recorrida: a Asormar, por carta recebida no domicílio indicado nos autos pelo cabeça de casal da herança do falecido gerente e advogado; a D..., Lda., face à devolução de idêntica carta não entregue, baseada na presunção “juris tantum” do artigo 249º nº3 CPC, aplicada não obstante a sua morte.” 8) Por seu acórdão de 28 de fevereiro de 2023 o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação improcedente e confirmou integralmente a decisão recorrida. O acórdão proferido em segunda instância, ora recorrido, regista declaração de voto do Senhor Juiz Desembargador primeiro adjunto, o qual é do seguinte teor: “Declaração de voto Não acompanho o entendimento adoptado no presente acórdão segundo o qual o desrespeito do contraditório, quando cometido pelo juiz ao proferir decisão, constitui nulidade processual, sujeita ao regime das nulidades secundárias – entendo que impondo-se ao juiz observar o contraditório em vista de proferir decisão, o incumprimento de tal dever acarreta a nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, d) do Código de Processo Civil (decisão proferida quanto a questões que, em tais circunstâncias, lhe estava defeso apreciar), susceptível de ser arguida em recurso (trata-se dum ‘campo do direito adjetivo em que devem imperar fatores de objetividade e certeza no que respeita ao manuseamento dos mecanismos processuais’, parecendo mais ‘seguro assentar em que sempre que o juiz, ao proferir alguma decisão, se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita uma formalidade impostos por lei, a parte interessada deve reagir através da interposição de recurso sustentando a nulidade da própria decisão, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. d)’ do CPC, assim integrando no objecto do recurso a arguição da nulidade – Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª Edição, pp. 27 e 28). Questão diversa é a de apreciar se, nos casos em que no despacho em que a suspensão da instância é decretada não foi feita advertência de que a inércia a determinará, deve ou não ser operado o contraditório prévio quanto à verificação dos requisitos da deserção – ressalvado melhor estudo, os argumentos [doutrinais – v. g., Miguel Teixeira de Sousa em comentário de 23/10/2020 a acórdão da Relação de Lisboa de 7/05/2020, no blog do IPPC, no sítio https://blogippc.blogspot.com – e jurisprudenciais – v. g., acórdão da Relação de Lisboa de 7/05/2020 (Ana Azeredo Coelho)] dos que entendem necessário o cumprimento do contraditório não suplantam os argumentos da posição contrária que vem sendo adoptada, de forma consistente, pelo STJ [v. g., por mais recentes, os acórdãos do STJ de 12/01/2021 (Acácio das Neves), de 20/04/2021 (Pedro de Lima Gonçalves) e de 31/01/2023 (Jorge Dias)]. Assim que concluiria não se verificar a nulidade da decisão (por não se impor o cumprimento do contraditório prévio quanto à verificação – ou não – dos pressupostos da deserção da instância).” ◌ ◌ ◌ Parte II – A Revista 9) Inconformadas com o teor do acórdão do Tribunal da Relação do Porto as autoras interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no artigo 675.º n.º 1 e 3 do Código de Processo Civil e, requerendo subsidiariamente a sua admissão a título excepcional, com base na contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 20 de setembro de 2016 no processo 1215/14.0.... Formulam as autoras as seguintes CONCLUSÕES nas suas alegações de recurso de revista: “a) a natureza constitucional do princípio do contraditório como parte integrante do princípio do processo equitativo confere-lhe a força jurídica da aplicação directa e do conhecimento oficioso; b) a verificação da sua ausência injustificada fere de morte o processo justo e equitativo, pelo que tem de anteceder a pronúncia da decisão judicial; c) a omissão desta cautela prévia e a apreciação negativa da negligência na própria decisão de deserção, não constitui uma mera nulidade secundária, porque se repercute de forma crítica no conteúdo justo da própria decisão; d) a falta de prova segura sobre a negligência da parte e do contraditório prévio para esclarecer a causa da sua inércia converte o juízo final de deserção em decisão-surpresa; e) como tal, enferma de nulidade por excesso de pronúncia e dá cobertura a qualquer nulidade secundária anterior, que nela é consumida e integrada no objecto do recurso; f) a nulidade por excesso de pronúncia não é instrumento exclusivo do princípio dispositivo, mas igualmente do princípio do contraditório, ou de qualquer outro de idêntica relevância jurídica; g) a tese da decisão final “dois em 1” – veículo do conhecimento da nulidade secundária e da própria decisão-surpresa – é contrária à supremacia constitucional do princípio do contraditório e colide com a harmonia interpretativa de variadas normas do ordenamento processual; h) põe ainda em crise os valores da certeza e da segurança jurídica, assegurados desde o CPC de 1961, em sede da sentença e do esgotamento do poder jurisdicional do julgador; i) o juízo sobre a negligência das partes não respeita o necessário exame crítico e prudente imposto para justificar uma decisão tão lesiva e razoavelmente imprevista para as partes; j) e porque não foi submetido ao contraditório da audição prévia para esclarecer qualquer aparente inércia, como nova deserção-surpresa que é, está ferido de nulidade por excesso de pronúncia; l) porque assim não julgou, o acórdão da Exma. Relação do Porto violou, sucessivamente, as normas dos artigos 2º, 20º e 18º da Constituição da República Portuguesa, 3º nº 3, 195º nº1, 281º nº1, 613º a 615º nºs1d) e 4 e 607º nºs 3, 4 e 5, todos do Código de Processo Civil”. ◌ ◌ ◌ 10) A ré seguradora apresentou articulado de resposta à alegação pugnando, além da inadmissibilidade do recurso de revista, em qualquer caso pela sua improcedência, uma vez que está em causa uma nulidade secundária que depende de arguição no prazo geral de dez dias pela parte interessada a qual não se mostra coberta pela sentença, sendo ainda certo que constam dos autos suficientes elementos para a avaliação objectiva da negligência das autoras pela falta de impulso processual. ◌ ◌ ◌ 11) O recurso foi liminarmente admitido em segunda instância com o fundamento na apresentação de uma declaração de voto por parte do Senhor Desembargador 1.º adjunto, não se relevando a circunstância de a posição que ele acabou por adoptar ter sido concordante com a decisão ora impugnada. Por despacho do Relator foi admitido o recurso de revista nos termos do artigo 671.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Colhidos os vistos legais dos Senhores Juízes Conselheiros que subscrevem o presente acórdão, importa agora decidir as questões colocadas pelas autoras, ora recorrentes e que, no essencial, se prendem com a validade da sentença que declarou deserta a instância pela inércia das autoras em praticar o actos de que dependia o seu prosseguimento, no caso a obrigatória constituição de mandatário judicial, necessária ao prosseguimento do processo. ֎ ֎ FUNDAMENTAÇÃO 1) As circunstâncias de facto relevantes para a prolação da decisão no presente recurso de revista são as que se mostram mencionadas no antecedente Relatório. Recapitulando. Por despacho proferido em 10 de setembro de 2021, tendo havido conhecimento nos autos do falecimento do ilustre mandatário (e gerente) das autoras, sendo a informação prestada por quem logo se comprometeu a juntar procuração outorgada pelas autoras ao processo, foi a instância suspensa nos termos do artigo 269.º n.º 1 b) e artigo 271.º do Código de Processo Civil. As duas sociedades autoras deliberaram, no início de fevereiro de 2022, mandatar o respectivo gerente para constituir como sua mandatária a ilustre Advogada Dr.ª BB, tendo-o feito a “Asormar, Ld.ª” em 5 de fevereiro e a “D..., Lda.” em 7 de abril de 2022. Nos seis meses posteriores ao despacho que declarou suspensa a instância nenhuma das autoras deu conhecimento nos autos da constituição da sua nova mandatária ou sequer invocou qualquer dificuldade em requerer o prosseguimento os autos. 2) A questão de direito que se coloca no presente recurso de revista, dando como assente que a deserção da instância associada à inércia das partes não é automática, é a de saber se a prolação da sentença a julgar deserta a instância com base na conduta omissiva das autoras em promover o seu regular andamento, carecia de expressa indagação prévia acerca de eventual justificação de tal conduta por forma a concluir-se que ela assentava em negligência das autoras. E se as autoras teriam que ser ouvidas sobre a verificação dos pressupostos da deserção da instância em cumprimento do disposto no artigo 3.º do Código de Processo Civil. É a partir da afirmação da omissão dessa formalidade que se pode concluir pela verificação de uma nulidade, seja ela abrangida pela previsão do artigo 195.º do Código de Processo Civil e sujeita ao regime geral de arguição pelos interessados – como entendeu maioritariamente o acórdão recorrido – ou pela do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do mesmo diploma, como divergentemente declarou um dos Juízes Desembargadores adjuntos. 3) A este propósito a jurisprudência recente deste Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a considerar que “a deserção da instância, enquanto forma da extinção da instância, tem lugar quando o processo esteja numa situação de inércia motivada pela falta de impulso processual das partes e quando essa inércia seja causada por negligência das partes em promover o regular andamento do processo” (Cfr Acórdão desta secção de 12 de janeiro de 2021 na revista 3820/17.3/8SNT.L1.S1). É o que decorre directamente do artigo 281.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Releva exclusivamente para este efeito a paragem do processo por omissão no cumprimento do ónus de promover ou praticar os actos de que depende o normal prosseguimento da tramitação processual (assim também os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de maio de 2019 proferido no recurso de revista 1598/15.4T8GMR.G1.S2 ou o proferido a 14 de maio de 2019 no recurso de revista 3422/15.9T8LSB.L1.S2). 4) Como também tem sido entendimento sobre esta matéria, a negligência a que se refere o artigo 281.º n.º 1 do Código de Processo Civil deve ser aferida em função da realidade objectivamente retratada no processo, sendo suficiente, na ausência de qualquer manifestação processual da parte onerada com a prática dos actos susceptíveis de ocasionar o levantamento da suspensão da instância dando atempadamente conta de eventuais dificuldades em fazê-lo, a constatação da sua omissão – assim também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de março de 2018 na revista 225/15.4T8VNG.P1.S1. 5) No caso presente incumbia necessariamente às autoras constituir novo mandatário, documentando tal facto nos autos nos seis meses seguintes ao da notificação do despacho que declarou a suspensão da instância, para que, tomando a parte contrária conhecimento desse facto, pudesse ser dada por finda a suspensão da instância (artigo 276.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil) e designada a data da audiência final. Ao Tribunal – a quem as autoras nada comunicaram sobre eventuais dificuldades na constituição do novo mandatário – não cabia desenvolver qualquer actividade, restando-lhe aguardar pela constituição do novo mandatário das autoras dado que a intervenção de advogado é obrigatória nos presentes autos. Como se decidiu também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2016 na revista 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 num caso em que a instância estava suspensa a aguardar o impulso da parte “cabendo às partes o ónus do impulso processual, nada podia o tribunal promover em ordem à dita retoma (v. nº 1 do artigo 6º do Código de Processo Civil: “…sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes…”). E, mais adiante, no mesmo aresto, citando António Júlio Cunha (Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., p. 56), “após a demanda cabe ao juiz, atento o seu poder de direção (art. 6º nº 1), providenciar pelo andamento regular e célere da ação, mas ainda assim importa ter em conta que determinados preceitos impõem às partes certos ónus de impulso subsequente como, por exemplo, o ónus de requerer a habilitação dos sucessores da parte falecida (…)”. Ainda no mesmo acórdão, salienta-se que “continua a vigorar no processo civil atual o princípio da autorresponsabilização das partes (estreitamente ligado ao princípio da preclusão)”. Daí que, ainda citando António Júlio Cunha (ob. cit., p. 89) se tenha deixado consignado que as partes, em regra, “não se encontram obrigadas a adotar certos comportamentos, mas se o não fizerem não obterão determinadas vantagens ou daí poderá decorrer um prejuízo. Mas se assim é (…) são as mesmas que respondem pelos resultados negativos (para os seus próprios interesses) da sua conduta”. 6) Por outro lado, devendo a negligência das partes ser avaliada através da análise objectiva dos autos, e não podendo as autoras ignorar a necessidade de impulsionar o processo dentro de determinado prazo nem os efeitos do não cumprimento de tal obrigação, não existe qualquer norma ou princípio que imponha a audição prévia da parte que se encontra em falta para esclarecer no processo a razão de ser da omissão em ordem a concluir pela negligência a que alude o artigo 281.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Ainda acompanhando o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2016 na revista 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1 se dirá que “à parte onerada com o impulso processual é que incumbe (aliás à semelhança do que sucede no caso paralelo do justo impedimento, artigo 140º do Código de Processo Civil), e ainda como manifestação do princípio da sua autorresponsabilidade processual, vir atempadamente ao processo (isto é, antes de se esgotar o prazo da deserção) informar e mostrar as razões de facto que justificam a ausência do seu impulso processual, contrariando assim a situação de negligência aparente espelhada no processo. E é em função desta atividade da parte que o tribunal poderá formular um juízo de não negligência.” 7) No mesmo sentido decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de dezembro de 2016 proferido na revista 105/14.0TVLSB.G1.S1 em cujo sumário se fez constar que estando a instância suspensa por óbito do autor, decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, “o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do Código de Processo Civil/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.” Por especialmente relevantes transcrevem-se ainda os restantes pontos do sumário do citado acórdão: “II - Impendendo sobre as partes que sobreviveram ou qualquer dos sucessores o ónus do impulso processual, cumpre-lhes levar ao processo as circunstâncias que levam o Tribunal a considerar que ocorre situação justificativa de que não se considere verificada inércia negligente. III - Ainda assim, e no caso de deserção da instância por não ter sido levado ao conhecimento do Tribunal nenhuma circunstância que afaste o juízo de negligência, a parte ou o seu mandatário podem invocar justo impedimento nos termos do artigo 140.º do CPC/2013. IV - Considerando que a deserção da instância per se não implica a perda do direito de ação, considerando que o prazo de seis meses é um prazo suficientemente amplo para que os interessados possam ter conhecimento da ação suspensa e exercer, querendo, os seus direitos processuais, considerando ainda que, mesmo em caso de inércia a impor decisão que declare a deserção da instância, salvo fica sempre o justo impedimento, não se justifica interpretação corretiva da lei no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses e antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância.” 8) Ainda no mesmo sentido da inexistência da violação de eventual obrigação de audição prévia das partes antes da prolação de sentença a declarar deserta a instância se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: - de 5 de julho de 2018 proferido na revista 5314/05.0TVLSB.L1.S2: “II - A aferição da negligência da parte, enquanto pressupostos da deserção da instância, deve ser feita em face dos elementos que constam do processo, pelo que inexiste fundamento para a respectiva decisão ser precedida de audiência prévia das partes”; - de 18 de setembro de 2018 proferido na revista 2096/14.9T8LOU-D.P1.S1: “III – Nessas circunstâncias, não cabia ao tribunal ordenar o prosseguimento dos autos através de qualquer diligência, nem lhe era exigível determinar a notificação da recorrente antes de proferir o despacho a declarar extinta a instância”. 9) Ainda mais recentemente, e por esta mesma secção, versando sobre a temática que nos ocupa, foi proferido em 20 de abril de 2021, na revista 27911/18.4T8LSB.L1.S1, acórdão de cujo sumário consta o seguinte: “III. No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual. IV. A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes. V. Não ocorre inconstitucionalidade por violação do princípio do processo equitativo, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.” E no mesmo sentido do sumariado no ponto IV também se pronunciou o acórdão desta secão de 31 de janeiro de 2023 na revista 18932/16.2T8LSB.L2.S1. 10. Não se desconhecem, mas não se acompanham, os argumentos que, em contrário, são aduzidos, na doutrina e na jurisprudência, por quem, sobre a possibilidade de ser decretada a deserção da instância quando constatada a negligência das partes no impulso processual dos autos e o decurso do prazo legal, nos casos em que o despacho de suspensão da instância não contenha a cominação que resulta da sua inércia, faz depender a validade da decisão de deserção da instância, do contraditório prévio sobre os respectivos pressupostos (artigo 3.º do Código de Processo Civil). Antes de adere, na sequência aliás do entendimento que vem sido adoptado pelo Supremo Tribunal de Justiça, à ideia de que tal cominação está inequivocamente expressa na lei e a parte em falta não pode invocar a existência de uma decisão-surpresa quando nenhuma atitude tomou no sentido de alertar o Tribunal para a impossibilidade ou dificuldade em impulsionar os autos dentro do prazo previsto na lei. 11) Em jeito de conclusão se dirá agora que a sentença proferida em primeira instância não incorreu em qualquer nulidade e que, como exaustivamente demonstrado em segunda instância, os autos continham na data em que a sentença foi proferida inequívoca demonstração da negligência das autoras em promover a cessação da suspensão da instância. E sendo assim, irrelevante se torna saber se, em abstracto, a nulidade invocada pelas autoras deve ser tratada como nulidade sujeita ao regime de arguição das nulidades previstas no artigo 195.º e seguintes do Código de Processo Civil ou se deve ser havida como nulidade da sentença por excesso de pronúncia sem se encontrarem verificadas as condições legais de que depende o conhecimento das questões abordadas. Nenhuma censura merece, pois, o acórdão recorrido, sendo integralmente improcedentes as conclusões das alegações de recurso apresentadas pelas autoras no que toca à violação de qualquer norma ou princípio de natureza substancial ou adjectiva, inclusive com assento na lei fundamental. 12) As custas da revista são da responsabilidade das autoras que nela ficaram vencidas. ֎ ֎ DECISÃO Termos em que julgam improcedente a revista interposta por D..., Lda. e Asormar, Ld.ª e confiram o acórdão recorrido. As custas do recurso interposto ficam a cargo de ambas as autoras recorrentes. Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 10 de outubro de 2023
Manuel José Aguiar Pereira (Relator) Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé António Pedro de Lima Gonçalves |